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 ISSN: 1681-5653

Está en: OEI - Revista Iberoamericana de Educación - Número 45

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 Número 45: Septiembre-Diciembre / Setembro-Dezembro 2007

Políticas tecnológicas para la sociedad del conocimiento /
Políticas tecnológicas para a sociedade do conhecimento

  Índice número 45 

Gestão do pedagógico, trabalho e profissionalidade de professoras e professores

Liliana Soares Ferreira *

SÍNTESE: Neste artigo parte-se de concepções do trabalho e da pro-fissionalidade e propõe-se que, se forem estudados os discursos e as práticas de professoras e professores, poder-se-á entender o cotidiano educacional, entendendo, também, neste universo, os professores e a gestão do pedagógico. Entende-se que o trabalho de professoras e professores é o fazer pedagógico, e ao realizá-lo, acontece a gestão, as opções epistêmico-metodológicas com as quais se produz a aula. Foram realizadas entrevistas com vinte e duas professoras dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Seus discursos foram transcritos, analisados e, com base neles, buscou-se entender a profissionalidade da professora, seu trabalho e a sua escola. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, sob a forma de um estudo de caso, tendo como contribuição teórico-metodológico a Análise do Discurso (de influência francesa) e como destaque a realização de grupos de interlocução, nos quais pesquisadora e interlocutoras refletiram sobre educação, profissionalidade e trabalho no espaço-tempo da escola. Para tanto, foram considerados aspectos relevantes para se atribuir sentido aos discursos: as relações de gênero, os discursos sobre vocação e os elementos tempo e salário. Com base na pesquisa realizada, destaca-se a necessidade de estudar os discursos dos professores, enquanto fenômeno, envidando esforços de compreensão com vistas a um entendimento, uma compreensão dos sentidos, das contradições e das possibilidades e como estas se revelam simbolicamente na prática profissional de professoras e professores. Estes estudos são significativos para que se possa continuar pensando a gestão do pedagógico, tendo os professores como sujeitos de sua práxis.

Palavras chave: gestão; trabalho; profissionalidade; aula.

SÍNTESIS: En este artículo se parte de los conceptos trabajo y profesionalidad y se propone que, si se estudian los discursos y las prácticas de profesores y profesoras, se podrá entender el proceso educativo cotidiano, y comprender también, en este universo, a los profe-sores y la gestión de lo pedagógico. Se entiende que el trabajo de profesoras y profesores es el hacer pedagógico, y al realizarlo, ocurre la gestión, las opciones epistémico-metodológicas con las cuales se produce la clase. Para ello se han realizado entrevistas con veinte dos profesoras de los primeros años de Primaria. Sus discursos han sido transcritos, analizados y, sobre la base de ellos, se buscó entender la profesionalidad de la profesora, su trabajo y su escuela. Se trata de una encuesta cualitativa, bajo la forma de un estudio de caso, que ha tenido como contribución teórico-metodológico el Análisis del Discurso (de influencia francesa) y se ha destacado la realización de grupos de interlocución en los cuales encuestadora y interlocutores reflexionaron sobre la educación, la profesionalidad y el trabajo en el espacio-tiempo de la escuela. Para ello se consideraron aspectos relevantes con el fin de que se atribuyese sentido a los discursos: las relaciones de género, los discursos sobre vocación y los elementos tiempo y salario. Basándose en la encuesta realizada, se destaca la necesidad de que se estudie los discursos de los profesores, como fenómeno, imprimiendo esfuerzos de comprensión con vistas al entendimiento, a la comprensión de los sentidos, de las contradicciones y de las posibilidades y de cómo estas se revelan simbólicamente en la práctica profesional de profesoras y profesores. Estos estudios son significativos para que se pueda continuar reflexionando sobre la gestión de lo pedagógico, considerándose a los profesores como sujetos de su praxis.

Palabras clave: gestión; trabajo; profesionalidad; aula.

ABSTRACT: The concepts of work and professionalism are the starting points of this article. It is proposed that, when teachers' discourses and practices are studied, the everyday learning process can be understood. In this universe, teachers and pedagogical management can be understood. We believe that the job of the teachers is a pedagogical course of action, and when it takes place, both management and epistemic and methodological choices entailed by the class occur. With this purpose, we carried out twenty-two interviews with elementary school female teachers of early grades. Their discourses have been transcribed and analyzed, and from this standpoint, we aimed at understanding teacher's professionalism, her job and her school. This is a qualitative survey, presented as a case study, which has had Discourse Analysis (of French influence) as a theoretical and methodological contribution. We have highlighted the realization of discussion groups in which interlocutors and researchers reflected on education, professionalism and work in the space-time of school. For these purposes, we considered relevant aspects with the aim of giving sense to the discourses: gender relations, discourses on vocation and the elements of time and wages. Based on the before mentioned survey, we would like to highlight the need for further study on professors' discourses as a phenomenon, making an effort to comprehend each other considering mutual understanding, meaning comprehension, contradictions, possibilities and how these will unveil themselves symbolically in the practice of teachers. These studies are important for being able to keep reflecting on the pedagogical management, considering professors as subjects of their own practice.

Key words: management; work; professionalism; classroom.

1. Introducção

Os professores são profissionais cujas condições de produção diferenciam-se das demais práticas produtivas, pois, pela educação, estes seres agem e, ao mesmo tempo, se constituem como trabalhadores, indefinidamente, em um movimento contínuo. Por isto, a proposta deste artigo é refletir sobre as condições de trabalho na educação, buscando compreender um pouco melhor os efeitos de sentidos dos professores revelados em seus discursos, e o contexto em que estes discursos se produzem. Para tanto, parte-se de leituras da obra de Marx (1968) e, com base na história e na filosofia da educação, na sociologia e na reflexão sobre o que se observa nas escolas cotidianamente e, sobretudo, em pesquisa realizada nos anos de 2005 e 2006, na Região Fronteira Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, busca-se apontar possibilidades de compreensão da gestão do pedagógico por professoras e professores. Os trechos dos discursos de professoras, interlocutoras da pesquisa realizada, serão apresentados como mote para os argumentos que se propõe. A referida pesquisa configurou-se em estudo de caso, cujo objetivo foi analisar os discursos de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sobre profissionalidade, trabalho e escola e buscar a compreensão de seus discursos a partir de seu local de trabalho, onde são e agem como professores, tendo a Análise do Discurso (de inspiração francesa) como suporte. Acredita-se que, mediante a reflexão sobre o trabalho que realizam e sobre sua profissionalidade, professoras e professores elaboram seus projetos individuais e, em decorrência, também os projetos coletivos de gestão do pedagógico.

É preciso explicitar, inicialmente, a utilização dada às categorias trabalho e profissionalidade, a fim de delimitar as bases a partir das quais o texto é organizado.

Trabalho é toda ação humana no meio, transformando-o de acordo com as demandas e os anseios. É essencialmente de caráter ativo e visa a alcançar um objetivo. Portanto, trata-se de uma atividade na qual o indivíduo investe energia, tempo e conhecimento, produzindo um resultado. Da mesma forma, é pelo trabalho que se compreende a história da humanidade, pois cada ser humano e cada formação societária constroem sua historicidade, na medida em que produz, através do trabalho. Marx (1968), relendo a relação entre capitalistas e assalariados, revendo diversas etapas da história da humanidade, mostrou que as formações societárias e os discursos são permeados por uma ideologia que sustenta a dominação de uma classe social sobre outras, tendo como fundo as relações de trabalho. Dada a importância de seus escritos para a compreensão das relações econômicas e sociais, é preciso considerar, inicialmente, o conceito de trabalho que apresenta em sua obra O Capital:

[...] trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza […]. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana (Marx, 1968, p. 202).

Sabe-se que os escritos de Marx, embora tenham motivado discursos que acusam seu fim, sua derrocada, sua superação, mantêm-se, ainda determinantes em diversos âmbitos sociais e por alguns críticos são considerados como uma possibilidade de compreensão da vida social humana, mesmo após tantas críticas. Na verdade, segundo Bensaid: "Enquanto o capital continuar dominando as relações sociais, a teoria de Marx permanecerá atual, e sua novidade sempre recomeçada constituirá o reverso e a negação do fetichismo mercantil universal" (1999, p. 12). No entanto, o capitalismo, se considerarmos os ideais sociais que movem a humanidade, está longe de chegar a ser "um capitalismo humano, "social" e verdadeiramente democrático e igualitário" (Wood, 2003, p. 250). Por isto, Wood afirma que é mais fácil viabilizar o socialismo, sobretudo no que tange ao planejamento, pois é utópico acreditar que se possa humanizar o capitalismo (2003, p. 250).

Nesta perspectiva social, assim configurada, entende-se que o trabalho dos professores é a sua própria produção do conhecimento e a dos estudantes, continuamente, até mesmo na aula, prática social que lhe é atribuída. Esta produção, que só acontece na interação mediada pela linguagem, é, portanto, subjetiva (porque só acontece quando demandada pelos sujeitos do processo de aprender) e subjetivante (porque acaba por constituir quem aprende, imprimindo-lhe um modo de pensar, de ler o mundo e de interagir).

Com base nestes pressupostos, para entender o trabalho docente, parte-se da premissa de que os professores, constituídos por sua historicidade, pelos processos de educação para a profissão, pelo desejo e pela relação que estabelecem com o conhecimento, são sujeitos da ação pedagógica. Neste sentido, entende-se a individuação não como um esgotamento em si mesmo, mas como um estágio de percepção do ser e de sua dependência-relação com o meio. Agir neste meio, considerando suas potencialidades e suas características, já é atitude do sujeito, um indivíduo que assume o seu lugar enquanto ser, dentro do seu meio e age. Daí porque, na individuaçao, o processo de se constituir em sujeito e a autonomia estão muito próximos: estar no mundo em relação com os outros, com o Outro, implica estar ciente de ser-em-si-mesmo, ser indivíduo, um indivíduo social, mas singular ou singularizado a partir de seus processos historicamente constituídos. Por isto, o tornar-se sujeito implica necessariamente individualizar-se, tornar-se autônomo inicialmente.

Neste processo de refletir sobre si-mesmo e, assim, tornar-se autônomo, vai definido o seu "ser professora, ser professor", não como uma identidade apenas, mas como processo de diferenciação em relação a outros sujeitos, na medida em que delimita um lugar, uma diferença. Garantir este processo de diferenciação significa ter consciência dele e refletir continuamente de modo a entender as forças que o sustentam e, assim, agir. Ser sujeito, para os professores, é um vir-a-ser contínuo, pois, tanto em suas crenças, quanto em sua prática, estão em relação ao social, num constante devir, por ser subjetivo e participante de formações sociais. Há, no entanto, nestas formações sociais determinadas crenças traduzidas em modelos de comportamentos esperados. Espera-se dos professores que conheçam, que saibam agir, saibam "ensinar". Esta é a sua identidade. Esta identidade revela-se e consubstancia-se no que denomino gestão do pedagógico. Sabe-se que, no âmbito da escola, há processos de gestão do pedagógico, incluindo a elaboração do Projeto Pedagógico institucional. Refiro-me, entretanto, a um outro nível de gestão do pedagógico, que considero basilar para este da escola: a elaboração e produção da aula, por parte da professora, do professor. Esta gestão, produzida e significada no coletivo, é realizada individualmente, tendo os professores, sua profissionalidade como referências.

Relacionando estes argumentos aos discursos, destaco que a Professora 09 (uma das interlocutoras da pesquisa realizada) ressaltou que cabe aos profissionais liderar, decidindo, propondo e garantido as condições da práxis pedagógica que, para ela, é ensinar. Ensinar de modo a valorizar o estudante. Deste modo, acabou por caracterizar o que estou denominando gestão do pedagógico. Esta perspectiva apresenta nuances diferentes da apresentada pela Professora 01, pois, quando lhe perguntei qual era o trabalho de uma professora, afirmou: "É de sempre tentar interagir com o aluno e tentar buscar junto". Diferente também da Professora 19, que considera que seu trabalho é garantir o bem-estar dos estudantes, enquanto aprendem:

Trabalho de um professor [...] (4 seg) o que faz um professor [...] eu acho que um professor precisa principalmente fazer o aluno se sentir feliz, precisa se sentir seguro. A criança precisa estar segura no ambiente que está. A gente precisa passar essa segurança pra ele, pra que ele consiga aprender, pra que ele se sinta bem no ambiente que ele está porque não só [...] não só o professor precisa estar bem pra desempenhar o papel, o aluno também precisa estar bem pra ele conseguir aprender, eu acho que este é o nosso papel de transmitir essa segurança para ele, e deixar ele, quanto mais tranqüilo e mais feliz possível, para que o aprendizado seja cada vez melhor (Professora 19).

Todos os discursos destacam um lugar social para o trabalho dos professores, porém são lugares diferenciados. Entendo que, em compatibilidade com a concepção de que os professores são profissionais da educação, este lugar social é o de gestor do pedagógico, da produção da aula, o que implica em prática da linguagem. No entanto, a argumentação de que a educação implica interação entre sujeitos: sujeito-estudante e sujeitos professores, através da linguagem, é bastante rara nos discursos das entrevistadas. De modo geral, atêm-se à perspectiva tradicional de educação, defendendo que os professores ensinam e o estudante aprende, ressaltando que os professores transmitem conhecimento. Não que esta perspectiva esteja em desuso, ou seja, rechaçada. Ao contrário, percebe-se presente nas escolas e utilizada, mesmo sem uma reflexão sobre seus supostos.

Aos professores, uma vez sujeitos, cabe entender a demanda por mais conhecimentos profissionais, entendê-la e agir em acordo com crenças e valores elaborados no coletivo, mas determinantes da sua individualidade, sem se fixar em modelos pré-determinados, ao contrário, refletindo sobre eles. Neste processo, vai produzindo sua própria subjetividade como um viajante, transitando por lugares e elaborando em si marcas transitórias, modificáveis sempre que a reflexão assim o permitir. A propósito, reflexão é categoria bastante utilizada nos meios educacionais. Seu sentido aqui se refere a ser capaz de centrar-se, pensar sobre si mesmo e sobre o mundo, tanto de forma a entender suas evidências quanto suas intencionalidades e simbologias. Para tanto, faz-se necessário não só conhecimento, mas produzir modificações a partir do conhecido. Há muito se sabe que refletir e não produzir mudanças esvazia-se, não garante continuidade ao processo de produzir sentidos de vida. Da mesma forma, a modificação consiste em intervenção no social, ou seja, consiste em possibilitar que as sustentações das reflexões possam se tornar cada vez mais conhecidas e, assim, referenciadores, marcos delimitadores da subjetividade.

O destaque ao comprometer-se com a práxis pedagógica diária encontrei-o no discurso da Professora 13, ao referir-se ao trabalho na escola:

O trabalho do professor é organizar as dúvidas dessas crianças de séries iniciais [...] eu me refiro [...] organizar as dúvidas, fazer com que eles sistematizem o conhecimento, diferentes saberes, e propiciar uma [...] uma segurança, uma autonomia maior de vir a ser um sujeito, que [...] um sujeito crítico que perceba que ele pode, que ele faz a diferença, na sociedade que ele vive, né? Que não vislumbre só o individualismo , o eu, ´eu preciso, é meu, eu quero´, né? A vida é muito mais do que o meu umbigo, né? Isso é muito bonito. Eu acho que no momento que a gente começa a clarear isso na cabeça das crianças, a desmistificar um pouco esse individualismo que tem na sociedade, eles terão futuro melhor também, porque, na verdade, eu vejo que, que [...] que eu vivo em uma época de conflito, né? Há muitas mudanças e a geração que vai vir, de repente, eles já vão estar mais equilibrados, né? (Professora 13).

Atenta ao real, a professora sabe que existe um distanciamento entre o utópico e o cotidiano, porém não se omite: "[...] eu vivo em uma época de conflito, né?" (Professora 13) Ela observa o seu entorno, entende ser um momento em crise de valores, contudo, acredita em si e em seu trabalho: "[...] a desmistificar um pouco esse individualismo que tem na sociedade, eles terão futuro melhor também [...]" (Professora 13). Neste sentido, a Professora sustenta uma proposta factível, se considerado o sentido atribuído ao contexto. Lúcida, sem ser pessimista, coerente com sua leitura, ela deseja contribuir na alteração de um real a lhe preocupar. Ao ler e reler seu discurso, é possível lembrar as palavras de Paulo Freire, na oportunidade que, exilado, registrou sua experiência com os círculos de alfabetização: "É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, está com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é" (1994, p. 47).

Creio ser esta uma ação mais conseqüente. Entretanto, não foi a essência do discurso da maior parte das entrevistadas. Ao contrário, parece ser difícil explicitar o agir pedagógico, atribuindo-lhe um sentido e, do mesmo modo, revelando suas posições discursivas o que, em última análise, é se comprometer pela palavra ou, pelo menos, saber que sua palavra não explicita o seu fazer. Deste modo, as entrevistadas, em maioria, descrevem o fazer pedagógico como algo no qual é apenas colaboradora e, como tal, não necessita ser profissional, apenas agir de modo a dar conta do lugar: "Tudo, tudo, o trabalho do professor é orientar, assim [...] orientar não como um conselheiro, orientar [...] orientar para os saberes, orientar como compreender o conteúdo" (Professora 10). Sabe-se que quem orienta, não necessita participar, elaborar, mediar a ação pedagógica. Além disto, o lugar de quem orienta é dado pelo instituído, age em nome da lei, não a representa. É um não-agir, uma não-profissionalidade, embora afirme como o sendo. A mesma abordagem é encontrada no discurso da Professora 12, ao ser indagada sobre qual é o seu trabalho na escola: "(Silêncio) É, é ensinar, seria ensinar, né? Passa disso, né? Tem horas que o professor tem que ser mãe, tem que ser [...] (risos), tem que ser de tudo, não só [...] psicólogo. Não é [...] eu acho que é tudo" (Professora 12).

Todas estas expectativas emanadas do social, somadas às expectativas dos sujeitos-professores, seu ambiente cultural, a literatura a seu respeito compõem um conjunto de sentidos que delimita seu vir-a-ser e revelam-se no cotidiano escolar sem que haja uma reflexão, muitas vezes, sobre sua amplitude e influência no agir docente.

2. A escola e a profissionalidade dos professores

Uma referência ao trabalho do professor precisa considerar, inicialmente, a existência de duas abordagens: a profissionalização e a profissionalidade. A profissionalização refere-se aos processos de educação no âmbito das licenciaturas e da educação continuada, das competências e das habilidades profissionais, do salário e da carreira. A profissionalidade diz respeito ao exercício competente, responsável da profissão e ao compromisso político e ético com o trabalho. Optou-se por profissionalidade por denotar este vir-a-ser, este renovar-se na interação entre os sujeitos, nos processos de educação continuada, na prática pedagógica diária, como se pretende explicitar a seguir.

O espaço-tempo de trabalho dos professores é a escola (nas suas mais diversas manifestações, desde o modelo escolar tradicional, até as escolas itinerantes, os cursinhos, a educação a distância). Enquanto a es-cola, até a Idade Moderna, era, normalmente, também a casa ou a igreja, não se dissociava o trabalho daquele que ensina do trabalho daquele que, por exemplo, prega, cuida, acompanha, é pajem. No entanto, com a diferenciação entre as instituições, causada pela Revolução Industrial, a partir da qual, fábrica, escola, igreja, moradia tornam-se específicos lugares para práticas sociais também específicas, o trabalho escolar passa a apresentar características diferenciadas, que o distinguem das práticas educativas familiares ou clericais. Da mesma forma, os professores, que eram o preceptor, ou o pastor, ou até mesmo alguém da família, passam a ter outra aparência: contratados para acompanhar e educar estudantes enquanto os demais integrantes da família estão na fábrica, trabalhando. Passam, então, da condição de mestre (trabalhador individual, contratado por uma família) para a condição de professores coletivos (contratados por uma escola, por uma comunidade), perdendo, com isso, o controle, a coordenação de seu trabalho: agora, assalariados, são executores de uma proposta da escola (Ferreira, 2001, 2006).

Por isso, a categoria trabalho é determinante na análise de quem são os professores nesta sociedade e seu lugar como profissionais. Para tanto, precisa-se ter em mente que a mera preocupação com a freqüência a cursos, simpósios, oficinas, congressos etc não garante a profissionalização dos professores. Licenciar-se não quer dizer constituir-se profissional da educação. Tornar-se profissional inclui mais que apenas competências, inclui a integração em um grupo de trabalhadores cuja característica comum é o objeto de trabalho: o conhecimento. É estar integrado em um sistema organizado do qual participam outros trabalhadores da educação, que buscam refletir e agir em prol de sua própria condição de trabalhador. Implica, sobretudo, a reflexão-ação que se procede sobre e a partir do trabalho pedagógico. Em suma: os professores são trabalhadores que agem em situações interativas, nas quais fazem uso de suas racionalidades, tanto instrumentais quanto comunicativas, a fim de produzir saberes, em conjunto com outros sujeitos. Por isto, é um sujeito da produção de conhecimentos, caracteristicamente dotado de reflexão.

Na área educacional, jamais se teve tanta necessidade de redefinir as perspectivas pedagógicas com o intuito de acompanhar um tempo de sucessivas alternâncias conceituais. Na verdade, objetiva-se uma possibilidade de se pensar e de encaminhar a educação, tendo em vista que se volta para o cerne da prática pedagógica: a prática da linguagem por sujeitos constituídos. É claro que o conceito de educação que está pressuposto aqui é de ser uma ação interativa entre sujeitos. Educação implica sempre interação: pela linguagem os sujeitos se entendem e, juntos, entendem o mundo.

Em suma, a escola referida aqui está pensada a partir de parâmetros que superam a mera reprodução da divisão do trabalho, aquele lugar onde práxis e conhecimento são dissociados, onde o gerenciamento é similar ao da fábrica, reproduzindo também a necessidade que a fábrica tinha de disciplinar para garantir a continuidade do processo produtivo.

Pensa-se em uma escola gerada por seus aspectos instituintes, gestada democraticamente, com participação de todos os envolvidos na prática educativa. Um espaço no qual os professores tenham oportunidade de restabelecer suas capacidades, agindo de forma a planejar e mediar a produção do conhecimento sem estarem alijados ou mesmo inibidos com relação a suas capacidades lingüísticas. Enfim, um espaço onde se pratique uma pedagogia emancipatória, capaz de permitir que os sujeitos se tornem, efetivamente, críticos capazes de apontar alternativas para suas demandas. Para tanto, parece que um dos caminhos é redimensionar o trabalho dos profissionais da educação. Tradicionalmente, os professores são apresentados, na literatura pedagógica, como profissionais que, desde o advento do tipo de Gutemberg e a conseqüente popularização do livro, não produzem o saber que divulgam. Vale dizer: com o advento do livro, os professores tornaram-se reprodutores dos saberes produzidos por outros. Recuperar a condição de produtor do saber com o qual trabalha, ou seja, recuperar a condição de mestre, através da pesquisa, é fundamental para se redimensionar os professores, devolvendo-lhe o lugar de sujeito da ação educativa, redimensionando o trabalho pedagógico e a escola. Nas palavras de Marques é a reconstrução das condições de profissionalidade dos professores, que busca um "entendimento teórico e compartilhado, de novas competências e de posicionamentos sociais, éticos e políticos em outros níveis de coerência e de facticidade" (Marques, 1992, p.37).

Há vários caminhos a serem trilhados. Por exemplo, reconquistar a crença no trabalho dos educadores e redimensionar a atuação da escola para se assegurar a todos o direito à educação é um dos grandes desafios que precisa ser enfrentado para que se possa olhar para o futuro diferentemente.

Uma das perspectivas é, dentro da escola, considerar a pesquisa como pressuposto pedagógico, uma opção pautada pela liberdade de escolha e pela crença em uma ação educativa alicerçada na atividade conjunta dos sujeitos envolvidos. Da mesma forma, esta opção exige o abandono das velhas crenças orientadoras da caracterização dos professores como detentores de um saber e do estudante como aquele que não sabe e precisa saber. Por isto, esta opção pela pesquisa não é simples, pois implica em quebrar-se antigas e enraizadas formas de agir e, sobretudo, de pensar, em educação.

3. Constatações Provisórias

As entrevistas foram reveladores de sentidos de profissionalidade e trabalho em educação pautadas em certa ingenuidade. A professora, integrante do grupo de interlocução e representante de um grupo maior, o das professoras de anos iniciais, ainda se justifica a partir de ar-gumentos que denotam crença em vocação, em doação, em vez de evidenciar sua profissionalidade. Parece sentir certo desconforto quando necessita caracterizar-se como profissional, preferindo mostrar-se como uma contribuinte social, alguém cuja missão é auxiliar na promoção de vida melhor para os estudantes.

Desvelar estes sentidos, refletir sobre tais configurações é necessário e urgente, a fim de garantir à professora o seu reencontro com uma profissionalidade ora mitificada. Sem este reencontro fica difícil pensar em projeto de gestão pedagógico nem individual, nem institucional. Os sentidos embasam quaisquer propostas; sem eles, o profissional repete-se, parecendo gravitar no vazio de sua profissionalidade.

Bibliografia

BENSAID, Daniel (1999): Marx, o intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

FERREIRA, Liliana S. (2001): Educação e História. 3.ª ed. Ijuí: Editora Unijuí.

- (2006) Profissionalidade, trabalho e educação no discurso de professoras dos anos iniciais do ensino fundamental. Tese de Doutorado, UFRGS.

FREIRE, Paulo (1994): Educação como prática da liberdade. 22.ª reimpressão. São Paulo: Paz e Terra.

MARQUES, Mario Osorio (1992): A formação do profissional da educação. Ijuí: Editora Unijuí.

MARX, Karl (1968): O capital. O processo de produção capitalista, vol. 1, tomo 1. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira.

MEIKSINS WOOD, Ellen (2003): Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial.


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