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 ISSN: 1681-5653

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 Número 43: Enero-Abril / Janeiro-Abril 2007

Enseñanza de la Matemática / Ensino da matemática

  Índice número 43 

Currículo e fenomenologia:
Limites e possibilidades no ensino experimental da física

Cleci Teresinha Werner da Rosa *
Carmes Ana da Rosa Batistella **

SÍNTESE: O texto apresentado a continuação tem por objetivo promover uma reflexão sobre as questões vinculadas ao currículo, de modo a enfatizar seus limites e suas possibilidades em uma abordagem fenomenológica como forma de identificar e valorizar, no processo educacional, a experiência vivida, o "mundo da vida" de cada estudante. Como exemplo da importância dos elementos presentes na fenomenologia para a qualificação do processo ensino-aprendizagem, será discutido o ensino da física em laboratório didático, enfatizando esses elementos como viés para tornar o ensino desta ciência mais significativo e, assim, contribuir para a formação de indivíduos mais críticos e atuantes na sociedade em que estão inseridos.

SÍNTESIS: El texto presentado a continuación tiene como objetivo promover una reflexión sobre las cuestiones vinculadas al currículo, enfatizando sus límites y sus posibilidades en un abordaje fenomenológico como forma de identificar y valorar, en el proceso educacional, la experiencia vivida, el "mundo de la vida" de cada estudiante. Como ejemplo de la importancia de los elementos presentes en la fenomenología para la calificación del proceso enseñanza-aprendizaje, se discutirá la enseñanza de la física en un laboratorio didáctico, resaltando estos elementos como puntos básicos para convertir la enseñanza de esta ciencia en más significativa y, de este modo, contribuir a la formación de individuos más críticos y participativos en la sociedad en la que están insertos.

ABSTRACT: The following text has the aim of promoting a reflection on those issues linked to the curriculum, highlighting their boundaries and possibilities in a phenomenological approach, as a way to identify and appreciate, in the educational process, the experience, the lifeworld, of each student. As an example of the importance of elements present in phenomenology for evaluating the learning-teaching process, we will discuss teaching physics in a didactic laboratory, highlighting these items as basic points for making the teaching physics a more meaningful experience and, in this way, contributing to the training of individuals that can express a reasoned opinion, and are more involved in their society

1. Introdução

O objetivo do presente texto é proporcionar uma reflexão perante questões relacionadas ao currículo, destacando a possibilidade de uma abordagem fenomenológica como forma de identificar e valorizar, no processo educacional, a experiência vivida, o "mundo da vida" de cada estudante.

Neste sentido, é resgatado o conceito de currículo, desde sua etimologia até as teorias que o têm influenciado ao longo dos anos, mostrando que ele é o resultado de ideologias que envolvem aspectos filosóficos, políticos, históricos, religiosos e morais. Na seqüência, é abordado o significado e a importância de um currículo fenomenológico, destacando seus principais elementos, como a consciência subjetiva, a consciência como atribuidora de significados e a estrutura da consciência. Como exemplo da importância desses elementos para a qualificação do processo ensino-aprendizagem, mencionamos o ensino da física em laboratório didático, evidenciando tais elementos como viés para tornar o ensino desta ciência mais significativo e, assim, contribuir para a formação de indivíduos mais críticos e atuantes na sociedade em que estão inseridos.

Perante as mudanças que ocorrem na educação nacional neste início de século XXI, acreditamos que discutir questões relacionadas ao currículo passa a ser tão urgente quanto necessária para todos os que atuam na Educação. Entretanto, o que temos percebido é que há poucas discussões e debates em torno dessa questão, principalmente em termos da compreensão do currículo como espaço de crescimento e de sociabilização dos indivíduos. É exatamente neste ponto que pretendemos contribuir, trazendo à tona a temática para alimentar uma profícua discussão nos meios educacionais.

2. Currículo: da gênese às teorias

A etimologia da palavra currículo nos remete a um emaranhado semântico que apresenta uma pluralidade de significados. Em latim, por exemplo, pode ser entendido como proveniente de currere que significa correr, decorrendo as derivações substantivas do próprio latim como cursus, que significa carreira, ou mesmo, curriculum no sentido de caminho.

O Dicionário Houaiss (2001) da língua portuguesa define currículo em dois verbetes: o primeiro, remetendo ao "ato de correr, corrida, curso [...] programação total ou parcial de um curso ou de matéria a ser examinada"; no segundo, como "documento em que se reúnem dados relativos a características pessoais, formação, experiência profissional". Na Enciclopédia Mirador Internacional (1982), a palavra currículo é empregada no sentido pedagógico, sendo escrita como "[...] conjunto estruturado de disciplinas e atividades, organizado com o objetivo de possibilitar que seja alcançada certa meta, proposta e fixada em função de um planejamento educativo".

Desta forma, considerando a análise destes diferentes significados aplicados à palavra currículo, cabe identificar que neste texto que ora nos ocupa o limite será posto no sentido educacional. Ou seja, a questão emergente nesta reflexão será tangenciada pelos elementos que circundam os currículos perante os processos educativos. Entretanto, a situação que perpassa a definição, na sua gênese, da palavra currículo, não se apresenta menos conturbada perante esta limitação, pois a literatura específica discute os significados deste termo. Coll (in Carvalho e Vannucchi, 1995), define currículo como um documento que se situa entre a declaração de princípios gerais e sua tradução operacional, entre a teoria educativa e a prática pedagógica, entre o planejamento e a ação e entre o que se prescreve e o que sucede realmente em sala de aula.

Veiga-Neto (in Costa, 2003), por exemplo, propõe um esclarecimento muito pertinente ao significado da palavra currículo, utilizando a expressão - Curricologia - que no seu entender "soa mal, pelo menos por enquanto". Para o autor, o campo currículo ainda não recebeu uma denominação suficientemente denotativa e que possa ser amplamente aceita pela comunidade de especialistas. A expressão curricologia, para ele, tende a imbricar a expressão "teoria do currículo", como forma de designar, hoje, um amplo campo de conhecimentos como a sociologia, a história, a pedagogia, a economia, a epistemologia, a lingüística, com suas escolas e tendências, como forma de descrever, analisar e, às vezes, intervir sobre aquilo que é tomado como conteúdo e prática de uma cultura e trazido, explícita ou implicitamente, para ser ensinado na escola e que vem sendo designado, nos últimos quatrocentos anos como "currículo" (2003, p. 94).

A expressão "teoria do currículo" também é utilizada e defendida por Silva (2004), que afirma a importância dessa associação entre currículo e teoria: "A teoria é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que - cronologicamente, ontologicamente - a precede [...] o currículo seria um objeto que precederia à teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo" (p. 11). O autor afirma que esta associação entre currículo e a teoria que o possibilita, vincula-se mais a uma abordagem histórica de seu significado do que à sua compreensão ontológica. Ou seja, estaria se buscando um entendimento mais próximo aos diferentes momentos no qual o currículo passou a ser concebido em detrimento do verdadeiro "ser" deste currículo.

A importância na compreensão das teorias do currículo como forma de refletir os próprios currículos no sistema educativo situa-se no fato de que todo currículo, assim como seus elementos, constituem um conjunto articulado e normatizado de saberes, regidos por uma determinada ordem, estabelecida em uma arena em que estão em luta visões de mundo e onde se produzem, elegem e transmitem representações, narrativas, significados sobre as coisas e os seres do mundo (Costa, 2003, p. 41). Assim, subtende-se que um currículo pode ser concebido a partir de uma pluralidade de pressupostos de cunho filosófico, epistemológico, sociológico, ideológico, etc. que fundamentam as concepções dos grupos que se alternam no poder. Silva (2004) aponta para o fato de que "A definição de currículo não nos revela o que é, essencialmente, o currículo: uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo é" (2004, p. 14). Desta forma, refletir sobre currículos pressupõe um olhar sobre as teorias do currículo e suas diferentes vertentes na história da humanidade.

Neste processo histórico, Silva (2004) destaca três concepções acerca das teorias curriculares, identificando elementos diferentes no processo de organização e planejamento curricular. A primeira concepção destacada pelo autor está relacionada às teorias tradicionais, decorrentes de uma visão mais racional do conhecimento, na qual este assume a postura de verdade inquestionável. Estas teorias vêm a se preocupar com questões mais técnicas, apontando para estudos relacionados ao "como ensinar", não envolvendo "o que ensinar", já que isto, para os tradicionalistas, parece ser ponto pacífico e não merecedor de discussões. Questões mais de cunho metodológico, didático, são analisadas e definem a organização curricular do ensino. Há uma forte presença nos currículos da definição dos objetivos que a escola procura atingir e de como estes objetivos estão sendo atingidos. Sem exageros, percebe-se a tendência a associar a escola a uma indústria, na qual o currículo assume o papel de produto.

As teorias críticas, por sua vez, iniciam um questionamento sobre as desigualdades e injustiças provocadas pela presença das teorias tradicionais no sistema de ensino, já que as ditas tradicionais não questionam o conhecimento em si, apenas valorizam o mecanismo de eficácia da reprodução desse conhecimento. Iniciam-se discussões sobre a relação entre a escola e a economia, permitindo uma reflexão em questões como "por que ensinar?", ou "ensinar para quê?". Revelam-se questões como: quais são os interesses subjacentes ao conhecimento selecionado para constituir os programas de ensino e como os currículos poderão ser construídos de forma a possibilitar a formação de sujeitos emancipados. Assim, Silva (2004) chama a atenção para o fato de que as teorias críticas do currículo deslocam a ênfase dos conceitos pedagógicos do processo ensino-aprendizagem para conceitos mais ideológicos, possibilitando ver a educação sob uma nova perspectiva.

Por fim, já no limiar do século XXI surgem as teorias pós-críticas que direcionam suas bases para um currículo no qual se vincula conhecimento, identidade e poder com temas como gênero, raça, etnia, sexualidade, subjetividade, multiculturalismo, entre outros. Entretanto, muito pouco se avançou neste sentido, já que esta concepção curricular é muito recente e ainda permanece presa ao mundo acadêmico das pesquisas, não avançando de modo concreto no ambiente escolar. Centros de estudos em universidades conceituadas no mundo vêm delineando estudos que ao poucos vão abrindo espaços para o pós-estruturalismo de autores como Foucault e Derridá, que, em princípio, questionam a própria existência de uma teoria do currículo, pois rejeitam qualquer tipo de sistematização. Porém, sua introspecção nos currículos se dá basicamente na indeterminação e na incerteza do conhecimento. O significado dos conceitos ou do próprio conhecimento não pode ser entendido como pré-existente, mas como decorrente da cultura e, sendo assim, socialmente transmitido. Silva (2004) destaca que: "Um determinado significado é o que é não porque ele corresponde a um "objeto" que exista fora do campo da significação, mas porque ele foi socialmente assim definido" (2004, p. 123).

Esta retomada da origem da palavra e do conceito de currículo, resgatando as teorias que subsidiam a sua elaboração e estruturação, descrita nos parágrafos anteriores, possibilitará um olhar sobre a realidade do sistema educacional vigente, de modo a elucidar que os currículos, na verdade, são resultados de deslocamentos de ênfases, nos quais a educação, o sistema de ensino, revela-se apenas como um mecanismo de ideologias, estejam elas implícitas ou explicitas.

3. Fenomenologia e currículo fenomenológico

Antes de discutir um currículo da perspectiva fenomenológica, é necessário retomar o que se entende por fenomenologia. Para tanto, e de forma diferenciada do que fizemos com a palavra currículo, adotaremos um referencial único para fundamentar nossa busca. Martins (1992) esclarece de forma concisa o que se entende por fenomenologia, cuja denominação é dada a um movimento no século XX, cujo objetivo precípuo é a investigação direta e a descrição de fenômenos que são experienciados pela consciência, sem teorias sobre sua explicação causal e tão livre, quanto possível, de pressupostos e de preconceitos (p. 50). Para o autor, a fenomenologia é o estudo das essências, tendo como ponto fundamental a descrição e não a explicação ou análise de um fenômeno.

Edmund Husserl mostra que a fenomenologia se preocupa com a descrição como forma de ir ao cerne das coisas, diferentemente das Ciências Naturais que partem do pressuposto de que o mundo aí está para ser explicado e analisado, pelo menos essa era a visão que se tinha no início do século XX. Husserl aponta para a questão de que não podemos ser o resultado de causalidades múltiplas que determinam nosso corpo, nosso psiquismo, não somos parte do mundo, como simples objetos. Mas sim que tudo o que sabemos do mundo resulta da nossa visão que é pessoal, assim como a experiência de mundo de cada indivíduo, sem a qual os símbolos não querem dizer nada.

Um currículo fenomenológico, por sua vez, se identifica com uma concepção próxima à de uma teoria crítica do currículo, porém mais voltada para questões de ordem social. Na perspectiva das teorias do currículo abordadas anteriormente, Silva (2004) define as teorias tradicionais como teorias de aceitação, ajuste e adaptação, e as teorias críticas como centradas na desconfiança, no questionamento e na transformação radical. Afirma o autor: "Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como elaborar o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz" (p. 30).

Neste sentido, emerge o objeto de discussão deste texto: o currículo na abordagem fenomenológica, cujo enfoque desloca-se do eixo de educação, enquanto mecanismo voltado para a reprodução do conhecimento, para atingir a dimensão de educação enquanto espaço de formação e de relações entre o mundo e os sujeitos. Como destaca Martins (1992, p. 46):

Ao se pensar currículo como algo a ser planejado, é preciso ter em vista que a educação é o resultado de se estar no mundo com os outros e com as entidades, e nesta situação não há possibilidade de realizar-se um planejamento para aqui e agora. O próprio cotidiano de sala de aula não se restringe àquilo que o professor ensina ou pensa. Há na sala de aula, juntamente com o ensino do professor, operando no crescimento total dos alunos que aí estão, o mundo ao redor.

Desta forma, um currículo apoiado na fenomenologia deverá pôr entre parênteses questões como aprendizagem, objetivos, medição e avaliação, pois nada tem a ver com os significados de "mundo de vida", através dos quais as pessoas constroem e percebem sua experiência, possibilitando assim, chegar à essência da educação e do currículo (Silva, 2004). Ou seja, não é possível conceber um currículo fenomenológico a partir de uma teoria tradicional, pois o foco principal da fenomenologia volta-se para olhar os fenômenos, o conhecimento, na perspectiva do "estar no mundo", no qual tudo que vejo, refere-se à minha experiência de vida. Assim, há um choque com as teorias tradicionais que primam pelo conhecimento como algo indiscutível, visto e entendido do mesmo modo, sem possibilidade de percebê-lo como um mundo de significados atribuídos pelo homem através de sua relação com este próprio mundo.

Uma abordagem fenomenológica em um currículo requer propostas nas quais não sejam elencados fatos, conceitos estanques, mas sim possibilidades, nas quais se oportunize uma metodologia dialética que perpasse discussões e trocas de idéias entre professor e aluno na busca por atribuir novos significados aos fenômenos, segundos os quais os alunos já se encontram em contato. Ensinar, nesta perspectiva, requer levar em consideração que o aprendiz já faz parte do mundo e, portanto, é detentor de um entendimento sobre os fatos que necessitam ser apenas revistos e examinados sob perspectivas mais subjetivas do conhecimento.

A fenomenologia aponta para um currículo no qual se deixariam de lado tópicos tradicionais dos livros textos e se daria um direcionamento ao estudo para temas que fazem parte da vida cotidiana dos estudantes, envolvendo situações nas quais se fazem presentes tanto alunos como o próprio professor. Nestas atividades a busca é pela essência da experiência de vida descrita e não pela apropriação do significado do conceito envolvido, pelo menos não na forma de conceito científico. Silva (2004, p. 41) lembra que:

[...] enquanto num currículo tradicional os estudantes eram encorajados a adotar a atitude supostamente científica que caracterizava as disciplinas acadêmicas, no currículo fenomenológico eles são encorajados a aplicar à sua própria experiência, ao seu próprio mundo vivido, a atitude que caracteriza a investigação fenomenológica.

A investigação fenomenológica faz parte de uma abordagem fenomenológica, que em um currículo inicia na própria redução dos elementos pedagógicos como objetivos, avaliação, entre outros, a fenomenologia. Na ação docente, a investigação precederia a atitude que, por sua vez, apontaria para uma análise, direcionando o processo para a escrita do fato estudado, sempre identificado com a fenomenologia.

4. Elementos em destaque no (em um) currículo fenomenológico

Na busca por elencar elementos que possam caracterizar um currículo fenomenológico, encontramos autores como Martins (1992), anunciando aspectos que no seu entender seriam evidentes no pensamento dos fenomenólogos e que assim poderiam subsidiar os currículos construídos a partir da fenomenologia. São eles: consciência subjetiva, consciência enquanto atribuidora de significados e estruturas da consciência.

A consciência subjetiva é entendida através da percepção, pois se percebe o que é visto, ouvido ou sentido. Uma percepção consciente abrange a consciência dos entes que estão no mundo. A consciência é subjetiva quando os objetos de estudo (o fenômeno) têm relação com o sujeito que o percebe, ou seja, o indivíduo se abre para conhecer o mundo que o rodeia e o mundo se doa para ser conhecido. O conhecimento, por sua vez, mesmo científico, é formado a partir de um mundo vivido, ou seja, próprio de cada ser, logo a fenomenologia considera que a consciência de mundo não pode ser explicada pelas ciências, que buscam explicações do mundo através de observações comportamentais de fenô-menos para a formulação de leis universais, desconsiderando o sujeito. Na fenomenologia, os fenômenos se doam ao sujeito que o interroga.

Como segundo elemento, Martins destaca a consciência como atribuidora de significados, pois é necessário recuperar a consciência como modo fundamental de Ser e ser-no-mundo. O mundo-vida de cada sujeito tem uma estrutura de significados que lhe é própria, que precisa ser focalizada de diferentes formas para que seja reduzida, distorcida e proposta em termos de causalidades. A consciência é sempre consciência de..., ou seja, é tencionada. No caso da educação é voltada para as entidades no mundo e suas representações, logo, "objetos com determinações" que são aquelas às quais a consciência se refere através do ato significativo de uma expressão. Na fenomenologia, o conhecimento dá-se na relação noésis-noema. Noésis enquanto ato institucional da consciência, que consiste na disposição do sujeito para ver algo, no modo de perceber e conhecer alguém. Noema, como algo que se mostra como mundo que se dá a conhecer, o experenciado. Então, o indivíduo atribui significado através de algo que emerge intencionalmente à consciência e busca o conhecimento no mundo que se mostra, ou se deixa mostrar para ele. O ato de educar não pode ser visto numa relação cartesiana, sujeito/objeto, pois o homem não pode ser sujeito de si próprio, pois a existência dele supõe a do mundo. Na relação noemática que é consciência intencionada para um objeto, onde este se doa à consciência para se tornar significativo, é que pode ocorrer o conhecimento. Cabe ao professor proporcionar esta relação para que se efetive o conhecimento.

As estruturas da consciência, enquanto terceiro elemento, resultam da relação entre uma experiência e outras vivenciadas, atribuindo significados na forma de rede ou de estrutura de significados. Rede que começa a se moldar quando o ser se vê lançado ao mundo, ou seja, quando a consciência se doa ao mundo que se mostra ao seu redor. Gradualmente, forma-se a rede de significados, sendo que, algumas percebidas de forma clara, outras, mais vividas do que conhecidas. Esta concepção de construção da estrutura de consciência permite a relação da consciência com a ação.

5. O ensino da Física em laboratório didático perante um currículo fenomenológico

O laboratório didático de física tem sido tema amplamente discutido na literatura nacional nos últimos anos, de tábua de salvação para o ensino, tem sido apontado como mais uma das metodologias de ensino fracassada, na busca por tornar o ensino da física mais significativo para os estudantes, principalmente no ensino médio. Essa situação não é exclusiva do ensino brasileiro, ela já vem sendo debatida em eventos internacionais, nos quais se enfatiza que o ensino experimental desenvolvido no laboratório didático de física vem sendo trabalhado como uma "investigação científica" ou mesmo como "pequenos projetos de investigação" (Arruda, 1996). Situação semelhante ao que ocorre no ensino da física no Brasil, como mostra os estudos de Pinho Alves (2002), nos quais a ênfase tem sido dada ao método científico.

São inúmeras as evidências que nos levam a vincular esta visão mais dogmatizada da atividade experimental, principalmente no Brasil, com a estrutura de currículo existente em nosso sistema educacional. Ao observar a história do ensino no país, identificamos uma forte vinculação dos currículos escolares com a teoria tradicional, principalmente até o início dos anos 70. Nessa visão, o conhecimento e seus mecanismos de reprodução são entendidos como elementos norteadores do ensino. Neste período, há uma preocupação centrada na metodologia de ensino, de modo a envolver as estratégias e os mecanismos que favoreçam a apropriação do conhecimento por parte do aluno. No ensino da física, ocorre uma forte presença do laboratório como elemento favorável a esta aquisição dos conhecimentos específicos. A título de ilustração, destaca-se o PSSC1, projeto aplicado no Brasil no início dos anos 60 e que consistia em um programa (projeto de ensino) voltado para o treinamento de professores de física através de manuais, segundo os quais o ensino experimental era entendido como altamente estruturado, perpassando a imagem de que o professor deveria apresentar um "receituário" aos alunos no início da atividade e que estes o seguiriam pontualmente, apresentando ao final um resultado já previsto por aquele. Apesar de este modelo ter sido questionado no país, já no início da década dos 70, ele continua presente nas principais Universidades do país e, automaticamente, presente nas escolas.

Nesta mesma época, emergiu no país um movimento de insatisfação com o ensino e apontou-se para uma tendência a direcionar os currículos para a teoria crítica, cuja perspectiva pedagógica era de cunho mais progressista, que se encontrava em franco crescimento no mundo. Porém a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1971 (lei n.º 5892/71), previu a organização curricular em atividades (séries iniciais), áreas de estudo (restante do 1.0 grau) e disciplinas (2.o grau), o que acabou não modificando muito a maneira como o currículo estava sendo concebido no país. A visão mais voltada para uma educação na qual o conhecimento escolar estaria atrelado a questões sociais, principalmente a estruturas de poder, pretendia construir um currículo no qual o indivíduo fosse visto como elemento principal e a educação deveria levá-lo à sua emancipação (na verdade, de concreto muito pouco foi conseguido). O ensino da física, assim como o das demais disciplinas curriculares, buscou uma readequação. Entretanto, o laboratório permaneceu preso ao modelo empregado pelo PSSC, apresentando poucas variações, como a introdução gradativa da "sucata2" que trouxe a questão da construção do equipamento no momento do desenvolvimento da atividade experimental e com isto um estudo mais próximo da estrutura do experimento. Ou, mais recentemente, a questão do laboratório virtual, como possibilidade de investigar fenômenos físicos através de simulações por computador.

Estas descrições nos remetem a pensar que neste início do século XXI, no qual um currículo concebido a partir das teorias tradicionais não atende mais às especificidades do educando no seu processo formativo e que as teorias críticas apresentam dificuldades de aplicação, estando condenadas, de certa forma, por sua visão arraigada à relação entre escolar e poder, qual currículo é possível? Que abordagem se tornaria mais pertinente perante o mundo contemporâneo? Tais questões se tornam fundamentais para refletir sobre que ensino de física desejamos.

Neste sentido é que destacamos a fenomenologia. As leituras realizadas sobre este campo do conhecimento e suas contribuições para o processo de formação dos indivíduos nos remetem a avaliar e correlacionar seus fundamentos e princípios ao ensino da física (laboratório). Assim, o laboratório poderia ser um espaço para conhecer o mundo, para despertar o desejo de conhecer. Mundo este, no qual o aluno, enquanto sujeito, possa se situar. O importante, conforme destaca Martins (1992), é que o homem, ao analisar um fenômeno, ser capaz de "colocar entre parênteses", em suspensão, deixar de lado suas crenças sobre este fenômeno, permitindo descrevê-lo tão precisamente, quanto possível, procurando abstrair-se de qualquer hipótese, pressuposto ou teoria. Buscar exclusivamente o que se mostra na sua estrutura e nas suas conexões intrínsecas (p. 56).

Entretanto, quanto à questão de este ensino "deixar de lado" não pode ser entendido como não trazer para a sala de aula as experiências vividas pelo aluno no seu contexto, mas sim, libertar-se de pré-conceitos e valorizar seus conhecimentos fundamentados na sua percepção de mundo. "Ao tentarmos auxiliar uma criança a conhecer o mundo, precisamos nos lembrar de que estamos diante de um ser que tem um mundo que lhe é próprio, o qual deverá conhecer. Isto quer dizer que esta criança deverá ter uma consciência do seu próprio mundo" (Martins, 1992, p. 74). Neste sentido, o destaque é por trazer para o ambiente escolar o mundo de vida de cada estudante, o seu modo de conceber o fenômeno.

6. Considerações finais

Ao relacionarmos currículo, fenomenologia e ensino da física em laboratório didático atingimos, pois, a dimensão de entender que um currículo deverá apresentar como linha norteadora a idéia de que o sujeito é um ser-no-mundo, e que concebe este mundo a partir da consciência do seu próprio mundo. A construção de um currículo na perspectiva fenomenológica requer a preocupação de que este seja considerado um meio pelo qual o sujeito adquira habilidades, capacidades e conhecimento, mas sempre voltado para que o homem ganhe o sentido de si-mesmo (Martins, 1992, p. 77).

A literatura aponta para uma incompatibilidade, de certa forma, entre o modo pelo qual as ciências naturais (física, em especial) concebe o mundo e a forma como os fenomenólogos o entendem, porém, não podemos deixar de acreditar na possibilidade de que o ensino desta ciência possa ser menos dogmático e que se volte para questões de cunho humanístico, identificando-se com um ensino no qual o sujeito possa construir seu próprio currículo, referenciando-se na sua consciência sobre o mundo.

O laboratório poderia ser um forte aliado nesta perspectiva, favorecendo aos estudantes a utilização desse espaço como forma de desenvolver talentos, capacidades e, ao mesmo tempo, ter a liberdade de transitar entre outras áreas, que não aquelas elencadas e sedimentadas pelo professor. Em outras palavras, o laboratório de física, poderia possibilitar a caminhada do aluno de forma a deixá-lo fazer opções, sem impor conteúdos e, principalmente, metodologias de trabalho. Evidentemente, nesta nova abordagem curricular, o papel do professor passa a ser determinante, como aliás sempre foi na educação. O modo como o professor pensa e organiza sua ação pedagógica poderá possibilitar ou não uma abordagem curricular envolvendo aspectos mais próximos da fenomenologia. Talvez assim a educação possa adquirir a conotação muito bem descrita por Martins (1992), segundo a qual ela não é apenas um processo de elevação histórica da mente, do natural para o universal, mas é a condição mesma na qual o homem se humaniza (1992, p. 77).

Bibliografia

ARRUDA, S. M. e LABURU, C. E. (1996): "Considerações sobre a função do experimento no ensino de ciências", in Ciências e Educação, n.º 3. São Paulo: UNOESC , p. 14-24.
CARVALHO, Anna Maria Pessoa e VANNUCCHI, Andréa (1996): "O currículo de física: inovações e tendências nos anos noventa", in Investigações em ensino de ciências, vol. 1, n.º 1. UFRGS: Porto Alegre.
COSTA, Marisa Vorraber (2003): O currículo nos limites do contemporâneo. 3.ª edição. Rio de Janeiro: DP&A.
FOUCAULT, Michel (1996): A ordem do discurso. São Paulo: Loyola.
MARTINS, Joel (1992): Um enfoque fenomenológico do currículo: educação como poíesis. São Paulo: Cortez.
PINHO ALVES, J. F. (2000): "Regras da transposição didática aplicadas ao laboratório didático", in Caderno Catarinense de Ensino de Física, vol. 17, n.º 2, Florianópolis, p. 174-188.
SAVIANI, Nereide (2003): Saber Escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo e método no processo pedagógico. 4.ª edição. Campinas, SP: Autores Associados.
SILVA, Tomaz Tadeu da (2004): Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2.ª edição. Belo Horizonte, MG: Autêntica.

Nota:

* Universidade de Passo Fundo. Curso de Física. Aluna de doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.

** Universidade de Passo Fundo. Física. Aluna do Mestrado Profissionalizante no Ensino da Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.

1 Physical Sciences Study Committee, programa (projeto) criado nos EE.UU. no final da década de 1950 e que foi aplicado no Brasil.

2 Laboratório de sucata é aquele em que o aluno constrói o seu equipamento na atividade prática com materiais alternativos.

 


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