Revista Iberoamericana de Educación [(2021), vol. 86 núm. 1, pp. 187-204] - OEI

https://doi.org/10.35362/rie8614346 - ISSN: 1022-6508 / ISSNe: 1681-5653

recibido / recebido: 25/03/2021; aceptado / aceite: 12/05/2021

Educação básica e pandemia. Um estudo sobre as perceções dos professores na realidade portuguesa*

José Augusto Pacheco 1 ; José Carlos Morgado 1 ; Joana Sousa 1 ; Ila Beatriz Maia 1,2

1Universidade do Minho, Portugal, 2Doutoranda em Ciências da Educação, com Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2020.04489.BD), Portugal.

Resumo. Partindo-se das opções políticas em educação na Ibero-América, este artigo incide na análise de medidas tomadas em Portugal em resposta à evolução da pandemia da Covid-19. Da análise teórico-conceptual ressaltam o uso sistemático da modalidade de ensino a distância e os efeitos que acentuam uma realidade educacional marcada pela desigualdade e exclusão. Baseado num estudo empírico, de natureza quantitativa, através da implementação de um questionário a professores dos ensinos básico e secundário (n=280), são apresentados dados que caracterizam duas fases distintas: o encerramento das escolas com a emergência da pandemia; o regresso ao ensino presencial, a partir do momento em que já existia o controlo da pandemia. Os dados empíricos revelam que os professores evidenciam que o ensino a distância origina desigualdades entre os alunos e contribui para a redução das aprendizagens, manifestando, ainda, que os professores aderiram às medidas inovadoras introduzidas pelas tecnologias digitais. Os professores revelam um certo ceticismo em relação à valorização social da profissão docente e da escola. Como desafio para o currículo pós-Covid-19 é destacada a importância da educação para a cidadania, organizada na escola a partir da procura de respostas para problemas globais e locais.

Palavras-chave: pandemia; educação básica; desigualdade; aprendizagem; cidadania.

Educación básica y pandemia. Un estudio sobre las percepciones de los docentes en la realidad portuguesa

Resumen. Partiendo de las opciones políticas en materia de educación en Iberoamérica, este artículo se centra en el análisis de las medidas adoptadas en Portugal en respuesta a la evolución de la pandemia de la COVID-19. Desde el análisis teórico-conceptual, se destaca el uso sistemático de la modalidad de educación a distancia y los efectos que acentúan una realidad educativa marcada por la desigualdad y la exclusión. Basado en un estudio empírico, de carácter cuantitativo, mediante la aplicación de un cuestionario a profesores de educación primaria y secundaria (n=280), se presentan datos que describen dos fases distintas: el cierre de las escuelas con la irrupción de la pandemia; la vuelta a la enseñanza presencial, desde el momento en que la pandemia ya estaba bajo control. Los datos empíricos muestran que los docentes ponen de manifiesto que la educación a distancia provoca desigualdades entre los alumnos y contribuye a reducir los aprendizajes, y que, además, los profesores han adoptado las medidas innovadoras introducidas por las tecnologías digitales. Los profesores revelan cierto escepticismo respecto a la valoración social de la profesión docente y de la escuela. Como reto para el currículo post COVID-19 se destaca la importancia de la educación para la ciudadanía, que organiza la escuela a partir de la búsqueda de respuestas a problemas globales y locales.

Palabras clave: pandemia; educación básica; desigualdad; aprendizaje, ciudadanía..

Basic education and pandemic. A study about teachers’ perceptions in the Portuguese reality

Abstract. Starting from the political options on education in Ibero-America, this article focuses on analyzing measures taken in Portugal to respond to the evolution of the Covid-19 pandemic. From the theoretical-conceptual analysis, we highlight the systematic use of online education and the effects that accentuate an educational reality discernable by inequality and exclusion. Based on quantitative empirical study, of quantitative, through the implementation of a questionnaire to teachers of primary and secondary schools (n=280), data characterizing two distinct phases are presented: the closure of schools with the emergence of the pandemic; the return to face-to-face teaching, from the moment when the pandemic was already under control. The empirical data show that teachers emphasize that online learning leads to inequalities among students and contributes to reduced learning and that teachers have embraced the innovative measures introduced by digital technologies. Teachers reveal a certain skepticism regarding the social valorization of the teaching profession and the school. As a challenge for the post-Covid-19 curriculum, the importance of education for citizenship, organized in the school according to the search for responses to global and local problems, is highlighted.

Keywords: pandemic; basic education; inequality; learning; citizenship

1.Introdução

Para além de uma revisão teórico-conceptual sobre a pandemia da Covid-19 (a seguir, designada pandemia), fazemos a análise de orientações decididas por algumas organizações internacionais, na medida em que a humanidade enfrentou a mais global e prolongada crise educacional com o encerramento físico das escolas. Das diversas referências mencionadas ao longo do texto sobressaem vários efeitos, sendo a desigualdade um dos principais, tal como a redução das aprendizagens. Tendo como contexto a Ibero-América, concretamente Portugal, apresentamos neste artigo algumas das análises realizadas sobre a relação entre pandemia e educação básica (que inclui os ensinos básico e secundário), identificamos medidas tomadas pelo Ministério da Educação e procedemos à realização de um estudo empírico, de natureza quantitativa, sobre as perceções dos professores, e cujos resultados exploramos de modo mais pormenorizado através de várias técnicas de recolha e de análise de dados. Sendo apenas um estudo exploratório, a pesquisa realizada tem como objetivo principal o estudo da realidade portuguesa, no contexto da pandemia, a partir das conceções dos professores da educação básica, de modo a levantar questões que possam identificar quer aspetos mais críticos, quer novos desafios.

2.Das medidas emergentes da pandemia e dos seus efeitos educacionais ao nível da escola

A mais rápida emergência de uma pandemia na história da humanidade, certamente relacionada com a globalização que se observa de modo abrangente ao nível das atividades pessoais e sociais, originou uma prolongada disrupção da educação escolar, provocada, em parte, pela medida de distanciamento físico praticada em larga escala. Face a uma situação pandémica totalmente imprevista, apenas imaginada pela ficção científica ou pela narrativa literária, os governos tiveram de assumir políticas educativas de substituição do ensino presencial pelo ensino a distância1 (envolvendo atividades remotas e não presenciais) e de intervir ao nível da avaliação, essencialmente quando a entrada no ensino superior está ligada à finalização de exames nacionais implementados no ensino secundário.

A disrupção da atividade escolar aconteceu à escala global, afetando 190 países e cerca de 1.7 mil milhões de alunos, concretizando-se no encerramento total ou parcial das escolas (Banco Mundial, 2020; OCDE, 2020) e trazendo novos desafios ao nível do uso sistemático do ensino a distância e da valorização das aprendizagens num espaço de tempo bastante curto (OEI, 2021; Reimers & Schleicher, 2020a, 2020b).

Todavia, o “novo normal” em educação – traduzido pelo uso das tecnologias digitais como bússola da aprendizagem (OCDE, 2019) e como orientação para o domínio de competências digitais (OEI, 2021) – não começa com a pandemia, sendo apenas por ela acelerado, face à premência de manter as escolas com atividades escolares para que os alunos não fossem alvo de um abandono institucional. O novo normal relaciona-se com a digitalização das relações e com o zoomismo, embora o digital não venha a substituir a relação pedagógica, como se tem pretendido com os sucessivos recursos introduzidos na escola (Morgado, Sousa & Pacheco, 2020).

De imediato, em março de 2020, após a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a pandemia, os governos, a par de medidas urgentes de intervenção sanitária, direcionaram as políticas educativas para medidas que garantissem o funcionamento virtual da escola, com todas as vantagens e desvantagens que daí poderiam advir. Ao nível global, e mais particularmente na Ibero-América, os governos atuaram no sentido de criar infraestruturas para o funcionamento do ensino a distância – plataformas digitais, rádio, televisão, serviço postal –, de garantir as aprendizagens essenciais a todos os alunos e de envolver os professores e os pais/encarregados de educação, destacando que o papel dos professores é fundamental para o sucesso dos alunos (Granados, 2020; Reimers & Schleicher, 2020a, 2020b).

Para além da tecnologia digital, cuja análise se fez a partir da sua utilização em meio escolar, na comparação das diversas modalidades e no modo de organização pedagógica da sala virtual (Daniel, 2020), a discussão foi recentrada nas questões ligadas à desigualdade, com a evidenciação de dados por países e continentes (UNESCO, UNICEF, Banco Mundial, 2020) que demonstram quão desigual é o uso das tecnologias, incluindo o acesso à Internet. O grande desafio tornou-se, assim, na criação de uma infraestrutura tecnológica adequada, tal como na garantia de que o ensino a distância chegaria a todos os alunos. Se a pandemia tem um tom geral de igualdade nos modos de infeção, as consequências derivadas do fecho das escolas e da utilização do ensino presencial são bastante diferenciadoras dos alunos, sendo destacadas as diferenças entre os alunos, bem como a sua motivação e as suas habilidades para aprender de modo independente.

Um dos efeitos mais destacados da pandemia na educação escolar não é tanto a utilização das tecnologias digitais, embora o seu uso como alternativa ao ensino presencial seja um dado novo para a grande maioria dos alunos, mas as desigualdades que as mesmas provocam, como é reconhecido, para a Ibero-América:

A pandemia expôs os graves problemas e ineficiências de nossos sistemas de ensino: desigualdade e preocupante distância do mundo digital, penalizando os mais desfavorecidos; professores com pouca ou nenhuma habilidade e competência digital; currículos enciclopédicos praticamente inviáveis e com pouca relevância … subvalorização de outros espaços educacionais não formais, tanto virtuais quanto presenciais, etc. (Jabonero, 2020, p. 21).

Também Treviño, Villalobos e Castillo (2020, p. 375) referem que as formas virtuais (síncronas e assíncronas) de aprendizagem constituem um grande desafio para os professores, para os alunos e para as famílias, abrindo brechas na rigidez dos sistemas escolares, com novas formas para “a promoção da aprendizagem cognitiva, do desenvolvimento integral e da cidadania de crianças e jovens”. Com as novas formas de aprender, que exigem recursos e materiais educativos e pedagógicos a partir do uso de tecnologias digitais, por um lado, surgem mais espaços de autonomia curricular das escolas e de autonomia pedagógica dos professores, e por outro, alarga-se o fosso da desigualdade entre os alunos, dentro de cada país e entre os países, com penalização para os que pertencem a contextos socioeconómicos desfavorecidos, como realça Reimers (2020a).

Com efeito, a pandemia tem revelado que a associação negativa entre resultados escolares e contexto socioeconómico agrava-se ainda mais, com tendência para que os fatores externos à escola sejam mais decisivos que os fatores internos (Sahlberg, 2021; Tadesse & Muluye, 2020). A desigualdade e a exclusão tornam-se mais visíveis com a pandemia, como reconhece a UNESCO (2020a, 2020b), originando perdas de aprendizagem significativas para muitos alunos e ampliando as suas lacunas de aprendizagem, quando comparadas por países (Reimers, 2020b). Como evidenciam estudos sobre a avaliação institucional de escolas (Pacheco, Morgado & Sousa, 2020), a qualidade das aprendizagens está fortemente relacionada com práticas sistemáticas de autoavaliação das escolas, com práticas de flexibilização e inovação curriculares e com práticas de autonomia pedagógica dos professores, para além da participação ativa e motivada dos alunos e do envolvimento dos pais/encarregados de educação e da comunidade educativa, como evidencia também Sahlberg (2021), quando se refere à realidade escolar da Finlândia.

De um modo mais preocupante, de acordo com o alerta do secretário-geral das Nações Unidas (ONU, 2020), a pandemia está a aprofundar as disparidades educacionais que já existiam, reduzindo as oportunidades de aprendizagem das crianças, dos jovens e dos adultos mais vulneráveis, nomeadamente os que vivem em zonas pobres ou rurais, meninas, refugiados, pessoas com deficiência e pessoas deslocadas à força. As perdas de aprendizagem também ameaçam estender-se para além desta geração e apagar décadas de progresso, sobretudo ao nível da inclusão e da igualdade. Neste documento político da ONU, baseado em dados do relatório da UNESCO et al. (2020), são assinaladas por regiões as medidas de resposta à pandemia ao nível do ensino a distância. No “online”, os resultados colocam em primeiro lugar a Europa, seguida da América Latina e Caraíbas, bem próxima da Ásia e da Oceânia, surgindo, em último, África. Por conseguinte, a pandemia não só acelera as mudanças na educação escolar em direção à sociedade digital, com repercussões nos modos de ensinar e de aprender, como também agrava as disparidades em termos de garantir as mesmas oportunidades de aprendizagem (ONU, 2020).

A crise que a pandemia provoca na educação é apenas uma de entre outras, constituindo, porém, um momento de mudança, o que permite a Granados (2020) – para a América Latina e Caraíbas e de forma extensiva para a sociedade global – colocar esta questão: Num futuro que já está aqui, como será a educação?

A Agenda 2030 é uma resposta que está em curso, como a OEI (2021) tem reforçado, por exemplo, através do Relatório “Competências para o século XXI na Ibero-América”, elaborado com o objetivo de realizar uma análise e um diagnóstico que espelhassem o desenvolvimento legislativo na região, em termos de implementação do ensino com base em competências (Laborinho et al., 2020). Sendo transversais a todos os desafios, as competências digitais ocupam um lugar de relevo na formação das crianças e dos jovens de hoje, que são os adultos do amanhã, sendo certo que a sociedade digital marcará ruturas significativas no modo como as pessoas se relacionam entre si, como são educadas e formadas e como estão sujeitas a um processo de subjetivação através de uma educação digital.

Em consequência, a educação orientar-se-á por perspetivas multiculturais (ONU, 2020), pela cidadania como compromisso global e pessoal (Treviño et al., 2020), pela solidariedade, colaboração e escolhas éticas (Reimers, 2020b), bem como por uma tradição mais humanista centrada no conhecimento do mundo (Pacheco, 2020b). Latour (2020) levanta a hipótese de que a pandemia será um ponto de partida para ter uma relação mais consciente com o meio ambiente e a gestão sustentável dos recursos humanos. Mesmo assim, a pandemia não deixa de ser um acontecimento inquietante e perturbador, que desfaz a normalidade e cria outras oportunidades, para além de ser o motor de novas ameaças (Lévy, 2020).

Para que não seja uma ameaça, embora a questão da desigualdade constitua um enorme desafio a superar por todos os países, a pandemia pode cortar com a tendência de isolamento curricular (Morgado et al., 2020), ou seja, com a implementação do currículo centrada mais nos resultados do que nas pessoas, mais no conhecimento disciplinar do que no conhecimento interdisciplinar, mais nos problemas de resolução cognitiva do que nos problemas do dia a dia, bem como mais no mundo geral e abstrato do que no mundo real das pessoas. Contrariamente, e sem que a importância do conhecimento científico e das competências exigidas para viver dentro desse futuro seja secundarizada, a mudança curricular centrada na cidadania revela-se como desafio estratégico para os sistemas educativos. Será também uma outra escola, com uma formação diferenciada de cidadania (Fernandes, 2020), com práticas sustentadas de inclusão (ONU, 2015) e com formas de estudo que resultem de uma conversação curricular complexa orientada para a reconstrução humana (Pinar, 2019).

3.Metodologia

O estudo empírico, de natureza quantitativa (Bogdan & Biklen, 1994), realizado sobre a realidade portuguesa, contém as características de um estudo de caso (Morgado, 2019), já que está centrado quer nas medidas adotadas pelo governo português, quer nas perceções dos professores face a essas medidas e ao modo como a pandemia pode alterar o currículo da educação básica. Declarada a pandemia e identificadas as soluções de resposta à emergência sanitária, o governo português, no período de março a julho de 2020, coincidente com o fim do 2.º período letivo e durante o ٣.º período, determinou o encerramento físico das escolas, adotando de imediato várias medidas2 para os alunos da educação básica, nomeadamente: a) suspensão do ensino presencial; b) regresso do ensino presencial para os alunos do ensino secundário apenas em alguns anos de escolaridade (11.º e ١٢.º) e em disciplinas nucleares de acesso ao ensino superior, no 3.º período; c) redução dos exames nacionais do ensino secundário às disciplinas definidas como nucleares para entrada em cursos do ensino superior; d) regresso das crianças da educação pré-escolar (dos três aos seis anos), em julho de 2020, e da educação em creche (dos 0 aos três anos), no mês anterior, ainda que numa frequência bastante inferior ao normal; e) funcionamento do ensino a distância, com atividades síncronas e assíncronas para todos os alunos da educação básica, exceto para os alunos em anos com exames nacionais, no ensino secundário; f) funcionamento do #EstudoEmCasa (um programa de ensino a distância por televisão, em parceria com o canal público, para as crianças do pré-escolar e dos alunos do ensino básico, ambos dos três aos 15 anos; g) realização da avaliação dos alunos no 3.º período letivo para todos os alunos da educação básica. Porém, muitas destas medidas foram direcionadas para as atividades letivas de cursos regulares, deixando de fora tanto o apoio pedagógico e especializado que cada escola oferece aos alunos, quanto os alunos de cursos de educação profissional/vocacional e de outras formações mais específicas.

O início do novo ano letivo, em setembro de 2021, ficou marcado pelo regresso dos alunos à escola e ao ensino presencial, tendo-se mantido durante todo o 1.º período, sob fortes medidas sanitárias de prevenção, de acordo com as orientações da OMS de que as escolas não eram focos de infeção com incidência generalizada. As primeiras cinco semanas de aulas foram dedicadas à recuperação das aprendizagens, com destaque também para o reforço do Perfil dos Alunos, no contexto das competências para o século XXI, sobretudo das competências ligadas à cidadania, à saúde e às tecnologias digitais, para além do investimento na digitalização das escolas, na melhoria dos equipamentos informáticos, na conectividade das escolas e dos alunos, assim como na formação de professores nesta área e na promoção de medidas orientadas para reforçar a luta pela equidade e pelo combate ao insucesso e abandono escolares (Pacheco, 2020a). Destaca-se, ainda, no período de março a julho de 2020, coincidente com a suspensão do ensino presencial, a adesão dos professores, alunos e pais a uma transição rápida para o ensino a distância, bem como a formação de professores em tecnologias digitais. Com o agravamento da pandemia, o governo decretou a suspensão do ensino presencial, a partir de oito de fevereiro de 2021, criando um tempo de espera de duas semanas para que fossem criadas as condições para a implementação do ensino a distância, incluindo a garantia de equipamento informático e de ligação à Internet dos alunos, situação que se manteve até abril de 20213.

É sobre as duas primeiras fases que incide o inquérito por questionário a professores (n=280) da educação básica, cuja estrutura seguiu a escala de Likert (1 – Discordo totalmente; 2 – Discordo; 3 – Sem opinião; 4 – Concordo; 5 – Concordo totalmente) e a inclusão de variáveis de caracterização (género, idade, tempo de serviço, situação profissional e habilitações académicas) e de variáveis de opinião, sendo os 37 itens distribuídos por quatro categorias: ensino a distância, ensino presencial, satisfação docente e alterações curriculares, cuja consistência interna é significativa (0,794), de acordo com o alfa de Cronbach.

Para a análise dos dados foram utilizados vários procedimentos estatísticos: frequência para as variáveis de caracterização; média, desvio padrão e análise fatorial para as variáveis de opinião (Matos & Rodrigues, 2019; Moreira, 2006). A amostra aleatória (n=280) é constituída por docentes em exercício, sem distinção de zonas geográficas ao nível do território continental. As respostas foram recolhidas de 11 a 29 de janeiro, através do Microsoft forms, permitindo a seguinte caracterização: 76,7% são do género feminino, 22,9% do género masculino e 0,40% a outro; 41,8% têm idades situadas entre 51 e 60 anos, 33,3% entre 41 e 50 anos, 13,2% mais de 60 anos, 9,6% entre 31 e 40 anos e 2,1% entre 21 e 30 anos; relativamente ao tempo de serviço, 38,2% situam-se no intervalo entre 21 e 30 anos, 34,6% mais de 30 anos, 20,4% entre 11 e 20 anos e 6,8% entre 1 e 10 anos; quanto à situação profissional, 70% dos respondentes pertencem ao quadro de Agrupamento de Escolas, 15% ao quadro de zona pedagógica e 15% são contratados; ao nível das habilitações literárias, 67,5% têm licenciatura, 26,8% o mestrado, 3,6% bacharelato e 2,1% o doutoramento.

4.Descrição e análise dos resultados

Na Tabela 1 são apresentados os resultados das variáveis independentes da dimensão “Ensino a distância”, com resultados da média (x̄) e do desvio padrão (S). A partir das 15 variáveis, 11 situadas em zona de concordância e quatro na zona de indefinição avaliativa4, e por ordem decrescente, os resultados indicam que as medidas tomadas pelo governo português, face à ausência quase generalizada do ensino presencial, desde março a julho de 2020, abrangendo um terço do ano letivo (3.º período escolar), tiveram os seguintes efeitos: a necessidade de adaptação dos professores às tecnologias digitais; o contacto dos professores com os alunos através de diversos canais de mediação (email, plataformas, serviço postal…); o aumento do trabalho burocrático dos professores, sobretudo ao nível da planificação de atividades letivas; o agravamento das desigualdades entre alunos face às suas aprendizagens; a criação de um novo normal no funcionamento da escola, como resposta às regras sanitárias introduzidas para dar resposta à pandemia; a maior penalização dos alunos que beneficiavam de medidas de inclusão educativa; a alteração da relação pedagógica professor/aluno; a adesão dos professores às alterações introduzidas pelas novas formas de ensinar; o papel mais ativo dos pais/encarregados de educação na atividade escolar dos seus educandos; a redução do apoio pedagógico aos alunos na escola; a implementação na escola do ensino a distância, com recurso às tecnologias digitais; o acesso, pelos alunos, aos recursos necessários para o ensino não presencial; o reconhecimento de que o ensino a distância foi mais penalizante para os alunos de cursos de educação profissional; o contributo do #estudoemcasa para os alunos não se distanciarem das atividades escolares.

Tabela 1. Resultados da dimensão “Ensino a distância”

Itens

S

As regras sanitárias introduzidas como resposta à pandemia criaram um novo normal ao nível do funcionamento da escola

4,03

.972

O que foi alterado na escola foi, essencialmente, o ensino a distância, com recurso às tecnologias digitais

3,16

1.282

O #estudoemcasa permitiu que os alunos não se distanciassem das atividades escolares

3,05

1.216

O contacto dos professores com os alunos verificou-se através de diversos canais de mediação (email, plataformas, serviço postal…)

4,49

.616

A implementação do ensino a distância exigiu uma adaptação dos professores às tecnologias digitais

4,59

.555

O ensino a distância alterou a relação pedagógica entre professor/aluno

3,75

1.108

Os professores aderiram com facilidade às alterações introduzidas pelas novas formas de ensinar

3,53

1.012

Os pais/encarregados de educação tiveram um papel mais ativo na atividade escolar dos seus educandos

3,50

.980

A ausência quase generalizada do ensino presencial originou uma redução efetiva ao nível das aprendizagens dos alunos

3,75

1.130

A ausência quase generalizada do ensino presencial aumentou o trabalho burocrático dos professores, sobretudo ao nível da planificação de atividades letivas

4,44

.827

A ausência quase generalizada do ensino presencial agravou as desigualdades entre alunos face às suas aprendizagens

4,06

1.000

Os alunos tiveram acesso aos recursos necessários para o ensino não presencial

3,14

1.179

O ensino a distância contribuiu para a redução do apoio pedagógico aos alunos

3,49

1.185

O ensino a distância foi mais penalizante para os alunos de cursos de educação profissional

3,14

.823

O ensino a distância foi mais penalizante para os alunos que beneficiavam de medidas de inclusão educativa

3,89

.931

Fonte: elaboração própia.

Numa segunda fase, no início do ano letivo de 2020/21 (setembro de 2020), o governo português reabriu as escolas e os alunos regressaram ao “Ensino presencial”, denominação da dimensão que consta da Tabela 2 e que integra nove variáveis dependentes (oito na zona de concordância e uma na zona de discordância), seriadas em função dos valores obtidos a partir dos valores da média, apresentados, de seguida, por ordem decrescente: a relação pedagógica, através do ensino presencial, é parte inerente da identidade da escola; o início do ano letivo de 2020/21 marca o regresso ao ensino presencial; os professores estão, hoje em dia, mais familiarizados com o uso das tecnologias digitais; as tecnologias digitais fazem, cada vez mais, parte do quotidiano das salas de aula; a consolidação das aprendizagens dos alunos foi realizada no início do ano letivo de 2020/21; o apoio pedagógico voltou a ser realizado presencialmente na escola; os alunos beneficiaram, a partir do início do ano letivo de 2020/21, de apoio pedagógico; a partir dessa data, os alunos demonstraram uma maior necessidade de apoio pedagógico; o apoio pedagógico, a partir do início do ano letivo de 2020/21, tem sido realizado através de recursos online.

Tabela 2. Resultados da dimensão “Ensino presencial.”

Itens

S

O início do ano letivo de 2020/21 significou o regresso ao ensino presencial

4,49

.661

A consolidação das aprendizagens dos alunos foi realizada no início do ano letivo de 2020/21

4.03

.846

Os alunos beneficiaram, a partir do início do ano letivo de 2020/21, de apoio pedagógico

3,64

1.069

Os alunos, a partir do início do ano letivo de 2020/21, mostraram uma maior necessidade de apoio pedagógico

3,48

1.026

O apoio pedagógico, a partir do início do ano letivo de 2020/21, tem sido realizado através de recursos online

2,52

1.074

O apoio pedagógico, a partir do início do ano letivo de 2020/21, tem sido realizado presencialmente na escola

3,86

1.045

Os professores estão, hoje em dia, mais familiarizados com o uso das tecnologias digitais

4,25

.653

As tecnologias digitais fazem parte, cada vez mais, do quotidiano das salas de aula

4,16

.789

A relação pedagógica, através do ensino presencial, é parte inerente da identidade da escola

4,60

.620

Fonte: elaboração própia.

As mudanças provocadas pela pandemia ao nível das escolas e das práticas de ensino e de aprendizagem, que durante o ano de 2020 se verificaram, em Portugal, em duas fases distintas – a do ensino a distância e do regresso ao ensino presencial –, originaram, ou não, situações de “Satisfação docente”, denominação atribuída à dimensão (Tabela 3), que integra cinco variáveis dependentes (todas na zona de indefinição avaliativa), e cujos resultados são assim seriados: penso que a escola adquiriu mais protagonismo social com a pandemia; sinto satisfação pessoal em ser professor nestes tempos de pandemia; sinto satisfação institucional em ser professor nestes tempos de pandemia; sinto que a pandemia tem contribuído para a valorização social da profissão docente; considero adequadas as medidas tomadas pelo Ministério da Educação no contexto da pandemia.

Tabela 3. Resultados da categoria “Satisfação docente.”

Itens

S

Sinto satisfação pessoal em ser professor nestes tempos de pandemia

3,12

1.322

Sinto satisfação institucional em ser professor nestes tempos de pandemia

2,99

1.223

Sinto que a pandemia tem contribuído para a valorização social da profissão docente

2,86

1.286

Penso que a escola adquiriu mais protagonismo social com a pandemia

3,22

1.164

Considero adequadas as medidas tomadas pelo Ministério da Educação no contexto da pandemia

2,75

1.182

Fonte: elaboração própia.

Decorrentes dos efeitos da pandemia na organização curricular da educação básica, são apresentados os seguintes resultados das sete variáveis dependentes (situadas na zona de concordância) que constituem a dimensão “Alterações curriculares” (Tabela 4): a pandemia deve contribuir para a valorização curricular da educação para a cidadania; a pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível global; a pandemia contribui para a necessidade de adaptar o currículo ao contexto, incluindo a situação dos alunos; a pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível local; a pandemia contribui para a necessidade de serem alteradas as práticas curriculares centralizadas nos resultados escolares; a pandemia contribui para a necessidade de a escola ser dotada de autonomia na construção do currículo; a pandemia pode constituir um momento único para que os alunos sejam consciencializados na escola para o tema das mudanças climáticas.

Tabela 4. Resultados da categoria “Alterações curriculares”

Itens

S

A pandemia contribui para a necessidade de serem alteradas as práticas curriculares centralizadas nos resultados escolares

3,71

.935

A pandemia contribui para a necessidade de a escola ser dotada de autonomia na construção do currículo

3,49

1.030

A pandemia pode constituir um momento único para que os alunos sejam consciencializados na escola para o tema das mudanças climáticas

3,49

1.033

A pandemia deve contribuir para a valorização curricular da educação para a cidadania

3,98

.921

A pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível global

3,86

.938

A pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível local

3,82

.906

A pandemia contribui para a necessidade de adaptar o currículo ao contexto, incluindo a situação dos alunos

3,82

.950

Fonte: elaboração própia.

Os valores expressos do desvio-padrão indicam, tal como é expetável num inquérito por questionário que recolhe opiniões dos docentes, que mais de metade das variáveis se situam na zona de baixa concordância (>1.00), sendo menor o número daquelas que se distribuem pelas zonas de moderada/alta concordância (0,41-0,70) e de moderada/baixa concordância (0,71-1,00), respetivamente, quatro e 13 variáveis.

Após uma apresentação global das perceções dos professores quanto às mudanças ocorridas em Portugal, primeiro com a adoção do ensino a distância e depois com o regresso ao ensino presencial, os dados foram tratados através da análise fatorial, uma das técnicas mais utilizadas na pesquisa de natureza quantitativa e que consiste em identificar variáveis interrelacionadas através da extração de fatores. Pela realização dos testes KMO (0,774) e de esfericidade de Bartlett (p < 0,05) verificou-se a adequação da amostra e da base de dados, tendo identificado cinco fatores, de acordo com a figura 1.

Os cinco fatores extraídos a partir das 36 variáveis dependentes, através do método das componentes principais, com rotação ortogonal (método Varimax), explicam 43,8% da variabilidade dos dados, valor que ficou aquém do recomendado (60%), embora os fatores sejam interpretáveis e os valores de extração de cada variável para efeitos da comunalidade sejam, na sua quase totalidade, superiores a 0,50. Na estimação da matriz dos pesos fatoriais rotacionados foi considerado o valor superior a 0,450.

Figura 1. Gráfico Scree plot.

O fator 1 (Tabela 5) é explicado por cinco variáveis fortemente correlacionadas de forma positiva, assim identificadas: a pandemia pode constituir um momento único para que os alunos sejam consciencializados na escola para o tema das mudanças climáticas; a pandemia deve contribuir para a valorização curricular da educação para a cidadania; a pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível global; a pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível local; a pandemia avivou a necessidade de adaptar o currículo ao contexto, incluindo a situação dos alunos. Este fator é denominado novos desafios que a pandemia coloca à educação escolar ao nível da educação básica, sobretudo no que diz respeito à centralidade da educação para a cidadania, baseada em problemas globais e locais, e à adequação do currículo ao contexto.

O fator 2 é explicado por três variáveis fortemente interrelacionadas de modo positivo: a ausência quase generalizada do ensino presencial originou uma redução efetiva ao nível da aprendizagem dos alunos; a ausência quase generalizada do ensino presencial agravou as desigualdades entre alunos face às suas aprendizagens; os alunos, a partir do ano letivo de 2020/21, mostraram uma maior necessidade de apoio pedagógico. Na medida em que abrange questões relacionadas com a aprendizagem, o fator é denominado efeitos do ensino a distância.

Cinco variáveis fortemente interrelacionadas de modo positivo explicam o fator 3, estritamente relacionado com a satisfação dos docentes: sinto satisfação pessoal em ser professor nestes tempos de pandemia; sinto satisfação institucional em ser professor nestes tempos de pandemia; sinto que a pandemia tem contribuído para a valorização social da profissão docente; penso que a escola adquiriu mais protagonismo social com a pandemia; considero adequadas as medidas tomadas pelo Ministério da Educação no contexto da pandemia. Porém, e dado os valores da média, atribui-se a designação de ceticismo docente a este fator.

O fator 4 é explicado por quatro variáveis fortemente interrelacionadas de modo positivo, traduzindo consequências ao nível dos professores: os professores aderiram com facilidade às alterações introduzidas pelas novas formas de ensinar; hoje em dia, os professores estão mais familiarizados com o uso das tecnologias digitais; as tecnologias digitais fazem parte, cada vez mais, do quotidiano das salas de aula – e dos pais; os pais/encarregados de educação tiveram um papel mais ativo na atividade escolar dos seus educandos. Neste sentido, o fator é denominado consequências profissionais do ensino a distância.

Por último, o fator 5 está baseado na explicação de três variáveis fortemente interrelacionadas de forma positiva, com referência a consequências pedagógicas do ensino a distância, de acordo com a denominação que lhe é atribuída, ou seja: o início do ano letivo de 2020/21 significou o regresso ao ensino presencial; a consolidação das aprendizagens dos alunos foi realizada no início do ano letivo de 2020/21; os alunos beneficiaram, a partir do início do ano letivo de 2020/21, de apoio pedagógico.

Tabela 5. Fatores extraídos

Ordem do fator

Denominação do fator

Variáveis determinantes

Peso fatorial

1

Novos desafios

A pandemia deve contribuir para a valorização da educação para a cidadania

0,865

A pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível global

0,865

A pandemia contribui para que a educação para a cidadania seja abordada na escola a partir de problemas que afetam os alunos ao nível local

0,859

A pandemia contribui para a necessidade de adaptar o currículo ao contexto, incluindo a situação dos alunos

0,588

A pandemia pode constituir um momento único para que os alunos sejam consciencializados na escola para o tema das mudanças climáticas

0,558

2

Efeitos do ensino a distância

A ausência quase generalizada do ensino presencial agravou as desigualdades entre alunos face às suas aprendizagens

0,728

A ausência quase generalizada do ensino presencial originou uma redução efetiva ao nível das aprendizagens dos alunos

0,679

Os alunos, a partir do início do ano letivo de 2020/21, mostraram uma maior necessidade de apoio pedagógico

0,673

3

Ceticismo docente

Sinto satisfação institucional em ser professor nestes tempos de pandemia

0,869

Sinto satisfação pessoal em ser professor nestes tempos de pandemia

0,860

Sinto que a pandemia tem contribuído para a valorização social da profissão docente

0,655

Considero adequadas as medidas tomadas pelo Ministério da Educação no contexto da pandemia

0,567

Penso que a escola adquiriu mais protagonismo social com a pandemia

0,471

4

Consequências profissionais do ensino a distância

As tecnologias fazem parte, cada vez mais, do quotidiano das salas de aula

0,757

Os professores estão, hoje em dia, mais familiarizados com o uso das tecnologias digitais

0,703

Os pais/encarregados de educação tiveram um papel mais ativo na atividade escolar dos seus educandos

0,602

Os professores aderiram com facilidade às alterações introduzidas pelas novas formas de ensinar

0,554

5

Consequências pedagógicas do ensino a distância

A consolidação das aprendizagens dos alunos foi realizada no início do ano letivo de 2020/21

0,686

Os alunos beneficiaram, desde o início do ano letivo de 2020/21, de apoio pedagógico

0,578

O início do ano letivo de 2020/21 significou o regresso ao ensino presencial

0,548

Fonte: elaboração própia.

5.Discussão dos resultados

Os dados analisados são estatisticamente relevantes não só pela ausência de estudos sobre os efeitos da pandemia na educação ao nível da educação básica, na realidade portuguesa, mas também pela possibilidade de analisar o modo como os professores percecionam as mudanças ocorridas, num período de tempo em que foi necessário adotar o ensino a distância e regressar depois ao ensino presencial, sob rigorosas condições sanitárias. As opções políticas em Portugal seguiram, em parte, as decisões de muitos países da UE, se bem que não tivesse existido uma política comum de resposta educacional à pandemia, sendo mais notórias as recomendações de várias organizações internacionais.

A pandemia teve um impacto brutal a nível mundial com a disrupção das atividades letivas e a adoção do ensino a distância, com todas as vantagens ou desvantagens que ambas significam. Tem sido reconhecido que a pandemia não significa a introdução de um novo normal na educação, tão-só a sua aceleração, ao nível das tecnologias digitais (Daniel, 2020; Pacheco, 2020b; Reimers, 2020a, 2020b). Como reconhecem os professores deste estudo empírico, a pandemia criou um novo normal ao nível do funcionamento da escola, acelerando o que já estava em curso (OCDE, 2019) em direção à sociedade digital. Em 2021, a Comissão Europeia propôs o plano de ação para a educação digital (2021-2027), definindo a visão para uma educação digital de elevada qualidade, inclusiva e acessível na Europa. Tal plano define duas prioridades estratégicas a seguir: promover o desenvolvimento de um ecossistema de educação digital altamente eficaz; reforçar as competências e as aptidões digitais para a transformação digital (UE, 2021).

Apesar da diversidade das medidas tomadas em Portugal, e em demais países (plataformas digitais, televisão, serviço postal, etc.), para que a escola continuasse com atividades de aprendizagem em regime não presencial, o que exigiu investimentos em formas de computação e na ligação à Internet (Reimers & Schleicher, 2020a, 2020b), a pandemia trouxe a necessidade imediata de adaptação dos professores às tecnologias digitais, como reconhecem os professores do estudo empírico. O estudo da UE (2021) refere que quase 60% dos professores não recorriam à aprendizagem à distância antes da pandemia e que mais de um em cada cinco jovens em toda a UE não dispõem de um nível básico de competências digitais. Concomitantemente, os professores dizem ter aderido com facilidade às novas formas de ensinar, tal como se envolveram mais os pais/encarregados de educação na atividade escolar dos seus educandos, mesmo reconhecendo que o ensino a distância alterou a relação pedagógica entre professor/aluno. Esta situação configura uma série de consequências profissionais do ensino a distância, perspetivadas como positivas.

Outro efeito da pandemia na educação escolar é o agravamento das desigualdades entre os alunos, evidenciando os resultados do estudo empírico que a mesma originou uma redução efetiva ao nível das aprendizagens, com a cessação do apoio pedagógico que existia na escola, penalizando mais os alunos de cursos de educação profissional, bem como os alunos que beneficiavam de medidas de educação inclusiva, o que é concordante com dados da realidade de outros países (Sahlberg, 2021; Schleicher, 2020). Assim, a pandemia pode tornar a educação mais equitativa se as desigualdades socioeconómicas forem detetadas e ultrapassadas, como referem os autores, embora a pandemia esteja a contribuir para que tais desigualdades sejam manifestamente mais visíveis na sociedade e nas escolas, situação que pode contribuir ainda mais para um discurso técnico-burocrático pelo qual os fatores externos à escola pesam mais nos resultados escolares dos alunos do que os fatores do seu foro interno, incluindo a motivação dos alunos, a formação docente e o processo de desenvolvimento do currículo. Porém, a desigualdade adensa-se quando o ensino a distância, e possivelmente o ensino presencial, dependem de recursos tecnológicos adequados e de uma conetividade consistente e rápida à Internet.

Uma das questões mais seguidas, por vários governos a nível mundial, para as escolas se manterem abertas, tem sido a aceitação da argumentação das Nações Unidas de que as atuais perdas de aprendizagem ultrapassam esta geração de crianças e de jovens, conduzindo a um recuo nos ganhos escolares que estavam a ser conseguidos (ONU, 2020). Do estudo empírico é evidente, nas perceções dos professores inquiridos, que existem consequências do ensino a distância, porque este agravou as desigualdades entre alunos face às suas aprendizagens, originou uma redução efetiva dessas aprendizagens e criou mais necessidades de apoio pedagógico, do que a escola inclui nas medidas de promoção do sucesso escolar. Assim, como noutros estudos (Reimers, 2020c), a pandemia surge associada a outras crises e a da aprendizagem “poderá ampliar ainda mais as desigualdades existentes. O retorno exigirá grande esforço de readaptação e de renovação do processo de ensino e aprendizagem” (Castro, 2020, p. 487). Tais consequências pedagógicas negativas têm constituído um critério válido para que o tempo do encerramento físico das escolas seja o mais abreviado possível.

Os professores deste estudo validam a afirmação de que a relação pedagógica, através do ensino presencial, é parte inerente da atividade escolar, pelo que o ensino a distância não contribuiu para aumentar a satisfação profissional dos professores, nem para a valorização social da profissão docente, nem mesmo para conferir mais protagonismo social à escola. A indiferença dos professores inquiridos envolve, também, as medidas tomadas pelo Ministério da Educação no contexto da pandemia. Esta situação de resultados configura um ceticismo docente relativamente à valorização da sua profissão, da escola e do órgão de decisão governamental, aliás contrastando com a satisfação pessoal em serem professores, num tempo tão disruptivo.

A hipótese de Latour (2020) de que a crise causada pela pandemia é um momento único para a consciencialização das pessoas para a urgência de repensar as mudanças climáticas é partilhada pelos professores inquiridos, quando é transferida para o contexto escolar. Embora os professores concordem com outras afirmações – por exemplo, a pandemia contribui para a necessidade de serem alteradas as práticas curriculares centralizadas nos resultados escolares; a pandemia pode contribuir para a necessidade de a escola ser dotada de autonomia na construção do currículo – os novos desafios que consideram mais significativos centram-se na valorização da educação para a cidadania (Fernandes, 2020), abordada na escola a partir de problemas globais e locais e a partir de temas como as mudanças climáticas, bem como na adaptação do currículo ao contexto, incluindo a situação dos alunos.

6.Conclusão

A pandemia originou a maior disrupção escolar que se conhece, afetando milhares de alunos a nível mundial. O ensino a distância, nos vários registos síncronos e assíncronos, foi a resposta imediata de muitos sistemas educativos, de acordo com orientações de organizações internacionais (UNESCO, 2020a, 2020b; ONU, 2020, OEI e OCDE – Reimers & Schleicher, 2020a 2020b). Se muitos sistemas educativos regressaram, poucos meses depois, ao ensino presencial, muitos outros, incluindo vários países da América Latina, continuaram com atividades remotas. Conforme é evidenciado por vários autores (Daniel, 2020; Jabonero, 2020; Reimers, 2020a, 2020b, 2020c; Sahlberg, 2021; Tadesse & Muluye, 2020, Treviño et al., 2020), a pandemia realçou três aspetos essenciais: as desigualdades entre alunos e países, a perda de aprendizagens essenciais ao nível dos alunos e a necessidade de formação em competências digitais.

Os dados empíricos do estudo quantitativo realizado em Portugal revelam que, ao nível das suas perceções, os professores evidenciam que o ensino a distância não apenas origina desigualdades entre os alunos, como também contribui para a redução do que realmente aprendem. Por outro lado, os professores aderiram às medidas inovadoras trazidas pelas tecnologias digitais ao nível das formas de ensinar, reconhecendo a diversidade das atividades presentes na educação à distância e a sua efetividade para um tempo não suficientemente longo, pois a relação pedagógica é a identidade de uma escola centrada no ensino presencial, aberto às tecnologias digitais.

Se a sociedade digital já era uma realidade em curso (OCDE, 2019), a pandemia somente a acelera e torna mais urgente a necessidade de responder, de forma sustentada aos novos desafios, sobretudo se as inovações tecnológicas provocarem o que Morgado et al. (2020) designam por isolamento curricular para identificarem um processo de desenvolvimento curricular que valoriza a instrução em detrimento do aluno e da realidade vivida. Assim se compreende que a OEI (2021), tendo como referência a Ibero-América, proponha linhas estratégicas para a educação, orientadas pelos direitos humanos, pela cidadania global, pela inclusão e pelas competências para o século XXI. Por isso, fará sentido falar num currículo pós-covid (Pacheco, 2020b) para a educação básica, que integre a mudança em curso ao nível das tecnologias digitais, explorando novos materiais pedagógicos e novas formas de ensinar e de aprender, práticas escolares inclusivas e práticas curriculares centradas na educação para a cidadania, em que os problemas locais e globais são a base para uma educação crítica. Como refere Reimers (2020c, p. 402), somente a partir de programas de cidadania global é que a pedagogia promove a “aprendizagem baseada em projetos e a integração da educação com problemas significativos”, de modo a “construir um mundo melhor”.

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Cómo citar em APA:

Pacheco, J. A., Morgado, J. C., Sousa, J. & Maia, I. B. (2021). Educação básica e pandemia. Um estudo sobre as perceções dos professores na realidade portuguesa. Revista Iberoamericana de Educación, 86(1), 187-204. https://doi.org/10.35362/rie8614346


1 Usamos, neste artigo, a designação ensino a distância. Na legislação portuguesa sobre as medidas de exceção tomadas ao nível das escolas (Decreto-Lei n.º 14-G/2020), é utilizada a expressão “regime não presencial.”

2 Não são elencadas todas as medidas, somente as que dizem respeito à realização das aprendizagens nos períodos referidos.

3 De 6 a 19 de abril, as escolas dos ensinos básico e secundário, incluindo também a educação pré-escolar, reabriram de forma faseada, na proporcionalidade dos ciclos e níveis de escolarização.

4 Foram definidos estes intervalos para interpretação dos resultados a partir da média: 1,00-2.74: discordância; 2,75-3,25: indefinição avaliativa; 3,26 -5,00: concordância.

* Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto PTDC/CED-EDG/30410/2017 e dos projetos UID/CED/1661/2013 e UID/CED/1661/2016 CIEd - Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação (IE), Universidade do Minho (UMinho).