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 ISSN: 1681-5653

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Identidade e ensino de Artes Visuais: interações

Klix Freitas, Neli
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil


Aquilo que alguém viveu é, no melhor dos casos, comparável à bela figura à qual, em transportes foram quebrados todos os membros, e que agora nada mais oferece a não ser o bloco precioso a partir do qual ele tem que esculpir a imagem de seu futuro. Cada indivíduo é impelido pelo desejo de ser visto, ouvido, discutido, aprovado e respeitado pelas pessoas que o cercam e que o conhecem. A sociedade escópica que caracteriza nosso tempo parece ter optado pelo reducionismo do ser visto, pela indução ao tenha seu minuto de fama. Os avanços tecnológicos típicos de nossos tempos permitem a fabricação de múltiplos aparelhos captadores e reprodutores de visões, não apenas para que o ser humano possa ver, mas principalmente para ser visto. O mesmo olhar que retorna como um mandamento de prazer: Veja! Diz: Mostre-me. Mesmo sem vê-lo, o olhar está presente: Sorria! Você está sendo filmado.

Mas, o que está sendo filmado? Um corpo...Múltiplas imagens...Aparências... Imagens típicas de nossos dias chegam como imperativos de ideais a serem seguidos. Trata-se de modelos de identificação constituintes da identidade, fabricada pela propaganda, pelo esporte, nos quais o apelo à identificação, por sua vez faz um apelo ao corpo: o espetáculo. O poder de fascinação é, ao mesmo tempo, modelo de captura, e faz o espectador identificar-se com o vencedor (Porto, 2002).

Questiona-se, então: como fica a identidade do ser humano obeso, cujo corpo foge aos padrões impostos pela sociedade escópica? Lembramos da professora de nossa pesquisa. Entretanto, ela nem sempre foi assim. Traz relatos que convidam a uma viagem pelos caminhos da existência. Caminhos da memória: Infância, de Graciliano Ramos; Confesso que Vivi, de Pablo Neruda; Gaveta dos Guardados, de Iberê Camargo.

Estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Já são quinze anos nessa luta. Não tive tempo para cuidar do meu corpo. Diz a professora em uma das entrevistas.

Como posso trabalhar se não consigo acompanhar a velocidade dos movimentos dos meus alunos? Gorda, com 125 quilos... Essa é a imagem que vejo quando olho no espelho... Formada em Artes Plásticas, o que faço com minha plástica, com meu corpo? Refere em outra entrevista.

O espelho físico sempre foi objeto de infinita curiosidade e diversos interesses para os seres humanos. Não se trata simplesmente do objeto espelho, mas das relações entre espelho físico e espelho humano. O espelho reflete a imagem, mas o ser humano é muito mais do que uma imagem. Ser criativo, desejante, capaz de simbolizar, de sublimar... Sublime ação... (Vasconcelos, 2002).

A professora dedica-se ao outro, à educação, função pedagógica. Mas, não dispõe de tempo para cuidar do próprio corpo. É hereditário... Somos todas umas madonas: minha avó, minha mãe, minhas irmãs, eu... diz a professora.Os espelhos humanos estão sempre às voltas com as brumas mais ou menos cerradas de seus subjetivismos. Na verdade, a trajetória do processo de subjetivação não é linear.Na vida não há um único confronto, nem existe um único ponto de vista. Entre as demandas inconscientes e conscientes, muitas vezes não há um lugar seguro onde seja possível pousar a cabeça. Não existem pontos privilegiados do olhar. Olhar é, então, desviar o olhar.

Na sociedade escópica, o olhar, excluído da simbolização efetuada pela cultura sobre a natureza retorna sobre a civilização. Traz consigo o imperativo do supereu, um comando de mostrar-se a ver, de tornar-se visível, mas visível de um modo ditado a partir de modelos sociais. O outro me vê. Logo, eu existo. Tende-se , a partir dessa evidência a uma verdadeira paranóia pelo medo de não ser visto (Melo Filho, 1985).

Quando ocorre um estancamento na criatividade surge o vazio interior. A exposição ao aqui e agora da imagem revela a carência fantasmática, a pobreza de espírito. No vazio da imagem congelada

e silenciosa, a pulsão de morte grita.

Eu já não sei mais o que é estético, se tenho alguma estética, porque hoje quem tem peso elevado foge aos padrões. Que padrões? De onde vem esses padrões? Questiona a professora.

Na sua dimensão estética, Vasconcelos (2002) refere que a vivência dos traumas, dos choques, assim como a vida imersa em atividades repetitivas diminui a faculdade de trocar experiências, podendo esterilizar a função estética. O artista criador retira sua matéria da vida comum. E, ao lado dos artistas e dos gênios consagrados há uma imensa criação anônima de desconhecidos. A arte é produto da atividade humana.
Para Vygotsky (2001) arte não é adorno da vida. A imaginação criadora reveste-se de ubiqüidade. Imaginar é uma capacidade tipicamente humana, cujo significado inclui imagem, ação e magia. Mas não é inconsciente, é uma lembrança do que é ou foi vivido, visto, ouvido. Se a sociedade defende um tipo de beleza, um modelo de corpo que povoa as imagens da mídia, da moda, que está nos outdoors de nosso caminho cotidiano, naturalmente esses modelos passam a integrar o imaginário dos indivíduos. É uma forma de linguagem. A linguagem possibilita a regulação psíquica da atividade humana, na medida em que contém o sentido como elemento da cultura, exprimindo a experiência vivida nas relações sociais.

A sociedade de nossos dias remete-nos à concretude do corpo enquanto imagem. Ao corpo capaz de produzir sensações. A dimensão da imagem do corpo adquire então, uma materialidade que impressiona Pode-se observar a precariedade que existe na imagem corporal. Como se não houvesse futuro.

Por que as pessoas devem ser obrigatoriamente magras? A minha obesidade me exclui de muitas coisas... Eu me sinto excluída. Trabalho com crianças surdas, também excluídas... Refere a professora.


A história de vida, longe de ser linear é dialética. Ela teima constantemente em romper com o estabelecido. È justamente porque ela é tecida no seio da vida, e por ela alimentada, que insiste em sacudir o mofo da supremacia do racional que esconde o alento.

Muitos textos referem a exclusão no contexto escolar, sob a ótica dos estudantes. Nossas reflexões, nesse artigo, dirigem o foco para o professor. Uma questão foi apresentada pela professora, por ocasião de sua primeira entrevista: como fica a inclusão quando o excluído é o profesor?

Na ótica da professora, a exclusão ocorre pela questão da obesidade. Entretanto há muito mais a ser ponderado.Como docente graduada em Artes Plásticas, professora dessa área parece haver um imperativo da ordem do siga os padrões plásticos de sua época.Mesmo que a professora domine novas mídias e tecnologias, que utilize recursos didáticos diversificados e atualizados, a mesma sente um descompasso entre o que é, o que mostra, e o que acredita compartilhar com seus alunos em sala de aula. Possivelmente a área de conhecimento da professora seja sensível a essa questão, mas não se trata de exclusividade dessa área, muito menos de um parâmetro que os currículos contemplam. A sociedade de nossos dias valoriza excessivamente a aparência, o ter em lugar do ser. Essa dimensão atinge com intensidade profissionais ligados às visualidades: Artes Visuais, Moda, Design, dentre outras. Mais uma vez o ser humano passa a ser definido pelo que faz, pelo que mostra e produz, muito mais do que pelo que é.

Compreender a docência como uma das atividades constitutivas de saberes em Artes Visuais implica em reconhecer que trata-se de um exercício contínuo de crises com múltiplos significados, de construções, reconstruções e ressignificações. Essa dinâmica supõe ajustes constantes nas trocas que se estabelecem entre professores e alunos para facilitar fluxos de energia criativa e possibilidades de criação. Inclui, assim,experiências e potencialidades renovadoras. O ensino de Artes Visuais impõe reflexões aprofundadas ao professor como sujeito do processo educativo. Envolve complexos aspectos sensoriais, perceptivos, corporais, emocionais e intelectuais, que favorecem o desencadeamento de mecanismos expressivos.

O desenvolvimento da própria capacidade criativa do professor está relacionado com possibilidades reflexivas sobre a ação educativa. Parte-se da concepção de que a criatividade é uma ação combinada de originalidade, sensibilidade, curiosidade e inteligência, que possibilita o distanciamento da rotina e amplia o campo de escolhas.

Trata-se de uma complexa trama entre conhecimento e imaginário: imaginário que é, ao mesmo tempo, pessoal e intransferível, mas que é também social. Essa visão contempla uma complexa trama entre fatos, fenômenos e significados que permeiam o cotidiano do professor como ser humano. Ao criar vincula o processo de aquisição do conhecimento a funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, tais como a capacidade de criar e de imaginar. Assim, investe na busca do sentido estético, recriando e revitalizando a cultura.

Insere-se na trama que envolve o fortalecimento do corpo social, que desperta o desejo de participação, de experimentação conjunta, de incorporação afetiva do ambiente cotidiano. Ao mesmo em que cria, recria a si mesmo, incorporando novos modos de transformar vicissitudes em potencial criativo. Trata-se de uma aproximação ao que Maffesoli (1996, 38) denomina de aisthesis: um experimentar junto emoções.

Esse processo possibilita novas visibilidades a partir de realidades internas e externas, onde elementos indiferenciados e informes são transformados em novas organizações, plasmando-se marcas e novos registros. Da criação emana um princípio de organização que favorece o simbolismo e gesta um caráter para a visibilidade situada aquém ou além da razão.

Bibliografia

MAFFESOLI, M. (1996): No fundo das aparências. Petrópolis, Vozes.
MELLO FILHO, J. (1986): O ser e o viver. Porto Alegre, Artes Médicas.
PORTO, T. (2002): Linguagens em educação e comunicação. Pelotas, Ed. UFPEL.
VASCONCELOS, M. (2002): Criatividade. São Paulo, Moderna.
VYGOTSKY, L. (2001): Psicologia da Arte. São Paulo, Martins Fontes.
Correio eletrônico:

Correo electrónico: neliklix@terra.com.br Número 40/1
25 - 09- 06

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