Revista Iberoamericana de Educación (2024), vol. 96 núm. 1, pp. 137-152 - OEI
https://doi.org/10.35362/rie9616428 - ISSN: 1022-6508 / ISSNe: 1681-5653
recibido / recebido: 26/06/2024; aceptado / aceite: 16/09/2024
A paisagem linguística em Arquitetura e Urbanismo: um estudo de caso aplicado ao ensino
El paisaje lingüístico en Arquitectura y Urbanismo: un estudio de caso aplicado a la enseñanza
The linguistic landscape in Architecture and Urbanism: a case study applied to teaching
Altamiro Sergio Mol Bessa 1 https://orcid.org/0000-0002-4213-4870
1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil
Resumo. Esse artigo discute a paisagem linguística em Arquitetura e Urbanismo. Mesmo sendo um campo do saber já bem estabelecido, a paisagem linguística tem se colocado como multifacetada e fluida, estando aberta para novos exercícios epistemológicos. Nesse sentido, o autor propõe que a paisagem linguística em Arquitetura está presente nos aparatos de publicidade, placas de sinalização, letreiros e outras linguagens de comunicação do ambiente urbano e dos empreendimentos imobiliários, como também, e muito fortemente, nos próprios edifícios, ruas, praças, parques e demais estruturas que, pelas mensagens culturais milenares que carregam, oferecem seu repertório semântico à livre interpretação e decifração dos usuários. O artigo inicia discutindo a ideia de paisagem como uma tríade composta por imaginários, representações e materialidades, prossegue discutindo a paisagem linguística, sua origem e pressupostos teóricos, e sua relação com a Arquitetura, exemplificando com um estudo de caso, que decorre de uma pesquisa acadêmica desenvolvida pelo autor desde 2006. Encerra-se a discussão apresentando a utilização do estudo como prática pedagógica no ensino de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, o que tem possibilitado o contato dos alunos com os pressupostos e alcance da paisagem linguística, um saber ainda pouco conhecido naquele campo do conhecimento, onde tem espaço para amplo crescimento.
Palavras-chave: paisagem linguística; ensino de pós-graduação; ensino de Arquitetura e Urbanismo; paisagem.
Resumen. El presente artículo analiza el paisaje lingüístico en la Arquitectura y el Urbanismo. Aunque se trata de un campo de conocimiento bien establecido, el paisaje lingüístico se ha tornado polifacético y fluido y está abierto a nuevos ejercicios epistemológicos. En este sentido, el autor propone que el paisaje lingüístico en la Arquitectura está presente en los soportes publicitarios, carteles, vallas y otros lenguajes de comunicación del entorno urbano y de las promociones inmobiliarias, así como, y con mucha fuerza, en los propios edificios, calles, plazas, parques y otras estructuras que, debido a los milenarios mensajes culturales que portan, ofrecen su repertorio semántico a la libre interpretación y desciframiento de los usuarios. El artículo comienza discutiendo la idea de paisaje como una triada formada por imaginarios, representaciones y materialidades, continúa comentando el paisaje lingüístico, su origen y presupuestos teóricos, y su relación con la Arquitectura, ejemplificándolo con un estudio de caso que parte de una investigación académica llevada a cabo por el autor desde 2006. El debate concluye con la presentación del uso del estudio como práctica pedagógica en la docencia de posgrado en Arquitectura y Urbanismo, lo cual ha permitido a los estudiantes tomar contacto con los supuestos y alcances del paisaje lingüístico, un área aún poco conocida en ese campo del conocimiento, en el que tiene un amplio margen de crecimiento.
Palabras clave: paisaje lingüístico; enseñanza de posgrado; enseñanza de Arquitectura y Urbanismo; paisaje
Abstract. This paper discusses the linguistic landscape in Architecture and Urbanism. Even though it is a well-established field of knowledge, the linguistic landscape has been multifaceted and fluid, being open to new epistemological exercises. In this sense, the author proposes that the linguistic landscape in Architecture is present in the advertising apparatuses, signages and other communication languages of the urban environment and real estate developments, as well as, and very strongly, in the buildings, streets, squares, parks and other built structures that, due to the millennial cultural messages they carry, offer their semantic repertoire to the free interpretation and decipherment of users. The paper begins by discussing the idea of landscape as a triad composed of imaginaries, representations and materialities, continues by discussing the linguistic landscape, its origin and theoretical assumptions, and its relationship with Architecture, exemplifying with a case study, which stems from academic research developed by the author since 2006. The discussion ends by presenting the use of case study as a pedagogical practice in graduate education in Architecture and Urbanism, which has enabled the contact of students with the scope of the linguistic landscape, a knowledge still little known in that field of knowledge, where has space for ample growth.
Keywords: linguistic landscape; Graduate Education; teaching of Architecture and Urbanism; landscape.
1. Introdução
O mundo vivenciado na experiência paisagística não é meramente quantificável. Tampouco pode ser elucidado apenas pelas suas formas e aparências. Na verdade, a paisagem é a nossa própria experiência sensível de mundo, um acontecimento que se estrutura a partir de significados, intenções e códigos que, embora de apreensão pessoal, decorrem de pressupostos culturais socialmente construídos e que vamos aprendendo a decifrar ao longo de nossa vida.
A paisagem ganhou, na atualidade, um papel privilegiado nas discussões acadêmicas, dado o seu trânsito por diferentes campos do conhecimento, da arquitetura e urbanismo, educação, letras, artes, antropologia, geografia, história, turismo, lazer, dentre tantos outros. Tal protagonismo também se ampliou em função da crise urbano-ambiental que assola o planeta, resultado de séculos de ação humana destrutiva sobre a natureza, que demanda um olhar holístico, sensível e prático ao mesmo tempo. Basta observar atentamente a vida nas nossas cidades e metrópoles contemporâneas para notar os sinais claros e preocupantes dessa crise. As suas paisagens apresentam-se, a cada um de nós, diuturnamente, em forma de ambientes cada vez mais degradados, desastres ambientais e de uma grande iniquidade paisagística espraiada por imensos territórios, resultado da ação de um capital insaciável que tomou todo o planeta, produzindo, por onde passa, desertos paisagísticos.
A ação desse capital nas cidades e metrópoles tem sido notada com mais intensidade na construção de infraestruturas urbanas e de empreendimentos imobiliários que, em comparação a outros tipos de investimentos, gera uma maior maximização de lucros, se comparado a outras atividades produtivas. E cada vez mais observa-se que construtores e empreendedores se tornam não só agentes imobiliários, mas financiadores e rentistas desses empreendimentos.
Essa temática tem sido pesquisada pelo autor, que é professor e pesquisador em universidade federal na área de paisagem, arquitetura e urbanismo, desde 2006, com financiamento do governo brasileiro. Nela, acompanha-se desde a preparação, divulgação, ação e resultados do mercado imobiliário em Belo Horizonte, a metrópole que é capital do estado de Minas Gerais, Brasil, identificando, especialmente, como ele atua discursivamente para induzir um público de alta renda a consumir seus empreendimentos. O que se observa é que os agentes publicitários a serviço desse mercado conhecem muito bem o potencial da paisagem linguística e fazem uso eficiente dela em suas peças publicitárias, como outdoors, encartes de revistas e jornais e em sites dirigidos ao seu público-alvo.
Os pesquisadores canadenses Landry e Bourhis (1997, p. 23), ao propor o conceito de paisagem linguística, a definem como a “visibilidade e importância das linguagens nos sinais públicos e comerciais num determinado território ou região”. Ao referir-nos a linguagens e sinais públicos no campo da arquitetura e urbanismo, podemos entendê-los como presentes também nos próprios edifícios, nas formas urbanas e em suas apropriações pelos usuários, uma vez que carregam mensagens culturais milenares cujo código decifrativo conhecemos como parte da cultura específica em que vivemos, como evidencia farta literatura no campo da historiografia e fenomenologia da arquitetura, das cidades e do urbanismo. Nesse sentido, entendemos ser possível afirmar que paisagem linguística, no caso da arquitetura, atravessa todo o processo de sua formulação, comercialização, construção e apropriação. Para essa ampliação conceitual, encontramos amparo no pensamento de Gorter e Cenoz (2024, p.12), que asseveram que “os estudos linguísticos da paisagem vão além do estudo de sinais, investigando quem planeja, produz e coloca sinais, bem como considera também quem olha, lê ou interage com os signos.”
O objetivo desse artigo é relatar o uso da paisagem linguística na produção arquitetônica e urbanística de uma região onde atua o mercado imobiliário para o público de alta renda na cidade de Belo Horizonte (MG) e sua utilização como atividade didática de ensino de pós-graduaçao em Arquitetura e Urbanismo, do qual sou docente permanente desde 2012. Nessa experiência, a análise da paisagem linguística é fundamental para entender a lógica que comparece não só na publicidade dos empreendimentos imobiliários estudados, mas também na sua edificação e apropriação.
Iniciamos por situar teórica e metodologicamente a paisagem no modo como pensamos que deve ser entendida nesse particular campo de conhecimento, uma vez que há uma polissemia de interpretações nessa temática. Ela é apresentada como uma tríade, imaginário, representação e materialidade, atravessada pela paisagem linguística. Segue-se discutindo os pressupostos conceituais da paisagem linguística e a sua relação com os campos da Arquitetura e Urbanismo e apresentando o estudo de caso, encerrando com o relato de sua utilização em uma experiência de ensino.
2. A tríade paisagística
Superando visões ainda muito arraigadas em certas disciplinas, que tratam a paisagem como um dado objetivo, lugar material da existência humana ou como a simples representação de um território, tal como uma fotografia ou pintura, ou ainda como cenário ou vista privilegiada, trago aqui o entendimento da paisagem como uma categoria complexa em que comparecem três instâncias: os imaginários, a representação (in visu), e a paisagem material (in situ). (Figura 1).
Figura 1. A tríade paisagística
Fonte: Elaboração do autor
Os estudos paisagísticos podem, evidentemente, privilegiar uma ou mais dessas três instâncias, mas não ignorar sua relação de dependência. Podem deter-se mais nos aspectos físicos das paisagens edificadas ou de parques e praças, por exemplo, como é comum nas pesquisas em Arquitetura e Urbanismo, mas não esquecer que essas estruturas são resultado de uma maneira de ver o mundo, coletivamente organizada e expressa em representações para, só depois, serem materializadas in situ, pela ação da arquitetura, do urbanismo, do paisagismo, da engenharia, dentre outras disciplinas.
Na paisagem, todas as ações materiais, antes de se tornarem realidade in situ, passam pela representação dos imaginários, conformando modelos discursivos pictóricos, fílmicos, publicitários, literários, dentre outros. Não se pode ver aquilo que ainda não foi representado, visto, contado, desenhado. A paisagem construída in situ tem essa representação como modelo, pois não pode existir sem ela, antes que algo a organize e realce.
A historiadora Sandra Jatahy Pesavento propõe o imaginário como um “sistema de ideias e imagens de representação coletiva que os homens constroem através da história para dar significado às coisas - é sempre um outro real e não o seu contrário.” (Pesavento, 2006, p.50). Continua ela:
O mundo, tal como o vemos, apropriamo-nos e transformamos é sempre um mundo qualificado, construído socialmente pelo pensamento. Esse é o nosso “verdadeiro” mundo, mundo pelo qual vivemos, lutamos e morremos. O imaginário existe em função do real que o produz e do social que o legitima, existe para confirmar, negar, transfigurar ou ultrapassar a realidade. O imaginário compõe-se de representações sobre o mundo do vivido, do visível e do experimentado, mas também sobre os sonhos, desejos e medos de cada época, sobre o não tangível nem visível, mas que passa a existir e ter força de real para aqueles que o vivenciam.
O imaginário, na constituição paisagística, tem uma dinâmica criadora, uma função poiética, uma profundidade simbólica e um poder de sedução do sujeito, sendo, portanto, a maneira desses sujeitos imaginarem mundos diferentes. Ele se manifesta em representações (discursos e imagens). “Assim, toda construção imaginária do mundo comporta um conteúdo de ficção, que implica em escolhas, seleção, criatividade, negação, mas que qualifica e confere significação à realidade e que se legitima pela credibilidade.” (Pesavento, 2004, p.1 e 2)
Ação humana de re-apresentar o mundo – pela linguagem e pela forma, e também pela encenação do gesto ou pelo som -, a representação dá a ver e remete a uma ausência. É, em síntese, “estar no lugar de”. Com isto, a representação é um conceito que se caracteriza pela sua ambiguidade, de ser e não ser a coisa representada, compondo um enigma ou desafio que encontrou sua correta tradução imagética na blague pictórica do surrealista René Magritte, como suas telas “Isto não é um cachimbo”, ou “Isto não é uma maçã. (Pesavento, 2006, p.49)
Discorrendo sobre o papel da representação na paisagem, Alain Roger atribui a ela o papel de artealizar a natureza: trata-se de convertê-la em paisagem. A artealização se dá de duas maneiras: na representação in visu, ou seja, por modelos pictóricos, literários, cinematográficos, televisivos, publicitários ou in situ, pela transformação direta no lugar, pela ação da arquitetura, por exemplo. Para Roger (2007, p.20), um lugar só pode ser convertido em paisagem se antes for artealizado previamente: “nós somos uma montagem artística e ficaremos estupefatos se soubermos tudo que em nós procede da arte.” (tradução nossa).
As representações, ao manifestarem os imaginários dão legibilidade, clareza e síntese necessárias à sua replicação na paisagem in situ. Essa ação da representação também pressupõe, em muitos casos, uma intenção ideológica, como veremos no estudo de caso relatado no próximo item.
Lembremos das transformações operadas no paisagismo inglês, a partir do século XVII. A Revolução Industrial, o triunfo colonialista, o domínio do comércio mundial e das novas tecnologias industriais e agrícolas provocaram uma acumulação de capital que fizeram surgir na Inglaterra as grandes propriedades nas quais os jardins, voltando-se contra o formalismo francês, buscaram no classicismo o vocabulário adequado para o projeto de construção de um projeto de poder: o império britânico ambicionava tornar-se a “Nova Roma”. A fonte de inspiração dos projetos desses jardins e parques eram os pintores clássicos, que pintavam temas que remetiam ao passado greco-romano, notadamente Claude Lorrain (1600-1682) e Nicolas Poussin (1594-1665). A pintura destes e outros artistas pitorescos era transposta para parques e propriedades rurais por notáveis arquitetos paisagistas como Capability Brown, Kent, Repton, “numa visão derivada tanto da ciência quanto da arte”, atendendo à uma nova classe que estava redispondo a Natureza, “de modo a adaptá-la a seu ponto de vista” (Williams, 2011, p. 206).
3. A paisagem linguística e o campo da arquitetura e urbanismo
As cidades estão carregadas de símbolos, presentes em toda parte, em múltiplas formas e linguagens. Comparecem na sinalização de trânsito, toponímia de ruas e edifícios, nas informações turísticas, letreiros e peças publicitárias, indicação de hospitais, hotéis, edifícios da administração pública, comerciais, religiosos, educacionais, dentre outros inúmeros equipamentos urbanos. Seria impossível o cidadão orientar-se nelas, especialmente nas metrópoles, sem esses sinais e mensagens públicas.
As formas urbanas e a linguagem arquitetônica dos seus edifícios estão carregadas de significados. Para o urbanista norte-americano Lynch (1960), uma cidade só se torna legível para os seus moradores, tornando a experiência urbana qualificada, quando eles conseguem construir uma correspondência mental com a estrutura física, natural e edificada, das cidades. Também Benevolo (2001) defende a ideia de que a cidade, para ser compreendida e apropriada pelos usuários, deve estar reproduzida em suas mentes como uma espécie de mapa mental. No mesmo diapasão, o arquiteto e paisagista inglês Cullen (2010), no seminal Paisagem Urbana, propõe que as paisagens urbanas suscitam reações emocionais nos seus fruidores. Ao percorrer as cidades, naquilo que denominou de visão serial, o transeunte vai estabelecendo com elas uma relação emocional e afetiva ao longo do seu percurso caminhante. Para ele, o ato de andar pela cidade é sobretudo uma experiência estética e, à medida que o transeunte circula por um emaranhado de formas, matérias e significados presentes no trajeto, são impactados emocionalmente, positiva ou negativamente.
Embora os estudos do papel dos signos no contexto dos espaços urbanos não sejam recentes, foram os já citados Rodriguez Landry e Richard Bourhis os pioneiros a propor o conceito da paisagem linguística, considerando-a como “A linguagem dos sinais de trânsito públicos, outdoors publicitários, nomes de ruas, nomes de lugares, sinais de lojas comerciais e sinais públicos em edifícios governamentais combina-se para formar a paisagem linguística de um determinado território, região ou aglomeração urbana.” (Landry & Bourhis, 1997, p.25). (tradução nossa).
Inúmeros outros pesquisadores e autores prosseguem ampliando o escopo dessa definição, revelando a importância desse campo como “um fenômeno multifacetado que pode ser relacionado com multiplicidade de perspectivas e disciplinas.” (Gorter & Cenoz, 2024, p.12) (tradução nossa). Segundo esses autores, a paisagem linguística já é hoje um campo de estudos bem estabelecido e cada vez mais multidisciplinar, dinâmico e em crescimento. Prosseguem afirmando haver também uma crescente ampliação geográfica dos estudos da paisagem linguística para o Sul Global, como é o caso do presente estudo, revelando a sua universalidade como categoria do conhecimento.
Os mesmos autores discutem a respeito da ampliação conceitual da paisagem linguística e sobre os seus limites, reportando-se a dois pesquisadores, Shohamy e Waksman, que propõem que ela seja pensada como se fosse um campo ecológico com fronteiras difusas e fluidas, incluindo “linguagem oral, imagens, objetos, posicionamento no tempo e no espaço e como as pessoas interagem com a sinalização. Eles querem ir além dos textos escritos em signos porque o espaço público é uma arena negociada e contestada.” (Gorter & Cenoz, 2024, p.7) (tradução nossa). No mesmo sentido, a autora Shohamy (2019, p. 27), define a paisagem linguística como “qualquer exibição em espaços públicos que comunique tipos variados de mensagens.” (tradução nossa).
Com base nessa fluidez e possibilidades epistêmicas permitidas pela ideia da paisagem linguística, entendemos ser possível afirmar que, no caso específico da Arquitetura e Urbanismo, ela comparece em toda a tríade paisagística, desde os aparatos de publicidade, placas de sinalização, letreiros e outras linguagens de comunicação, como também, e muito fortemente, no mundo material, nos edifícios, ruas, praças, parques e demais estruturas formais e materiais que contam histórias e exercem uma função simbolizadora e semântica: essas estruturas materiais são comunicações de sentidos. A torre de uma igreja ou um minarete são, por exemplo, marcos arquitetônicos narrativos e que entendemos como parte da paisagem linguística dos lugares. Enunciam-se e enunciam para. Exemplifico, a seguir, com um caso hipotético de requalificação arquitetônica.
Nas sociedades primitivas o fogo exerceu uma função fundamental na organização da vida coletiva. Ele permitiu a proteção contra as feras no acampamento noturno, o cozimento de alimentos e a transformação da matéria, como no caso da argila transformada em cerâmicas e tijolos. O fogo, tornou-se, dessa maneira, para o imaginário universal, ao mesmo tempo símbolo do aconchego e de hospitalidade, pois em torno da fogueira se reuniam os grupos e, também, um elemento de transformação da matéria. Mais tarde, ele comparece na casa, seja nos lugares frios, em forma de lareiras, seja nas cozinhas ou áreas externas, tornando-se parte da rotina diária. Além disso, a própria casa só era possível porque matérias foram transformadas pelo calor: tijolos, telhas, pisos etc.
Esse simbolismo do fogo passou a fazer parte da nossa vida cotidiana. Quem vive em uma fazenda ou até mesmo busca uma experiência de lazer no campo ou nas montanhas, quer ter a presença da força física e simbólica de uma lareira, de uma fogueira e, muitas vezes, do fogão à lenha. Hoje, mesmo que alguns desses aparatos tenham sido substituídos por tecnologias mais modernas, relacionadas muito mais a um prazer visual, continuam ainda a ser portadores da força imaginária do fogo.
Uma antiga cerâmica que produzia tijolos, tendo ainda resquícios de seu patrimônio, tais como galpões, fornos, torres belíssimas de tijolos, mesmo não cumprindo mais a suas funções originais, continua, ainda assim, carregada, em sua paisagem linguística edificada, com a mensagem milenar do fogo. Se ela for convertida, por exemplo, em um centro cultural, um hotel, um edifício escolar e tantas outras possíveis novas funções, esses novos lugares irão trazer para si toda a simbologia impregnada na antiga cerâmica. Nesse caso, modificações de uso são acréscimos semânticos, pois não restituem a função funcional originária da cerâmica, mas constroem novos sentidos, sobre a carga semântica original. E o novo edifício, atualizado material e formalmente, continua a retroalimentar os imaginários (Figura 1) com a simbologia arcaica do fogo.
O que se quer aqui evidenciar aqui é que as paisagens linguísticas percorrem toda a tríade paisagística. Dos imaginários travegam pelas representações e aderem às formas materiais da paisagem. São, assim, uma atividade vital que cruza tradições orais, eventos, ficções, mitos, lendas, manifestações culturais, comparecendo em textos, pinturas, vídeos, filmes, games, na forma de placas, sinalizações, letreiros e inscrevendo-se na forma física da paisagem, tornando-se tangível. Nesse percurso, a paisagem material vai sendo carregada, pela paisagem linguística, de significados que convidam à (re)interpretações. Na dimensão in situ, “árvores, pedras, solo, tempo ou qualquer outro elemento pode servir como emblema: cada narrativa, mesmo a mais abstrata, alegórica ou pessoal tem um papel crítico na construção dos lugares” (Potteiger e Purinton, 1998, p. 6) (tradução nossa).
4. Um estudo de caso da paisagem linguística em Arquitetura e Urbanismo
Discuto, nesse item, um estudo de caso que decorre das investigações que realizo desde o ano de 2006. Trata-se da discussão da construção de empreendimentos habitacionais para um público de alto poder aquisitivo, em meio às montanhas que ficam na divisa da cidade de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, Brasil, com a cidade de Nova Lima. (Figura 2), onde fica localizada a área de estudos. Como se vê na mesma figura, trata-se de relevo montanhoso, com altitudes entre 1000 e 1200 m.
Figura 2. A localização da área de estudo Fonte: Elaboração do autor Como em toda metrópole brasileira, essa cidade tem sofrido um crescente processo de espraiamento para as suas áreas periféricas e, nas áreas centrais e naquelas dotadas de melhor infraestrutura e qualidade ambiental e paisagística, sofre com a verticalização, pela construção de empreendimentos residenciais e comerciais que destroem a natureza que ainda restou preservada, com a omissão e, até mesmo, o apoio das autoridades. No caso dos empreendimentos que avançam sobre as montanhas da cidade, o processo começa com uma paisagem linguística veiculada em peças publicitárias, outdoors, encartes de revistas, vídeos em sites dirigidos ao público-alvo que exalta a qualidade de vida quando se vive em meio à natureza e às montanhas, recuperando em suas mensagens a persistência do mito edênico no imaginário brasileiro, com apelos como: “venha morar nas montanhas”, “a vista que você pode ter das montanhas”, “natureza e paisagem em um só lugar”. Utiliza-se também de palavras e mensagens que exaltam um viver idílico em meio a uma paisagem pretensamente sofisticada de tranquilidade e frescor. Termos como brisa, primavera, campos, belvedere, bela vista, champs elysée, belo vale, dentre outros, são fartamente encontrados nessa paisagem linguística, que se apoia na persistência do mito edênico no imaginário brasileiro. Esse mito faz-se presente desde a chegada dos colonizadores portugueses ao território brasileiro e tem sido bem documentado por diferentes autores como José Murilo de Carvalho (1988), Sérgio Buarque de Holanda (2010) e Prado (2012), dentre outros. Provêm da visão paradisíaca presente na cosmologia cristã, transposta para o território nacional pelos colonizadores católicos, como se vê nessa passagem bíblica do livro de Gêne
8: Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, para os lados do leste, e ali colocou o homem que formara.
9: Então o Senhor Deus fez nascer do solo todo tipo de árvores agradáveis aos olhos e boas para alimento. E no meio do jardim estavam a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
10: No Éden nascia um rio que irrigava o jardim, e depois se dividia em quatro.
Essa visão do paraíso terreal também aparece no primeiro documento escrito sobre a nova terra, a carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei de Portugal, redigida em 1º. de maio de 1500, em Porto Seguro, Bahia. Logo depois, em 1503, comparece na carta que Américo Vespúcio dirige a Francesco de Médici, conhecida como Mundus novus, declarando existir o paraíso terreal, que não estaria longe das terras que viu.
Na descrição do historiador Rocha Pita, em História da América Portuguesa, de 1730, o país é descrito como uma paisagem:
Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados, nem os reflexos noturnos tão brilhantes; as estrelas são mais benignas e se mostram sempre alegres; os horizontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, estão sempre claros; as águas, ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aquedutos, são as mais puras; é enfim o Brasil Terreal Paraíso descoberto, onde tem nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero clima; influem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o fazem fértil e povoado de inumeráveis habitadores. (Pita apud Carvalho, 1998, p. 2).
De acordo com José Murilo de Carvalho, com base em uma pesquisa de opinião pública1, esse mito edênico habita ainda hoje a imaginação nacional. Nessa pesquisa, foi pedido aos entrevistados que indicassem três motivos de orgulho do Brasil e as respostas foram agrupadas por temas. Em primeiro lugar, aparece “a natureza”, categoria na qual José Murilo de Carvalho incluiu as belezas naturais (inclusive o corpo feminino, já que, para ele, o corpo é natureza) e a paisagem:
(...) natureza, natureza maravilhosa, paisagem, terra maravilhosa, terra santa, Amazônia, florestas, montanhas, pantanal, cachoeiras, orla marítima, o verde, o sol, ar puro, a fauna, a flora, aspecto geográfico, beleza física, beleza geográfica, beleza natural, beleza das praias, praias do Nordeste, país mais bonito do mundo, país abençoado, país belíssimo, fertilidade do solo, tudo que planta dá, terra rica, país mais rico do mundo, riquezas naturais, riquezas minerais, país continental, extensão territorial, grandeza do país, grandiosidade, cidade maravilhosa, clima tropical, clima bom, não ter terremoto, furacão, tufão, vulcão, beleza do povo, as mulheres bonitas (Carvalho, 1998, n.p.).
O que verifica é que o motivo edênico representou mais do que o dobro do segundo motivo de orgulho nacional, que foi “características do país.”
No caso brasileiro, junto ao mito edênico anda a destruição da natureza. Sevcenko (1996) diz que a colonização brasileira nasce de uma guerra declarada contra a natureza, que sempre transforma paraísos em carcaças. No mesmo sentido, a historiadora Souza (2022, p.14) argumenta: “A nostalgia dos primórdios míticos encontra-se surpreendentemente viva nos dias que correm. Como se pôde chegar à destruição presente? Por que se permitiu incúria e imprevidência tamanhas?” .
Esse imaginário paisagístico edênico adentra o estado de Minas Gerais, no centro do país, desmentindo a ideia de que, ao se colonizar, desintegrava-se a concepção edênica das regiões americanas. Ao contrário, sugere “que os bolsões de mitificação podiam ficar adormecidos, para em momentos oportunos reeditarem-se e readaptarem-se, originando novos arranjos mentais, mas atestando, por outro lado, a longa respiração dos fenômenos de mentalidade” (Souza, 2022, p. 62).
É reeditado e readaptado na Belo Horizonte atual, na nova produção imobiliária que ocorre sobre o que havia sobrado das montanhas. Essa cidade inaugurada em ١٢ de dezembro de ١٨٩٧, projetada para ٢٠٠ mil habitantes, rapidamente expandiu-se para além da sua avenida de contorno, prevista como limite original de sua área urbana. Hoje, suas novas ocupações de classe média e alta renda passaram a crescer para o vetor sul, na direção da saída para a cidade do Rio de Janeiro, região montanhosa de frágil geologia. A Serra do Curral, que predomina na paisagem dessa área, apesar de ser um bem tombado pela legislação municipal de Belo Horizonte, tem sido vencida nessa expansão. O segmento imobiliário a atravessa, inserindo suas edificações na sua vertente posterior, de jurisdição de outro município, Nova Lima, onde a legislação ambiental e urbanística é mais frouxa e permissiva.
Nesta área de formações geológicas frágeis, encostas de alta declividade e importantes linhas de drenagem natural, espigões foram se implantando, com alturas que ultrapassam a própria linha de cumeada da serra. Estes espigões passam, assim, não só a ocupar áreas impróprias para edificar, mas a interferir na visibilidade do bem tombado.
O marketing desses novos empreendimentos fundamenta-se na persistência da ideia edênica de vida plena na natureza. A paisagem linguística usada ali comunica ao futuro comprador a ideia de que ele poderá morar em contato próximo com a “natureza”, permitindo “uma vida mais feliz e menos estressante”. Retomam a nostalgia do campo deixado para trás pela urbanização acelerada e apostam na presença do edenismo no imaginário nacional e, especialmente, no mineiro.
Para ilustrar, na sequência, trago exemplos de anúncios que evidenciam essa visão edenista nesses empreendimentos. O que comparece neles, como principal estratégia de convencimento para a compra, é a “vista” que se pode ter da “natureza”. No outdoor da Figura 3, vê-se a promessa que não será cumprida, razão da utilização da expressão pode. Se observamos bem, até o nome do empreendimento remete à ideia idílica de natureza: Mont Blanc, o mais alto pico dos Alpes, indicando um morar distintivo.
A Figura 4 mostra uma outra paisagem linguística, veiculada em um encarte de revista datado de 2013, que também se baseia na ideia edênica de um morar no paraíso, simbolizado por ter uma “casa na montanha”. Montanha apenas provisória, pois sobre ela já são preparados novos projetos imobiliários. De posse muitas vezes da mesma construtora, as montanhas que seriam a vista prometida à frente são mantidas intactas apenas temporariamente, até a comercialização do empreendimento. Vendidos os apartamentos, as máquinas iniciam um novo ataque de voracidade autofágica sobre a montanha prometida como vista.
A linguagem das mensagens tem se atualizado, dado o desaparecimento das montanhas, mas ainda se baseia no ideal de habitar idílico, como se pode ver nesse outdoor de 2024, mostrado na Figura 5. Ele anuncia o nome do empreendimento: Aura, que em latim significa vento, brisa suave, associando a ideia de habitar com a de viver em lugares especiais, espécies de jardins protegidos contra as atribulações da vida urbana.
Figura 3. Anúncio destacando a vista das montanhas |
Figura 4. Encarte publicitário em revista |
Fonte: Arquivo do autor.
A linguagem das mensagens tem se atualizado, dado o desaparecimento das montanhas, mas ainda se baseia no ideal de habitar idílico, como se pode ver nesse outdoor de 2024, mostrado na Figura 5. Ele anuncia o nome do empreendimento:
Figura 5. Outdoor do empreendimento “Aura”
Fonte:Arquivo do autor.
Nesses exemplos, vê-se claramente o processo completo da tríade paisagística, que se abastece do mito edênico, ainda fortemente presente no imaginário brasileiro, organizado em paisagens linguísticas que comunicam a ideia enganadora de uma vida feliz junto à natureza. A paisagem construída, por sua vez, composta pela produção urbanística, arquitetônica e paisagística dos novos assentamentos continua a reproduzir a lógica que sempre comandou a ocupação territorial brasileira: a destruição ambiental. A vista que fora prometida é logo escondida pelos novos empreendimentos que se colocam à sua frente. O conjunto resultante é formado por ocupações estéreis, onde ruas são simples veias de circulação. Matam os locais de reunião e, com eles, a possibilidade mais interessante e eficiente de se preservar e transmitir memórias. Praças, esquinas, bares, cafés, livrarias são confinados aos shoppings centers.
Ao mesmo tempo, os edifícios possuem uma linguagem material e formal que se pode, hoje, ver em diferentes cidades do mundo, conectando o lugar tropical ao circuito arquitetônico universal da forma-mercadoria. Esses edifícios icônicos buscam imantar as paisagens com uma pretensa ideia de universalidade, sofisticação e arrojo tecnológico. Na visão dos empreendedores e dos que compram esses imóveis, eles estão morando no que há de mais sofisticado em todo o mundo. Se sentem moradores de uma paisagem global, que poderia estar também em Seatle, Dubai ou Berlim (Figura 6). Essa mensagem é apreendida pelos usuários a partir desses edifícios, que se tornam eles próprios uma paisagem linguística.
Figura 6. Torre comercial.
Fonte: Arquivo do autor.
Nas sequências de imagens abaixo, vê-se exemplos de transformações que têm provocado o desaparecimento das montanhas naquele lugar. Primeiro surgem condomínios residenciais unifamiliares de alta renda, que ocupam grandes terrenos, mas ainda preservam uma certa qualidade ambiental (Figura 7). Na sequência, em torno deles, os edifícios chegam, começando a esconder montanhas, céu e matas (Figura 8). E o movimento de ocupação e destruição da natureza e morte da paisagem continua, com um edifício colocando-se à frente a ao lado dos outros ao ponto de não mais se verem montanhas, matas, riachos, revelando o que tem sido produzido por um capital insaciável por lucros. (Figura 9).
Figura 7. O início da ocupação horizontal
Fonte: Arquivo do autor.
Figura 8. Os primeiros arranha-céus
Fonte: autor, 2012
Figura 9. O avanço da massa construída e o apagamento das montanhas
Fonte: Arquivo do autor.
Como se pode ver pela evolução das imagens, a natureza sobreviverá, ao final, apenas nas peças publicitárias, em paisagens linguísticas idílicas que criam a cena ideal da natureza sem cheiro, sem incômodos. Enquanto continua a propagar e realimentar o mito edênico, o conjunto edificado vai sepultando a natureza e a possibilidade de uma fruição paisagística qualificada. E as pessoas são levadas e escolhem viver nelas.
5. Aplicação didática do estudo de caso
Esse material de pesquisa tem sido utilizado em disciplinas que leciono na pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, que congrega alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Trata-se de uma experiência que tem se mostrado exitosa para discutir diferentes temáticas relacionadas a esse campo de estudo, como paisagem, paisagem linguística, produção e reprodução capitalista do espaço, experiência paisagística, ação do mercado imobiliário de alta renda, impactos da urbanização sobre a natureza, sustentabilidade urbana, dentre outros.
As aulas iniciam-se pela discussão teórica acerca da paisagem e seu contorno epistêmico para o campo disciplinar da arquitetura. Em seguida, introduz-se o conceito de paisagem linguística, tomando especialmente os autores citados nesse artigo como referência. É quase uma unanimidade o desconhecimento pelos alunos desse campo e é muito interessante perceber como eles passam a reconhecer a sua relevância para os seus estudos e aplicação em suas pesquisas.
Após a apresentação dos conceitos é proposto um conjunto de atividades práticas, de realização em grupo. A primeira delas consiste em pesquisar nos arquivos do meu grupo de pesquisas, em revistas de arquitetura e urbanismo da biblioteca da universidade, na internet e nos sítios eletrônicos das construtoras, o material publicitário referente aos lançamentos dos empreendimentos, em distintos períodos históricos. Esse material é trazido para sala de aula, apresentado e discutido à luz da teoria previamente revista. Em seguida, os alunos visitam a área de estudo registrando por meio de fotografias, vídeos e desenhos, os outdoors e mensagens publicitárias nas vias principais da região, a produção imobiliária consolidada, os empreendimentos novos em construção, e, especialmente, os outdoors colocados nos tapumes ou em frente a eles. Novamente esse material é discutido coletivamente, agora analisando os impactos ambientais, sociais e paisagísticos dessa produção e sua aderência à matriz histórica brasileira, que se resume à uma constante guerra contra a natureza e a sociabilidade.
A última atividade consiste em situar o estudo de caso na produção universal da arquitetura e urbanismo, comparando-o a empreendimentos similares em distintos lugares do mundo e, com o suporte dos teóricos da arquitetura, do urbanismo e teoria contemporânea da urbanização, discute-se os discursos mediados pela paisagem linguística que permitem e legitimam essa (re)produção paisagística, segundo o mesmo modelo conceitual e linguagem material e formal de distintos lugares do planeta. Trata-se de atividade que tem se demonstrado exitosa, facilitando a compreensão do aluno de um fenômeno complexo a partir de um caso real, que não pode ser estudado apenas pelos seus aspectos objetivos, mas também e especialmente pelos seus aspectos subjetivos.
6. Conclusão
O que se procurou explicitar nesse artigo foi a importância de se considerar e analisar, nos estudos avançados em arquitetura e urbanismo, a paisagem linguística. O seu conhecimento pode trazer a esse campo lições de esperança, solidariedade, educação das sensibilidades e aprendizado da urbanidade, mas pode também revelar disfarçadas intenções de usura e destruição, como no caso que relatamos.
A minha experiência de ensino discutindo esse assunto na pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo mostra a efetividade do emprego do material que trouxemos para discutir a qualidade dos lugares existenciais que estamos construindo. Especialmente ao evidenciar que, antes, durante e depois de qualquer construção material, as intenções dos empreendedores e a sua própria experiência pelos usuários são mediadas e comunicadas pelas paisagens linguísticas, que a nosso juízo, faz-se presente não só nas peças publicitárias e outdoors, mas também na própria linguagem material e formal dos lugares produzidos. Em arquitetura, não há lugar concreto que não carregue em si discursos de ordem estética, moral e ética, tornando-se, portanto, mensagens poderosas de que tipo de lugares e sociedade estamos construindo.
O uso da paisagem linguística como estratégia pedagógica facilita a compreensão desse aspecto pelos discentes e pesquisadores de arquitetura e urbanismo e auxilia na necessária e urgente discussão deontológica nessa área. Profissionais têm edificado, a mando do mercado imobiliário, lugares existenciais desqualificados, como no caso apresentado. A arquitetura, que no passado criava espaços para a celebração do encontro e da vida, serve-se, nessas paragens, à destruição da natureza, da sociabilidade e da própria paisagem, edificando cidades insensíveis. Sabemos que os arquitetos estão submetidos às exigências dos empreendedores sobre as quais não têm quase nenhuma autonomia. No entanto, é papel da universidade a formação de profissionais críticos da sua própria atuação. Revelar as suas deficiências, desafios e impossibilidades momentâneas é o que também nos cabe fazer como educadores.
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1 Trata-se de pesquisa nacional feita pela Vox Populi, a pedido da revista Veja, realizada entre 28 e 31 de outubro de 1995. Foram entrevistadas 1.962 pessoas em amostra aleatória nacional. A margem de erro da amostra é de 3% e o intervalo de confiança de 95%.
Cómo citar en APA:
Mol Bessa, A. S. (2024). A paisagem linguística em Arquitetura e Urbanismo: um estudode caso aplicado ao ensino. Revista Iberoamericana de Educación, 96(1), 137-152. https://doi.org/10.35362/rie9616428