Revista Iberoamericana de Educación [(2021), vol. 86 núm. 1, pp. 61-76] - OEI

https://doi.org/10.35362/rie8624409 - ISSN: 1022-6508 / ISSNe: 1681-5653

recibido / recebido: 30/03/2021; aceptado / aceite: 11/06/2021

Os efeitos da pandemia da COVID-19 na permanência na educação superior. O cenário de uma universidade federal brasileira

Chaiane de Medeiros Rosa 1

Fabiano Fortunato Teixeira dos Santos 1

Ana Maria Gonçalves 2

1 Universidade Federal de Goiás (UFG); 2 Universidade Federal de Catalão (UFCAT). Brasil.

Resumo. Este estudo se propôs a pensar os efeitos da pandemia causada pela Covid-19 na permanência dos estudantes da educação superior na Universidade Federal de Goiás, no Brasil. Para responder essa questão, foi feita pesquisa documental com base em dados primários relativos à situação de vínculo dos estudantes em dois períodos do primeiro semestre letivo de 2020, antes e a partir da pandemia, considerando tanto o panorama geral da universidade, como as particularidades das áreas do conhecimento, do ano de ingresso na instituição e dos graus acadêmicos. Além disso, para subsidiar a análise dos dados, a pesquisa documental se valeu de documentos oficiais secundários do Ministério da Educação e da Universidade Federal de Goiás, principalmente, mas também do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Ainda, foi feita pesquisa bibliográfica, ancorada em autores que discutem evasão, permanência estudantil e educação no contexto da pandemia. Como resultado, o estudo mostrou que houve uma redução dos vínculos ativos, provocada pelo aumento dos trancamentos e exclusões, o que se mostrou de forma mais acentuada nas Ciências Exatas e da Terra e com os ingressantes de 2016 a 2019.

Palavras-chave: educação superior; Covid-19; permanência estudantil; evasão.

Los efectos de la pandemia del COVID-19 en la permanencia en la educación superior. El escenario de una universidad federal brasileña

Resumen. La propuesta de este estudio es reflexionar sobre los efectos de la pandemia causada por el Covid-19 en la permanencia de los estudiantes de la educación superior en la Universidade Federal de Goiás, en Brasil. Para responder a esa cuestión se hizo una investigación documental basada en datos primarios relativos a la situación de vínculo de los estudiantes en dos períodos de primer semestre lectivo del 2020, antes y a partir de la pandemia, considerando tanto el panorama general de la universidad como las particularidades de las áreas do conocimiento, del año de ingreso en la institución y de los grados académicos. Además, para subvencionar el análisis de los datos la investigación documental recurrió a documentos oficiales secundarios del Ministério da Educação y de la Universidade Federal de Goiás, principalmente, pero también del Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada y de la Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Además, se hizo la investigación bibliográfica basada en autores que discuten evasión, permanencia estudiantil y educación en el contexto de la pandemia. Como resultado, el estudio mostró que hubo una reducción de los vínculos activos, provocada por el aumento de las anulaciones y exclusiones, lo que se mostró de forma más acentuada en Ciências Exatas e da Terra y con los alumnos de nuevo ingreso del 2016 al 2019.

Palabras clave: educación superior; Covid-19; permanencia estudiantil; abandono escolar.

The effects of the COVID-19 pandemic on permanence in higher education. The scenario of a Brazilian federal university

Abstract. This study aimed to think about the effects of the pandemic caused by Covid-19 on the higher education students’ stay at the Federal University of Goiás (UFG) In order to answer this question, documentary research was carried out based on primary data relating to the students’ bonding situation in two periods of the first academic semester of 2020, before and after the pandemic, considering both the general scene of the university and the particularities of the university, areas of knowledge, year of entry into the institution and academic degrees. In addition, to support the analysis of the data, the documentary research made use of secondary official documents from the Ministry of Education and the UFG, mainly, but also from the Institute of Applied Economic Research and the National Association of the Directors of the Federal Institutions of University Education. Still, bibliographic research was done, anchored in authors who discuss dropout, student permanence and education in the context of the pandemic. As a result, the study showed that there was a reduction in active bonds, caused by the increase in lockouts and exclusions, which was more pronounced in the Exact and Earth Sciences and with the new entrants from 2016 to 2019.

Keywords: higher education; Covid-19; student stay; evasion.

1. Introdução

No final de 2019, foi aprovado, por meio da Resolução nº 1.663 do Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura (Cepec) (UFG, 2019a), o Calendário Acadêmico da Universidade Federal de Goiás (UFG) para no ano letivo de 2020, com vigência de 02 de março a 04 de julho. Porém, as aulas presenciais na Universidade foram suspensas em 16 de março, 14 dias após o início do semestre, em razão da Covid-19, que começou na China em dezembro de 2019, teve seu primeiro caso registrado no Brasil em 26 de fevereiro, e foi elevada à categoria de pandemia mundial em 11 de março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A princípio, a suspensão das atividades na UFG estava prevista para durar 15 dias, mas, em decorrência do agravamento da situação de saúde pública, em 27 de março a gestão da Universidade suspendeu o Calendário Acadêmico por tempo indeterminado, conforme Resolução nº 18 de 2020 do Conselho Universitário (Consuni) (UFG, 2020a). Nesse ínterim, foi criado um Comitê para o Gerenciamento da Crise COVID-19 e novo Calendário Acadêmico foi proposto, o qual estabeleceu, em caráter excepcional, a continuidade do semestre interrompido no formato de Ensino Remoto Emergencial; firmou novos prazos para os ajustes na matrícula (cancelamento e acréscimo de componentes curriculares e trancamento de curso); e definiu a retomada das aulas para 31 de agosto de 2020, com o término do semestre previsto para 22 de janeiro de 2021. Durante 168 dias sem atividades de ensino, a Universidade buscou se preparar para retornar de forma remota.

Em 2020, portanto, o mundo foi impactado por um vírus que impôs, globalmente, mudanças no cotidiano de todos os países. Em A Cruel Pedagogia do Vírus, Santos (2020b), provocativamente, interroga sobre em que circunstâncias se conhece, de fato, as instituições sociais de uma determinada sociedade: em períodos de normalidade ou de crise? Pensando a partir dessa provocação, este artigo se propõe a pensar os efeitos da pandemia causada pela Covid-19 na permanência na educação superior brasileira, especificamente, na Universidade Federal de Goiás (UFG). Afinal, se a evasão é um problema que já assola a instituição (Rosa & Ribeiro, 2018), teria a doença intensificado o abandono dos cursos e/ou potencializado a interrupção temporária deles?

Para responder essa questão, foi feita pesquisa documental com base em dados primários relativos à situação de vínculo dos estudantes da UFG em dois períodos do primeiro semestre letivo de 2020, quais sejam: período A, que significa a situação dos estudantes em 10 de março de 2020, após a finalização do período para os coordenadores dos cursos responsáveis pela oferta analisarem as solicitações de acréscimo de componentes ofertados no 1º semestre/2020 (UFG, 2019a); e período B, que significa a situação dos estudantes em 05 de novembro de 2020, finalizado o prazo para o estudante solicitar, via Portal do Discente, trancamento de matrícula do 1º semestre/2020 (UFG, 2020b), conforme Calendário Acadêmico da instituição.

Apesar de o trabalho considerar as categorias de vínculo ativos e graduados, o enfoque da análise recaiu, sobretudo, sobre os trancamentos e exclusões1, que significam a interrupção temporária e a evasão do curso, respectivamente, e que ajudam a compreender os contornos da permanência (ou não) na educação superior.

As situações de vínculo dos estudantes foram observadas tanto no panorama geral da UFG, como considerando as particularidades das áreas do conhecimento, do ano de ingresso na instituição e dos graus acadêmicos. E, com o objetivo de detalhar essas situações no contexto pandêmico, os dados foram analisados por meio da estatística descritiva, e, em particular, foi realizado o cálculo da média, coeficiente de variação e taxas de crescimento de excluídos e trancados no período B em relação ao período A.

Além disso, para subsidiar a análise dos dados, a pesquisa documental se valeu de documentos oficiais secundários do Ministério da Educação (MEC) e da UFG, principalmente, mas também do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Ainda, foi feita pesquisa bibliográfica, ancorada em autores que discutem a evasão e a permanência na UFG, como Rosa e Ribeiro (2018) e Rosa, Milani e Santos (2020), e fundamentada em autores que abordam a educação no contexto da pandemia, como Mancebo (2020a, 2020b), Reis (2020), Sacavino e Candau (2020), Santos (2020a, 2020b), Silva (2020) e outros.

2. As situações de vínculo dos estudantes de graduação da UFG, antes e a partir da pandemia causada pela Covid-19

Na UFG, no período A, antes da pandemia, havia 22.517 estudantes com vínculo, não contabilizando os 6.664 estudantes excluídos e os que integralizaram o currículo.

O Quadro 1 apresenta a situação de vínculo desses estudantes nos períodos A e B.

Quadro 1 - Estudantes da graduação por situação de vínculo, nos períodos A e B, na UFG – 2020/01

Período A

Período B

Ativos

Trancados

Ativos

Já estavam trancados

Novos trancamentos

Exclusões

Graduações

96,4%

3,6%

85,4%

3,6%

7,2%

3,0%

0,7%

Fonte: Os autores (2021).

Observa-se que a porcentagem de estudantes ativos no período A era 11,4% maior do que no período B. Os dados referentes aos que tinham vínculo ativo ou de trancamento no período A indicam que 3,0% foram excluídos e 0,7% se graduaram. E, ainda, o percentual de trancamento de matrículas, no período B, foi 200% maior do que a porcentagem dos trancamentos no período A. Aqui, é importante informar que nenhum dos alunos com trancamento de matrícula no período A destrancou matrícula no período B. Portanto, o que alguns defensores da educação à distância proclamavam - que as atividades remotas contribuiriam para a retomada dos estudos daqueles que enfrentam dificuldades para realizá-los na modalidade presencial - não se observou na UFG.

Resta evidente que a pandemia provocou efeitos perversos na permanência dos estudantes, potencializando não somente a interrupção temporária dos cursos de graduação, manifesta nos trancamentos, mas, também, a evasão, indicada pelo percentual de exclusão. Nesse sentido, concorda-se com Reis (2020) que a pandemia não é democrática, e que discutir educação nesse contexto requer considerar o cenário de desigualdades socioeconômicas e raciais que assolam a população brasileira.

Neste estudo, não se identificou o perfil socioeconômico dos estudantes que trancaram matrícula ou evadiram dos cursos na UFG, por não haver dados disponíveis para essa análise. Porém, entende-se, como assinala Reis (2020, p .2), que existe uma “[...] cultura de privilégios – de raça, classe, território – que opera em benefício de alguns grupos e impede que transformações estruturais, coletivas e democráticas, revertam a lógica de desumanização e de (des)vantagens em curso no país [...]”. Prova disso é que, dos estudantes das instituições federais de ensino superior que já pensaram em abandonar o curso, 32,8% atribuíram isso às dificuldades financeiras e 23,6% às dificuldades de conciliar os estudos e o trabalho; e, ainda, 4,7% indicaram problemas com assédio, bullying, perseguição, discriminação ou preconceito (Andifes, 2019). Portanto, vê-se uma forte marca social quando se trata de exclusão educacional.

Sendo assim, acredita-se que os mais prejudicados nessa conjuntura sejam aqueles que, além de terem que conviver com os efeitos da própria pandemia, têm que lidar com a falta de recursos e equipamentos apropriados para o estudo, e também se esbarram nas dificuldades decorrentes da crise econômica instalada no país, que comprometem as condições básicas de manutenção da vida (alimentação, moradia, saúde, emprego e outras). Logo, presume-se que a pandemia acabou por agravar uma situação de exclusão educacional que é histórica no país.

Quadro 2. Estudantes da graduação por situação de vínculo por área do conhecimento, nos períodos A e B, na UFG – 2020/01

Período A

Período B

Ativos

Trancados

Ativos

Já estavam trancados

Novos trancamentos

Exclusões

Graduações

Ciências Agrárias

98,2%

1,8%

91,0%

1,8%

5,5%

1,4%

0,3%

Ciências Biológicas

95,8%

4,2%

85,9%

4,2%

7,2%

2,7%

0,0%

Ciências da Saúde

97,4%

2,6%

86,9%

2,6%

4,2%

1,6%

4,7%

Ciências Exatas e da Terra

94,0%

6,0%

79,8%

6,0%

8,9%

5,2%

0,0%

Ciências Humanas

96,5%

3,5%

83,3%

3,5%

9,1%

4,1%

0,0%

Ciências Sociais Aplicadas

96,4%

3,6%

86,4%

3,6%

7,3%

2,8%

0,1%

Engenharias

96,5%

3,5%

87,2%

3,5%

6,4%

2,7%

0,2%

Linguística, Letras e Artes

96,4%

3,6%

83,5%

3,6%

9,3%

3,4%

0,1%

Fonte: Os autores (2021).

A fim de compreender melhor os contornos da permanência na UFG no primeiro semestre letivo de 2020, que corresponde ao primeiro momento das aulas em situação de pandemia no país, no Quadro 2 estão apresentadas as situações de vínculo dos alunos, nos períodos A e B, por área do conhecimento.

Considerando as situações de vínculo por áreas do conhecimento, verifica-se que, no período A, em média, 96,4% dos estudantes estavam ativos e 3,6% trancados. Já no período B, as áreas tiveram, em média, 85,5% dos alunos ativos, 7,2% de novos trancamentos, 3,6% de alunos com matrículas trancadas no período A, 3,0% de exclusões e 0,7% de conclusão de graduações. Em todas as áreas do conhecimento, a situação de vínculo ativo sofreu decréscimo com novos trancamentos, que se mostraram mais expressivos, respectivamente, nas seguintes áreas: 305,6% (Ciências Agrárias), 260,0% (Ciências Humanas), 258,3% (Linguística, Letras e Artes), 202,8% (Ciências Sociais Aplicadas), 182,9% (Engenharias), 171,4% (Ciências Biológicas), 161,5% (Ciências da Saúde) e 148,3% (Ciências Exatas e da Terra).

Como observam Rosa e Ribeiro (2018), as causas do trancamento de matrícula na rede pública são diversas, e

[...] apesar de também poderem estar relacionadas a problemas de carência financeira, envolvem outros fatores, como problemas pessoais (casamento, nascimento de filhos, problema de saúde, falecimento de membro da família e outros), ou relacionados ao emprego (mudança de horário de emprego, dificuldade de conciliar trabalho e estudo e mais). (Rosa & Ribeiro, 2018, p. 200).

Os autores entendem que o trancamento se apresenta como uma alternativa à evasão definitiva do curso, como uma possibilidade de reestabelecer, a posteriori, o vínculo interrompido temporariamente (Rosa & Ribeiro, 2018). Nesse caso, mesmo que o estudante alimente uma expectativa de regressar à universidade, trata-se de um público que merece atenção, pois não deixa de ser um potencial de futuras evasões.

Também é importante registrar que, enquanto no período A o menor percentual de alunos ativos foi de 94,0%, nas Ciências Exatas e da Terra, no período B o menor percentual foi de 79,8%, na mesma área, o que significa um decréscimo de 15,1%. Todavia, quando se analisa o maior percentual de ativos, no período A eles chegaram a 98,2% na área de Ciências Agrárias, e, no período B, o máximo alcançado foi de 91,0% nessa área, o que representa um decréscimo de 7,3%.

Vale destacar que as Ciências Exatas e da Terra também tinham o maior percentual de estudantes com matrícula trancada antes da pandemia (6,0%), e, apesar de ser a área com menor percentual de crescimento de novos trancamentos no período B, teve o terceiro maior percentual de novos trancamentos (8,9%), ficando atrás apenas das áreas de Linguística, Letras e Artes (9,3%) e Ciências Humanas (9,1%), além de ser a que apresentou maior percentual de exclusões (5,2%).

Dado esse panorama, é preciso reconhecer que a área de Ciências Exatas e da Terra era a que enfrentava maiores problemas em relação à permanência dos estudantes em seus cursos, antes da pandemia, e foi nela que o problema mais se acentuou. Mas esse fenômeno não acontece apenas na UFG. O Relatório da Controladoria Geral da União (CGU) sobre a evasão na Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostrou que o maior índice de evasão na instituição, de 40%, foi nos setores de Exatas (Brasil, 2017). E estudo de Hoffmann, Nunes e Muller (2019), realizado com estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no período de 2009 a 2014, também mostrou que a maior concentração de evasão estava nas Ciências Exatas e da Terra, com taxa média de 21,7%, considerando todas as modalidades de ingresso.

Já as Ciências Agrárias foram o destaque positivo entre todas as áreas analisadas, visto que tinha o menor percentual de trancamentos antes da pandemia (1,8%), e, mesmo tendo o maior crescimento percentual de novos trancamentos no período B, ficou com o segundo menor percentual de novos trancamentos (5,5%), atrás apenas das Ciências da Saúde (4,2%), além de se configurar como a área com menor percentual de exclusões (1,4%). Logo, as Ciências Agrárias mantêm os seus ingressantes. Estudo de Silva Filho et al. (2007) já apontava que a evasão nos cursos da área de Agricultura e Veterinária, como um todo, tiveram evasão anual menor que a média nacional. Esse cenário foi confirmado no estudo de Hoffmann, Nunes e Muller (2019), que mostrou que a evasão na área de Ciências Agrárias foi a segunda menor entre os alunos da UFSM, de 8,1% em média, considerando todas as formas de ingresso, ficando atrás apenas das Ciências da Saúde, que teve uma evasão média de 7,0%.

Se levar em conta as particularidades do período B, pandêmico, no que diz respeito à amplitude dos dados, a situação de vínculo que apresentou maior variação foi a de alunos ativos, com 11,2 pontos percentuais, seguida dos novos trancamentos (5,1), graduações (4,7), já estavam trancados (4,2) e exclusões (3,8). No que se refere à variabilidade dos dados no período B, a situação de vínculo que apresentou menor coeficiente de variação foi dos alunos ativos (3,6%), o que significa uma baixa dispersão e que os dados são homogêneos. Quanto aos novos trancamentos (23,8%) observa-se média dispersão (23,8%), ao passo que os trancamentos anteriores (32,2%), excluídos (38,9%) e graduados (228,9%) apresentaram elevada dispersão e heterogeneidade. Essa expressiva heterogeneidade dos graduados, que se destaca entre as demais, é alavacada pela área das Ciências da Saúde, o que pode se justificar pelo fato de que estudantes dos cursos de Medicina, Enfermagem e Farmácia, da Universidade em questão, tiveram a antecipação de sua colação de grau, em caráter excepcional, devido à situação de emergência causada pela pandemia do Coronavírus, em conformidade com a Portaria nº 383 de 2020 do Ministério da Educação (BRASIL, 2020a).

Todavia, quando se consideram os trancamentos e exclusões por ano de ingresso, no período B, observa-se o seguinte cenário, conforme Gráfico 1. Em relação aos trancamentos, a maioria se deu por parte dos alunos ingressantes em 2019 (30,0%), 2018 (23,0%), 2017 (15,9%) e 2016 (11,8%). No caso das exclusões, elas também foram expressivas com os estudantes que ingressaram de 2019 a 2016, que representaram, respectivamente, 25,5%, 19,0%, 16,6% e 12,1% dos abandonos, mas, nesse grupo, os ingressantes de 2020 também se fizeram representativos em 12,1% dos casos. Logo, é significativo o percentual de alunos calouros que abandonaram o curso no semestre de ingresso, dado o contexto pandêmico.

Não se pode deixar de mencionar que a evasão no primeiro curso já se colocava como um problema no cenário nacional antes da pandemia, sendo apenas potencializado a partir dela. Dados do Censo da Educação Superior de 2019 mostram que, dos estudantes brasileiros que ingressaram na educação superior em 2010, 11% abandonaram o curso no ano de ingresso, e nas instituições federais a taxa de abandono foi de 8% no mesmo período (Brasil, 2020b). Na mesma direção, estudo de Rosa e Ribeiro (2018) mostra que, a partir de 2012, o maior percentual de abandono dos cursos da UFG aconteceu no primeiro ano, e, de 2012 a 2015, a média de excluídos no ano de ingresso foi de 39,7% dos alunos, o que é muito vultoso. Rosa, Milani e Santos (2020) identificaram que, particularmente, no curso de Estatística da UFG, a evasão também se mostrou de forma mais acentuada com alunos do primeiro ano, atingindo 6,1%, 31,25%, 28,6% e 42,2% dos que ingressaram em 2009, 2010, 2011 e 2012, respectivamente.

Gráfico 1. Percentual de trancamentos e exclusões na graduação, no período B, por ano de ingresso, na UFG – 2020/01

Fonte: Os autores (2021).

Diante desse cenário, é imperioso refletir que o acesso à educação superior no Brasil, especialmente a pública, é entendida como uma possibilidade de mudar trajetórias de vidas. Logo, a evasão de um curso de graduação significa a interrupção de sonhos e projetos que não são apenas do sujeito, mas envolvem toda sua família. E quando se trata da exclusão de estudantes calouros, recém-ingressos na universidade, é fundamental olhar para além de suas situações socioeconômicas e pensar, também, em como se sentiram com o fato de, após duas semanas de aula, apenas, terem seus projetos interrompidos abruptamente.

A seguir, passa-se para a análise do crescimento percentual de trancamentos e exclusões no período pandêmico, por ano de ingresso dos alunos, expressa no Gráfico 2. Primeiramente, observa-se que não houve aumento de trancamentos dos ingressantes de 2007, e não houve ampliação de exclusões dos ingressantes de 2007 a 2010, no período B. Dito isso, registra-se que a taxa média de crescimento dos trancamentos foi de 305,0%, ao passo que a taxa média de crescimentos das exclusões foi de 99,2%. Em relação aos trancamentos, a maior taxa de crescimento se deu com os ingressantes de 2020 (712,5%), seguidos dos alunos ingressantes de 2014 (334,5%), 2017 (319,8%), 2016 (312,0%) e 2019 (309,7%), todos acima da média geral.

Gráfico 2. Crescimento percentual de trancamentos e exclusões, na graduação, no período, por ano de ingresso, na UFG – 2020/01

Fonte: Os autores (2021).

Vele salientar que, antes do período pandêmico, o estudante só poderia realizar o trancamento da sua matrícula no semestre de ingresso em casos excepcionais, como:

I- doença do interessado ou de pessoa de seu núcleo familiar que exija envolvimento direto do interessado, devidamente comprovado por relatório médico original, ouvido órgão competente da UFG, se necessário;

II- mudança de horário ou de município em função do emprego/cargo, ocorrido após a realização do processo seletivo e/ou ingresso do estudante na UFG, devidamente comprovado;

III - cumprimento de serviço militar obrigatório. (UFG, 2017, art. 75).

Mas, com o contexto de excepcionalidade, ficou estabelecido que o trancamento de matrícula poderia ser feito pelo estudante no semestre de ingresso, desde que justificada a impossibilidade de cursar turmas no modo remoto (UFG, 2017, art. 75, parágrafo único).

E, no que diz respeito ao crescimento das exclusões, as maiores taxas de crescimento ocorreram, respectivamente, com os ingressantes de 2020 (345,8%), 2017 (144,3%) e 2016 (105,1%), valores esses acima da média geral.

Dito isso, outro aspecto analisado foram os trancamentos e exclusões por grau acadêmico, e se verificou que, no período B, o maior percentual de trancamentos se deu no bacharelado (72,3%), seguido da licenciatura (24,6%), do ABI2 (2,8%) e bacharelado e licenciatura (0,2%). O mesmo padrão se observou com o percentual de excluídos, sendo que o maior foi no bacharelado (65,5%), seguido da licenciatura (29,4%), ABI (5,0%) e bacharelado e licenciatura (0,1%). Um indício de que o problema da permanência dos estudantes no bacharelado pode ser geral, no cenário brasileiro, está no fato de que, de 2018 para 2019, houve uma queda de 3,6% nos concluintes desses cursos (Brasil, 2020b). Diante disso, tornam-se necessárias novas investigações que permitam compreender quais particularidades dos cursos de bacharelado fazem com que as dificuldades de permanência sejam maiores neles do que nos demais graus acadêmicos.

Porém, outra tendência é observada quando se analisa o crescimento percentual de exclusões e trancamentos no período da pandemia, por grau acadêmico, como mostra o Gráfico 3.

Gráfico 3. Crescimento percentual de exclusões e trancamentos no tempo B em relação ao tempo A, por grau acadêmico – UFG – 2020/01

Fonte: Os autores (2021).

Neste caso, ressalta-se que a maior taxa de crescimento das exclusões aconteceu no ABI (154,5%), seguido da licenciatura (114,8%), do bacharelado e licenciatura (100,0%) e do bacharelado (79,9%). Já no que diz respeito aos trancamentos, o maior percentual de crescimentos também aconteceu no ABI (345,0%), seguido da licenciatura (344,8%), do bacharelado (288,7%) e do bacharelado e licenciatura (250,0%).

Tendo em vista que os graus acadêmicos que mais tiveram crescimento de excluídos e trancamentos foram, respectivamente, o ABI e a licenciatura, justo aqueles em que o trancamento e a exclusão eram menos comuns, pode-se conjecturar que os efeitos da pandemia foram maiores para os estudantes desses graus. Em vista disso, tem-se como suposto que, no caso da ABI, isso tenha ocorrido pelo fato de que nesses cursos se encontram os estudantes em situação de indefinição de situação acadêmica, por natureza, ou seja, aqueles que sequer decidiram se desejam cursar bacharelado ou licenciatura. Para esses, essa falta de resolução pode ter sido um catalizador do rompimento de vínculo, temporário ou definitivo. Já no grupo dos estudantes da licenciatura, acredita-se que a situação tenha se agravado pelo fato de que nesses cursos predominam aqueles em situação de vulnerabilidade social e, também, as mulheres que são as que mais sofreram os impactos da pandemia. Essa vulnerabilidade aparece, claramente, na pesquisa realizada por Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista (2020), que mostrou que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia, sejam filhos crianças, crianças de outras pessoas, idosos ou pessoas com deficiência. E, para 61,5% das mulheres, a sobreposição das responsabilidades do trabalho remunerado, do doméstico e de cuidados, dificulta o trabalho remunerado, e outras 4% acreditam que essa rotina inviabiliza totalmente esse trabalho. Porém, essas hipóteses aqui lançadas merecem ser investigadas em outro momento.

Traçado esse cenário, a seguir, passa-se para a análise dos desafios da permanência estudantil na UFG nesse contexto pandêmico.

3.  Desafios do apoio à permanência estudantil na graduação da UFG no contexto pandêmico

O perfil socioeconômico dos estudantes das instituições federais de educação superior brasileiras é composto, majoritariamente, por jovens em situação de vulnerabilidade social, sendo 64,7% provenientes do ensino médio na rede pública, 70,2% com renda familiar per capita de até 1,5 salário-mínimo, e 29,9% de estudantes que trabalham e 40,6% que não trabalham, mas estão à procura de emprego (Andifes, 2019). Na UFG, esse quadro também é perverso, visto que 63,1% dos estudantes cursaram o ensino médio em escolas públicas, 58% cursaram a educação básica totalmente em rede pública; e 75% dos graduandos possuem renda mensal familiar per capita de até 1,5 salário-mínimo (UFG, 2019b).

A crise provocada pela pandemia da Covid-19 escancarou ainda mais as inadequações e injustiças do sistema de educação, o que abrange desde o acesso à internet e computadores, recursos essenciais para a educação online, bem como os ambientes de apoio necessários para se assegurar a aprendizagem (Schleicher, 2020). Sendo assim, instaurada a pandemia, e a partir do reconhecimento de que a situação de saúde pública não se resolveria tão logo, a UFG optou por realizar um diagnóstico sobre as condições reais para a realização do ensino remoto. Isso porque, conforme Nota Técnica do Ipea sobre acesso domiciliar à internet e ensino remoto durante a pandemia, em 2018, dos estudantes de graduação, cerca de 2%, o que significa de 150 a 190 mil, não possuíam acesso à internet banda larga ou 3G/4G em seus domicílios, e dos estudantes de instituições públicas de educação superior, essa falta de acesso atingia de 51 a 72 mil estudantes (Ipea, 2020).

Conforme consta na referida Nota Técnica (Ipea, 2020), é provável que esse problema tenha se acentuado em 2020 em decorrência da pandemia, pois, como os estudantes da educação superior normalmente migram do interior para estudar nos grandes centros urbanos, é plausível que grande parte deles tenha retornado aos seus domicílios de origem, e, com isso, aumentado o percentual de estudantes sem acesso à internet. Isso porque os moradores do interior, “Na educação superior, correspondem a 52% dos matriculados em instituições públicas de ensino e a 80% dos sem acesso domiciliar à internet em banda larga ou 3G/4G” (Ipea, 2020, p. 9).

Assim, constata-se um desacerto no âmbito da UFG pelo fato de que a pesquisa realizada com intento de conhecer de quais dispositivos e recursos os estudantes dispunham para realizar seus estudos de forma remota foi divulgada por meios eletrônicos, o que enviesa os resultados do estudo, já que tendem a responder somente aqueles que têm acesso à internet e a equipamentos eletrônicos. Para tentar sanar o problema, foi solicitado que as unidades acadêmicas fizessem uma pesquisa mais acurada, e entrassem em contato, por telefone, com os estudantes que não responderam ao questionário. Contudo, como se nota, a ação foi descentralizada, sem nenhuma padronização, e com isso, cada unidade acadêmica conduziu a investigação conforme sua capacidade e recursos (humanos e materiais) de que dispunha.

Essa falta de coordenação institucional pode ser confirmada com a criação do Programa Pró-Unidades, no final do primeiro semestre letivo de 2020, precisamente em fevereiro de 2021, e que teve sua comissão executora composta por membros de todas as unidades acadêmicas da Universidade, instituída pela Portaria SEI nº 14 de 2021 (UFG, 2021a). Apesar de instituída, não há nenhum documento que estabelece as atribuições dessa comissão executora, nem mesmo os objetivos do programa, e ações que ele se propõe a desenvolver. Trata-se, portanto, de um programa criado sem qualquer planejamento prévio, para mostrar para a comunidade acadêmica que algo estava sendo feito no que diz respeito ao ensino remoto na instituição. Mas, se a própria gestão não sabe dizer quais são seus propósitos, quais fins teria esse programa? Isso reafirma seu caráter de improviso, bem como demarca a ausência de reflexão mais acurada acerca do processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, quanto às condições reais dos alunos de acompanharem as atividades remotas, com um mínimo de qualidade.

O fato é que a falta de definição e regulamentação dessa medida acabou descentralizando o enfrentamento do problema, colocando a responsabilidade da criação e condução das ações, sobretudo, nas unidades acadêmicas, respaldando-se no argumento de atribuição de autonomia para que cada unidade pudesse criar estratégias para enfrentar os problemas educacionais de acordo com suas características, demandas e iniciativas.

Apesar dessas lacunas identificadas na condução do ensino no contexto da pandemia na UFG, é imperativo reconhecer que, com as ações empreendidas, foram identificados os estudantes que não dispunham de equipamentos de informática e/ou acesso à internet. E, conhecido esse cenário, as primeiras iniciativas foram criar campanhas para arrecadação de equipamentos de informática, no âmbito da comunidade universitária e da sociedade civil, e criação de um Programa Emergencial de Conectividade, com oferta de pacote de dados. Essas medidas excepcionais que se somaram ao Projeto Alunos Conectados, do MEC, que disponibilizou chips a estudantes das instituições federais de educação superior.

Como se vê, a centralidade das ações voltadas aos estudantes foi na oferta de recursos tecnológicos. Contudo, conforme Silva (2020), apesar de as administrações das universidades propagandearem o combate à exclusão digital como uma grande conquista, isso não será suficiente para promover um ensino de qualidade, e poderá aprofundar ainda mais a exclusão, social e educacional. Afinal, como asseveram Sacavino e Candau (2020), o direito à conectividade não pode ser compreendido de forma meramente instrumental, visto que não implica apenas em dispor de dispositivos tecnológicos, mas significa a capacidade de entender a cultura digital, e trabalhá-la de forma crítica, reflexiva e criativa.

Na mesma direção, Reis (2020) afirma que,

[...] ainda que tenham acesso [aos meios e instrumentos necessários para serem digitalmente integrados], isso não significa que dominem plataformas e linguagens digitais, sequer que disponham das condições mínimas para um processo significativo de ensino-aprendizagem em suas residências e territórios – tanto no que concerne à disponibilização de infraestrutura e dos dispositivos de acesso ao ambiente digital, quanto às condições para acesso efetivo, isto é, a posse e o uso pessoal dos dispositivos digitais (Reis, 2020, p. 2-3).

Na UFG, particularmente, um dos desafios impostos aos estudantes foi a necessidade de utilizar plataformas educacionais diferentes - Sigaa, Google Classroom, Moodle Ipê e outras - ao longo de um mesmo semestre, em razão de que os professores tiveram autonomia para escolher com qual plataforma trabalharia. Diante disso, se para os professores foi um desafio se capacitar para usar a plataforma que escolheu para realizar seu trabalho, obstáculo maior isso representou aos estudantes, que, por vezes, tiveram que se instrumentalizar para utilizar duas plataformas ou mais em um único semestre letivo.

Também não se pode deixar de ponderar que a forma como o ensino remoto é conduzido pelos professores influencia, fortemente, o processo de ensino-aprendizagem. E, por isso, consoante Mancebo (2020a), o ensino na modalidade a distância demanda planejamento cuidadoso e específico, com práticas pedagógicas adequadas. Não se trata apenas de trasladar o planejamento do ensino presencial para cursos baseados no trabalho remoto. E um dos riscos do ensino remoto, como adverte Reis (2020), é o de que o discurso da autonomia dos estudantes se converta em um processo formativo à deriva, sem rumo, com pouca interação entre os sujeitos, e que tem como consequência a desmotivação. Em vista disso e de tantos outros desafios que envolvem o ensino remoto, Mancebo (2020b) defende que é preciso cuidar para que ele não contribua para o esvaziamento da universidade, em particular daqueles segmentos historicamente excluídos, que apenas muito recentemente conseguiram espaço por meio de políticas afirmativas.

Para além da busca de garantir condições para o acesso digital às aulas remotas, a Universidade disponibilizou atendimento psicológico online para estudantes e servidores. O que não se trata de uma ação nova, visto que, quando das atividades presenciais, já estava em pleno funcionamento o Programa Saudavelmente, voltado para o atendimento dos estudantes em situação de dificuldades emocionais. Portanto, houve apenas uma mudança no formato do atendimento, que passou a ser online. Outras ações empreendidas foram Ações Solidárias Estudantis – juntos contra a COVI-19, protagonizadas pelos estudantes, que arrecadaram gêneros alimentícios e entregaram cestas básicas para estudantes e servidores terceirizados da UFG em situação de vulnerabilidade social, além de edital emergencial de alimentação.

Apresentadas essas iniciativas, vê-se que algumas ações foram promovidas pela solidariedade da comunidade acadêmica com o apoio da sociedade civil (arrecadação de equipamentos de informática e de alimentos); e, de forma contrária, percebeu-se a diminuição do papel do Estado na promoção da assistência aos estudantes. Prova disso é que, conforme nota publicada pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UFG, em 2021, as universidades contaram com a liberação de apenas 1/12 avos do orçamento previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), valor insuficiente para manter os compromissos contratuais das instituições, entre eles a assistência estudantil. Diante dessa situação, acertadamente, a opção da gestão universitária foi por manter o atendimento aos 2.775 bolsistas de assistência estudantil, mesmo que para isso fossem necessários alguns ajustes, como a manutenção apenas da bolsa de assistência estudantil para os estudantes que acumulavam benefícios, e a redução do valor médio das bolsas de R$ 432,00 para R$412,00 (UFG, 2021b).

Outro ponto que merece destaque é a notável ausência de ações voltadas aos estudantes calouros. Esses estudantes - que mal conheciam os coordenadores de seus cursos, tiveram pouco contato com alguns professores, e tinham poucos ou nenhum vínculo com os seus colegas de turma - tiveram que lidar com a sensação de abandono em um momento de crise, potencializado por estarem em um ambiente que para eles ainda era novo e desconhecido. E, se houve medidas ou ações empreendidas especificamente para esses alunos, elas foram pontuais, desenvolvidas por gestores e professores de alguns cursos, mas sem uma liderença institucional que se mostrasse preocupada com esse público, tão caro às universidades.

De forma geral, pode-se dizer que

[...] cuidou-se pouco dos estudantes fora dos breves momentos online ou a braços com as exclusões que suposta cidadania digital provocou; os professores que dedicaram mais tempo aos estudantes fizeram-no por iniciativa própria e espírito de missão (Santos, 2020a, s/p).

E esse pouco cuidado com os estudantes pode resultar em interrupção, temporária ou definitiva, da formação acadêmica, o que, segundo Nota Técnica do Ipea (2020), pode potencializar as desigualdades no futuro, por demarcar as desvantagens daqueles que não puderam continuar seus estudos na modalidade remota em relação àqueles que puderam. E esse cenário se torna ainda mais negativo quando se considera que os estudantes mais afetados são os que já se encontram em situação de desvantagens econômicas e sociais (Ipea, 2020).

4.  Considerações Finais

Ao investigar os efeitos da pandemia na permanência dos estudantes de graduação da UFG, este estudo mostrou que o percentual de estudantes ativos diminuiu em 11,4% a partir da pandemia, e que, do total de estudantes com vínculo (ativos ou trancados) no período A, anterior a pandemia, 7,2% trancaram o curso e 3,0% foram excluídos. Em se tratando de área do conhecimento, as Ciências Exatas e da Terra foi a que se mostrou mais suscetível à variação; em relação ao ano de ingresso na instituição, os estudantes que mais tiveram sua trajetória comprometida foram os ingressantes de 2016 a 2019, no caso dos trancamentos, e de 2016 a 2020, no caso das exclusões; e no que diz respeito ao grau acadêmico, os estuantes do bacharelado compuseram o maior percentual de trancamentos e exclusões.

De fato, a pandemia potencializou um problema que já estava em curso na educação superior brasileira, que é a interrupção da trajetória acadêmica, manifesta em trancamentos e exclusões. Com isso, colocou-se um desafio às instituições de educação superior, que é pensar políticas e estratégias que assegurem a permanência dos estudantes, em um contexto marcado por cortes no orçamento que comprometem o financiamento das políticas de educação superior, entre elas o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Além desse, outros desafios despontam, como a inclusão e o letramento digital, bem como as práticas pedagógicas no ensino remoto emergencial.

Mas o desafio maior, que não foi verificado até o momento, é o cuidado com os alunos, sobretudo, os calouros. Vive-se um contexto em que os estudantes têm que lidar com falta de perspectivas acadêmicas, pois não se sabe como nem quando a dita “nova normalidade” vai se estabelecer. Além disso, o mercado econômico está em crise, e a educação acaba tendo que ser colocada em segundo plano, quando se tem que trabalhar para cuidar das necessidades mais emergenciais da família, como matar a fome e custear um teto. Além disso, muitos estudantes estão tendo suas famílias desmontadas, com a morte de pais, irmãos, avós, tios e outras pessoas próximas. Como manter vivos os sonhos e projetos, nessa conjuntura?

Como assinalam Sacavino e Candau (2020), os estudantes, neste momento, têm que lidar com sentimentos de caráter negativo, como insegurança, desigualdade, ansiedade, medo, mudança de rotina e muitas indefinições, e, para isso, é primordial ajudá-los a desenvolver habilidades como empatia, resiliência, foco, responsabilidade, autonomia e cuidado de si e com o outro (Sacavino e Candau, 2020). Portanto, neste momento de crise, o cuidado com os alunos transcende os aspectos meramente acadêmicos – ensino, pesquisa, extensão e mesmo assistência estudantil – e abrangem, sobremaneira, as dimensões que envolvem sua vivência como cidadãos em um mundo desigual, adoecido, em crise.

Voltando à provocação de Santos (2020b), faz-se necessário dizer que, com relação ao ensino na graduação, a UFG, como outras instituições federais brasileiras, não conseguiu elaborar uma política adequada de ensino remoto. A instituição - que, no campo da pesquisa manteve seu compromisso quanto à produção de ciência, auxiliando no combate ao vírus - precisa, em um esforço articulado de todas as pró-reitorias, colocar-se no enfrentamento dos desafios referentes à permanência dos estudantes na graduação, sob pena de, futuramente, receber críticas pela omissão na defesa das políticas de inclusão.

Urge, portanto, que a Universidade produza críticas consistentes quanto ao encolhimento do Estado no social; articule, com os movimentos progressistas da sociedade civil, a defesa do Estado democrático de direito; e, do ponto de vista acadêmico, aproveite as experiências em curso para reavaliar se a adoção do ensino remoto, nos moldes como foi implementado, não vem colaborando com a ampliação do fosso das desigualdades sociais.

Isso posto, novos estudos precisam ser feitos, seja para delinear as causas dos trancamentos e exclusões, por área do conhecimento e grau acadêmico, como identificado; para conhecer os desafios que aqueles que continuam com vínculo ativo na UFG enfrentam e quais recursos utilizam para sustentar o projeto de concluir sua graduação; e identificar quais contribuições a instituição têm a oferecer para que os estudantes tenham condições de se formar e, para que aqueles que trancaram suas matrículas retornem aos bancos da Universidade, ainda que por hora, remotamente.

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Como citar este artículo en APA:

Rosa, C., Dos Santos, F. F. & Gonçalves A. M. (2021). Os efeitos da pandemia da COVID-19 na permanência na educação superior. O cenário de uma universidade federal brasileira. Revista Ibero-americana de Educação, 86(2), 61-76. https://doi.org/10.35362/rie8624409


1 Na UFG, consideram-se excluídos os alunos que não regularizaram o vínculo em um semestre letivo.

2 Área Básica de Ingresso.