Globalizações, política
educacional pedagogia contra-hegemônica
Afonso Celso Scocuglia *
(*) Professor do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal da Paraíba
(Brasil).
SÍNTESE: A idéia da inexorabilidade
da globalização hegemônica como única
saída para o desenvolvimento pós-guerra fria tem marcado
grande parte do debate acadêmico e midiático atual,
inclusive no campo educacional. Este nosso artigo pretende argumentar
em um sentido contrário, corroborando as teses da existência
das várias possibilidades de «globalizações»
(Boaventura de Souza Santos, 2002), verificando as convergências
e as divergências das relações entre a globalização
e a educação, especialmente quanto ao estabelecimento
de uma «cultura educacional mundial comum» ou de uma
«agenda globalmente estruturada para a educação»
(Roger Dale, 2004). Pretende também captar o rebatimento
dessas influências nas políticas educacionais brasileiras
entre 1995 e 2002 (Silva Jr., Dourado, Azevedo et al., 2002). Por
fim, ao advogar a idéia de «história como possíbilidade
do novo», busca destacar as denúncias, as respostas
e as propostas de uma educação contribuinte da globalização
contra-hegemônica utilizando alguns dos principais parâmetros
e conceitos da pedagogia crítica de Paulo Freire.
Palavras-chave: políticas educacionais;
globalização e educação; globalização
hegemônica; Paulo Freire.
SÍNTESIS: La idea de la inexorabilidad
de la globalización hegemónica como única salida
para el desarrollo en la posguerra fría viene marcando gran
parte del debate académico y mediático actual, incluso
en el campo educativo. Este artículo pretende argumentar
en un sentido contrario. Para ello corrobora las tesis que defienden
la existencia de diversas posibilidades de «globalizaciones»
(Boaventura de Souza Santos, 2002), al verificar las convergencias
y divergencias de las relaciones entre la globalización y
la educación, especialmente en cuanto al establecimiento
de una «cultura educativa mundial común» o de
una «agenda globalmente estructurada para la educación»
(Roger Dale, 2004). Pretende también captar la oposición
a esas influencias en las políticas educacionales brasileñas
entre 1995 y 2002 (Silva Jr., Dourdo, Azevedo y otros, 2002). Y
acaba por abogar la idea de «historia como posibilidad de
lo nuevo», buscando destacar las denuncias, las respuestas
y las propuestas de una educación contribuyente de la globalización
contrahegemónica, utilizando algunos de los principales parámetros
y conceptos de la pedagogía crítica de Paulo Freire.
Palabras clave: políticas educativas;
globalización y educación; globalización hegemônica;
Paulo Freire.
ABSTRACT: The idea that inexorable hegemonic
globalization is the only way to development in the aftermath of
the cold war has marked most of the current debate in the academy
and in the media, even in the field of education. This article will
try to argue for the opposite thesis. In that sense, it corroborates
the theses that stand for the existence of diverse possible «globalizations»
(Boaventura de Souza Santos, 2002) by verifying the divergences
and convergences of the connections between globalization and education,
especially those concerned with the deployment of a «world
common educational culture» or of a «globally structured
educational agenda» (Roger Dale, 2004). It also aims at grasping
the resistance to these influences in Brazilian educational policies
from 1995 to 2002 (Silva Jr., Dourdo, Azevedo and others, 2002).
Finally it argues in favor of the idea of «history as the
possibility of the new», trying to underline the condemnations,
the answers and the proposals of an education that contributes to
counter-hegemonic globalization, using a few of the most important
concepts and parameters of the critical pedagogy of Paulo Freire.
Key words: educational policies; globalization
and education; hegemonic globalization; Paulo Freire.
1. Introdução: as globalizações contingentes
e indeterminadas
Mundializações ou globalizações? Qual
seria a melhor nomenclatura? Os que defendem, como nós, a
idéia da historicidade dos conceitos tenderiam a chamar de
«mundializações» os fenômenos sociais,
econômicos e culturais vivenciados atualmente. Ocorre que,
até para constestar as falsas idéias da unicidade
e da inexorabildiade do processo, precisamos criticar uma literatura
que já consagrou o termo «globalização»
como definição do processo. Em outras palavras, o
jogo hegemônico é tão denso que, até
mesmo para contestar o conceito, a padronização proposital
da linguagem nos obriga a utilizá-lo. Podemos perceber que
até mesmo o termo «globalização»
faz parte do seu processo de convencimento, isto é, da construção
da sua hegemonia. Mesmo assim, usando o termo «globalização»
como a nomenclatura corrente, temos que começar afirmando:
não existe «a globalização» e,
sim, globalizações hegemônicas e contra-hegemônicas.
Boaventura de Sousa Santos (2004) contrapõe e interliga as
duas possibilidades históricas:
A globalização contra-hegemônica, de que
os movimentos e organizações congregadas no Fórum
Social Mundial são um eloquente exemplo, é feita
de uma enorme diversidade de ações de resistência
contra a injustiça social em suas múltiplas dimensões.
Contra a banalização e a instrumentalização
da indignação moral procuram manter viva a idéia
de que o capitalismo global (agora chamado de globalização
neoliberal) é injusto, é hoje mais injusto do que
há vinte anos e que, se nada fizermos, será ainda
mais insuportavelmente injusto daqui a vinte anos. [...] O que
será a globalização contra-hegemônica
depende do que será a globalização hegemônica
e vice-versa (pp. 1-2).
Neste sentido, torna-se importante destacar com Santos que «o
objetivo da globalização alternativa é tornar
o mundo cada vez menos confortável para o capitalismo. Este
só poderá ser declarado irreversível depois
de esgotadas todas as alternativas, o que provavelmente nunca ocorrerá.
Ou seja, o capitalismo global não é menos contingente
e indeterminado do que as lutas contra ele» (ibidem, p. 2).
Os desenvolvimentos interdependentes das globalizações
antagônicas evidenciam um campo de luta que rechaça
a idéia de fatalidade histórica. Por seu turno, os
argumentos da contingência e da indeterminação
alicerçam e tornam ainda mais incisivas as críticas
sobre as falsas idéias do «fim da história»
e da inexorabilidade da globalização como fenômeno
único contra o qual não há nada a fazer. Ao
contrário, para Santos (2002) o que se costuma chamar de
globalização é um «conjunto de arenas
de lutas transfronteiriças» (p. 6). As globalizações
«de-cima-para-baixo» (hegemônicas) e «de-baixo-para-cima»
(contra-hegêmonicas) comportam quatro formas de globalização:
o localismo globalizado e o globalismo localizado seriam parte da
primeira e o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade,
da segunda.
O localismo globalizado é o «processo pelo qual determinado
fenômeno local é globalizado com sucesso» (obra
citada, p. 5). Cita como exemplos, entre outros, os casos das ações
das multinacionais, a expansão mundial da língua inglesa
e a globalização do fast food e da música popular
norte-americana. O globalismo localizado é mostrado pelo
«impacto específico de práticas e imperativos
transnacionais nas condições locais, as quais são,
por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder
a esses imperativos transnacionais» (idem, p. 5). Fazem parte
dele os nossos conhecidos fenômenos como as zonas francas
de comércio, «uso turístico de tesouros históricos,
lugares ou cerimônias religiosas, artesanato e vida selvagem»,
«conversão da agricultra de subsistência em agricultura
para exportação» (agrobusiness). Essas formas
de globalizações hegemônicas teriam duas vias
na divisão internacional da produção: «os
países centrais especializam-se em localismos globalizados,
enquanto aos países periféricos cabe tão-somente
a escolha dos globalismos localizados» (idem, p. 5). No entanto,
o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade não
se caracterizam nem como globalismo localizado, nem como localismo
globalizado. São formas antagônicas identificadas pelo
autor como globalizações de-baixo-para-cima, ou seja,
globalizações contra-hegemônicas. O cosmopolitismo
constitui uma antítese das formas predominantes de hegemonia
enquanto oportunidades de organizações transnacionais
de Estados-nações, de regiões, de classes ou
grupos sociais que explorariam as contradições do
sistema mundial imposto, interagindo na defesa de seus interesses
comuns. Incluem desde as redes feministas às ecológicas,
das ONG às organizações Sul-Sul, das organizações
de trabalhadores aos Fóruns Mundiais, passando pelos movimentos
literários, científicos e artísticos. O patrimônio
comum da humanidade, por sua vez, inclui temas de sentido global
como o desenvolvimento sustentável da Terra, a proteção
da camada de ozônio, a preservação da floresta
amazônica, dos oceanos e da Antártida (Santos, idem,
pp. 5-6).
2. Hegemonia e «cultura educacional mundial comum
Certamente não se admite que os processos hegemônicos
de globalização se restrinjam aos campos econômicos
e às suas relações mais próximas. As
interferências desses processos nos campos da cultura e da
educação têm sido objeto de vários estudos.
Um dos mais significativos, a meu ver, é o trabalho desenvolvido
por Roger Dale (2004), disseminado e traduzido em vários
países, inclusive no Brasil1. Dale compara duas abordagens
da relação globalização-educação:
uma oriunda das teses de John Meyer (e da sua equipe da Universidade
de Stanford, EUA) que considera a propagação de uma
«cultura educacional mundial comum» (CEMC) e, outra,
a sua própria abordagem, que denomina «agenda globalmente
estruturada para a educação» (AGEE).
Segundo Dale, os que propõem a primeira abordagem «defendem
que o desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais e as categorias
curriculares se explicam através de modelos universais de
educação, de estado e de sociedade, mais do que através
de fatores nacionais distintivos» (2004, p. 425). Por sua
vez, Dale «baseia-se em trabalhos recentes sobre economia
política internacional [...] que encaram a mudança
de natureza da economia capitalista mundial como a força
diretora da globalização e procuram estabelecer os
seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo local, sobre
os sistemas educativos» (idem, p. 426).
A argumentação principal de Meyer e seus colaboradores
é de que os estados estariam modelados por uma ideologia
dominante, cada vez teriam menos autonomia, e se submeteriam a normas
e cultura homogeinizadoras. Segundo Dale, as pesquisas do grupo
em foco constatam que a demonstração mais cabal dessa
abordagem encontra-se na área educacional «tanto na
massiva e rápida expansão dos sistemas de educação
nacionais como no inesperado isoformismo global das categorias curriculares
em todo o mundo» (idem, p. 427). E esse isoformismo aconteceria
sem levar em conta as distinções políticas,
econômicas e culturais de cada nação. Para Meyer,
«as estrutruras formais da sociedade, desde a definição
e propriedades do individual até a forma e o conteúdo
de organizações como as escolas, as empresas, os movimentos
sociais e os estados, derivam ou são ajustadas para se adequarem
às regras muito gerais que possuem pelo mundo afora significado
e poder» (Meyer, apud Dale, obra citada, p. 428). Estes autores,
que Dale denomina «institucionalistas mundiais», pensam
as instituições como «instâncias culturais»
fundadas na racionalidade, no progresso, no individualismo e na
justiça. Atuariam «no sentido da racionalização
do mundo social e da expansão das competências e direitos
do indivíduo». Ainda segundo essa abordagem, as políticas
nacionais de educação «são em essência
pouco mais que interpretações de versões ou
guiões que são informados por, e recebem a sua legitimação
de, ideologias, valores e culturas de âmbito mundial».
A maior demonstração dessa tese centra-se na «surpreendente
homogeineidade das categorias curriculares» disseminadas em
todo o mundo (Dale, idem, p. 429).
De acordo com essa perspectiva, a educação de
massas e os currículos da escola de massas estão
estritamente ligados aos modelos emergentes de sociedade e de
educação que se tornam relativamente padronizados
em nível mundial. Estes modelos padronizados criaram efeitos
culturais homogeinizantes que minam o impacto de fatores nacionais
e locais ao determinarem a composição do currículo.
Esta visão implica que as diferenças nacionais relativamente
às prioridades curriculares – por exemplo, a prioridade
dada à matemática ou às ciências –
são relativamente pequenas e acabarão por se diluir
ao longo do tempo (Kamens & Benavot, apud Dale, p. 432).
Em suma, a tese da «cultural educacional mundial comum»,
ao vincular a globalização e os processos educacionais
mediatizados pelos currículos, procura mostrar as ações
das forças supranacionais, as causas determinantes da incorporação
de um modelo ocidental (e pretensamente único) de mundo e
as conseqüentes absorções educacionais e curriculares
advindas dessa modelação. Como se pode imaginar, desde
logo, substanciam essa visão as interferências das
agências financiadoras como o Banco Mundial, o BIRD, o BID,
ou reguladoras como a OMC, ou ainda das agências culturais
como a UNESCO.
3. Possibilidades contra-hegemônicas de uma «agenda
globalmente estruturada da educação»
Uma outra visão da problemática globalização-educação
é construída por Roger Dale (2004). Segundo o próprio
autor, sua tese compartilha pontos importantes com a abordagem antes
exposta, mas apresenta algumas diferenças fundamentais. Ambas
argumentam sobre a influência das forças supranacionais
sobre as políticas educacionais dos Estados-nações,
reconhecendo que «os quadros interpretativos nacionais são
moldados, quer supranacionalmente, quer nacionalmente». As
diferenças fundamentais residiriam nas compreensões
da globalização e da educação e nas
relações entre elas (p. 436). Conforme Dale,
A diferença fundamental entre as duas abordagens reside
na compreensão da natureza do fenômeno global. Para
a CEMC, trata-se de um reflexo da cultura ocidental, baseada cognitivamente
em torno de um conjunto particular de valores que penetram em
todas as regiões da vida moderna. Para a AGEE, a globalização
é um conjunto de dispositivos politico-econômicos
para a organização da economia global, conduzido
pela necessidade de manter o sistema capitalista, mais do que
qualquer outro conjunto de valores. A adesão aos seus princípios
é veiculada através da pressão econômica
e da percepção do interesse nacional próprio
(idem, p. 436).
Na abordagem defendida por Dale, a globalização
seria «um conjunto de relações econômicas,
políticas e culturais caracterizado por um hiper-liberalismo,
por uma governação sem governo e mercadorização
e consumismo» (idem, p. 436). Esse conjunto (no qual se incluem
as políticas educacionais nacionais) e essas características
seriam a base da expansão contínua e da legitimação
do sistema capitalista.
Por outro lado, a «agenda globalmente estruturada da educação»
preocupa-se em ampliar e detalhar a importância da política
educacional e de suas implicações, mesmo reconhecendo-a
como «variável dependente» do processo. Dale
quer saber: «a quem é ensinado o quê, como, por
quem e em que circunstâncias?; como, por quem e através
de que estruturas, instituições e processos são
definidas essas coisas, como é que são governadas,
organizadas e geridas?; quais são as conseqüências
sociais e individuais destas estruturas e processos?» (idem,
p. 439). Diferente da CEMC, na qual o caráter político
da educação está estritamente subordinado ao
econômico, na abordagem de Dale, além do econômico
ser parte de um tripé (em conjunto com a política
e a cultura), a educação não é seu mero
reflexo ou somente sua consequência.
A segunda abordagem também se mostra distinta quanto às
questões curriculares. Já havíamos entendido
que Meyer e seus colaboradores defendem a idéia da padronização
curricular a partir de uma matriz mundial homogeinizadora. Dale
contesta. Além de criticar, por exemplo, a ausência
de análise que contemplam as relações da educação
com a desigualdade social, tanto no âmbito global como nacional,
chama atenção para uma construção teórica
que se limita à sala de aula, como se advogasse pela neutralidade
da prática curricular. Para Dale:
[...] o padrão de governação educacional
permanece em grande parte sob o controle do Estado, contudo novas
e cada vez mais visíveis formas de desresponsabilização
estão a prefigurar-se. A educação permanece
um assunto intensamente político no nível nacional,
e moldado por muito mais do que debates acerca do conteúdo
desejável para a educação. As agendas nacionais
para a educação são formadas mais no nível
do regime do que no nível estrutural; as «políticas
educativas», o processo de determinar o conteúdo
e o processo da educação são poderosamente
moldados e limitadas pelas «políticas educativas»,
pelo processo de determinação das funções
a serem desempenhadas, pela importância do conseqüente
provimento dos seus recursos, pelo sistema educativo como parte
de um quadro nacional regulador mais amplo (idem, pp. 440-441).
E, arremata:
De uma forma muito crítica, neste contexto, todos os
quadros regulatórios nacionais são agora, em maior
ou menor medida, moldados e determinados por forças supranacionais,
assim como por forças político-econômicas
nacionais. E é por estas vias indiretas, através
da influência sobre o Estado e sobre o modo de regulação,
que a globalização tem seus mais óbvios e
importantes efeitos sobre os sistemas educativos nacionais (idem,
p. 441).
Neste caminho é importante enfatizar, ainda com Dale, que
«as variações nacionais continuam fortes, que
a cultura mundial está longe de ser homôgenea e que
a incorporação do modelo pode acontecer num nível
meramente ritual» (idem , p. 443).
Entretanto, apesar das oposições patrocinadas pela
abordagem da «agenda globalmente estruturada da educação»
contra a teorização da «cultura mundial educacional
comum», o próprio Dale reconhece que uma tem propostas
a oferecer à outra, ou seja, podem ser complementares. Esse
autor defende a necessidade, contudo, da demonstração
da existência de conteúdos programáticos comuns
a todos os Estados-nações, isto é, de um currículo
mundial comum. Isso implicaria o avanço de pesquisas empíricas
neste sentido. Mas, a meu ver, a principal diferenciação
entre ambas está na crítica ao caráter cognitivista
e politicamente neutro imbuído nas defesas da teses da CEMC.
Essas diferenças não são tópicas, ao
contrário, revestem-se de grande importância. Tanto
no entendimento das políticas nacionais de adesão
aos modelos hegemônicos internacionais disseminados e/ou impostos,
quanto nas tentativas de reversão desse quadro em busca de
maior autonomia dos Estados-nações e das iniciativas
contra-hegemônicas ao «localismo globalizado»
e ao «globalismo localizado», antes apontadas por Boaventura
de Sousa Santos.
4. Globalização, neoliberalismo e educação:
os exemplos do caso brasileiro
Nosso esforço neste segmento é compreender como
a globalização hegemônica e a sua expressão
capitalista neoliberal atingem e reformam o Estado e a política
educacional, considerando, como exemplo, o caso brasileiro no período
1995-2002.
No discurso de posse do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995)
foi decretada a morte do Estado getulista, conhecido como Estado-do-bem-estar-social
e anunciada a mais profunda reforma do Estado até então
realizada. Mesmo os observadores políticos mais atentos,
acostumados com as distâncias entre o que é proclamado
e o que é realmente implementado, não conseguiram
prever a extensão de tais reformas. Certamente, foram compreendendo
o teor da reforma ao longo do período 1995-2002. Seus traços
principais foram substanciados na minimização do papel
social do Estado, na interpenetração das esferas públicas
e privadas e na privatização crescente da esfera pública,
alicerçadas por um Estado forte internamente e submisso externamente
à mundialização do capital, adepto da globalização
hegemônica e do neoliberalismo. Dourado (2002) consegue caracterizá-lo
com maestria:
O Estado brasileiro, historicamente caracterizado como ente
partidariamente vinculado aos interesses do setor privado, configura-se
por uma enorme dívida social no sentido de alargamento
dos direitos sociais e coletivos, ou seja, da esfera pública.
Desse modo, a inserção do país na lógica
neoliberal, como coadjuvante no processo de globalização
em curso, sintonizado às premissas de liberalização
econômica, desregulação financeira, alterações
substantivas na legislação previdenciária
e trabalhista e, fundamentalmente, na intensificação
dos processos de privatização da esfera pública,
tem sido apresentada pelos setores dirigentes como claro indicador
de modernização do até então Estado
patrimonial. A perspectiva neoliberal é, nesse contexto,
ideologicamente difundida apenas como reformulação
da gestão do desenvolvimento capitalista, na qual a desigualdade
é aceita como norma, e o desemprego como contingência
necessária ao desenvolvimento do capital. As transformações
societais, engendradas pela revolução tecnico-científica,
pelo neoliberalismo, e pela banalização do Estado-nação,
resultam em alterações substantivas nos processos
de (des)sociabilidade capitalista, conforme convergência
utilitarista aos interesses do mercado, por meio do largamento
e da naturalização da exclusão social [...]
(pp. 235-236).
Nas reformas brasileiras em tela, foram determinantes as interferências
do Banco Mundial, em completa convergência com o FMI, nas
políticas públicas e, no caso da educação,
demarcaram uma adesão tecno-economicista como contrapartida
dos seus empréstimos e investimentos condicionados à
adoção, entre outras, de diretrizes como: o «desenvolvimento
de capacidades básicas de aprendizagens necessárias
às exigências do trabalho flexível»; a
«realocação dos recursos para a educação
básica»; a implantação de um sistema
de avaliação de desempenho concorrencial e de eficiência;
a «implementação de programas compensatórios»
de saúde, nutrição, etc. e a «formação
docente em serviço» (idem, pp. 237-238). Como complementos
e corolários dessa lógica seguem o redimensionamento
da educação profissional e a privatização
da educação, especialmente no grau superior, além
do descompromisso com a educação não-formal.
Segundo João dos Reis Silva Jr. (2002):
[...] o Plano Decenal de Educação para Todos é
a expressão brasileira do movimento planetário orquestrado
pela UNESCO, BIRD/Banco Mundial e assumido no Brasil como orientador
das políticas públicas para a educação
que resultaram na reforma educacional brasileira dos anos 90,
realizada em todos os níveis e modalidades, com diretrizes
curriculares, referenciais curriculares, Parâmetros Curriculares
Nacionais para níveis e modalidades de ensino, produzidos
estes de forma competente por especialistas de nossas melhores
universidades e instituições de pesquisa, afinados
com o compromisso assumido pelas autoridades políticas
brasileiras em todas as áreas de ação do
Estado, particularmente para a educação (pp. 205-206).
Corroborando a disseminação da abordagem da «cultura
educacional mundial comum», antes discutida por Dale (2004),
o Plano Decenal citado institui um novo paradigma político
fundado no epistêmico, no cognitivo e no neopragmatismo (Silva
Jr., idem, p. 207), que eleva a aprendizagem como núcleo
central. De acordo com Delors (1996), «a educação
deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada
vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização
cognitiva, pois são as bases das competências do futuro»
(p. 89). Deste prisma, a educação dos excluídos
sociais deve fazê-los compreender e adaptarem-se às
mudanças em processo em todo o mundo. Ademais, esse novo
paradigma pressupõe explicitamente a subordinação
da educação à economia, é lastreado
pelas novas tecnologias da informação e da comunicação
e, pior, naturaliza as desigualdades sociais como fatalidade inevitável.
Uma das expressões máximas dessas reformas tem se
verificado no processo de municipalização do ensino
fundamental, da educação infantil e de jovens e adultos,
nas quais o discurso central é o da descentralização,
enquanto instrumentalização da modernização
gerencial da gestão pública adotada. Trata-se, no
entanto, segundo Janete Lins Azevedo (2002), muito mais de uma prática
desconcentradora na qual o local é considerado uma unidade
adminstrativa de execução das determinações
do poder central que, por sua vez, são submissas aos mecanismos
internacionais e às prescrições das agências
centrais da globalização hegemônica. Neste sentido,
a descentralização que sempre figurou como reinvindicação
de grupos progressistas é inteiramente redefinida, tendo
como características: (a) a descentralização
política (com a transferência de recursos e atribuições);
(b) a descentralização administrativa (por delegação
de autoridade aos «gerentes» educacionais); (c) a definição
de objetivos a serem mensurados e avaliados pelo poder central;
(d) o controle dos resultados e (e) o atendimento do cidadão-cliente.
Assim, deve-se condicionar as gestões escolares e os processos
de ensino-aprendizagem ao modelo gerencial conforme as prescrições
das agências internacionais de cooperação e
financiamento para garantir a qualidade dos serviços e a
relação otimizada entre sua qualidade e seus custos
(Bresser Pereira, Mare, 1995, apud Azevedo, 2002). Conforme a autora:
O processo de municipalização, tal qual o estamos
assistindo, não pode, pois, ser analisado sem que tenhamos
presente o fato de que se baseia numa lógica economicista-instrumental
e que se articula com um movimento mais amplo: o projeto de sociedade
em implementação no Brasil, que se alinha e se subordina
aos reordenamentos do processo de acumulação capitalista,
firmados nas últimas décadas do século XX
(que) implicaram novas formas de definição e de
articulação entre os espaços local, nacional
e global, com profundas repercussões para os padrões
societais, para as políticas sociais e, portanto, para
a educação que vem se reformando em escala planetária
(Azevedo, 2002, p. 55).
Com efeito, nessa lógica destacam-se as práticas
da gestão marcadas, por exemplo, pela adminstração
de projetos e pelos princípios da competitividade. No ensino
médio, as reformas são objetivadas no sentido do «exercício
da cidadania e da organização do trabalho, impostos
pela nova geografia política do planeta, pela globalização
econômica e pela revolução tecnológica»
(MEC/SEMTEC, 2002). Tais objetivos teriam como base o desenvolvimento
das competências e habilidades necessárias à
adaptação e à integração sociais
e ao novo mundo do trabalho. No entanto, os resultados dessas reformas
têm evidenciado um crescente descrédito em relação
às possibilidades de ascensão social e de inserção
no mundo do trabalho por parte dos estudantes e pode-se admitir
que a violência nas escolas de ensino médio constitui
uma das respostas à essa frustração. As camadas
médias e altas da sociedade cada vez mais se afastam da escolarização
pública que fica reservada aos «excluídos do
interior» (Bordieu & Champagne, 1999) do sistema. Assim,
ganha corpo a denúncia de Silva Jr. (2002), segundo a qual
«radicalizando as desigualdades, as políticas públicas
para o ensino médio estão formando o cidadão
do século XXI, como propõe o Relatório de Delors:
o cidadão produtivo: útil, mudo, competitivo e solitário»
(p. 222).
Em outro grau do sistema em reformas, o documento La ensenãnza
superior: las leciones derivadas de la experiencia (1995), do Banco
Mundial, parametriza: (1) a «privatização desse
nível de ensino, sobretudo em países como o Brasil,
que não conseguiram estabelecer políticas de expansão
das oportunidades educacionais»; (2) o «estímulo
à implementação de novas formas de regulação
e gestão das instituições estatais [...] que
permitam a busca de novas fontes de recursos junto à iniciativa
privada»; (3) a «aplicação de recursos
públicos nas instituições privadas»;
(4) a «eliminação de gastos com políticas
compensatórias (moradia, alimentação)»
e (5) a «diversificação do ensino superior,
por meio da incrementação de instituições
não-universitárias» (Dourado, 2002, p. 238).
Para a implementação dessas políticas a Lei
de Diretrizes e Bases da Educção Nacional (1996) estabeleceu
entre os seus princípios contraditórios a descentralização/flexibilização
e o controle exercido pelas avaliações-padrão.
Tal sistema avaliativo implicou: um processo de «economização
da educação»; «mudanças significativas
na gestão universitária, na produção
do trabalho acadêmico e na formação profissional»;
maior «poder de controle do Estado» (Catani, Dourado
e Oliveira, 2002).
Em suma, os autores e as pesquisas citadas, representantes de
parte significativa das análises críticas sobre as
influências da globalização hegemônica
sobre as políticas educacionais brasileiras, especialmente
aquelas relativas ao período 1995-2002, remetem-nos à
preocupante observação da disseminação
dos traços de uma «cultura educacional mundial comum»
(Meyer et al., apud Dale, 2004), mas também nos fazem enxergar
traços da «agenda globalmente estruturada para a educação»
(Dale, 2004). Encontramos, ao mesmo tempo, nos PCNs do ensino fundamental
e médio, as influências curriculares homogeinizadoras
antes referidas, marcadas por um cognitivismo e por um pragmatismo
exacerbados. Por outro lado, as práticas da gestão
escolar cada vez mais pautadas na direção economicista-instrumental
demonstram a crescente subordinação da educação
aos parâmetros econômicos, típicos das agências
multilaterais que influenciam o mundo. No ensino superior, as diretrizes
preconizadas pelo Banco Mundial influenciam o caminho da privatização
do sistema, com o crescimento quantitativo acelarado e uma queda
acentuada da qualidade da formação, agravados por
um financiamento de pesquisas absolutamente insuficiente e pelo
deterioramento das condições de trabalho nas instituições
públicas federais e estaduais. De outro prisma, diversas
entidades procuram se contrapor a essa hegemonia e a essas diretrizes,
demonstrando a vivacidade dos contrapontos nacionais a co-determinar
os rumos do ensino superior. As discussões atuais sobre a
reforma universitária, proposta pelo MEC/Brasil, evidenciam
diversos grupos nacionais pró-ativos em ação,
como a ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes
das Instiuições Federais do Ensino Superior) e o ANDES-SN
(Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior
– Sindicato Nacional). Podemos perceber a interferência
de um «globalismo localizado» (como defendia anteriormente
Boaventura de Sousa Santos, 2002) em contraposição
a grupos e associações que tentam pensar uma agenda
que não descarte a globalização, mas que a
pretende pensada pelas vias nacionais da soberania e da autonomia
politico-pedagógica. O mesmo não parece ocorrer nos
níveis fundamental e médio da nossa escolarização,
talvez, precisamente, pela influência de um Estado centralizador
que não tem encontrado resistências nesses dois níveis
como ocorre, em parte, no ensino superior.
5. Considerações finais: contrapontos freirianos
à globalização hegemônica na educação
Como poderíamos pensar/propor uma educação
contribuinte de uma globalização contra-hegemônica,
utilizando alguns dos principais conceitos da pedagogia crítica
de Paulo Freire? Como a pedagogia freiriana denunciaria a globalização
hegemônica? Como a pedagogia freiriana pensaria uma educação
para a globalização contra-hegemônica, por meio
da complexidade dos seus conceitos e práticas?
Parece-nos que o primeiro passo a considerar é a presença
dessa pedagogia no mundo. Sabemos que a obra de Paulo Freire é
traduzida, utilizada e debatida em vários idiomas e em muitos
países. Em um sentido completamente diverso da globalização
hegemônica do capitalismo, podemos dizer que Freire é
um dos pensadores da educação e da pedagogia mais
«globalizados».
Por que isso ocorre? A meu ver, porque suas categorias de análise,
seus principais conceitos e a força da sua prática
e das práticas educativas que utilizam seu legado em todo
o mundo têm oferecido denúncias, respostas e propostas
convincentes para os principais problemas que as políticas
educacionais enfrentam nos últimos quarenta anos, entre os
quais destacam-se: bilhões de analfabetos absolutos, funcionais,
digitais, políticos; precária escolarização
das camadas sociais subalternas; privilégio da educação
das elites; educação bancária; reprodução
dos processos opressivos em sala de aula; necessidade de reeducação
dos educadores e de oferta de condições de trabalho
adequadas e qualitativamente melhores; importância das ações
dialógicas na educação; impossibilidade de
educação neutra e ênfase da politicidade da
educação; necessidade da conquista da educação
crítica pelas vias/estágios da consciência;
aparato educacional voltado para os interesses, valores e necessidades
das camadas oprimidas; combate aos determinismos práticos
e teóricos; busca da consciência da realidade nacional;
a educação e a cultura como exercícios da liberdade;
os direitos dos oprimidos ao conhecimento; o trabalho como uma das
matrizes do conhecimento político; a esperança e a
ousadia que combatem o fatalismo e o medo; a construção
da pedagogia da autonomia; as construções dos inéditos
viáveis e da utopia da denúncia e do anúncio;
enfim, a educação na história como possibilidade
de mudança.
As grandes questões matriciais são eminentemente
sociais e políticas, como sempre defendeu Freire. A ênfase
dada por ele à denúncia da pseudo-neutralidade educacional
e à necessidade de compreender a inseparabilidade educação/política
(Scocuglia, 2003), bem como suas respectivas especificidades, não
pode ser emudecida ou desprezada, ao contrário.
Em contrapartida, uma vez mais, os agentes da globalização
hegemônica, de forma paradoxal para os seus próprios
interesses do consumo e do lucro, não conseguem alterar a
cultura da exclusão; ao contrário. A disponibilidade
dos meios da tecnologia da informacão, por exemplo, ainda
se dá em círculos mínimos. A Internet continua
a ser acessada como instrumento de qualificação escolar
e de trabalho por uma pequena parcela da sociedade. A velocidade
de propagação do estilo consumista é intrinsecamente
contraditória com os baixíssimos níveis de
escolaridade já que, dentro da lógica perversa do
sistema, os não escolarizados ou desqualificados na escolarização
têm menos renda pessoal e familiar. A própria expansão
do sistema privado de educação superior tem demonstrado,
via de regra, a desqualificação do próprio
sistema.
Podemos pensar que uma das evidências dessa desqualificação
reside na continuidade da «educação bancária»,
pois os depósitos de saber são incompatíveis
com o crescimento intelectual e a consciência crítica,
especialmente dos jovens e dos adultos. Em outras palavras, um sistema
cognitivo que não serve nem para os propósitos de
adaptação aos desígnios da globalização,
quanto mais à reversão deste quadro. Deste prisma,
a criatividade, a consciência crítica, a reflexão...
passam do largo, produzindo realmente o cidadão «mudo,
útil, solitário [...]» antes comentado. Ademais,
nossas salas de aula, em geral, continuam a fabricar apatia, desinteresse
e desigualdade e uma das suas reações tem sido a violência
na escola, ou seja, a opressão combatida/respondida pela
força bruta. Continua válida a observação
da Pedagogia do oprimido (Freire, 1984): «o grande problema
está em como poderão os oprimidos, que hospedam o
opressor em si, participar da elaboração, como seres
duplos, inautênticos, da pedagogia da sua libertação»
(p. 32). E, sabemos todos que parte significativa da opressão
acenta-se, hoje, no binômio globalização econômica
e neoliberalismo comercial.
Como se contrapor a tudo isso? Assim como a pedagogia freiriana
nos ajuda a denunciar estes fatos, ela pode contribuir para as respostas
dessas problemáticas e para as propostas de formulação
contra-hegemônica. Certamente, Freire não tem todas
as respostas. Não podemos acreditar que um só autor
possua as respostas. Na literatura pertinente, cada vez mais, as
teses freirianas são tecidas em conjunto com outras teses,
outras propostas. Alguns pensadores agregaram às idéias
de Freire certas idéias de Gramsci. Outros o fizeram com
Habermas. Outros ainda pensaram-nas com a contribuição
de Amilcar Cabral, de Marx, de Freinet, ou mesmo de Morin. No nosso
caso, até pela brevidade desta comunicação,
não nos resta alternativas a não ser trabalhar as
possíveis respostas e as propostas de Freire. Talvez possamos
pensá-las com as idéias das globalizações
contra-hegemônicas (de-baixo-para-cima) do cosmopolitismo
e do patrimômio comum da humanidade, indicados anteriormanete
por Boaventura de Sousa Santos.
Freire reconhece, desde os seus primeiros escritos das décadas
de 50 e 60, o campo do currículo como área de disputa
ferrenha de interesses políticos em torno dos processos educativos
e, como núcleo central dessas disputas, as questões
relativas ao conhecimento. Sua ênfase política recai
principalmente sobre os direitos dos oprimidos ao conhecimento:
(a) o direito de conhecerem melhor o que já conhecem da «experiência
feita»; (b) o direito de conhecerem o que foi apropriado pelos
opressores e lhes foi negado e (c) o direito de produzirem o seu
próprio conhecimento (inerente aos seus próprios valores,
interesses e necessidades sociais, culturais e políticas).
Todos sabemos da sua forte defesa da educação problematizadora
precisamente porque no seu contexto os oprimidos teriam vez e voz
para discutirem seus problemas e as saídas organizadas para
eles. Por isso mesmo é que a noção política
da ação diálógica é decisiva.
Para Freire, o diálogo deve ser uma arma dos oprimidos para
se organizarem contra seus opressores. Podemos dizer que a educação
e o currículo, ao contrário da unicidade e do determinismo
que a hegemonia tenta impor, são arenas políticas
nas quais os conhecimentos convergentes, divergentes e antagônicos
combatem e, nesse combate, os oprimidos só podem mostrar
sua fortaleza na ação coletiva dialógica de
enfrentamento contra quem os oprime.
Devemos ressaltar, também, a importância da reeducação
dos educadores e o papel igualmente decisivo que têm nessa
disputa. Quanto a isso tem completa pertinência a crítica
de Dale (2004) à teoria da disseminação avassaladora
de uma «cultura educacional mundial comum» quando indagava:
«a quem é ensinado o quê, como, por quem e em
que circuntâncias? Poderíamos, com Freire, completar:
a favor de quê e de quem e, portanto, contra o quê e
contra quem se educa? A favor de quê e de quem e, portanto,
contra o quê e contra quem se constrói o currículo?
Ao contrário do que propaga o determinismo hegemônico,
o conhe¬cimento e o curriculo não são neutros,
nunca. Representam, sempre, uma opção política,
mesmo que esta seja francamente favorável à despolitização
da sua discussão. E, por isso mesmo, continuam fundamentais
as compreensões dos «estágios transitivos da
consciência» mediados pela educação, enquanto
ação cultural da conquista do conhecimento crítico
(Freire, 1984b).
Por isso, uma educação contribuinte para a globalização
contra-hegemônica precisa se nutrir, necessariamente, de uma
pedagogia da esperança e da ousadia para combater a pedagogia
do fatalismo e do medo. Precisa estar apta a garimpar e a escalar
a autonomia para que seus protagonistas persigam a utopia, o inédito
que é viável, enfim, a história como possibilidade
do novo, da mudança.
Neste caminho, defendemos a necessidade de enfatizar a utilização
do legado freiriano como um dos alicerces político-pedagógicos
das globalizações contra-hegemônicas. Afinal,
a ação dialógica, a conquista da consciência
crítica, a problematização, a pedagogia da
autonomia, da ética e da justiça social podem vir
a ser antíteses da educação que hoje ajuda
a sustentar a globalização hegemônica e o neoliberalismo.
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Notas
1 A tradução portuguesa publicada na Revista Educação,
Sociedade & Culturas (Porto, n.º16, 2001, p. 133-169) foi
reproduzida na Revista Educação e Sociedade (Campinas,
vol. 25, n.º 87, 2004, pp. 423-460), considerada a principal
revista brasileira na área educacional. Disponível
em www.cedes.unicamp.br.
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