Apresentação
Estudos e desenvolvimento das competências profissionais

Francisco de Asís Blas Aritio

Universidad Complutense de Madrid, España

Coordenar a publicação de uma monografia sobre “Estudo e Desenvolvimento das Competências Profissionais” (e, portanto, assumir a responsabilidade de selecionar os artigos a serem incluídos nesta edição) não é tarefa fácil, especialmente quando são recebidos, como neste caso, dezenas de trabalhos que almejam ser publicados.

Como normalmente ocorre, dois critérios fundamentais orientaram as decisões da seleção dos trabalhos: a qualidade e a relação entre o conteúdo e o tema da monografia. O mais comum é que a qualidade seja o critério principal na seleção dos trabalhos. No entanto, não foi o que aconteceu nesta ocasião, apesar de a maioria dos trabalhos apresentarem qualidade suficiente para serem incluídos em uma publicação, o conteúdo nem sempre está direta ou especificamente relacionado ao assunto que inspira esta monografia.

Em outras palavras, é como se a natureza polissêmica do conceito “competências” fosse refletida nas diversas perspectivas ou pontos de vista observados nos trabalhos apresentados. E isso teria sido coerente se o tema da monografia tivesse sido proposto como estudo e desenvolvimento de “competências” (termo que ainda gera muita polêmica e intermináveis discussões sobre seu significado). Porém, o intuito da presente monografia não é o de ser uma plataforma de debate e discussão sobre o conceito de “competências”, senão de estudo e desenvolvimento de um determinado tipo de competência (as “competências profissionais”), cuja natureza e perspectiva não estão postas em questão, exceto quando a análise de outros tipos de competências, realizadas sob outras perspectivas, exijam um tratamento semelhante.

Para fins meramente didáticos e, com o risco de incorrer em simplificações, cabe salientar que o conceito de “competência” não obedeceu aos movimentos educacionais precursores na América do Norte, que abordavam a formação baseada na competência no final dos anos sessenta e início dos anos setenta do século XX; nem mesmo à reconhecida proposta do psicólogo social McClelland, também apresentada no início dos anos setenta do século passado. A verdadeira origem desse conceito se deve à criação e ao desenvolvimento de “competências ou qualificações profissionais”, promovida pelo Departamento do Trabalho do Reino Unido na década de oitenta.

Neste contexto, convém ressaltar também que o termo “competências profissionais” não é um conceito educacional, nem provém do setor de formação e da educação, senão do setor de produção e do trabalho, visando definir com rigor os diversos “desempenhos profissionais” que ocorrem no mundo produtivo. É correto afirmar que a sua criação deveu-se à necessidade de atribuir certo rigor e coerência às diversas e dispersas ofertas de formação oferecidas pelo Departamento do Trabalho e por outros Departamentos ou Ministérios do Trabalho, (e, dependendo do país, recebem diferentes denominações: formação profissional, formação continuada, formação de aprendizes, formação para desempregados, formação para jovens que estão fora da escola, etc.). Tal rigor nas ofertas ou programas de formação pode ser alcançado desde que seja previamente definido, também com rigor, o conteúdo dos desempenhos profissionais, que será utilizado como referência para a elaboração do conteúdo dos programas de formação. E essa é uma das funções das “competências profissionais”, a de ser conceito não de formação, mas, sim, de trabalho (pois expressa conteúdos sobre desempenho profissional), que serve, entre outras coisas, como referência para a realização de programas de formação.

E menciona-se “entre outras coisas” porque além de ser uma referência para o desenvolvimento de programas de formação baseados em competências, as Competências Profissionais (originalmente denominadas NVQs pelo Departamento do Trabalho do Reino Unido, isto é, “qualificações profissionais nacionais”: uma qualificação profissional é um agregado de “unidades de competência profissional”) ou, se preferir, o Catálogo de Qualificações Profissionais Nacionais de um país, são também uma ferramenta valiosa para a organização do trabalho realizada pelos departamentos de recursos humanos (RH) ou equivalentes das empresas e dos locais de trabalho e para tornar mais transparente a oferta e a demanda de empregos no mercado de trabalho. Além disso, as Competências ou Qualificações Profissionais são consideradas também referência fundamental para os processos de reconhecimento, avaliação e acreditação de competências profissionais adquiridas principalmente por meio de experiência profissional, ou seja, independentemente de programas de formação. Portanto, elas também funcionam como diretrizes para os sistemas de informação e de orientação profissional relacionados à formação e ao emprego.

A integração e as relações internas desenvolvidas entre todas essas funções e/ou componentes das Competências ou Qualificações Profissionais (a elaboração de um Catálogo de Qualificações, a formação baseada na competência, os processos de reconhecimento, a avaliação da competência adquirida mediante a experiência profissional e os sistemas de informação e de orientação profissional) constituem o que em alguns países tem sido denominado “a criação e o desenvolvimento de um Sistema Nacional de Qualificações Profissionais”. Nesse sentido, parece que a apresentação da monografia, particularmente no final do texto (onde os temas de interesse são mencionados), fornece sugestões suficientemente ilustrativas para reconhecer quais tipos de competências são objeto de interesse.

Dessa forma, e voltando ao desenvolvimento do sistema NVQ britânico promovido pelo Departamento do Trabalho, tamanho foi o impulso e o reconhecimento desse desenvolvimento, que o próprio sistema educacional britânico foi obrigado a adotar um enfoque semelhante (inicialmente aplicado à formação profissional, administrada pelo Departamento de Educação). Assim, nasceram as GNVQs, com a inicial “G” (para destacar a natureza das qualificações “gerais”), que as diferenciam das NVQs (relacionadas mais especificamente aos desempenhos, ou seja, aos padrões de competência mais precisos e relativamente objetivos). Dessa forma, o setor de formação e da educação começou a se apropriar do conceito “competência” que, depois de ter sido aplicado ao termo “competências profissionais gerais”, foi estendido às “competências básicas ou principais” (ler, escrever, realizar cálculos básicos, comunicar-se, trabalhar em equipe, resolver problemas, etc.), até às competências “transversais”, e acabou transformando um conceito originalmente pertencente ao setor de produção e do trabalho (definido ou desenvolvido por especialistas profissionais) em um conceito desenvolvido pelo setor de formação e da educação (no qual os professores são os especialistas que definem e desenvolvem seus objetivos e conteúdos principais, evidentemente, originárias da formação). Desde o início do século XXI e de maneira progressiva, o meio acadêmico também acabou se rendendo à nova linguagem das “competências”, vide o exemplo da Declaração de Bolonha ou do Projeto Tuning.

Diante disso, independentemente dos debates e discussões a respeito do significado do conceito “competência”, particularmente da sua utilização e aplicação no setor de formação e da educação, pretende-se realizar um juízo de valor sobre a validade e/ou legitimidade no uso do conceito sob diferentes perspectivas (neste caso, a perspectiva do setor de produção e do trabalho ou a perspectiva de formação e da educação). É evidente que ambas as perspectivas são válidas e legítimas, mas cabe destacar que também são diferentes. Embora esta monografia propusesse claramente o estudo e desenvolvimento de competências profissionais (ou seja, uma das duas perspectivas), a maioria dos trabalhos apresentados estava relacionada à outra perspectiva.

No entanto, algumas das obras submetidas, além de disporem de qualidade suficiente, apresentam algum tipo de relação, direta ou indireta, com o objetivo desta monografia e, portanto, mereceram ser selecionadas e compor o elenco de artigos desta publicação. Entre eles, não existe nem mesmo uma relação especial ou conexão, o que enfatiza que, mesmo em um campo limitado de um determinado tipo de competências, existe uma grande variedade de pesquisas, abordagens de desenvolvimento e/ou experiências aptas para contribuir com resultados e/ou inovações de interesse.

Por exemplo, o artigo “Storytelling para economistas como estratégia para adquirir competências sociais na sala de aula” foi selecionado porque também inclui o aprendizado de competências de “natureza técnica ou profissional” embora as “competências”, cuja aquisição será supostamente proporcionada por um instrumento de formação específico (o storytelling), abordem muito mais além do conceito de “competência profissional”, que é o objeto de estudo desta monografia, referindo-se às competências motivacionais, comportamentais, axiológicas, sociais, etc. Além disso, o trabalho se enquadra no âmbito da “formação baseada na competência” e apresenta uma abordagem metodológica sólida.

Algo semelhante pode ser observado no artigo “Inovação e mudança na Formação Profissional do País Basco”, que descreve uma experiência interessante que transcende o campo das “competências profissionais” (pois aborda as competências denominadas transversais, básicas ou principais), mas que também indiretamente se refere àquelas.

Por sua vez, o artigo “Construção do currículo universitário com enfoque por competência” é outro exemplo de desenvolvimento da abordagem da “formação baseada na competência” (apesar de que algumas das suas considerações podem ser assuntos de discussão e debate).

Outro artigo selecionado é o intitulado “Problemas Gerais do Ensino por Competências”, que, ao invés de uma pesquisa propriamente dita, desenvolve uma reflexão original sobre como é entendida e como se deve entender a educação ou formação baseada na competência. É um trabalho interessante porque algumas de suas considerações proporcionam certo esclarecimento do que foi mencionado anteriormente, com relação às diferentes perspectivas (a do setor de produção e do trabalho e do setor de formação e da educação) que possibilitaram o desenvolvimento da abordagem das competências profissionais.

O artigo “Programa de ensino e pesquisa acadêmica. Uma experiência de formação para o desenvolvimento de competências profissionais docentes na Universidade de Atacama” descreve de maneira organizada a aplicação ou o desenvolvimento de um programa de formação para a aquisição de competências docentes em uma determinada universidade.

Por outro lado, o artigo “Desenvolvimento de competências sócio-profissionais em contextos vulneráveis” mereceu ser selecionado nesta monografia em virtude da descrição de uma experiência interessante de implementação e avaliação de um programa destinado à aquisição de competências sócio-profissionais em um contexto de vulnerabilidade social.

Enfim, o artigo “Competências profissionais dos professores do ensino obrigatório” pode parecer que se desenvolva a partir da abordagem da competência promovida pelo setor de formação e da educação, mas, na realidade, apresenta o desenvolvimento ou definição do perfil profissional de um determinado professor. Dessa forma, deve-se considerar que partilha a abordagem da competência profissional, desenvolvida a partir do setor de produção e do trabalho.

Finalmente, como uma amostra do foco principal dos trabalhos apresentados para esta monografia, ou seja, a abordagem das competências realizadas a partir do setor de formação e da educação, foi selecionado o artigo “As competências para o séc. XXI na perspectiva dos professores: um estudo na região centro-oeste de Portugal”.