Revista Iberoamericana de Educación (2024), vol. 94 núm. 1, pp. 97-114 - OEI

https://doi.org/10.35362/rie9416097 - ISSN: 1022-6508 / ISSNe: 1681-5653

recibido / recebido: 30/10/2023; aceptado / aceite: 08/01/2024

Considerações sobre o uso de histórias em quadrinhos como estratégia no ensino de Ciências da Natureza

Consideraciones sobre el uso del cómic como estrategia para la enseñanza de Ciencias Naturales

Considerations on the use of comics as a strategy for Teaching Natural Sciences

 

Edvargue Amaro da Silva Junior 1 https://orcid.org/0000-0002-4862-4256

João José Caluzi 2 https://orcid.org/0000-0002-6724-7484

1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); 2 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Brasil

Resumo. O uso de Histórias em Quadrinhos (HQ) como ferramenta e/ou recurso pedagógico no Ensino de Ciência da Natureza representa uma prática relevante, já que promove a ludicidade e a interação, sendo esses os eixos estruturantes estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular, para promoção do aprendizado na Educação Básica. Diante desse aspecto, o presente estudo objetiva analisar a utilização de Histórias em Quadrinhos no Ensino de Ciências, assim como a contribuição para o desenvolvimento global dos estudantes. Foi adotada a abordagem qualitativa, com uso de pesquisas bibliográficas e propostas do uso de HQs com possibilidade de serem usadas na sala de aula, não só no Ensino de Ciências, mas em diferentes componentes curriculares. Nota-se que, a adoção de HQs nas aulas de Ciências da Natureza gera um aprendizado mais dinâmico, com possibilidades de construção do conhecimento de forma plural e contextualizada. Ao considerar a importância dessa prática, nota-se a integração ao ambiente escolar, destacando a interface entre as experiências pessoais dos estudantes, o currículo escolar e as dinâmicas em sala de aula. Essa proposta educacional proporciona uma experiência envolvente, oferecendo aos estudantes a oportunidade de formular respostas para situações reais do mundo contemporâneo.

Palavras-chave: história em quadrinhos; ensino de ciências; estratégia de ensino; ensino e aprendizagem.

Resumen. El uso del cómic como herramienta y/o recurso pedagógico en la enseñanza de las Ciencias Naturales representa una práctica relevante, ya que promueve una enseñanza lúdica e interactiva, que son los ejes estructuradores previstos por la Base Nacional Común Curricular, para promover la enseñanza en la Educación Básica. Teniendo esto en cuenta, el presente estudio pretende analizar el uso del cómic en la enseñanza de las Ciencias, así como su contribución al desarrollo general de los alumnos. Se ha adoptado un enfoque cualitativo, con el uso de la investigación bibliográfica y las propuestas de uso de cómics que podrían utilizarse en el aula, no solo en la enseñanza de las Ciencias, sino en diferentes componentes curriculares. Se observa que el uso del cómic en las clases de Ciencias Naturales genera un aprendizaje más dinámico, con posibilidad de crear conocimiento de forma plural y contextualizada. Al considerar la importancia de esta práctica, podemos comprobar la integración en el entorno escolar, destacando la interconexión entre las experiencias personales de los alumnos, el currículo escolar y la dinámica del aula. Esta propuesta educativa proporciona una experiencia atractiva que ofrece a los estudiantes la oportunidad de formular respuestas a situaciones reales de la vida hoy en día.

Palabras clave: cómics; enseñanza de Ciencias; estrategia didáctica; enseñanza y aprendizaje.

Abstract. The use of Comics (Comics) as a tool and/or pedagogical resource in the Teaching of Natural Science represents a relevant practice, as it promotes playfulness and interaction, these being the structuring axes established by the National Common Curricular Base, for promotion of learning in Basic Education. Given this aspect, the present study aims to analyze the use of Comics in Science Teaching, as well as the contribution to the global development of students. A qualitative approach was adopted, using bibliographical research and proposals for the use of comics with the possibility of being used in the classroom, not only in Science Teaching, but in different curricular components. It is noted that the adoption of comics in Natural Sciences classes generates more dynamic learning, with possibilities for building knowledge in a plural and contextualized way. When considering the importance of this practice, integration into the school environment is noted, highlighting the interface between students’ personal experiences, the school curriculum and classroom dynamics. This educational proposal provides an immersive experience, offering students the opportunity to formulate responses to real situations in the contemporary world.

Keywords: comics; science teaching; teaching strategy; teaching and learning.

1. Introdução

A literatura da área de Ensino de Ciências indica que múltiplas abordagens (experimentos demonstrativos, experimentos em laboratórios didáticos, simulações, visitas a centro e museus de ciências etc.) e múltiplas linguagens (audiovisuais, jogos e brincadeiras, teatros, histórias em quadrinhos) podem contribuir para a ampliação do universo cultural e científico dos estudantes. Há várias formas de ensino nesta área, havendo necessidade de serem aplicadas, já que essas contribuem de forma direta para o pleno desenvolvimento dos estudantes (Silva, 2022).

Em se tratando, especificamente, da abordagem nas Histórias em Quadrinhos (HQs), a linguagem que predomina está na associação entre elementos escritos e visuais trazidos nesse tipo de narrativa, apresenta ao leitor um conjunto próprio de códigos linguísticos e imagéticos diferentes de outras expressões artísticas. As HQs são repletas de vozes que interagem entre si permitindo uma comunicação entre o interlocutor e as personagens A interação de diferentes vozes nas narrativas estabelece diálogos que possibilitam o desenvolvimento do enredo, assim evidenciando o caráter dialógico da língua (Rodrigues & Oliveira, 2017). Segundo o filósofo e crítico literário russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895 - 1975), o caráter dialógico da língua é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso (Cavalcante Filho & Torga, 2011).

Na perspectiva bakhtiniana, o dialogismo é amplo. Para o filósofo:

As relações dialógicas - fenômeno bem mais amplo do que as relações entre as réplicas do diálogo expresso composicionalmente - são um fenômeno quase universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância (Bakhtin, 2005, p. 42).

Sendo assim, para Bakhtin, as relações sociais se constituem por meio de discursos que atravessam outros discursos e estabelece um diálogo contínuo entre os seres sociais. No caso das HQs, todas as atividades que envolvem a narrativa promovem a interação, a criação e apropriação de outras manifestações discursivas tendo em vista sua linguagem singular que une diversos elementos em sua composição.

As HQs estão presentes em diferentes suportes de comunicação, como em jornais, revistas, gibis, livros didáticos, entre outros. A presença das HQs na sala de aula pode servir como estratégia para várias disciplinas. Santos e Pereira (2013, p. 3201) afirmam que: “há algum tempo, elas vêm enfocando temas ligados à Ciência, com personagens dotados de forças extraordinárias devido a mutações, substâncias radioativas etc., apresentando uma visão mais crítica e ética da Ciência indicando o amadurecimento de sua linguagem”.

Com a crescente inserção das HQs no ambiente escolar, torna-se evidente a importância de investigação desse recurso pedagógico na melhoria do processo de ensino aprendizagem, especialmente dos conteúdos de ciências da natureza. Esses temas, por muito tempo percebidos como desafiadores devido a vários fatores, como a ausência de metodologias atrativas e a falta de contextualização dos conteúdos, podem se beneficiar do uso das HQs (Barros, 2021).

O objetivo geral da pesquisa foi analisar a utilização de HQs no Ensino de Ciências, assim como a contribuição para o desenvolvimento global de estudantes. Os objetivos específicos deste estudo incluem: apresentar a concepção geral das HQs; descrever as características específicas das HQs de Armandinho, Calvin e Mafalda para compreender suas contribuições distintas; e verificar como a integração dessas HQs no ambiente educacional interfere no desenvolvimento integral dos estudantes, compreendendo aspectos emocionais, sociais e cognitivos.

Diante desses aspectos, indaga-se: Como a incorporação das HQs como recurso pedagógico nas disciplinas de Ciências da Natureza pode contribuir para a promoção de um maior engajamento e compreensão por parte dos estudantes?

A pesquisa foi conduzida mediante uma abordagem qualitativa, utilizando o método de pesquisa bibliográfica. Nesse processo, foram realizadas buscas em sites oficiais, compreendendo fontes como livros, artigos, teses, dissertações e documentos pertinentes ao tema. O estudo concentrou-se em três HQs que apresentam potencial para serem incorporadas no ambiente escolar: Armandinho, Calvin e Mafalda.

A escolha dessas HQs para análise e possível utilização em ambiente educacional se justifica pelos relevantes aspectos que apresentam, apesar de não terem sido inicialmente concebidas para fins educacionais. Essas HQs oferecem contribuições significativas não apenas para o Ensino de Ciências, mas também em outros componentes curriculares. A relação intrínseca entre essas narrativas em quadrinhos e o ambiente educacional é notável, destacada pela conexão estabelecida entre as experiências pessoais dos personagens e as vivências dos estudantes. Ao analisar essas HQs, é possível identificar elementos que ressoam com a realidade dos estudantes, tornando a aprendizagem mais próxima e relevante.

A utilização das HQs nas aulas de Ciências da Natureza pode aumentar o envolvimento dos estudantes, pois a combinação de narrativas visuais e textuais proporciona um aspecto lúdico e contextualizado, facilitando a assimilação de conceitos e promovendo uma conexão mais significativa com os conteúdos científicos, assim o desenvolvimento integral dos educandos (Barros, 2021).

A presente pesquisa justifica-se pela relevância em disseminar informações sobre metodologias que fomentam a criatividade, a capacidade interpretativa, o raciocínio e a imaginação dos estudantes, assim mitigando os desafios do processo de ensino aprendizagem. Santos (2019), destaca que os quadrinhos têm o potencial de contribuir para o processo de ensino aprendizagem em crianças, jovens e adultos, envolvendo diversas áreas do conhecimento. Essa ação acontece devido à sua abordagem simplificada, mas ao mesmo tempo lúdica, na apresentação de informações específicas.

O artigo foi estruturado em quatro seções: A primeira, trata-se da breve discussão sobre o uso da HQ no ambiente escolar. A segunda, aborda características das personagens que constituem o corpus das narrativas analisadas. Na terceira, apresenta-se os procedimentos metodológicos e por fim, na quarta, são trazidas as HQ do Armandinho, do Calvin e da Mafalda e as considerações do uso no processo de ensino aprendizagem, com enfoque na área de Ciências da Natureza.

2. Histórias em quadrinhos (HQs) no contexto escolar: reflexões iniciais

Uma HQ é uma forma de expressão artística e narrativa que combina imagens e texto em sequência para contar uma história. Ela é composta por quadros ou painéis, cada um contendo uma cena específica, acompanhado por balões de diálogo, que contém o texto falado pelos personagens, pensamentos ou narrativa (Damasceno, 2023).

Conforme Vergueiro (2015), as HQs são uma forma única de expressão narrativa, caracterizadas por uma sequencialidade que organiza imagens e textos em uma ordem coesa. Os balões de diálogo contém o discurso dos personagens, enquanto indicadores visuais direcionam a leitura. A estrutura visual, construída em quadros ou painéis delimitados por bordas, utiliza onomatopeias para intensificar a experiência auditiva.

A diversidade na paleta de cores e estilo artístico da HQ contribui para a atmosfera da narrativa, e a presença de personagens recorrentes permite o desenvolvimento de histórias mais longas. A combinação de imagens e texto possibilita uma narrativa visual, tornando as narrativas versáteis e atrativas, envolvendo uma variedade de temas e estilos, desde o humor até o drama e a ficção científica (Nascimento, 2023).

Segundo Silva (2011, p. 1), a HQ é uma “arte sequencial que se consolidou como uma forma de produção cultural que visava se tornar um bem de consumo de uma grande quantidade de leitores convencionalmente chamada de ‘cultura de massa’”. No início do século XX, elas se tornaram uma “febre mundial” apesar de nunca terem sido oficialmente batizadas. As características bastante peculiares que cada uma dessas histórias possui, como a linguagem, os personagens fixos, a organização do texto, ações fragmentadas em quadros, além da sedução que as imagens trazem, apresentam sempre uma intencionalidade por trás dessas obras, seja ela como forma singular de comunicação, refletir sobre problemas cotidianos ou apenas com o intuito de entreter.

No aspecto escolar, utiliza-se o termo arte sequencial para descrever as Histórias em Quadrinhos, pois a função fundamental da arte dos quadrinhos (tiras ou revistas) seria a de comunicar ideias e histórias por meio de palavras e figuras, do qual envolve o movimento de certas imagens (tais como pessoas e coisas) no espaço. Para lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos sequenciados, e esses segmentos são chamados de quadrinhos (Vergueiro e Ramos, 2009).

As histórias em quadrinhos são “imagens pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou produzir uma resposta no espectador”. Atualmente, é possível observar certa dificuldade em definir precisamente o que é história em quadrinhos, principalmente quando comparadas /relacionadas às tiras cômicas, charges, cartum e outros que lidem com a temática humorística que vinculem imagens e texto verbal. Portanto, para a inserção do uso das HQs no meio educacional sala de aula é de suma importância estabelecer o que é e o que não é história em quadrinhos (McCloud, 2005 p. 5).

Dessa forma, a atual dificuldade em delimitar precisamente o que constitui uma história em quadrinhos, especialmente quando comparada a formas afins como tiras cômicas, charges e cartuns, ressalta a diversidade e a sobreposição de elementos dentro dessa categoria.

As HQs utilizadas em sala de aula podem ter duas origens: HQ e tirinhas já publicadas pela imprensa ou especificamente elaboradas com a finalidade didática (Camargo & Revelini-Silva, 2017). O uso das HQs em sala de aula também tem sido objeto de estudos em programas de pós-graduação em educação e ensino de ciências. A seguir, destacamos trechos de três trabalhos que coadunam com esta perspectiva de análise e enriquecem a compreensão do impacto potencial das histórias em quadrinhos no processo educacional:

As Histórias em Quadrinhos permeiam nossas vidas há mais tempo do que se imagina. Este trabalho visou a comprovar o quão positiva pode ser a utilização no âmbito pedagógico, procurando, desta forma, fornecer mais uma contribuição para o ensino de física, divulgando um instrumento didático pouco utilizado na área de ciências, porém com um alcance muitas vezes esquecido (Testoni, 2004, p. 125).

O estudo desenvolvido neste trabalho de mestrado resultou na construção de um produto educacional, planejado e elaborado para atender uma necessidade pontuada em muitos trabalhos da área de ensino de ciências: necessidade de um material adequado de História da ciência no ensino de ciências, que contribua para minimizar as dificuldades de leitura e interpretação de textos, por parte dos alunos, e que apresenta uma contextualização histórico-epistemológica que não reforce a visão empirista-indutivista do trabalho científico (Silva, 2018, p. 96).

Até aqui, a pesquisa nos mostrou que a utilização de Histórias em Quadrinhos em sala de aula, a priori, desenvolve a capacidade de construir saberes de maneira crítico-reflexivo do leitor diante da manifestação das diferentes linguagens que a constituem. Além disso, essas narrativas, seduzem os leitores proporcionando uma leitura prazerosa e espontânea, o que possibilita uma apropriação das características peculiares a esse gênero textual (Silva Junior, 2021, p. 91).

As citações acima destacam a visão positiva e promissora do uso de HQs na educação, especialmente no Ensino de Ciências. Testoni (2004) destaca o potencial das HQs como instrumento didático, ressaltando sua presença na vida cotidiana. Silva (2018) trata sobre a necessidade de material adequado para o ensino de história da Ciência, visando superar dificuldades dos estudantes na leitura e interpretação. Silva Junior (2021) destaca que o uso de HQs em sala de aula não apenas desenvolve a capacidade crítico-reflexiva dos alunos diante de diversas linguagens, mas também proporciona uma leitura prazerosa e espontânea, facilitando a apropriação das características desse gênero textual. Essas análises indicam o potencial das HQs como ferramentas pedagógicas e facilitadoras do processo de aprendizagem, promovendo o engajamento dos alunos.

O quadrinista Marco Merlin, em uma matéria do Jornal da USP, também faz uma avaliação positiva do uso da HQ no ensino: “A combinação da linguagem visual e textual ao conteúdo científico facilita muito a compreensão dos conceitos mais abstratos ou técnicos” (Caires, 2019). Santos et al. (2016) fizeram um estudo sobre o uso de HQ no ensino de química, destacando a importância dessa ação lúdica para desenvolvimento da aprendizagem.

Conforme Neto et al. (2013), a utilização das HQs proporciona uma maior interação entre os estudantes, favorecendo o entendimento dos conceitos científicos e a sua adequação à vida cotidiana. Esse enfoque destaca a importância das HQs como uma ponte entre a linguagem cotidiana e a científica, facilitando a transição e promovendo uma metodologia mais envolvente e compreensível para os estudantes.

Akcanca (2020, p. 1558), após um extenso levantamento bibliográfico sobre o tema, sintetiza em 10 pontos as vantagens da utilização de HQs em sala de aula: facilita a aprendizagem; melhora o desempenho acadêmico; estimula a participação nas aulas; desenvolve as habilidades de leitura, escrita e escuta; promove o interesse na sala de aula; promove a diversão durante a aprendizagem; promove os valores universais; desenvolve a imaginação; garante a permanência do que foi aprendido; promove a motivação para as aulas. Contudo, Farinella (2018) é mais cauteloso em relação ao tema:

A investigação aqui analisada sugere fortemente que a História em quadrinho tem um grande potencial para envolver um público vasto e diversificado nas disciplinas STEM [Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática]. No entanto, são necessários estudos empíricos cuidadosamente concebidos para compreender todos os efeitos da História em quadrinho na aprendizagem, no empenhamento e na atitude em relação à ciência (p.17).

Vemos que os diversos trabalhos que investigam a utilização de HQs no Ensino de Ciência indicam aspectos positivos desse uso. Mesmo os mais cautelosos reconhecem o grande potencial no seu uso.

3. As personalidades marcantes de Armandinho, Calvin e Mafalda

A exploração do uso de HQs, protagonizadas pelos personagens Armandinho, Calvin e Mafalda, no contexto do ensino de ciências, é um tema relevante que exige uma análise aprofundada dessas narrativas gráficas. A inserção desses personagens no contexto pedagógico possui o potencial de explorar os elementos didáticos presentes nas HQs, reconhecendo-as como ferramentas pedagógicas valiosas para a área do saber. O foco principal recai sobre a elucidação de como as narrativas desses personagens podem ser articuladas de maneira a catalisar o interesse dos estudantes, promovendo a reflexão e a compreensão de conceitos científicos.

Essa abordagem integrativa, ao incorporar as HQs no ensino de ciências, visa transcender a mera transmissão de conhecimento, buscando envolver efetivamente os estudantes. A análise crítica dessas narrativas gráficas não se limita apenas aos aspectos narrativos e visuais, mas também incorpora uma cuidadosa consideração da coerência dessas histórias com os conceitos científicos que se pretende abordar.

Em relação aos três personagens, Armandinho, surgiu em meados de 2009, para ilustrar uma reportagem do caderno de economia do Diário Catarinense e no ano seguinte ganhou espaço, passando a ser publicado como tira permanente do jornal. Mas foi só em 2013 que conquistou notoriedade por grande parte dos brasileiros. À época, o personagem genuinamente brasileiro, protagonizou uma tirinha publicada na rede social digital Facebook, por meio da fanpage homônima ao personagem, homenageando as 242 vítimas do incêndio ocorrido na boate Kiss em Santa Maria - RS, lugar onde seu criador reside desde que a página de Armandinho foi criada.

A narrativa teve milhares de compartilhamentos e demonstra a solidariedade de uma criança a um fato inesperado. O menino de cabelos azuis, características marcantes enxergando o mundo por uma ótica bem diferente da dos adultos de forma a mudá-lo, nesse dia perdeu o sorriso e mostrou o seu sentimento de tristeza e que a dor de Santa Maria também pertencia a ele (Figura 1).

Figura 1. Tirinha do Armandinho.

Fonte: https://is.gd/0q14YT.

A partir da visibilidade que ganhou com essa tira, o personagem tem atraído cada vez mais seguidores em sua página de publicação que provavelmente também estão preocupados com as questões trazidas nas narrativas protagonizadas por ele. Conforme Corbari e Silva (2019), as temáticas abordadas nas HQs de Armandinho são diversas, tratam problemas ambientais, inquietações da vida, direitos humanos e sociais, temas leves e engraçados do cotidiano de uma criança, entre outros, evidenciando a criticidade e sinceridade de uma juventude inquieta.

Armandinho é comparado a Mafalda, uma personagem que não se contentava com a realidade da sociedade. Apesar de ter sido criada há mais de cinquenta anos na Argentina, as tiras da garotinha de seis anos de idade, assim como o menino de cabelos azuis, é preocupada com as inquietudes sociais e com guerras, armas nucleares, golpes militares, política, entre outros problemas dessa ordem (Silva Junior, 2021).

A menina que odeia sopa e sonha em “consertar” o mundo, foi produzida inicialmente como uma garota propaganda para uma marca de eletrodomésticos. Felizmente, o projeto de propaganda não foi adiante e anos depois ganhou vida própria e visibilidade em muitos países. As tiras da garotinha foram produzidas por cerca de dez anos e ainda hoje tem grande repercussão mundo afora, estampando diversas campanhas.

A tirinha a seguir (Figura 2) representa um dos momentos em que Mafalda “conversa” com o mundo, satirizando a contemporaneidade.

Figura 2. Tirinha da Mafalda.

Fonte: encurtador.com.br/beDN8.

Embora tenha se originado em um contexto argentino, Quino alcançou reconhecimento internacional por meio das histórias em quadrinhos da icônica garotinha Mafalda, conhecida por seus cabelos volumosos e laço característico. Abordando temáticas relevantes de maneira humorada, Mafalda permanece uma figura proeminente e é frequentemente incorporada em materiais didáticos, questões de vestibulares e atividades em sala de aula. Sua presença destaca não apenas a universalidade do humor de Quino, mas também a capacidade única de Mafalda de dialogar com questões atemporais, tornando-a uma ferramenta pedagógica valiosa e versátil (Silva, 2018).

Outro autor que se consagrou no universo dos quadrinhos foi William Bill Watterson II, mundialmente conhecido como Bill Watterson, criador das tiras cômicas do pequeno garotinho Calvin. O personagem de seis anos assim como Armandinho e Mafalda é de muita personalidade que também nos faz refletir sobre as mazelas da sociedade e do contexto escolar a partir da visão “inocente” de uma criança. No entanto, é bastante solitário e vive entre a realidade e a imaginação. Calvin possui um inseparável tigre de pelúcia chamado Hobbes (no Brasil, ficou conhecido como Haroldo) que para ele é como se estivesse vivo, um amigo verdadeiro presente em todas as aventuras do garoto.

As HQs de Calvin e Haroldo foram publicadas por cerca de 10 anos, nos Estados Unidos, conquistando o público expressando a “inocência” carregada de curiosidade e sinceridade pelo olhar de um garoto que a todo momento tenta se safar dos afazeres diários e situações que lhe exigem uma postura mais adequada. Por exemplo, o menino detesta comer, então nos horários das refeições faz pirraça. Não gosta de estudar e por isso a hora de ir à escola é sempre torturante para ele e os momentos que nela permanece normalmente não é tão agradável.

Na tirinha (Figura 3) pode-se perceber o comportamento de Calvin quando está na escola e seu incômodo com a forma de ensinar da professora.

Observando a cena representada na Figura 3, Calvin expressa insatisfação com a prática metodológica adotada pela professora em suas aulas, evidenciando sua relutância em aceitar as instruções dela. Essa situação, embora humorística na tirinha, reflete uma dinâmica que pode ser comum em contextos educacionais da vida real.

Figura 3. Calvin na escola.

Fonte: https://is.gd/Mwobjk.

Na sala de aula, muitas vezes encontramos estudantes como Calvin, que podem questionar ou discordar das metodologias de ensino. Ressalta-se a importância do diálogo aberto entre professores e alunos, permitindo que suas perspectivas sejam consideradas. A tirinha, de certa forma, destaca a necessidade de adaptação e flexibilidade por parte dos educadores, incorporando abordagens que possam cativar o interesse dos alunos e tornar o aprendizado mais envolvente.

Ao considerarmos esses três personagens, notamos que todos compartilham a condição de crianças, revelando semelhanças entre si, mesmo diante de contextos de criação distintos. Destaca-se a habilidade dos criadores desses personagens em construir personalidades cativantes que estabelecem conexões com públicos de diversas faixas etárias. Por meio de suas peculiaridades e atitudes, Armandinho, Calvin e Mafalda transcendem as páginas das HQs, transformando-se em figuras memoráveis e contribuindo para a conexão dessas narrativas no universo dos quadrinhos, e sua relação com o mundo educacional.

4. Procedimentos metodológicos

Na análise de textos narrativos, surge uma natural curiosidade em compreender o contexto de criação e vivência das personagens, a partir da exploração das suas características e interações. Nas HQs, essa curiosidade é intensificada pela riqueza de informações, proporcionando espaço para a imaginação e interpretações diversas. Além disso, há a oportunidade de comparar a realidade com a ficção presente em cada narrativa (Nascimento, 2023).

O interesse em desvendar esses contextos é expressivo, dado o volume de informações nas HQs, permitindo que o leitor se envolva de maneira única com a trama (Damasceno, 2023). Assim, este artigo fundamenta-se no corpus constituído por três HQs que oferecem uma perspectiva singular sobre o cotidiano e abordam temas de natureza científica. As narrativas escolhidas incluem uma narrativa protagonizada por Armandinho, concebida por Alexandre Beck; uma história envolvendo Calvin, criação de Bill Watterson; e uma tira protagonizada por Mafalda, personagem criada por Joaquín Salvador Lavado (1932 - 2020), conhecido como Quino. A escolha desses personagens foi pautada em sua familiaridade e popularidade entre os estudantes, visando potencializar o engajamento no processo de aprendizagem. A utilização de tiras com personagens reconhecíveis facilita a aproximação entre eles e os conceitos científicos, tornando o ensino mais atrativo.

No âmbito específico deste trabalho, a escolha das tiras foi guiada pelo critério de explorar questões que estimulem o pensamento crítico e a reflexão. A análise das situações apresentadas nas tiras proporciona desafios que instigam os estudantes a questionar, investigar e analisar de maneira crítica, fomentando o desenvolvimento das habilidades necessárias para o pensamento científico. As personalidades distintas de Armandinho, Calvin e Mafalda destacam-se nas HQs, contribuindo para a singularidade e atratividade de cada personagem.

A narrativa protagonizada por Armandinho, concebida por Alexandre Beck, foi escolhida pela sua capacidade única de expressar a curiosidade inquisitiva do personagem e sua atitude peculiar diante das situações do cotidiano. A abordagem desta HQ busca instigar os estudantes a questionar o mundo ao seu redor, promovendo uma interação entre as situações apresentadas na tira e os conceitos científicos pertinentes ao contexto real.

No caso da história envolvendo Calvin, criação do renomado cartunista norte-americano Bill Watterson, a escolha fundamentou-se na capacidade do personagem de explorar uma imaginação fértil e uma perspicácia surpreendente. Esses elementos oferecem oportunidades para situações humorísticas e reflexivas, proporcionando uma abordagem diferenciada para a compreensão de fenômenos científicos e incentivando a análise crítica.

A tira protagonizada por Mafalda, personagem concebida pelo argentino Quino, foi selecionada devido à sua sagacidade infantil e abordagem crítica às questões sociais e políticas. Esta HQ promove uma dimensão mais profunda às suas histórias, permitindo que os estudantes explorem conceitos científicos à luz de uma perspectiva socialmente engajada.

Dessa forma, o procedimento metodológico que se propõe inclui a análise minuciosa de cada tira, identificando não apenas os elementos narrativos e visuais, mas também as oportunidades para estimular o pensamento crítico dos estudantes. A abordagem consistente dessas HQs busca não apenas oferecer uma perspectiva singular sobre o cotidiano, mas também aprofundar a compreensão de temas de natureza científica, alinhando-se aos objetivos educacionais e incentivando o engajamento ativo dos estudantes no processo de aprendizagem.

5. As HQs de Armandinho, Calvin, Mafalda como estratégia de ensino em Ciências

Nos últimos anos, a discussão em torno dos desafios enfrentados no Ensino de Ciências no Ensino Fundamental tem ganhado destaque, com uma crescente crítica ao enfoque limitado a um mero processo de memorização de símbolos, teorias e fórmulas (Ribeiro et al., 2022). Conforme Lima e Maués (2006); Ramos e Rosa (2008), Rosa et al (2007) há a necessidade de um ensino que favoreça o diálogo, a criatividade e a investigação, apontando para a falta de contextualização dos conteúdos com a vida cotidiana dos estudantes como um dos desafios enfrentados. A área de Ensino de Ciências busca estratégias e metodologias que superem práticas pedagógicas que não atendem efetivamente às reais necessidades dos estudantes inseridos no processo educativo.

As HQs emergem como uma alternativa promissora, que oferece um caráter lúdico para o aprendizado de conceitos científicos considerados frequentemente complexos. As HQs têm o potencial não apenas de complementar, mas de transformar a visão de mundo dos estudantes, integrando o conhecimento adquirido de forma mais significativa em sua realidade (Antunes, 2022).

Segundo Antunes (2023), na Ciência da Natureza, a utilização de HQs como recurso pedagógico ganha relevância, buscando proporcionar uma compreensão mais profunda da linguagem científica e promover a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos em situações cotidianas. Na sala de aula, as HQs apresentam-se como ferramentas versáteis para estimular o interesse dos alunos e facilitar a assimilação de conceitos desafiadores.

Entre as inúmeras HQs com potencial de uso no ensino de Ciências, este trabalho concentra-se naquelas que trazem os personagens Armandinho, Calvin e Mafalda. Em relação às HQs do Armandinho, elas são publicadas quase diariamente nas redes sociais homônima ao personagem. Ao construí-las o cartunista Alexandre Beck, sempre propõe reflexões de diversos temas, sob a ótica do pequeno garotinho de cabelos azuis.

Analisando essas supracitadas narrativas, percebe-se que elas representam uma estratégia valiosa para promover o desenvolvimento pleno dos estudantes, especialmente no ensino de Ciências da Natureza, utilizando a observação de tirinhas como ferramenta didática. A Figura 4 suscita uma reflexão crítica sobre a atuação do presidente da República durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19 (Sars-Cov-2), que assolou o mundo a partir do início de 2020.

Figura 4. Armandinho.

Fonte: https://is.gd/zVtKKm.

Ao analisar a tira acima (Figura 4), alguns detalhes chamam atenção. Em primeiro lugar, destaca-se a estrutura da narrativa, disposta em quatro vinhetas, sendo que em três delas há linhas demarcatórias sólidas, permitindo ao leitor visualizar as bordas. A ausência de vinheta em uma das cenas é um recurso utilizado pelo cartunista para expressar seu estilo único de desenho e contar histórias por meio dos quadrinhos.

Outro detalhe é a presença recorrente do sapo, que figura em diversas narrativas protagonizadas pelo personagem principal. Mais do que um simples animal de estimação, o sapo é um companheiro constante nas aventuras, sempre atento aos acontecimentos e interagindo com outros personagens e cenários.

Um terceiro aspecto é a representação apenas das pernas do pai de Armandinho, uma característica comum nas HQs do cartunista Beck. Em diálogos com adultos, como seus pais, as fisionomias não são desenhadas, mas são facilmente identificadas pelo uso constante da mesma vestimenta. Segundo Antunes (2023), esse detalhe estimula a imaginação do leitor em relação às características físicas dos pais do protagonista, proporcionando uma visão peculiar de uma criança sobre o mundo adulto.

A visão do personagem sobre a atuação do Presidente da República diante da situação crítica revela que, apesar de sua ingenuidade em assuntos adultos, ele reconhece que “ele” (o Presidente) não agiu adequadamente. Por meio da perspectiva de uma criança, que expressa preocupação com questões relevantes da sociedade, essa narrativa possui grande potencial para ser utilizada em sala de aula, instigando os alunos a adotarem uma postura crítica diante dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19. Sendo assim, a HQ pode contribuir para que o professor estabeleça a conexão entre o mundo real e o fictício do personagem, promovendo o debate sobre esse momento delicado e suas implicações no ambiente escolar.

Vale ressaltar que, juntamente com os periódicos impressos, as HQs representam um dos meios de comunicação de massa mais amplamente difundidos, daí a importância de usar em sala de aula, especificamente nas aulas de Ciências. Devido à sua fácil acessibilidade, é plausível que seja a introdução inicial à leitura para muitas pessoas, assim sendo um recurso de ensino de grande importância (Cavalcante Filho e Torga (2011).

O documento da Base Nacional Comum Curricular - BNCC, estabeleceu que, ao usar HQs, as habilidades desenvolvidas devem envolver: “construir o sentido de histórias em quadrinhos e tirinhas, relacionando imagens e palavras e interpretando recursos gráficos (tipos de balões, de letras, onomatopeias)” (Brasil, 2017, p. 97). Portanto, o uso de HQs nas aulas de Ciências contempla o que foi preconizado pela BNCC, além de ser um dos eixos estruturantes da Educação Básica, também determinado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (Brasil, 2013).

Quanto às narrativas em quadrinhos com potencial para uso em sala de aula, a personagem Mafalda também se destaca nesse meio. Criada por Quino 1 há mais de cinquenta anos, essa faz críticas à comportamentos e coloca a sociedade em questionamento, abordando temas humanitários, de paz mundial e questões sociais. Ao expressar essas preocupações, ela constantemente questiona tudo e todos ao seu redor, colocando os adultos em situações constrangedoras em busca de soluções para suas inquietações, que muitas vezes parecem prever o futuro.

As narrativas da Mafalda mantém sua relevância, mesmo após anos sem novas produções. Suas críticas aos problemas de sua época continuam pertinentes na contemporaneidade, destacando a persistência dos desafios sociais (Bento, 2017). A ironia se destaca como a figura de linguagem predominante, abordando de maneira polêmica as questões relacionadas ao estado do mundo que ela aspira consertar (Gonçalves, 2015).

Na Figura 5, a seguir, Mafalda dialoga com seu bicho de pelúcia ao apontar um modelo do globo terrestre, sendo uma representação utilizada para estudos. Ela destaca que esse modelo reduzido do mundo é considerado bonito; pois, é uma amostra, concluindo que o verdadeiro estado do planeta diante de todas as adversidades sociais é um desastre.

Figura 5. Mafalda.

Fonte: https://is.gd/d6yICM.

A tirinha (Figura 5) apresenta três vinhetas com demarcações sólidas, permitindo o desenvolvimento de uma narrativa completa. No primeiro quadrinho, a personagem exibe um modelo reduzido do mundo para seu urso de pelúcia, assim a expressão de exaltação é evidente. No segundo quadrinho, o diálogo prossegue entre a personagem e o urso, mantendo inalteradas as expressões faciais da pequena garotinha. Entretanto, no terceiro e último quadrinho, Mafalda altera completamente sua expressão facial e a maneira como segura seu urso de pelúcia para explicar como é o mundo original. Na perspectiva da garotinha, com seis ou sete anos de idade, mesmo que de maneira sutil e metafórica, o estado atual do mundo é representado como catastrófico, expressando a probabilidade de ocorrerem eventos ameaçadores, como questões climáticas, conflitos armados, acidentes radiológicos, vírus letais, entre outros.

Em linhas gerais, as tiras de Mafalda, embora ainda apreciadas globalmente, refletem seu aspecto histórico por meio de um humor singular. Elas transcendem as barreiras temporais, mantendo uma relevância diante dos problemas persistentes no mundo contemporâneo (Gonçalves, 2015). Sendo assim, é essencial contextualizar essas narrativas na história argentina, tanto da personagem quanto do cartunista Quino.

Apesar de repletas de metáforas e ironias, as HQs de Mafalda oferecem uma crítica ao estado atual do mundo, apresentando o planeta apenas como um modelo sempre retratado como belo. Nota-se que, ao abordar especificamente essa tira como uma estratégia de construção de conhecimento no ensino de Ciências, não se pode ignorar a preocupação com o planeta real e seus problemas ambientais, sociais, políticos, entre outros.

Um terceiro personagem que é recorrente nas aulas, especialmente, de Ciências é Calvin, que enquanto linguagem de ensino promove discussões para diferentes temáticas dessa área as quais parecem distantes da compreensão dos estudantes. As tiras do personagem remete às aventuras que ele e seu tigre de pelúcia, o Haroldo, vivo em sua imaginação, constituem uma fuga à realidade do mundo moderno, muitas vezes, com um tom de humor e a ingenuidade de uma criança de forma descontraída. O menino usa sua inteligência para transcender da realidade para a imaginação de forma descompromissada.

Calvin por meio do seu imaginário criativo argumenta e faz interpretações sobre várias questões da vida humana e sobre nossa existência enquanto sociedade, isso faz com que ele possua uma sabedoria que vai além da sua idade. Contudo, o menino não gosta da escola e detesta fazer as tarefas de casa. O garotinho sempre procura se esquivar do momento de realizar as tarefas e dos questionamentos que são feitos na sala de aula. Esse comportamento evidencia o seu descontentamento e desmotivação em estudar.

O pequeno garotinho sempre arruma uma desculpa bem criativa para não fazer as tarefas de casa e encontra escape no mundo da imaginação que sob a ótica dele sempre está livre para transformar a realidade por meio de suas aventuras e brincadeiras com seu tigre.

Na Figura 6, Calvin em uma brincadeira cria uma relação com a ciência, mesmo que de forma não intencional.

Figura 6. Calvin e Haroldo testam a ciência.

Fonte: https://is.gd/xUP0HC.

A narrativa (Figura 6), desenvolvida em quatro vinhetas, retrata um diálogo entre Calvin e Haroldo sobre um balão que o garoto ganhou, contendo um gás não especificado. Ao longo da tira, Calvin acredita erroneamente que subir em uma escada fará com que o balão cheio desse gás o leve para cima. O humor da história reside na queda de Calvin, que, ao pular da escada, não segura firmemente o balão e cai de cara no chão, sendo advertido por Haroldo.

No processo do Ensino de Ciências, essa narrativa pode ser empregada para discutir conceitos como tipos de força e características dos gases, frequentemente considerados desafiadores para os estudantes compreenderem. Pode-se destacar que a ascensão do personagem está condicionada a diversos fatores, como o tipo e quantidade de gás no balão, bem como a força exercida pelo barbante no corpo do garoto. A explicação inclui a relação entre a leveza do gás em comparação com o ar, influenciando a tração exercida no barbante e, consequentemente, na suposta ação de “levantar” o menino, o que, na prática, não ocorre. Ao atribuir a queda de Calvin à falta de firmeza ao segurar o balão, Haroldo reforça o entendimento do contexto.

Conforme Schurch (2016), é preconizado que as aulas de Ciências Naturais se desenvolvam em um ambiente de interrelação dos saberes, incorporando a abordagem interdisciplinar. Sendo assim, as HQs surgem como uma ferramenta propícia para promover essa interdisciplinaridade. O Ensino de Ciências interdisciplinar, proporciona aos estudantes a construção de conceitos fundamentais, contribuindo para uma ação mais positiva no ambiente em que vivem e atuam.

Segundo Silva Junior (2021), uma abordagem para trabalhar a tirinha pode envolver a inclusão de detalhes que permitam a Calvin flutuar, segurando o balão. Dessa forma, a presença de histórias em quadrinhos nas aulas de Ciências merece atenção; pois, embora seja conhecido o uso dessas ferramentas no ensino, é importante que os estudantes possuam um conhecimento prévio sobre os temas abordados nas narrativas para relacionar com os conceitos científicos. Sendo assim, compreendendo como a Ciência pode ser explorada e estudada através do humor, refletindo, construindo e reconstruindo conceitos e conhecimentos, propondo uma aprendizagem significativa.

Destaca-se aqui, a aprendizagem significativa:

se caracteriza pela interação entre conhecimentos prévios e conhecimentos novos, e que essa interação é não-literal e não-arbitrária. Nesse processo, os novos conhecimentos adquirem significado para o sujeito e os conhecimentos prévios adquirem novos significados ou maior estabilidade cognitiva (Moreira, 2012, p. 2).

Os conceitos iniciais de Ciências revelam um potencial significativo para uma aprendizagem significativa quando são utilizados recursos didático-pedagógicos, como as HQs (Moreira, 2012). Ao aproximar os conteúdos da realidade dos estudantes, esse recurso não apenas desperta o interesse deles, mas também promove a interação e amplia o diálogo entre professor e aluno.

Sendo assim, a prática integrativa do uso das HQs está alinhada aos princípios de aprendizagem significativa conforme proposto por Moreira (2012). Reconhecendo a importância de estratégias pedagógicas inovadoras, como o uso de HQs, para aprimorar a compreensão e a retenção de conceitos fundamentais de Ciências da Natureza.

Destaca-se que a aprendizagem significativa não ocorre de forma isolada, mas é potencializada quando há uma conexão coerente entre os conhecimentos preexistentes do aluno e os novos conteúdos apresentados. Assim, o emprego de recursos como HQs, conforme pontuado por Ornellas e Melo (2020), não apenas facilita a assimilação de conteúdo de Ciências Naturais, mas também estabelece uma interface entre o que o aluno já sabe e os conceitos novos, favorecendo o pleno desenvolvimento do estudante.

6. Considerações finais

A incorporação de Histórias em Quadrinhos nas disciplinas de Ciências da Natureza traz diversos benefícios ao ensino. Ao trabalhar situações cotidianas e problemas sociais, as HQs conectam os temas ao universo dos estudantes, estimulando a imaginação e tornando o aprendizado dinâmico. A contextualização dos conteúdos científicos facilita a compreensão prática dos conceitos, enquanto a leitura promove habilidades de interpretação textual e visual para diferentes estilos de aprendizagem.

O uso de HQs, ao integrar diferentes áreas do conhecimento, oferece uma abordagem dinâmica e atrativa, estimulando a compreensão mais ampla e contextualizada dos temas científicos. Essa interdisciplinaridade enriquece o processo educacional, permitindo que os estudantes conectem os conhecimentos adquiridos em Ciências Naturais com outras disciplinas, tornando o aprendizado mais significativo.

Dessa forma, a análise de temas sensíveis por meio de personagens e narrativas fictícias permite discussões mais acessíveis em sala de aula. A variedade de estilos e gêneros nas HQs promove a inclusão, e a exploração de questões sociais estimula o pensamento crítico. A integração de múltiplas linguagens nas HQs; como visto nas tirinhas de Armandinho, Calvin e Mafalda, atende às diferentes formas de processamento de informações, criando um ambiente de aprendizado envolvente, adaptado às características dos estudantes, resultando em maior interesse, participação e compreensão do conteúdo de Ciências da Natureza.

Portanto, o uso das histórias em quadrinhos de Armandinho, Calvin e Mafalda no ensino de Ciências promove uma abordagem educacional integrada, envolvente e contextualizada, favorecendo o interesse dos estudantes e facilitando a assimilação de conceitos científicos de maneira mais significativa.

A construção de conhecimento de forma significativa não ocorre de maneira isolada, mas é otimizada quando há uma conexão coerente entre os conhecimentos prévios do estudante e os novos conteúdos apresentados. Dessa maneira, a utilização de recursos como histórias em quadrinhos, não apenas simplifica a assimilação de conceitos iniciais de Ciências, mas também estabelece uma eficaz ligação entre o familiar e o desconhecido, facilitando a construção de conhecimento de maneira mais robusta e contextualizada, assim promovendo o desenvolvimento integral.

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1Em 17 de julho de 1932, nasceu em Mendonza, Argentina, Joaquim Salvador Lavado, conhecido como Quino. Aos doze anos, enfrentou a perda de sua mãe e, em 1948, seu pai também faleceu, levando-o a abandonar os estudos na Escola de Belas Artes. Aos dezoito anos, após cumprir o serviço militar obrigatório, Quino mudou-se para Buenos Aires, enfrentando condições difíceis na tentativa de publicar seus desenhos em periódicos renomados. Em 1954, conseguiu publicar sua primeira tira no semanário “Esto es”. A partir de 1958, estabeleceu-se definitivamente na capital argentina, expandindo rapidamente sua carreira e contribuindo para várias revistas e periódicos. Em 1963, lançou seu primeiro livro, intitulado “Mundo Quino” (Bento, 2017).

Cómo citar en APA:

Silva Junior, E. A. da & Caluzi, J. J. (2024). Considerações sobre o uso de histórias em quadrinhos como estratégia no ensino de Ciências da Natureza. Revista Iberoamericana de Educación, 94(1), 97-114. https://doi.org/10.35362/rie9416097