Educar em tempos difíceis requer militância, engajamento,
amorosidade. Pressupõe manter viva a chama da utopia, necessária
para a construção de um outro mundo possível. Exige
formação permanente, respeito às diferenças,
coragem para enfrentar a banalização e
naturalização da violência e da guerra. Educar em tempos
difíceis necessita, fundamentalmente, de reconhecermos, todos e todas, a
importância da Educação em Direitos
Humanos.Importância porque nos seus pressupostos, encontramos valores
positivos e minha proposta é de que trabalhemos constantemente tais
valores, reforçando-os.
Ao pensar uma proposta pedagógica de Educação em
Direitos Humanos, é preciso compreender que a vida
cotidiana, constituída como espaço de criação,
recriação e construção diária das
relações pessoais e do saber é considerada uma
referência permanente da ação educativa.
Sime aponta-nos três aspectos fundamentais para se pensar (e agir) dentro
de uma proposta que assim queira se configurar. Um dos aspectos é o de
que esta pedagogia deve ser uma pedagogia de indignação
e que diga não a resignação. Não queremos formar
seres insensíveis, e sim capazes de indignar-se, de escandalizar-se
diante de todas as formas de violência, de humilhação.
A atividade educativa deve ser um espaço onde expressamos e
compartilhamos a indignação através dos sentimentos de
rebeldia contra o que está acontecendo.
Educar em tempos difíceis, então, requer termos uma postura
ética, uma perspectiva de atuação participativa, nos
posicionando de modo crítico diante as mazelas do mundo, impostas pelo
sistema capitalista constituído. Educar em tempos difíceis requer
fazermos dos espaços pedagógicos, onde possuímos
inserção, um lócus de busca, de procura, onde defendamos
que a prática educativa é uma especificidade humana e esta
prática exige-se uma ética universal do ser humano, pois como nos
diz Freire (1997) Não podemos nos assumir como sujeitos de
procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos
históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como
sujeitos éticos. E esta postura pode, apesar dos muitos
limites que temos presentes no cotidiano escolar, nos dar subsídios
à nossa atuação com indignação e
não-resignação.
Tenho vivenciado, enquanto educador em Direitos Humanos, ricas
experiências pedagógicas bastante significativas, - tanto na
educação básica quanto no ensino superior, em cursos de
graduação e pós-graduação -, que me mostram
como podemos fazer deste espaçotempo escola, sala-de-aula, um
momento de indignação e não-resignação.
Neste vivenciar, tenho proposto um trabalho que busca a dialogicidade, visando
a construção de um outro fazer onde a educação seja
autêntica e uma educação autêntica,
repitamos, não se faz de A para B ou de
A sobre B, mas sim de A com B
mediatizados pelo mundo.
Desta forma me comprometo em fazer valer um segundo aspecto destacado por
Sime: com meus/minhas muitos/as alunos/as, procuro criar, cotidianamente, uma
pedagogia da admiração. De acordo com este autor, esta pedagogia
deve ser um perene convite a criar espaços para partilhar a
alegria de viver. Alegremo-nos porque vamos descobrindo que existem pequenos
germes de um cotidiano novo, porque nos admiramos ao ver como mudamos e ao ver
como os demais mudaram ou querem mudar. A admiração estimula a
gozar tudo o que, desde nossa realidade imediata, contribua para a
vitória da vida.
Candau (1999), reforça esta idéia ao nos dizer que em
nossos dia-a-dia, muita vezes não notamos as inúmeras
formas, pessoais e coletivas, de busca da sobrevivência,
preservação e promoção da vida. Por pequenas que
sejam, revelam a capacidade de resistência, enorme criatividade e vontade
de viver e buscar vias para promover condições dignas de
vida. Este então é um dos muitos desafios para educar
em tempos difíceis: o resgate do prazer de educar, encontrando sentido
na prática pedagógica cotidiana, inserida numa constante busca de
novos significados, inclusive éticos.
Entre nós, em sua Pedagogia da autonomia, Freire destaca que um dos
saberes necessários à prática educativa requer
estética e ética. O terceiro ponto que Sime destaca vincula-se ao
afirmar uma pedagogia que tenha fortes convicções e que no seu
acontecer esteja presente à dimensão ética do ato
educativo, tendo a vida valor fundamental. Ao propor uma nova sociedade, o
autor em questão nos diz: A convicção do valor
fundamental da vida é a coluna vertebral do nosso projeto de sociedade,
de homem e de mulher novos. Nossa opção pela vida é o que
unifica nossa personalidade individual e nossa identidade coletiva. Mas
também existem outros valores que propomos como
convicções, que dão consistência ética
à mística da vida: solidariedade, justiça,
esperança, liberdade, capacidade crítica.
Tais valores devem ser inseridos/debatidos/construídos no cotidiano
escolar, mas é preciso destacar aqui que simplesmente introduzir alguns
conhecimentos no currículo reduz os processos de Educação
em Direitos Humanos. Apesar de ser um primeiro passo, esta ação
não basta porque se precisa ir além disso: é
necessário conceber esta educação com
articulação com as distintas dimensões do ver, do saber,
do celebrar-se, do comprometer-se com os valores humanos universais, ligados
aos quatros pilares da educação propostos pela UNESCO: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a viver com os
outros, aprender a ser.
A dimensão do ver deve ser trabalhada permanentemente, englobando a
perspectiva da sensibilização e da conscientização
do real, procurando, de modo progressivo, ampliar o olhar sobre o cotidiano e,
assim, desvelar a própria estrutura social, compreendendo-a. Nesta
dimensão faz-se necessário, ainda, procurar a
articulação progressiva do local com o global, percebendo o
contexto brasileiro, latino-americano e mundial dentro de uma perspectiva
multicultural.
O saber, outra dimensão a ser levada em consideração
nos processo de Educação em Direitos Humanos, está
articulado com o ver. Na minha compreensão sobre esta questão,
considero ser preciso reforçar que o saber sobre os Direitos Humanos
é essencialmente construído a partir da prática cotidiana,
onde ambos prática pedagógica e direitos humanos- devem
estar relacionados reciprocamente, possibilitando aprofundamentos e
progressões de reflexões e conhecimentos, buscando nos campos da
Filosofia, da Política, da Sociologia, da História e das
Ciências Jurídicas, novos pontos de interlocução que
podem contribuir às temática presentes na Educação
em Direitos Humanos.
Para muitos autores vinculados aos estudos dos processos de
Educação em Direitos Humanos, está deve ser uma
prática que deve produzir, no seu decorrer, emoção,
alegria, prazer, à medida que se vai redescobrindo o valor da vida
humana, compreendendo suas perspectivas e potencialidades criativas de
crescimento. Daí surgir à dimensão da
celebração, onde o acolher a vida, protegê-la de
tantas ameaças, denunciar suas violações, afirmar e
multiplicar as experiências de promoção de plenitude de
vida provoca felicidade e se torna uma paixão. A dimensão afetiva
é um componente imprescindível na educação em
Direitos Humanos.
Na minha prática pedagógica, essa dimensão ganha lugar
de destaque nas aulas, apresentações de seminários,
criação de oficinas pedagógicas, onde se busca,
através da música, danças, rodas de leituras, teatro e de
jograis, debates e seminários criativos, além de
exposições de trabalhos de artes plásticas, valorizar a
vida e fazer a interpenetração das dimensões citadas,
visto que procuro fazer destas ações momentos de
valorização do fazer pedagógico.
De acordo com Pérez Aguirre, o recurso menos utilizado nos sistemas
educacionais é a liberdade e meu desafio constante, enquanto educador
é procurar desenvolver atividades que possibilitem o exercício da
liberdade de expressão, conforme o artigo 19, da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que nos diz que
todos têm direitos à liberdade de opinião e de
expressão, o que implica o direito de expressar suas opiniões sem
ser incomodado e de receber e divulgar informações e
idéias por quaisquer meios de expressão, sem
restrições de fronteiras.
Na minha concepção do ato educativo é fundamental fazer
valer este direito humano, mesmo que tenhamos presentes, de modo tão
arraigado nas instituições escolares, praticas que não
favoreçam esta possibilidade. Educar em tempos difíceis me
estimula a provocar, todas e todas, para que façamos, a
desconstrução do sistema educativo vigente, que acaba por ser
gerador de angústia, promotor do medo e da submissão com
um grande desprezo pelo ser humano e sua dignidade. Desprezo do educador pelo
educando, e vice-versa, desprezo pelo crescimento dos indivíduos
envolvidos no processo educativo, desprezo pela verdade e pela criatividade,
desprezo pelo próprio conhecimento. Dessa maneira, o desafio é
aprender a pensar com liberdade, reconhecendo o outro como interlocutor e as
outras verdades como legítimas. Nada nos autoriza, a não ser o
despotismo, a desprezar a quem pensa diferente de nós. A
diferença é um elemento que fortalece e enriquece uma sociedade e
um povo. Por isso não é possível uma
educação emancipatória sem a liberdade.
No que diz respeito a esta educação emancipatória, o
educar em tempos difíceis nos estimula ao estudar permanentemente. Mas
é preciso destacar que, quando estudamos as diferentes teorias
educacionais sem fazer uma articulação coerente, seja em qualquer
nível de formação de professores, o que ocorre é
que elas não são discutidas, refletidas e incorporadas,
resultando na impossibilidade da ação docente ser exercida com a
consciência do posicionamento que perpassa essa ação. Ou
seja, a ação está fundamentada, sabe o educador responder
uma questão essencial: o porquê de "ensinar" de uma
maneira e não de outra?
É sabido que em um curso de formação de educadores, ou
até mesmo de educação continuada ou permanente, deve-se
propiciar a possibilidade de um confronto, onde as diferentes abordagens do
processo ensino-aprendizagem sejam conhecidas e repensadas, buscando visualizar
os pontos de interseção que tal confronto pode criar. Para educar
em tempos difíceis, é necessário criar oportunidades para
que o educador possa analisar o seu fazer pedagógico, objetivando a
busca da consciência de sua ação e, assim, poder não
somente ter capacidade de criar mecanismos de contextualização e
interpretação, mas também buscar a superação
dos limites e entraves que existem em sua própria prática. Parto
desta convicção para exercer minha função de
educador.
É importante que todos/as nós, educadores/as, possamos ter uma
síntese adequada das diferentes abordagens do processo de
ensino-aprendizagem, com os diferentes enfoques e características gerais
que acompanham estas abordagens (modelo de homem, sociedade e cultura,
educação, escola, metodologia, avaliação). Assim,
talvez seja possível ter um outro ponto de partida, capaz de criar
mecanismos mais amplos de percepção e reflexão sobre a
realidade. Essa exigência é, a meu ver, indispensável para
o educar em tempos difíceis como o nosso tempo, que nos exige a
construção de novos paradigmas para um outro viver
possível, onde possam estar, juntos, Cidadania e Direitos Humanos
plenamente dignificados.
Bibliografia:
BEAUCLAIR, João. Educação por projetos: desafio ao
educador no novo milênio. Publicado no site www.chpesquisa.com.br., em
Maio/2001.
___________,____. Educação para a Paz: um estilo de
aprenderensinar e ensinaraprender na perspectiva da
Educação em Direitos Humanos como possível suporte
psicopedagógico. Comunicação apresentada na mesa redonda
Estilos de Ensinar e Aprender, da II Jornada Regional de
Psicopedagogia, promovida pela ABPp- Associação Brasileira de
Psicopedagogia e organizada pelo Núcleo Sul Mineiro de Psicopedagogia,
na cidade de Poços de Caldas, em 23/06/2001. Publicado no site
www.aprender-ai.com.br .
___________,____.Direitos Humanos na Prática Pedagógica:
perspectivas, limites e possibilidades . Dissertação de Mestrado
em Educação, defendida em fevereiro de 2002 no Programa de
Pós-graduação da UNIVERSO- Universidade Salgado de
Oliveira, campus São Gonçalo, RJ
.____________, ____. A prática de ensinagem no
desenvolvimento de projetos educativos: potencialidades e
condições básicas. Cadernos de Estudos e Pesquisas da
UNIVERSA. III Jornada Cientifica da UNIVERSO / II Encontro Anual de
Iniciação Científica. Universidade Salgado de Oliveira.
Campus São Gonçalo, RJ, 2001. Publicado no site
www.aprender-ai.com.br.
(1) Con la autorización del autor. Pulbicado previamente en
Psicopedagogía On Line: http://www.psicopedagogia.com.br
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