Rodrigues, J. D. Z. e Barbosa, A.

Política de remuneração variável na rede estadual de ensino paulista: um balanço dos 20 anos do “bônus” do magistério

Jean Douglas Zeferino Rodrigues superIndice: 1

Andreza BarbosasuperIndice: 2

superIndice: 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) Campinas; superIndice: 2 Pontifícia Universidade Católica (PUC) Campinas, Brasil.

Resumo: O artigo analisa a política de remuneração variável (Bônus Mérito e Bonificação por Resultado) adotada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para o pagamento do magistério da rede paulista desde 2000. Na perspectiva de realizar um balanço crítico das duas décadas de existência de tal política, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfico-documental que analisou a literatura nacional e internacional a respeito da temática e os relatórios dos órgãos da Secretaria de Gestão Pública responsáveis pelo apoio técnico e acompanhamento da Bonificação por Resultado. Também foram analisadas entrevistas semiestruturadas realizadas com professores e diretores de escolas. O resultado da análise da bibliografia indicou que as políticas de remuneração variável não provocam mudanças significativas que possam legitimar seu uso como política pública, a análise dos relatórios destacou sua pouca efetividade para a melhoria do desempenho dos estudantes, indicando a necessidade de revisão do modelo adotado em São Paulo e, por fim, as entrevistas mostraram o descrédito do magistério com a referida política e as repercussões negativas para o trabalho docente. Assim, conclui-se que a política de bônus não tem servido para elevar o desempenho dos estudantes e, menos ainda, para melhorar a qualidade da educação no estado de São Paulo.

Palavras-chave: remuneração variável; bônus mérito; bonificação por resultado; pagamento por desempenho; trabalho docente.

Política de remuneración variable en el sistema de enseñanza del estado de São Paulo: un análisis de los 20 años de «bonificaciones» para profesores

Resumen. En el artículo se analiza la política de remuneración variable (bonificación por méritos y bonificación por resultados) aplicada por la Secretaría de Educación del Estado de São Paulo para el pago a profesores del sistema escolar de São Paulo desde el año 2000. Con el objetivo de realizar una evaluación crítica de las dos décadas de existencia de dicha política, se ha desarrollado una investigación bibliográfica y documental en la que se han analizado literatura nacional e internacional relacionada con este tema y los informes de los órganos de la Secretaría de Gestión Pública responsables del apoyo técnico y la supervisión de la bonificación por resultados. También se han analizado entrevistas semiestructuradas llevadas a cabo con profesores y directores de escuela. Los resultados de este análisis bibliográfico indican que las políticas de remuneración variable no provocan cambios significativos que puedan legitimar su uso como política pública; el análisis de los informes destaca su poca efectividad a la hora de mejorar el rendimiento de los alumnos y refleja la necesidad de revisar el modelo adoptado en São Paulo y, por último, las entrevistas muestran la disconformidad de los profesores respecto a dicha política y sus repercusiones negativas en el trabajo docente. Así se concluye que la política de bonificaciones no ha servido para mejorar el rendimiento de los alumnos y menos aún para mejorar la calidad de la educación en el estado de São Paulo.

Palabras clave: remuneración variable; bonificación por méritos; bonificación por resultados; pago por rendimiento; trabajo docente.

Variable remuneration policy of São Paulo education network: an evaluation of the 20 years of the teaching “bonus”

Abstract. This paper analyzes the variable remuneration policy (Merit Bonus and Outcome Bonus) adopted by the Education Department of the State of São Paulo as the payment to the teaching staff of the São Paulo network since 2000. In order to make a critical balance of two decades of this policy existence, a bibliographical-documental research was developed which analyzed the national and international literature on the subject and the reports of the agencies of the Public Management Department responsible for technical support and monitoring of the Outcome Bonus. Semi-structured interviews with school teachers and principals were also analyzed. The bibliographical analysis indicated that the policies of variable remuneration do not lead to significant changes that could legitimize its use as a public policy; the analysis of the reports highlighted their little effectiveness in improving the student performance, indicating the need to review the model adopted in Sao Paulo; and lastly, the interviews showed the discredit of the teachers with this policy and the negative repercussions for their work. Thus, it is concluded that the bonus policy has not served to increase student performance, and, even less, to improve the quality of education in the State of São Paulo.

Keywords: Variable remuneration; merit bonus; outcome bonus; performance remuneration; teaching work.

1. Introdução

Ainda que o conceito de qualidade na educação seja polissêmico, não é difícil observar que a educação oferecida à grande parcela da população brasileira se distancia de quase qualquer concepção de qualidade que se possa adotar. A questão se complexifica quando se busca compreender as causas dos problemas enfrentados e os caminhos para superá-los. No entanto, para os reformadores empresariais (Freitas, 2012; Ravitch, 2011), a saída passa, impreterivelmente, pela incorporação do acúmulo da lógica do mercado como fio condutor das ações do Estado na educação.

Diversos autores convergem ao evidenciar que a sustentação política e econômica das reformas implementadas na educação se assenta numa aliança liberal conservadora, cujos objetivos operam no sentido de proliferação e ampliação da lógica do mercado (Lima & Gandin, 2012). Nesse sentido, os pressupostos do gerencialismo (Castro, 2008; Newman & Clarke, 2012) ofereceram forma e conteúdo às reformas, abrindo caminho à introdução de tal lógica nos espaços estatais. Destaca-se que o gerencialismo é um dos principais mecanismos utilizados pelo Estado, uma vez que é perpassado por forte racionalidade instrumental, transcendendo os espaços estritamente estatais e das grandes organizações, vindo a constituir-se em formas de regulação da vida cotidiana em seus aspectos ideológicos e práticos (Chauí, 2000).

Elementos como: foco nos resultados; descentralização da gestão; busca de eficiência, produtividade, custo/efetividade; ênfase na racionalidade técnica; criação de ambientes competitivos; ethos orientado para o cliente (Gewirtz, 2002; Lima & Gandin, 2012), forjaram as condições para a lapidação de sistemas educacionais a partir da lógica gerencial. Consequentemente, observam-se reformas no interior das redes escolares baseadas em avaliações externas em larga escala articuladas aos processos de responsabilização de alto impacto.

Em um cenário cuja adoção de estratégias de remuneração variável, como os modelos de pagamento por desempenho (Mello, 1994), ganham cada vez mais força, torna-se comum o questionamento das formas de remuneração dos professores, sobretudo, a isonomia salarial e a estabilidade na carreira oferecida nas redes públicas.

O estado de São Paulo foi pioneiro na implementação de políticas gerenciais, particularmente, em relação à busca por alternativas de remuneração docente. Em 2020, o Bônus Mérito, modificado para Bonificação por Resultados (BR) em 2008, completou 20 anos de existência na rede pública estadual paulista. Apesar de se vincular ao desempenho somente a partir dessa modificação, quando passou a ser atrelada aos resultados obtidos pela escola no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), a política de bônus paulista sempre buscou se constituir como estratégia de incentivo, inicialmente, à assiduidade dos profissionais da educação e à melhoria do fluxo da escola e, posteriormente, à melhoria do desempenho dos estudantes na avaliação externa em larga escala promovida na rede 1 .

Em 2020 houve o pagamento da BR com base nos resultados obtidos pelas escolas em 2019. Como o Saresp não foi realizado em 2020, em decorrência da pandemia de Covid-19, em 2021 não houve (pela primeira vez desde 2001) o pagamento do bônus aos profissionais da educação paulista. E, apesar dos boatos de que a BR seria extinta, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc) divulgou, em novembro de 2021, que a BR continuaria, mas, a partir de 2022, seria paga com base nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), e não mais pelo Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp). Tendo em vista esse cenário, esse artigo buscará realizar um balanço da política de pagamento por desempenho praticada por mais de 20 anos no estado de São Paulo, por meio do cotejamento da literatura sobre a temática, da análise de documentos oficiais que tratam da Bonificação por Resultados no estado e, também, de entrevistas semiestruturadas realizadas com professores e diretores de escola.

Os documentos analisados foram os pareceres publicados entre os anos de 2012 2 e 2018 pelo Serviço de apoio à Bonificação por Resultado (SABR) e, posteriormente, pelo Grupo Técnico de Indicadores e Avaliação de Políticas Públicas (GIAPP). Ao todo, são 13 documentos abordando as propostas e resultados referentes à BR da Seduc entre os anos de 2011 até 2017. Cabe ressaltar que o SABR 3 e o GIAPP são os órgãos da Secretaria de Gestão Pública (SGP) responsáveis pelo apoio técnico e acompanhamento à Comissão Intersecretarial 4 e aos processos relativos à BR das diferentes secretarias do governo, sobretudo, no que concerne à validação e elaboração de relatórios analíticos sobre a política.

Segundo Cellard (2012), a análise documental permite tanto o levantamento das características que marcam determinado documento, como o estabelecimento de relações entre o objeto de pesquisa e as informações disponibilizadas. Quanto à análise de conteúdo, trata-se de um “conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (Bardin, 1977, p. 38).

Além do cotejamento da literatura específica e da análise de documentos oficiais, foram analisados dados de entrevistas realizadas com profissionais da educação da rede pública estadual paulista. Ressalta-se que essas entrevistas são provenientes de pesquisa concluída em 2018 que analisou seis programas da Seduc e, dentre eles, a BR, de 2008. Foram realizadas 18 entrevistas semiestruturadas com profissionais da educação paulista, dentre eles, os professores e diretores, cujas falas foram aqui analisadas e que terão suas identidades preservadas com o uso de nomes fictícios.

O texto inicia recuperando o debate teórico sobre o pagamento por desempenho, problematizando os limites da política como elemento de estímulo, valorização e permanência na carreira docente. Em seguida, apresenta a política de incentivos e pagamento por desempenho da Seduc desde o ano 2000, abordando as mudanças e as contradições do programa. Da mesma forma, apresenta a análise dos documentos oficiais e, por fim, evidencia os dados das entrevistas com os profissionais da rede estadual, numa perspectiva de balanço da política em relação aos próprios objetivos estabelecidos pela Seduc.

2. Os incentivos e o pagamento por desempenho na literatura

Ao invés da padronização ou isonomia salarial, a remuneração variável, como o pagamento de incentivos ou o pagamento por desempenho, tem sido apresentada na literatura como forma de obter um conjunto de retornos como assiduidade do professor, melhoria do desempenho dos estudantes nas avaliações externas em larga escala, maior alinhamento do trabalho dos professores e da escola, premiação pelo esforço dos profissionais, estímulo à permanência na carreira, entre diversos atributos inseridos nesse modelo de remuneração (Ferraz, 2009; Morduchowicz, 2003).

Mello (1994) aponta que estímulos salariais diferenciados, pautados nos resultados, seriam boas iniciativas para que as escolas se tornassem mais responsáveis e atendessem à demanda por uma educação voltada às necessidades básicas de aprendizagem. Nesse sentido, para Morduchowicz (2003), a remuneração padronizada não permite que os professores sejam estimulados a desenvolver um trabalho eficiente; em contrapartida, o pagamento por mérito, ao estimular a competitividade na função, favorece a melhora do desempenho, de modo que os mais eficazes seriam monetariamente recompensados.

Hanushek e Rivkin (2007) defendem que o trabalho do professor seja medido por meio da manifestação, ou não, da aprendizagem dos estudantes, verificada por meio de avaliações externas. Tal mecanismo permitiria a produção de dados para a sistematização de incentivos para os melhores, até porque a insistência de aumento geral para os professores consistiria em medida cara, ineficaz e de longo prazo. Segundo Harvey-Beavis (2003) e Shanahan (2010), há três modelos de remuneração variável que predominam: o pagamento por mérito, prevendo geralmente a premiação pecuniária individual baseada no desempenho de estudantes; o critério baseado no conhecimento e em habilidades, envolvendo premiação pecuniária individual pelas qualificações e a consequente demonstração de tais habilidades e conhecimentos úteis para melhorar os resultados dos estudantes; e, por fim, o pagamento baseado no desempenho da escola, implicando, neste caso, premiações pecuniárias para um grupo ou para a escola, mediante a melhora dos estudantes em determinados índices.

Chama a atenção a ampliação dos estados que incorporam às suas redes alguma forma de avaliação por desempenho. Segundo Santos et al. (2012), das 27 secretarias de estado analisadas, 16 apresentaram processos de avaliação por desempenho e, destas, 13 oferecem algum modelo de remuneração variável. Zatti e Minhoto (2019), com dados de 2015, indicam que havia 24 estados com Avaliação de Desempenho Docente (ADD), sendo que em 14 deles a política estava em vigor. Desses, oito associam os resultados da ADD à progressão na carreira, 10 estados articulam ao pagamento de bonificações e em quatro os efeitos são duplos: progressão na carreira e bonificação.

Apesar disso, não há consenso na literatura de que a remuneração variável possa ser instrumento para a melhoria da qualidade da educação (Cassetari, 2010; Marsh et al., 2011; Muller, 2018; Scorzafave et al., 2015). As pesquisas de Harvey-Beavis (2003) e Shanahan (2010) destacam as principais críticas: 1. não melhora a motivação ou a permanência do professor na escola e não se apresenta como fator atrativo para o seu recrutamento; 2. aumenta a competitividade, enfraquece a autonomia e prejudica a cooperação e o profissionalismo entre professores; 3. a avaliação e os critérios de medidas associados ao pagamento por desempenho não são confiáveis; 4. o ensino é uma das atividades que não deve se associar à forma de pagamento por desempenho; 5. estreita o currículo e estimula os professores a ensinarem para os testes; 6. não há evidências que essa política melhora os resultados dos estudantes; 7. o recebimento do bônus é demorado e a implementação da política é cara; 8. a política é baseada no modelo de mercado, provocando distorções nos valores da educação pública; 9. pode estimular comportamentos oportunistas, tanto em relação à busca pelo prêmio quanto para evitar sanções.

As pesquisas indicam uma profunda dificuldade em afirmar quais são os impactos gerados, uma vez que há envolvimento de múltiplas variáveis e muitos modelos, ou seja: se o programa foca no desempenho do professor ou da escola; se o incentivo é financeiro ou não; se existem ou não sanções para baixos desempenhos; o tempo de duração das premiações; os níveis de premiações; se a avaliação do desempenho permite progressão em novas escalas salariais; o que é avaliado no professor e quem o avalia; entre outros aspectos (Shanahan, 2010).

Nesse sentido, o relatório da pesquisa A Big Apple for Educators, conduzida por Marsh et al. (2011), analisou o programa de pagamento de bônus implementado pela prefeitura da cidade de Nova Iorque, entre os anos de 2007 e 2008, intitulado Schoolwide Performance Bonus Program (SPBP). A pesquisa foi encomendada pelo próprio Departamento de Educação da cidade e seus resultados refutaram a hipótese de que sistemas de pagamento por desempenho constituem políticas eficazes de estímulo e satisfação no trabalho. A prefeitura da cidade de Nova Iorque suspendeu o programa em 2011. O relatório indicava que o SPBP não melhorou os resultados dos estudantes em nenhum nível, não afetou o Relatório de Progresso de Nota da escola, a percepção, as atitudes e o comportamento em relação às práticas e opiniões dos professores inseridos no programa e dos não inseridos. Além disso, o bônus concedido teve limitado poder motivacional, a pressão originada pela política de responsabilização, frequentemente, foi mais perceptível por ser mais presente e saliente que o bônus e, por fim, concluiu-se que o processo motivacional, unilateralmente, não promoveu mudanças nas escolas (Marsh et al., 2011).

Pesquisa longitudinal desenvolvida por Chiang et al. (2015; 2017) indica resultados semelhantes. As informações foram originadas a partir da análise do programa Fundo de Incentivo aos Professores, com resultados socializados após dois e quatro anos de implementação da política. A iniciativa consiste no oferecimento de subsídios e apoio técnico aos vários sistemas de pagamento por desempenho, a diretores e professores de escolas com alta necessidade, de 155 distritos dos Estados Unidos (Chiang et al., 2015). Suas análises concluíram que: poucos sistemas de pagamento por desempenho, estruturados pelos distritos, se alinharam às orientações do programa; professores de escolas inseridas no programa (treatment schools) estavam menos satisfeitos que os professores das demais escolas (control schools); o pagamento por desempenho não proporcionou a manutenção ou a atração de professores com melhor desempenho; os diretores que apresentavam melhores desempenhos permaneceram em suas escolas, enquanto os de menor desempenho deixaram suas unidades; a política ocasionou pequenos e positivos impactos no desempenho de leitura dos estudantes, entretanto, em matemática, os resultados foram insignificantes; os impactos do pagamento por desempenho nos resultados dos alunos diferiram entre os distritos e não foi possível relacionar tais diferenças às principais características do programa pesquisado.

No segundo relatório do estudo (Chiang et al., 2017), chama a atenção o fato de que, embora sejam observados certos impactos favoráveis na satisfação dos professores, não há evidências que tal satisfação tenha contribuído para a melhoria dos resultados dos estudantes, uma vez que “[…] os impactos positivos no desempenho dos alunos surgiram nos primeiros dois anos – um período em que o pagamento por desempenho estava, na verdade, diminuindo a satisfação” (Chiang et al., 2017, p. 10).

No Brasil, Oshiro et al. (2015) analisam se a BR da Secretaria de Educação de São Paulo oferece algum efeito nas notas dos estudantes em testes padronizados. Os resultados foram inconclusivos, uma vez que não foram encontrados elementos que permitissem afirmar que ocorreram efeitos positivos permanentes nas escolas:

Por fim, tentamos avaliar se a adoção do bônus alterou alguns indicadores escolares (como clima escolar, participação dos pais na escola, cumprimento do currículo, uso do tempo em sala de aula, experiência dos professores/diretores, etc.) que poderiam ajudar a entender tanto a diferença de resultados entre o quinto e o nono anos, como o decaimento do efeito para o quinto ano entre 2009 e 2011. No entanto, essa análise foi inconclusiva em apontar claramente algum desses fatores como estando associados a essa trajetória do efeito da política sobre as notas. (Oshiro et al., 2015, p. 229)

Scorzafave et al. (2015) apresentam dados de outra pesquisa, cujo objetivo foi analisar os efeitos da política de bônus sobre a desigualdade de proficiência entre os estudantes do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental das redes públicas de ensino. Em caráter comparativo, o estudo considerou redes que não adotaram nenhum tipo de bonificação desde 2007, redes públicas que adotaram políticas de bonificação cujo desenho se voltou à redução de desigualdade de proficiência e, por fim, redes que adotaram políticas de bonificação sem o componente voltado à desigualdade de proficiência. Os dados sugerem que mesmo nos modelos de pagamento por desempenho que se voltam ao aprendizado dos estudantes de baixa proficiência, como nas redes estaduais de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, houve aumento na desigualdade de proficiência entre 2007 e 2011, se comparadas às redes cuja política de bonificação não incorporava tal foco, assim como em relação às redes que não adotavam políticas de bonificação.

Barbosa e Fernandes (2013) consideram que as políticas de remuneração variável implementadas na rede pública estadual paulista se constituíram mais como mecanismos de controle e responsabilização dos professores do que como formas de incentivo à melhoria da qualidade da educação e, a partir da fala dos professores entrevistados, constatam o aumento da insatisfação, individualização do trabalho docente e redução da organização sindical.

As políticas de remuneração variável partem do pressuposto de que o oferecimento de incentivos financeiros pode ser um estímulo para que professores melhorem o seu trabalho e, consequentemente, o desempenho dos estudantes, porém, a conclusão que se extrai das pesquisas consideradas é que não há mudanças significativas e positivas que possam legitimar seu uso como política pública. Pelo contrário, os dados sugerem que são iniciativas dispendiosas, consomem muito tempo e reflexão no infindável aperfeiçoamento dos programas e que seus problemas são associados a questões de ordem técnica em detrimento de outras análises e perspectivas.

3. 20 anos de políticas de remuneração variável na rede estadual paulista – um balanço necessário

Influenciado por uma perspectiva economicista da educação, o governo do estado de São Paulo, na gestão de Mário Covas, criou, por meio da Lei Complementar nº 891 de 2000, o Bônus Mérito. A lei estabelecia que o bônus era uma “[...] vantagem pecuniária a ser concedida uma única vez, no corrente ano, [...] vinculada diretamente à aferição da frequência apresentada pelo profissional de ensino durante o período letivo de 2000, no exercício de suas atribuições” (Lei Complementar 891, 2000). Já no ano seguinte, no governo de Geraldo Alckmin, a Lei Complementar nº 909 (2001) adiciona à aferição da frequência um novo elemento, o desempenho do profissional. O Bônus Mérito trata-se agora de “[...] uma vantagem pecuniária a ser concedida uma única vez, no corrente ano, [...] vinculada diretamente à avaliação do desempenho apresentada pelo profissional, somada à aferição da frequência, durante o exercício de 2001, na forma a ser regulamentada” (Lei complementar nº 909, 2001).

Em 2008, a política de remuneração variável passa por um profundo processo de sistematização (Lei Complementar nº 1.078, 2008), recebendo a denominação de Bonificação por Resultados (BR). Ao articular assiduidade, o fluxo escolar e o desempenho dos estudantes conformou-se o que a literatura denomina de responsabilização de alto impacto (Bonamino & Sousa, 2012).

Para efeito da aplicação da BR, consideram-se dois fatores: as metas, que sugerem o valor a ser alcançado em cada um dos indicadores, sejam globais ou específicos, e em determinado espaço de tempo; e o índice de cumprimento de metas, que se referencia como a relação percentual estabelecida entre o valor que foi alcançado no processo de avaliação e a meta fixada previamente. A BR é paga tendo como base o índice cumprido pelo professor ao longo do ano letivo e a meta estabelecida pela Seduc durante o período de avaliação dos resultados, conferindo ao professor o recebimento de até 20% da soma de sua remuneração mensal relativa ao período de avaliação, multiplicada pelo índice agregado de cumprimento de metas específicas e pelo índice de dias de efetivo exercício. Passado mais de uma década de implementação da BR, duas outras mudanças marcam a política de remuneração variável paulista: a substituição dos indicadores do Idesp pelos do Ideb (Resolução Conjunta CC/SG/SFP 5 -4, 2021) e a extensão da BR para todas as Secretarias de Estado, à Procuradoria Geral do Estado e à Controladoria Geral do Estado e nas Autarquias (Lei Complementar 1.361, 2021).

Considerando todas as transformações na política de remuneração variável do governo paulista, desde o Bônus Mérito de 2000 até a formulação atual da BR, o argumento central sempre se pautou pelo discurso da eficiência no serviço prestado pelo Estado, pela valorização do magistério e melhoria da qualidade educacional, manifestada a partir do Idesp. Entretanto, ao longo do tempo, as mudanças caminharam de uma política de incentivos mais geral para uma sistemática política de remuneração variável, cuja literatura específica não oferece consenso quanto a sua efetividade.

Após mais de duas décadas de política de remuneração variável, a realidade encontrada distancia-se das previsões do próprio governo. A partir de um conjunto de dados que retratam a política, foi possível sistematizar um balanço crítico da BR, explorando diversos pressupostos que tradicionalmente oferecem sustentação à política. Os dados apresentados a seguir correspondem aos resultados das análises documental e de conteúdo e serão descritos nas próximas seções. A primeira evidencia a análise dos 13 pareceres produzidos pelos órgãos da SGP responsáveis pelo apoio técnico e acompanhamento dos processos associados à BR. Já a segunda destaca as falas dos professores entrevistados para a realização da pesquisa utilizada nesse artigo.

3.1 A análise dos pareceres

Dentre as diversas recomendações dos documentos, destacam-se a pouca efetividade da BR e a consequente necessidade de revisão da modelagem do instrumento. Tais pontos vão ao encontro do que já apontava grande parte da literatura, isto é, dificuldades na modelagem das iniciativas mediante a diversidade de fatores que podem influenciar nos resultados (Harvey-Beavis, 2003).

As recomendações de revisão incidem, principalmente, no modelo de cálculo utilizado pela BR que se apoia em um único indicador, o Idesp, para compreender toda uma complexa cadeia de esforços e realidades presentes na Seduc, nas unidades escolares, diretorias de ensino e administração central e no próprio fenômeno educacional. Segundo os pareceres, as recomendações pela inclusão de mais indicadores partem de um conjunto de constatações, como a evidenciada pelo trecho de um dos pareceres: “[...] necessidade de inclusão de outros indicadores na BR da Educação (complementarmente ao Idesp, que deve permanecer na cesta), em especial indicadores que reflitam toda a cadeia de esforços (pedagógicos e não-pedagógicos) requeridos para o resultado final [...]” (São Paulo, 2015, p. 10).

Também é apontada a necessidade de rever o que os documentos chamaram de lógica do “tudo ou nada”, que causa grande disparidade entre os resultados das escolas: “Novamente, a soma destes fatores favoreceu a lógica do “tudo ou nada”, gerando uma distribuição de IC 6 s na qual muitas escolas zeram o IC do IDESP, muitas recebem 120%, e poucas recebem dentro desse intervalo [...]” (São Paulo, 2017c, p. 8).

Nesse sentido, o relatório de 2017 retoma os pareceres anteriores (desde 2013) para repetir a necessidade de revisão da BR, dadas as deficiências de tal política:

Conforme pareceres de 2013, 2014, 2015 e 2016 tanto de pactuação quanto de apuração, este SABR tem alertado para as deficiências e oportunidades de melhoria do atual modelo de cálculo da BR SEE 7 . Sem a intenção de se repetir, mas inevitavelmente recorrendo ao acúmulo de conhecimento do passado, aparece em primeiro plano a urgência em revisar a BR SEE, em que pese toda dificuldade e dimensão da tarefa. Em especial, passados nove anos de implementação, a BR da Secretaria de Educação – BR SEE, precisa atualizar-se frente aos objetivos de médio/longo prazo para que haja, considerado o histórico construído, avaliação do desempenho até o dia presente e dos marcos propostos para 2030, tanto para que sejam renovados os objetivos, quanto para que sejam repensados os esforços necessários, caso entendido oportuna revisão de rota. (São Paulo, 2017b, p. 3)

Mesmo a partir das inúmeras manifestações dos órgãos internos da SGP, recomendando revisão no modelo adotado na BR, a Comissão Intersecretarial, responsável pela “definição dos indicadores globais e seus critérios de apuração e avaliação, bem como as metas de toda a Secretaria da Educação” (Lei Complementar nº 1.078, 2008), ignorou as recomendações permitindo a continuidade de uma política pública cuja efetividade fora anualmente questionada. A análise dos documentos sugere que a BR não constitui um instrumento adequado, seja para a promoção da melhoria do desempenho nas avaliações externas, seja como fator de mudança institucional, como evidenciam os trechos abaixo dos pareceres:

Desta forma, voltamos à nossa recomendação de incluir indicadores de desempenho para os diferentes níveis administrativos da SEE (escolas, diretorias de ensino e administração central, com suas diferentes coordenadorias e que desempenham atividades pedagógicas e não pedagógicas), em substituição ao modelo de BR atual de indicador único, que não tem sido efetivo enquanto instrumento de gestão, gerando dispêndio de recursos financeiros significativos (cerca de R$ 680 milhões por ano) sem que haja uma melhora sustentada da organização no cumprimento de sua missão institucional. (São Paulo, 2014c, p. 15)

Por fim, a efetividade do instrumento, em termos de sua contribuição para a promoção de melhorias dos resultados das escolas, tem sido questionada, ao menos na forma como tem sido implementado, já que a evolução positiva esperada para os resultados, rumo às metas de 2030, não tem sido observada, sendo comum o retrocesso, oscilação ou estagnação dos resultados, para boa parte das escolas. (São Paulo, 2017a, p. 4)

Conforme indicado, a proposta para o período de avaliação 2017 não traz mudanças quaisquer para a BR da SEE, permanecendo inalteradas as falhas verificadas no passado e sem maiores esclarecimentos dos questionamentos recorrentes. Além disso, a evidência disponível até o momento parece indicar que o pagamento de bônus, na atual configuração adotada pelo instrumento, tem sido pouco efetivo em influenciar positivamente os resultados do IDESP. Desta forma, consideramos a proposta tecnicamente inadequada, recomendando novamente a formulação e inclusão de mais indicadores que mensurem o esforço da organização. (São Paulo, 2018, p. 14)

Ao sugerirem mudanças no modelo da BR, sobretudo, na ampliação da cesta de indicadores, os órgãos se debruçam nos dados do Idesp das escolas e da própria rede estadual. As menções nos pareceres em relação ao desempenho das escolas indicam predominância de baixo e estagnado desempenho ao longo do recorte analisado, com destaque para os Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A exceção encontra-se nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, porém, o próprio parecer sublinha que o aumento no desempenho nesta etapa foi observado na maioria dos estados, o que inviabiliza a correlação com o pagamento de bônus (São Paulo, 2017a).

Figura 1. Evolução do Idesp - Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio (2009 – 2017).

Fonte: São Paulo (2018, p. 7-8).

Em relação ao desempenho no Saresp os documentos destacam a não linearidade das metas propostas às escolas. O que se apresenta é a manutenção ou a redução das metas para os anos subsequentes, especialmente, nos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, coincidentemente, etapas com maiores dificuldades em avançar nos indicadores, conforme demonstra a Figura 1. O parecer de 2017 (São Paulo, 2017a) retoma a crítica, enfatizando que exigiu esclarecimentos em relação às mudanças das metas da Comissão Intersecretarial, no entanto, não obteve retorno. A questão que vem à tona se associa aos usos e objetivos dos arranjos e modelagens do sistema de remuneração variável, sobretudo, na proposição das metas e seu consequente desempenho, cuja finalidade pode ser diversa, inclusive ser utilizada como elementos suscetíveis à manipulação no jogo político de governos (Ravitch, 2011).

Ainda em relação à utilização de um único indicador, chama a atenção a irregularidade dos desempenhos das escolas retratados pelo movimento de “tudo ou nada”. Conforme o parecer da nota técnica (São Paulo, 2015), observa-se o seguinte: das 1539 unidades dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, 473 encontraram-se com o Índice de Cumprimento da Meta (IC) zero, outras 887 com IC de 120% da meta ou superior e apenas 103 estão entre o intervalo de 0 e 120; nos Anos Finais do Ensino Fundamental o movimento é semelhante, uma vez que das 3712 unidades, 1513 obtiveram IC igual a zero e 1581 superior a 120% e, por fim, repetindo-se no Ensino Médio, com resultado concentrando-se nas pontas na proporção de 46,18% superior à meta, 42,52% com desempenho zerado e apenas 11,3% no intervalo de 0 a 120%.

Além dos resultados que se apresentam concentrados nas pontas, outro fator parece acentuar ainda mais a irregularidade dos desempenhos no Saresp. Observa-se que o resultado de uma unidade escolar em certo ano pode ser influenciado, de forma inversa, por seu resultado do ano anterior (São Paulo, 2017a). Em outras palavras, se uma escola apresentou desempenho insatisfatório em um ano, há cerca de 50% de chance de, no ano seguinte, a unidade se recuperar.

Em outro parecer (São Paulo, 2014b), o órgão faz sugestões de indicadores, tais como “capacitação e aperfeiçoamento de docentes e funcionários técnicos e administrativos; condições de trabalho dos professores; envolvimento com pais e comunidade; adequação de infraestrutura das escolas; execução do calendário escolar conforme o programado”.

Em nenhum dos 13 pareceres é possível observar correlação entre melhoria do desempenho das unidades escolares e a política de Bonificação por Resultados. Entretanto, contrariamente, predominam análises apontando que o modelo adotado pode gerar um conjunto de consequências para a escola e os professores, reforçando dados de diversas pesquisas sobre o tema. Os arranjos e modelagens estatísticas, por sua natureza quantitativa e atuando de maneira isolada, como no caso da BR, apresentam profunda dificuldade para compreender o complexo fenômeno educacional, criando, dessa forma, situações que fazem a dinâmica escolar caminhar no sentido contrário dos objetivos esperados da política de bônus. Ao invés da tese do estímulo para se atingir algum objetivo, cria-se um movimento permeado por diversas consequências para a escola e seus professores, como apresenta o Quadro 1.

Quadro 1. Recomendações dos pareceres - consequências para escolas e professores.

Escolas

“A sensação de injustiça é reforçada quando os docentes são responsabilizados pelo desempenho escolar, porém avaliam que não lhes foram dadas condições adequadas de trabalho, o que gera desmotivação e descrédito em relação à BR (especialmente quando a escola não ganha o bônus) e à própria atividade docente.” (São Paulo, 2014a, p. 9)

“Como já explicitado em pareceres anteriores do SABR, a utilização de um único indicador de desempenho na proposta da SEE permite que diversos setores que contribuem para o resultado final não tenham sua participação identificada, seu desempenho medido, e seus resultados cobrados, de forma que a responsabilização pelos resultados do IDESP das escolas se torna difusa, recaindo quase que exclusivamente sobre o corpo docente.” (São Paulo, 2014c, p. 11)

“Outro problema associado à adoção de um único indicador é a maior facilidade com que as unidades escolares recebem nota zero, a despeito dos esforços que eventualmente tenham desempenhado em outras iniciativas.” (São Paulo, 2014c, p. 11)

Professores

“Entre os problemas apontados está a amplificação da relação intra-classe para a melhoria sistêmica da rede de ensino, sem que outros recortes sejam considerados.” (São Paulo, 2015, p. 8)

“Como resultado, a exclusividade do IDESP como indicador gera excessivo protagonismo dos profissionais que ministram as disciplinas de português e matemática, sem que outras áreas da Secretaria tenham a oportunidade de estar em evidência.” (São Paulo, 2015, p. 8)

Fonte: Elaboração própria com base nos documentos analisados (São Paulo, 2014a, 2014c, 2015).

A partir da análise dos pareceres, é possível concluir que as recomendações de revisão do instrumento elaboradas pelos órgãos da SGP foram sucessivamente ignoradas pela Comissão Intersecretarial, ou seja, pelo próprio governo do Estado.

Além do bônus ser inadequado e pouco efetivo como instrumento para a promoção da melhoria do desempenho das escolas, a política acaba por piorar as condições de trabalho promovendo uma série de consequências negativas para as escolas e seus professores, como o abandono da docência.

3.2 O que dizem os professores e diretores entrevistados?

As entrevistas que serviram de base para este artigo foram realizadas com 18 profissionais de escolas de Ensino Médio de um município do interior do estado de São Paulo. Foram entrevistados, entre os anos de 2017 e 2018, seis professores de Língua Portuguesa, quatro de Matemática, quatro diretores de escola e quatro professores coordenadores. Entretanto, para este artigo apenas algumas entrevistas foram utilizadas. As falas dos professores e diretores também evidenciam a não efetividade da política de bônus para a melhoria do trabalho dos professores e para a melhoria do desempenho dos estudantes nas avaliações externas. Os professores apontaram o descrédito de tal política nas escolas:

Eu trabalho aqui, não pensando em bônus, tanto que o pessoal aqui [...] eu vejo que ficaram chateados porque não receberam bônus [...] mas eu, particularmente, nem penso em bônus. [...] Aqui não, aqui o pessoal trabalha. Parece que nem existe bônus, entendeu? Tem gente que faz um monte de atividade, cada um dentro da sua parte, tenta fazer o melhor possível, mas eu nunca visei bônus não (professora de Matemática, Flora).

As entrevistas mostraram ainda que, embora os professores valorizem a possibilidade de ganhos extras, sobretudo considerando os baixos salários recebidos na rede, o bônus não serve de motivação aos professores, principalmente, para aqueles que não o recebem:

Eu, como estou habituada a não receber, então, não crio essa expectativa de “tenho que receber, tenho que trabalhar bastante pra receber o bônus”, eu trabalho, eu tenho consciência em realizar aquilo que é o meu papel em sala de aula. Agora, lógico que dinheiro é fundamental, a gente não trabalha de graça, né? (professora de Língua Portuguesa, Catarina).

Os professores ainda mencionam que o bônus nem sempre é considerado como uma forma de recompensar um bom desempenho, mas de compensar os baixos salários o que, por sua vez, não contribui para a melhoria do desempenho do docente no seu trabalho:

O bônus é uma compensação de um baixo salário, é uma compensação dos meus sofrimentos em sala de aula e eu vou continuar exatamente como eu era; na sua grande maioria não existe esse impacto de “olha, eu recebi bônus! Agora eu vou melhorar” (diretor Fernando).

Diante das dificuldades de receber o bônus mesmo tendo se dedicado ao seu trabalho, os professores demonstraram considerar o bônus injusto. Isso reflete, como apontado nos pareceres analisados, os efeitos da centralidade do Idesp como único indicador. Ou seja, apesar de serem muitos os fatores que incidem sobre a aprendizagem dos estudantes e seu desempenho no Saresp, somente os professores são responsabilizados por isso.

Eu acho muito injusto que eu, por exemplo, aqui eu trabalho há cinco anos e eu recebi um ano só, então eu não me preocupo com bônus porque independente... se ele vem, muito bem! Só que eu considero que eu trabalho muito com eles em sala de aula, então quer dizer, eu não estou trabalhando direito porque eu não recebo? (professora de Língua Portuguesa, Catarina).

Reforçando o que as análises dos pareceres já haviam evidenciado, as entrevistas mostram que os professores não desenvolvem suas atividades pensando ou se orientando pelo bônus, mas sim por motivações associadas à prática pedagógica e ao desenvolvimento dos estudantes, reduzindo, portanto, a centralidade na crença oferecida pelos reformadores empresariais e pela própria Seduc de que o bônus é um forte indutor e motivador de mudanças.

Pesquisas (Chiang et al., 2015; Marsh et al., 2011) sugerem que as políticas de responsabilização operam mais por meio da pressão e da cobrança do que pelo poder motivacional do bônus, classificado pelas pesquisas como reduzido. Ainda segundo os estudos, tendencialmente, o bônus faz com que os professores se sintam agraciados pelo esforço e trabalho duro, porém, afirmam que teriam feito o mesmo sem ele. Os achados das pesquisas aproximam-se do posicionamento dos professores entrevistados, já que rechaçam a ideia de que sua prática seja mobilizada por premiações pecuniárias em detrimento de outros valores, como, por exemplo, salário uniforme adequado e reconhecimento profissional perante a sociedade.

Isso se agrava ainda mais quando observamos que, dentro de uma mesma escola, os professores de etapas diferentes da educação, ou mesmo de ciclos diferentes do ensino fundamental, podem receber o bônus enquanto outros não, o que pode levar à fragmentação da categoria e ao sentimento de desvalorização:

Eu acho que o professor deveria ser reconhecido de um modo geral porque, assim, esse negócio de bônus fica meio fragmentado, sabe como? O Ciclo I recebe, o Ciclo II não recebe, o Ensino Médio recebe... [...] Bom, esse bônus tinha que acabar. O professor tinha que ser valorizado, todo mundo, de forma geral, né? Todos os professores, e ele tinha que ter o compromisso de dar conta do recado, né? (diretora Mercedes).

Chama a atenção ainda a compreensão de que a política de bônus não promove a valorização dos professores, pelo contrário. Na visão dos professores, uma melhoria salarial para todos representaria essa valorização:

Eu não concordo, queria que o bônus fosse revertido em aumento salarial, seria muito melhor. Mas, [...] não vou dizer que... ser hipócrita de dizer que “ai, não fico contente quando vem um bônus”, é um dinheiro a mais, eu fico feliz, mas eu gostaria que fosse um aumento salarial, um salário digno e compatível com o nosso trabalho, coisa que não é (professora de Língua Portuguesa, Márcia).

Esse sentimento de desvalorização pode também levar ao abandono da docência, como evidencia a fala da professora abaixo:

Então eu acho que o bônus é uma coisa que não deveria existir, a valorização do professor real é que sim, que deveria existir, nós deveríamos ter um salário digno, né? Que nos desse uma posição de respeito na sociedade porque nós não temos respeito de ninguém, nós só temos o respeito de nós mesmos, um respeita o outro, só um colega respeita o outro porque o restante não vê a menor importância e pelo que eu tenho percebido e o que me tem dado mais vontade de sair da Educação é que a situação vai piorar [...] (professora de Língua Portuguesa, Maria).

A pesquisa de Barbosa et al. (2020) chama a atenção para o grande número de exonerações de professores efetivos na rede pública estadual paulista que, desde 2008, tem se mantido em torno de 3 mil por ano. O estudo de Pagani (2019) destaca que essas exonerações são, muitas vezes, motivadas pelo sentimento de desvalorização dos professores diante da precarização das condições de trabalho, sobretudo salários, e que esses professores nem sempre abandonam a docência, mas sim a rede pública paulista para trabalhar em outra rede onde se sintam mais valorizados. Entendemos que o frequente abandono da docência na rede paulista também possa ser considerado como um indicador do fracasso da política de remuneração variável adotada em detrimento de aumentos salariais gerais.

Assim, mesmo indicando que o dinheiro do bônus é bem-vindo, os entrevistados apresentaram contrariedade com a política de bônus, argumentando ora para a incorporação do bônus ao salário, ora para o encerramento do programa, mas, sobretudo, convergindo na posição de defesa da valorização do salário uniforme. A recusa dos modelos de remuneração variável pelos trabalhadores parece relacionar-se aos diversos problemas apresentados pelo programa e explorados ao longo deste artigo.

4. Considerações finais

Entre os diversos aspectos abordados pela ideologia gerencial, questiona-se os modelos de remuneração dos professores, particularmente, em relação à isonomia salarial e à estabilidade nas redes públicas de ensino. A crítica dos reformadores empresariais ao modelo fundamenta-se na crença - não em evidências - de que tal arranjo inviabiliza a constituição de uma educação de qualidade. Apoiados nessa perspectiva, a política de remuneração variável da Seduc, representada aqui pelos diversos arranjos do “bônus”, completou mais de 20 anos. Os diversos dados analisados neste artigo permitem afirmar que a política de remuneração variável da Seduc orientou-se, ao longo de duas décadas, mais pelo caráter ideológico das medidas que pelos resultados por elas apresentados.

As inúmeras recomendações apontadas pelos documentos enfatizam que a política de Bonificação por Resultado apresenta lacunas persistentes que inviabilizam o instrumento para a consecução dos objetivos de mudança institucional e de desempenho dos estudantes nas avaliações externas. Destaca-se entre as recomendações a constante solicitação de revisão da cesta de indicadores, uma vez que, segundo os documentos, apenas o Idesp não permite compreender todo o complexo conjunto de esforços pedagógicos e não pedagógicos presentes na instituição, evidência ignorada periodicamente pela Seduc.

Também as falas dos professores entrevistados reforçaram os limites da BR, sobretudo, em relação à pouca efetividade na motivação dos professores. Em contrapartida, os professores apontaram que as possibilidades de reconhecimento na carreira se relacionam a aumentos uniformes de salário, em detrimento de políticas de remuneração variável.

As fragilidades da BR resultaram não somente em pouca efetividade da política, como atestam os desempenhos irregulares das unidades escolares ao longo dos anos, mas também nas negativas e sistemáticas consequências para as escolas e seus professores. Além da iniciativa não oferecer indícios que possam justificar sua manutenção, a BR proporcionou, ao longo de 20 anos, uma série de repercussões que, somadas à precariedade das condições de trabalho, se tornaram obstáculos à permanência na rede estadual.

Assim, a literatura aqui apresentada, os documentos do órgão de apoio que avaliou a efetividade da BR em São Paulo e os profissionais da educação entrevistados destacaram os problemas e a ausência de resultados positivos da política de remuneração variável em São Paulo. Apesar disso, foi anunciado recentemente não apenas a continuidade da política, mas sua ampliação para outras secretarias do Estado, Procuradoria Geral, Controladoria Geral e autarquias (Lei Complementar 1.361, 2021). A insistência na controversa política de remuneração variável gera um dispêndio anual de cerca de 680 milhões de reais (São Paulo, 2014c) que poderiam ser utilizados de formas distintas, o que leva a questionar se as razões da permanência e ampliação da BR de fato repousam na melhoria do desempenho escolar e na mudança institucional ou em outros objetivos.

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1 1 As estratégias de pagamento por incentivo, por mérito ou por desempenho são consideradas aqui formas de remuneração variável, propostas como alternativa à isonomia salarial docente.

2 Embora tenhamos realizado a análise de todos os pareceres, nem todos foram citados nesse artigo.

3 O SABR foi instituído pelo Decreto 56.125 de 2010, sendo reformulado em 2017 por meio do Decreto 62.598, passando a ser denominado GIAPP.

4 A comissão é composta por: Secretaria da Casa Civil, que preside a comissão; Secretaria da Fazenda; Secretaria de Economia e Planejamento e Secretaria de Gestão Pública.

5 Resolução da Casa Civil (CC), Secretários de Governo (SG) e Secretaria da Fazenda e Planejamento (SFP).

6 IC é o Índice de Cumprimento da Meta.

7 SEE é a antiga sigla usada para designar a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo que, a partir de 2018, passou a ser Seduc.

Como citar em APA:

Rodrigues, J. D. Z. e Barbosa, A. (2022). Política de remuneração variável na rede estadual de ensino paulista: um balanço dos 20 anos do “bônus” do magistério. Revista Iberoamericana de Educación, 90(1), 133-149. https://doi.org/10.35362/rie9015229