No período de 2001 a 2004 realizei informalmente um acompanhamento
pedagógico junto a um grupo de professoras e coordenadoras
de uma instituição de ensino em Porto Velho - Rondônia,
sobre à produção de registros referentes ao
desempenho de aprendizagem dos alunos e alunas daquela comunidade
de ensino. Inicialmente, meu interesse deu-se em função
do fato de minha filha Giulia Ranah, estudar no referido estabelecimento,
entretanto, aos poucos a relação que tínhamos
foi se desenhando, onde de forma simultânea eu era mãe
de aluna e também mediadora do grupo.
Os Relatórios de Aprendizagem representam um
rompimento com a tradicional nota, constituindo-se em um modelo
de avaliação formativa, na medida em que favorecem
a reflexão da prática educativa. "Relatar o trabalho
vivido não faz parte da tradição escolar, muito
mais habituada a elaborar planos para o futuro, sem uma reflexão
consistente deste fazer por meio da escrita" (Hoffman, 1988,
p. 25).
Durante a leitura dos relatórios, havia uma
expectativa sempre muito grande por parte das professoras: Estava
claro? Tinha muitos erros? Como posso melhorar? Em relação
ao anterior, houve avanços? A minha escrita está boa?
Que sugestões você pode encaminhar? Essa demanda gerava
reflexões, pois eu devolvia os questionamentos feitos por
elas em forma de novas perguntas e encaminhava com freqüência
sugestões bibliográficas que a meu ver, poderia contribuir
para ajudá-las na ampliação de sua compreensão.
Os encontros então, foram, cada vez mais, se
caracterizando como importantes espaços de troca, onde se
verificavam questões, que problematizadas, apontavam novos
horizontes para o trabalho diário na sala de aula. Um dos
aspectos que aos poucos foi chamando minha atenção,
referiu-se à produção escrita das professoras,
pois era evidente, nos relatórios lidos, como estas se apropriavam
cada vez mais da
escrita para manifestarem suas impressões e
principalmente a visibilidade da sua competência escritora
expressa nas letras que ora apresentavam alegrias, ora dúvidas,
angústias, o que acabava por validar a idéia de que
fazemos o caminho, ao caminhar ou melhor, aprendemos a escrever,
escrevendo, a descoberta da escrita enquanto manifestação
de autonomia e autoria: "Acredito que um razoável domínio
das regras gramaticais e uma fluência na escrita (o que se
adquire praticando...) são importantes para o professor.
Como encorajar seus alunos a viver uma aventura que ele mesmo não
viveu?" (Warschauer, 1993, p. 64).
Embora nosso ponto de partida tenha sido os Relatórios
de Avaliação dos alunos e alunas, que neste trabalho
identificamos como Relatórios de Aprendizagem, nos limitamos
a analisar o aspecto da escrita produzida pelas professoras. Tínhamos
e temos ainda muitas perguntas: o que podem revelar as escritas
das professoras? Através de seus registros é possível
identificar o que sabem, as atitudes pedagógicas que manifestam,
os conhecimentos didáticos que dispõe, as concepções
teóricas que fundamentam sua prática?
Numa perspectiva de estudo da psicogênese destas
escritas, prosseguimos com as entrevistas e análises dos
relatórios. Já sabemos que muitas vezes o trabalho
docente é sustentado por teorias não assumidas pelos
professores, até porque muitas vezes, os próprios/as
não se dão conta disso. Neste sentido o registro escrito,
discutido no coletivo possibilita a transformação
da prática em objeto de estudo, explicitando inclusive o
que está subjacente, para um melhor conhecimento e intervenção
do educador/a, além de qualificar, como estávamos
vendo a sua escrita.
Uma das observações importantes verificadas
por ocasião das análises, referiu-se a necessidade
de enriquecimento nos relatórios, seja em forma de citação
direta ou indireta, de onde podemos inferir leituras que são
desenvolvidas e que contribui na própria interpretação
da aprendizagem. Para Madalena Freire (1992, p. 32). "Nesse
aprendizado permanente de escrever e socializar nossa reflexão,
sedimenta-se a disciplina intelectual tão necessária
a um educador, pesquisador, estudioso do que faz e da fundamentação
teórica que o inspira no seu ensina". Desta forma o
registro escrito embora enfatize o aspecto avaliativo do aluno/a,
acaba também por retratar o percurso de ambos. Ao localizar
os pontos de partida dos alunos/as, seus avanços, por sua
vez também responde a questionamentos do professor/a, através
de um objeto que favorece o desenvolvimento da autoria: a escrita.
Para o grupo de professoras entrevistadas, as dificuldades
no ato de relatar o desempenho de aprendizagem dos alunos/as está
vinculada fundamentalmente a dificuldade de expressar-se por meio
da escrita. E então os professores e professoras vivenciam
um dilema profissional, pois diariamente planejam atividades de
escrita para os alunos/as e um dia também participaram na
condição de alunos/as de situações semelhantes
e então como fica a questão? Se estas atividades de
contato com a escrita foram pouco significativas, como são
as que ele/a propicia agora aos seus alunos e, ainda, que mecanismos
de superação utiliza para rever a forma de ensino
e como resolve suas lacunas de aprendizagem da escrita?
Neste estudo, observamos as aproximações
entre o ato de relatar o desempenho de aprendizagem do aluno/a e
o aperfeiçoamento da competência da escrita docente.
As professoras, de uma forma muito clara, recuperam sua trajetória
inicial marcada pela produção de cópias e não
pela construção, relembram as dificuldades e apontam
alguns ganhos nesta caminhada.
O trabalho inicial de relatar, de acordo com as professoras,
são, em algumas situações meras observações
do senso comum, em função disso apontam como fundamental
iniciar esse processo, avançar no exercício da leitura
e conseqüentemente na fundamentação teórica
para responder estas demandas, na medida em que esta fundamentação
poderá ajudá-lo a construir explicações
para o que está sendo anotado, forjando ao mesmo tempo um
educador com uma nova condição: não mais reprodutor
de conhecimentos alheios, mas alguém com capacidade de reinventar
a própria prática.
Ao indagarmos as professoras sobre o que pensavam
de alguns relatórios que podem ser considerados mal escritos,
já que são analisados no coletivo, observamos que
ainda há muitas dificuldades em se lidar com o erro, resignificado
na concepção construtivista. Fica a questão:
Vale só para o aluno/a? Será que conservamos a idéia
da ausência de erro como explicitação da aprendizagem?
Permanece o mito de que o professor/a não pode errar?
O ato de registrar por escrito suas atividades, contribuiu
também para retomar a concepção de planejamento
que se deseja - não mais aquele modelo para inglês
ver ou a instituição olhar, o conhecido jogo do faz-de-conta
- que não viabiliza o crescimento profissional de quem o
faz, mas estamos nos referindo a uma proposta funcional, que pode
servir como instrumento para aprimorar os próximos passos,
conforme aponta esta fala:
Muitos ganhos significativos já podem ser partilhados
no processo educativo da apropriação da escrita. Ganhos
esses conquistados pelos professores e professoras nos fóruns
locais, com seus pares, na própria escola. Foi gratificante
confirmar no presente estudo algumas hipóteses a respeito
da produção autônoma e autoral destas professoras.
Talvez, muitas e muitos há no Brasil, que em suas salas de
aula, todos os dias reinventam utopias fundamentadas na lógica
da escola inclusiva de que todos e todas são capazes de aprender.
Penso eu, que as condições estão
criadas - embora tenhamos vindo de uma escola que nos exigia apenas
um texto por ano, as minhas férias, há um movimento
de revisão deste modelo. As professoras que colaboraram com
este trabalho, nos ajudam a acreditar que "a mudança
é difícil mas é possível" (Freire,
1996) pois de fazedoras de cópia agora são escritoras
de textos, isso ficou claramente evidenciado na evolução
das escritas, mediante observação na comparação
dos relatórios.
Com Renato Russo, celebro este tempo de possibilidade:
"Depois de vinte anos na escola, não é difícil
aprender. Vamos fazer nosso dever de casa e aí então,
vocês vão ver suas crianças derrubando reis,
fazer comédia no cinema com as suas leis".
Bibliografia
FREIRE, M. (1992): Cadernos pedagógicos: observação,
registro e planejamento. São Paulo, Espaço Pedagógico.
FREIRE, P. (1996): Pedagogia da autonomia: saberes necessários
à prática educativa. São Paulo.
HOFFMANN, J. (1988): Avaliação mediadora. Porto Alegre,
Educação e Realidade.
WARSCHAUER, C. (1993): A roda e o registro: uma parceria entre professor,
alunos e conhecimento. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
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