La Revista Iberoamericana de Educación es una publicación monográfica cuatrimestral editada por la Organización de Estados Iberoamericanos (OEI)

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OEI - Ediciones - Revista Iberoamericana de Educación - Número 28

Número 28
Enseñanza de la tecnología / Ensino da tecnologia

Enero-Abril 2002 / Janeiro-Abril 2002

A pertinência de abordagens CTS na educação tecnológica

Walter Antonio Bazzo (*)

SÍNTESE: A educação tecnológica, ministrada no âmbito universitário e em particular nas carreiras de engenharia, encontra-se muito ligada a enfoques eminentemente técnicos, que ignoram as influências recíprocas entre as trocas sociais e os desenvolvimentos científicos e tecnológicos.

Ainda que esta questão esteja presente em muitos dos debates na atualidade e que, em alguns países como Estados Unidos, Canadá ou os da União Européia, ensaiam-se soluções baseadas nos estudos sobre as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, no Brasil –e no resto da América Latina– a situação parece encontrar-se num ponto de indefinição.

Seguindo a tendência internacional, uma primeira saída para esta situação poderia ser a inclusão, nos planos de estudos das engenharias, de uma perspectiva CTS, que permitisse a aproximação às intrincadas relações existentes hoje entre os componentes desse acrônimo.

Para isto, é necessário produzir uma mudança na cultura epistemológica sobre a forma em que é considerado o conhecimento na área tecnológica. No entanto, em vista das dificuldades para alcançar o êxito num processo dessas características, o autor propõe adotar uma estratégia alternativa baseada em dois elementos. O primeiro, de caráter transitório, é a incorporação de disciplinas específicas para o ensino da tecnologia, a partir de uma perspectiva CTS. O segundo aponta para uma mudança estrutural nas condições de ensino da disciplina e consiste em modificar ou, em alguns casos, colocar em marcha processos de formação de professores de engenharia baseados naquela perspectiva, como fator efetivo de transformação da educação tecnológica.

Síntesis: La educación tecnológica que se imparte en el ámbito universitario, y en particular en las carreras de ingeniería, se encuentra muy ligada a enfoques eminentemente técnicos, que ignoran las influencias recíprocas entre los cambios sociales y los desarrollos científicos y tecnológicos.

Aunque esta cuestión está presente en muchos de los debates que tienen lugar en la actualidad, y que en algunos países, como Estados Unidos, Canadá o los de la Unión Europea, se ensayan soluciones basadas en los estudios sobre las relaciones entre ciencia, tecnología y sociedad, en Brasil –y en el resto de Latinoamérica– la situación parece encontrarse en un punto de indefinición.

Siguiendo la tendencia internacional, una primera salida a esta situación podría ser la inclusión, en los planes de estudio de las ingenierías, de una perspectiva CTS que permitiera la aproximación a las intrincadas relaciones existentes hoy entre los componentes de ese acrónimo.

Para ello, es necesario producir un cambio en la cultura epistemológica sobre la forma en que es considerado el conocimiento en el área tecnológica. Sin embargo, vistas las dificultades para alcanzar el éxito en un proceso de esas características, el autor propone adoptar una estrategia alternativa basada en dos elementos. El primero, de carácter transitorio, es la incorporación de asignaturas específicas para la enseñanza de la tecnología desde una perspectiva CTS. El segundo apunta a un cambio estructural en las condiciones de enseñanza de la disciplina, y consiste en modificar o, en algunos casos, poner en marcha procesos de formación de profesores de ingeniería basados en aquella perspectiva, como factor efectivo de transformación de la educación tecnológica.

(*) Coordenador do Curso de Engnheria Mecânica, UFSC, CTC, EMC, Brasil.

1. A Idéia

Escrevo este artigo, aproveitando o ensejo de inúmeras discussões que vêm sendo travadas em diversos ambientes preocupados com os rumos que a tecnologia vem tomando no mundo contemporâneo, buscando estabelecer argumentos que ressaltem a importância e a necessidade de reformulações conceituais, em termos de forma e conteúdos, na educação tecnológica brasileira (e aqui falo na educação tecnológica brasileira, mas com a convicção que tais argumentos podem ser estendidos a todos os países do mundo).

Entendo que esse processo educativo, não de hoje, está fortemente calcado em competentes abordagens de cunho eminentemente técnico, perdendo de vista, entretanto, as profundas e radicais mudanças que se processam nas últimas décadas nas questões sociais decorrentes dos inúmeros avanços científicos/tecnológicos que se avolumam quotidianamente. Este aspecto que vem, de alguma forma, sendo amenizado em outros países através das abordagens em estudos da relação ciência, tecnologia e sociedade (CTS), estaria caracterizando a necessidade de redefinições deste processo educacional nas escolas de engenharia, para que ele se ajuste à esta crescente complexidade da realidade social contemporânea. Isto pode significar fortes transformações na prática de ensino atual, o que, indubitavelmente, pode assustar e afastar da análise deste problema aqueles que há muito tempo estão arraigados no enfoque da ciência e da tecnologia como agentes neutros neste processo intricado de desenvolvimento humano. Por isso, aqui busco argumentar em favor de uma proposta de introdução, nos cursos de graduação em engenharia, de abordagens CTS associadas aos conteúdos técnicos «neutros» e descontextualizados já consolidados nos currículos escolares.

Tenho consciente, nas minhas análises e reflexões, que propor um estudo com tal enfoque pode se constituir em tarefa inglória num país que incha seus currículos, na grande maioria das vezes, com disciplinas adestradoras, na tentativa ingênua de acompanhar o desenvolvimento científico/tecnológico avassalador. Outros países, ao contrário do nosso, sempre apostaram, e agora redobram seus esforços, na formação básica de seus cidadãos, inclusive buscando a alfabetização sobre as repercussões ensejadas pelo desenvolvimento científico/tecnológico.

Este atropelo desenfreado por soluções extemporâneas nas nossas escolas, sem a necessária análise por parte dos responsáveis pelos planejamentos educacionais nas áreas tecnológicas, têm nos custado um preço excessivo. Apesar de algumas ilhas de excelência, em certos campos da tecnologia moderna, ainda penamos por aplicarmos políticas completamente descontextualizadas das nossas prioridades sociais. Por tal motivo, conhecer com profundidade o imbricado relacionamento existente hoje, entre ciência tecnologia e sociedade, procedimento que vem sendo adotado há décadas em países como os Estados Unidos, Canadá e a grande maioria dos países europeus, passa a ser tarefa indispensável para qualquer sociedade que deseja sua independência como nação soberana.

Esta pretensão começou a ser vislumbrada ao longo de um trabalho que venho desenvolvendo há muito tempo, juntamente com um grupo de pesquisa que coordeno (NEPET –Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica– <www.nepet.ufsc.br>). Dentre uma porção de atividades que este núcleo desenvolve, uma das principais é propor, juntamente com a formação geral dos professores de engenharia, disciplinas em cursos de pós-graduação e graduação que possam começar a suprir esta necessidade premente na educação tecnológica.

Meu posicionamento em relação a introdução de disciplinas estanques nos currículos brasileiros é bem conhecida por todos que têm acompanhado minhas publicações. Sei que a reversão deste quadro positivista, que muitas vezes freia a capacidade crítica e reflexiva dos estudantes, na educação tecnológica no Brasil é mais profunda que simples adendos conteudistas estabelecidos através da criação de diferentes disciplinas. No entanto, em função da premência da alfabetização sobre os reflexos do desenvolvimento científico/tecnológico dos próprios profissionais que trabalham neste campo, me levou a ser flexível neste posicionamento. Tenho consciência de que apenas a introdução de tais disciplinas com vistas às reestruturações curriculares não são suficientes para um aprimoramento do ensino nesta área. É preciso muito mais! Uma mudança cultural epistemológica da forma como o conhecimento é tratado nesta área seria o primeiro grande passo. E por isso, a presente proposta indica que também uma disciplina com este escopo pode alterar a forma linear como assuntos no campo da engenharia são tratados, contribuindo para que uma nova filosofia para o ensino desta matêria seja alcançada. Adicionalmente, para que possamos atingir tal objetivo, aposto também num necessário processo de formação de professores de engenharia como fator para uma transformação efetiva da educação tecnológica.

2. Tecnologia e Desenvolvimiento Humano

São habituais e contundentes os discursos em que se afirma serem os progressos sociais altamente dependentes da ação incisiva da tecnologia. Muitos motivos, na grande maioria exaltados por nós, professores de engenharia, justificam tal entendimento. Dentre eles sobressaem os argumentos que enaltecem a supremacia da tecnologia, tendo em vista sua posição como criadora de condições materiais para a subsistência humana. Nesta lógica e neste direcionamento, calcado na intricada relação entre ambas, a ciência entraria como suporte básico à própria tecnologia. Em linhas gerais, por um processo cultural que se desenvolve desde as antigas escolas européias que trabalhavam com tecnologia, este parece ser um dos pressupostos que apoiam a engenharia e o seu ensino.

Ao observarmos produtos técnicos, se nos detivermos nas suas finalidades mais pragmáticas, despindo-nos por completo de análises reflexivas de suas pertinências e potencialidades sociais e ambientais, poderíamos até concluir que esta premissa é convincente e verossímil. Porém, ao analisarmos todos estes reflexos da tecnologia, incluindo também aqui os econômicos que parecem ser atualmente os diretores deste mundo «globalizado», tal como a entendemos e praticamos hoje independentemente dos mais diversos contextos, certamente, mesmo com a defesa veemente praticada pelo discurso neoliberal, algumas incongruências emergirão desta suposta positividade.

Despertadas por recentes denúncias, que começaram a surgir nos anos 60, acerca de possíveis aspectos nocivos da tecnologia, as mais diferentes comunidades sociais passam aos poucos a encará-la com mais cautela. A explosão das bombas atômicas em Nagasaki e Hiroshima, a descoberta do efeito estufa, provavelmente provocado por ação dos homens, o problema aparentemente incontornável da poluição em inúmeras cidades mundo afora, os extensos derramamentos de óleo que provocam fortes degradações ambientais, acidentes catastróficos com instalações industriais e construções civis –todos relacionados diretamente com aplicações da engenharia–, dentre tantos outros, são exemplos de uma série infindável de acontecimentos que inquietam e preocupam aqueles que refletem sobre o futuro, e que são conseqüência direta de atos do passado. Fatos como estes põem em xeque a credibilidade da autoridade dos conhecimentos técnicos e científicos. Adita-se a tudo isso os resultados assustadores decorrentes da onda de desemprego que varre todo o mundo e que têm relação direta com a falta de relacionamento, aos mais diferentes contextos, dos avanços inexoráveis da ciência e da tecnologia que pouco refletem sobre suas repercussões sociais. Isto tudo pode ser em parte ocasionados pela inadequação dos entendimentos tradicionais dos papéis da ciência e da tecnologia discutidos na escola, em especial entre engenheiros e tecnólogos.

Mas, apesar deste quadro pessimista que traço nas linhas acima, muito já tem sido feito neste campo buscando mostrar os equívocos da falta de análises mais profundas sobre semelhantes assuntos. Como exemplo posso citar estudos sobre questões desse tipo realizados nos escritos de Jacques Ellul, Lewis Mumford, Carl Mitcham, Langdon Winner, Arnold Pacey, Martin Heidegger, José Ortega y Gasset, dentre outros (Bazzo, 1998).

Além disso, uma nova ordem mundial se desenha em tempos mais recentes, reforçando com veemência a necessidade destas reflexões, ainda tão incipientes no Brasil. Sua face mais aparente é denotada por acontecimentos como a queda do muro de Berlim, ocorrida em 1989, a crise na Ásia, iniciada com problemas cambiais na Tailândia, que respingaram com intensidade na situação brasileira, provocando fortes oscilações nas bolsas de valores em várias partes do mundo. Esta nova face denuncia também problemas que nos afligem diretamente, como as manifestações de rua na estabilizada Genebra, bradando contra a globalização, as tentativas de fechamento da China e do Irã às ingerências do mundo capitalista nos seus domínios proporcionadas pela Internet, os levantes sociais para a destituição de governantes em vários países, como os que destituíram Ferdinand Marcos nas Filipinas em 1986, e o general Suharto na Indonésia, em 1998, os recentes –embora de origem secular– conflitos étnicos em Kosovo, e tantos outros.

É patente a evidência de que, apesar das atraentes promessas dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos –o que talvez por si só constitua um dos maiores paradoxos da nossa era–, questões sociais como a fome, as guerras, as aviltantes distribuições de renda e as fortes degradações ambientais, continuam se agravando dia a dia.

Apesar de tudo isso, meios de comunicação e sistemas políticos não raro continuam insistindo que estaria em essência na produção de aparatos técnicos o bem-estar das gerações futuras. E por ser o sistema educativo componente fundamental de qualquer sociedade, ele não passa ao largo desse sonambulismo tecnológico: é sua vítima e seu aliado. Mas, mesmo sabendo desta dubieidade da escola e da responsabilidade impar da educação na reflexão destes problemas relacionados aos estudos CTS, os educadores responsáveis pelos programas desenvolvidos, seguindo o guia secular das escolas que lidam com a educação tecnológica, continuam a apostar nas remodelações clássicas das grades curriculares sem sequer levantar preocupações com mudanças das posturas filosóficas de enfoques educacionais que, estes sim, poderão começar a dar conta de tão intricado problema.

3. Uma Contradição Desconcertante

Hoje, com a possibilidade viva de contarmos com informações de todos os cantos do mundo e de consultarmos museus, bibliotecas, universidades e institutos de pesquisa em nossa própria casa, dispomos, em princípio, de mais elementos para nos tornarmos cidadãos mais esclarecidos. Isto instiga –talvez obrigue–, relações sociais diferentes das que eram praticadas poucas décadas atrás.

Por outro lado, esta conexão simultânea com o mundo –mesmo que disponível apenas para uma pequena fração da sociedade– cria oportunidades mais densas –embora de aparência apenas virtual– de confrontos dos indivíduos com guerras, fome, catástrofes e todo tipo de tragédias antes só conhecidas –quando eram conhecidas!– após filtragens mais longas e elaboradas. Esta avalanche de informações, se por um lado muitas vezes nos amedronta, também faz com que nos sintamos mais próximos uns dos outros. Isto deve contribuir para um maior «encurtamento» geográfico do planeta, tanto quanto para um maior congraçamento humano, estimulando as artes e o mercado, confrontando culturas e proporcionando uma gama enorme de relações que, em essência, antes eram de difícil efetivação ou mesmo impossíveis.

Tudo isso cria oportunidades de crescimento, dando vida nova às relações sociais. Mais uma vez, é claro o compromisso destes fatos com os desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Contudo, é inconcebível que tanto a comunidade científica quanto a de professores que atuam nas escolas que trabalham e/ou produzem ciência e tecnologia, e que constróem os conhecimentos com as gerações futuras, não especulem e não discutam as repercussões sociais de suas ações. É como se, nestes locais, apenas as benesses do «progresso» interessassem, e que quanto às desvantagens não lhes coubesse qualquer responsabilidade. É tal paradoxo que precisamos nos propor a superar.

4. A Educação Tecnológica Sob Novos Enfoques

Se o entorno sociocultural muda, se as correlações de força entre as nações sofrem reajustes, se conceitos como os de nação e de empresa hoje começam a destoar das suas concepções tradicionais, por que não repensar o processo de educação tecnológica dentro de outros enfoques? Tudo isso deveria servir de alerta para entendermos que o tradicional modelo de ensino de engenharia, talvez muito apropriado para um outro momento histórico, pode hoje estar prescindindo de profundas reflexões sobre a sua prática, para que se reencaixe nas novas perspectivas sociais.

Os desafios postos hoje em termos das implicações da ciência e da tecnologia extrapolam o campo das abordagens puramente técnicas, mesmo porque não existe neutralidade na técnica (a esse respeito ver von Linsingen, et al., 1998). Entretanto, em linhas gerais, grande parte das tentativas de se traçar novos caminhos para o ensino ainda hoje se baseia numa adaptação linear ao sistema produtivo industrial, numa espécie de imitação acrítica de seu modelo e de sua eficiência. Esta compreensão parece dominar as discussões entre os responsáveis por tais tarefas. Porém, pelo que podemos concluir, as providências adotadas parecem não ter profundidade suficiente para um ataque efetivo ao problema.

Portanto, buscando nos inserir num novo contexto, com este artigo procuro trazer para discussões propostas de interações com novos entendimentos de organização social. Inclui-se nesta interpretação um questionamento do determinismo e da objetividade que norteiam em especial as ações educacionais no meio técnico.

Para começar, parece-me que as recentes e profundas modificações na organização das sociedades, das aspirações humanas, do nível de consciência dos cidadãos e da própria estrutura de relações entre as nações, vêm impondo mudanças de tal monta na ordem mundial que se torna imprescindível repensar a própria forma de encarar a ação técnica contemporânea. E mesmo que não concordemos com isso, e que acreditemos que a tecnologia caminha de fato no rumo certo, por que não assumir uma postura crítica sobre ela?

Se avaliarmos o mundo técnico tomando como base a orientação das suas realizações materiais, e a multiplicidade e utilidade dos produtos hoje disponíveis no mercado de consumo, distinguindo-o apenas sob o ângulo das pretensas benesses que ele nos proporcionaria, é difícil não enxergá-lo como vitorioso. Isso talvez porque o caminho da concordância, mesmo que soe como um navegar livre ao sabor de um progresso determinante, parece ser mais conveniente que a confrontação, e nos promete frutos imediatos mais fartos. Entretanto, parece-me que, apesar deste forte desejo de vermos «progresso» em tudo à nossa volta, estamos sempre tentando adivinhar o que o futuro nos reserva e muito pouco fazendo para que construamos um futuro para usufruir. Uma reorientação na estrutura e na lógica da educação tecnológica, abordando-a de forma mais ampla e integrada, poderia ser um bom início para uma renovação neste processo.

O despreparo de egressos das escolas de engenharia para a atuação na sociedade tem sido denunciado em muitas oportunidades. Embora normalmente autores que abordam esta questão imputem tais dissonâncias à ineficácia técnica dos cursos de engenharia, ou à má qualidade ou à falta de motivação por parte dos alunos, acreditamos que há algo mais além destas interpretações. Justificativas e soluções para isto poderiam ser procuradas nas áreas epistemológica e pedagógica, ou mesmo nas filosofias que embalam –às vezes inconscientemente– os cursos.

Entretanto, uma idéia promissora pode ser depreendida de escritos de autores –e eu tento sempre relacioná-los para evidenciar que muitos trabalhos vêm tratando de semelhante temática– que se ocupam deste vasto campo de estudo. Podemos extrair de muitas publicações que há quem pareça vislumbrar que, hoje, um novo paradigma para a atuação profissional contemporânea está em construção. É o que está consignado, de certa forma, em publicações como Soriano, et al. (1991); Ruiz (1994); Gaspareto, et al. (1990); Beltrão & Schiefler (1995); Naegeli, et al. (1997); Leão (1993); Dantas (1993).

Uma possível razão para estas interpretações pode ser reputada à dinâmica empreendida pelos novos momentos da civilização, que provoca fortes desnorteamentos quando analisamos o quadro vigente sob antigos referenciais, onde se assentava o equilíbrio social. Alvin Tofler, em «A terceira onda» e «Choque do futuro», já registrara uma compreensão similar a esta, quando se referiu aos desconcertantes desequilíbrios momentâneos nos quais nos vemos envolvidos quando de grandes mudanças sociais. Tal constatação tem constituído fator de preocupação para aqueles que são responsáveis pelo planejamento, pela execução e pela avaliação dos processos de ensino nas instituições educacionais. Não obstante, ainda com a melhor das boas intenções, continuamos, em grande parte das situações, apenas implementando ações que acabam por contribuir para o agravamento destas sérias questões sociais, ao elegermos a eficácia da produção científica e tecnológica como o foco do problema.

Aliado a isso, podemos computar o problema da evasão escolar. É bem possível que os altos índices de reprovação e de evasão tenham como origem uma frustrante procura por formação que não dá conta de respaldar as expectativas dos participantes do processo. Essa desistência é por certo agravada em decorrência de um sentimento de inoperância que vem tomando conta em especial dos candidatos à profissão.

Em congressos e outros eventos sobre o ensino, em reuniões departamentais, o tema merece atenção destacada e tem suscitado diferentes formas de reação. No entanto, apesar dessas evidências e preocupações, parece que soluções pontuais e extemporâneas ainda continuam sendo a regra e, pese às boas intenções envolvidas no tratamento de tais questões, as soluções, quase sempre as mesmas com pequenas alterações, parecem continuar mostrando-se ineficazes. As inúmeras e sempre presentes remodelações das grades curriculares, as tentativas de informatização dos cursos –como formas de motivar os alunos– e o reaparelhamento físico das escolas, isoladamente, têm se mostrado insuficientes. Quando da percepção da ineficiência de tais soluções, reforçam-se as suas aplicações, porém os problemas permanecem, em essência, intactos.

Os autores acima referidos, como eu, hão de entender que a educação tecnológica, apenas embasada nos ditames da clássica abordagem técnica, deixando de lado as suas implicações e respostas sociais, está com os dias contados. Por isso aqui propõem-se uma educação ampla, com forte embasamento técnico, mas que respeite e destaque considerações de suas relações sociais. Talvez pudéssemos denominá-la de transdisciplinar, no sentido de que a entendemos indissociada das questões éticas, políticas, ambientais, econômicas, históricas, e tantas outras.

5. Uma Proposta de Abordagem da Questão

Imaginamos que o ensino tecnológico tem sido praticado num bom nível técnico geral. As ênfases clássicas nas teorias, nos conceitos, nas formulações, nos procedimentos de cálculo, assim parece, têm dado conta de abordar com sucesso grande parte das análises técnicas demandadas pela prática profissional. Isso pode ser concluído tendo em vista as evoluções técnica e científica hoje experimentadas.

Se atritos há nas imbricações entre ciência, tecnologia e sociedade e entre os indivíduos –ou grupos deles– e as conseqüências destes desenvolvimentos, isto não pode ser simplisticamente imputado a falhas do processo educativo, tomando como referência uma suposta ineficiência na «transmissão» de conhecimentos.

Assim sendo, não acredito que tentativas de melhoria do processo educativo podem ficar confinadas a especificações de maneiras mais rígidas para a seleção dos alunos, a grades curriculares otimizadas, nem a simples modernizações dos processos de «transmissão» de conhecimento, imaginando que com isso a «aprendizagem» realice-se de forma mais eficaz. É bem possível que soluções para estes problemas devessem ser procuradas além das abordagens puramente técnicas, como alertei acima.

Neste ensaio uma proposta é lançada, consubstanciada em duas vertentes, que parece oferecer saídas promissoras para que enfrentemos os atuais problemas vislumbrados na educação tecnológica. Por um lado, entendo que tanto a ciência quanto a tecnologia devem ser tratadas, mesmo num ambiente escolar, de forma mais ampla, cobrindo-se não só os clássicos tratamentos técnicos, mas também as suas relações de causa e efeito nas suas interações sociais. Daí a necessária transdisciplinaridade. Por outro lado, para que isso seja possível, precisamos apostar numa indispensável formação de professores de engenharia.

Em seguida são esquematizadas algumas idéias gerais sobre esta proposta (colocada em caráter mais aprofundado em Bazzo, 1998), enfatizando as duas vertentes acima mencionadas.

6. CTS e o Ensino de Engenharia

Os estudos CTS se configuraram basicamente nos últimos cinqüenta anos, sendo caracterizados por inúmeras temáticas com uma preocupação comum: uma forte interdisciplinaridade, ou transdisciplinaridade, de suas bases epistemológicas.

Em linhas gerais, CTS pode ser entendido como uma área de estudos onde a preocupação maior é tratar a ciência e a tecnologia tendo em vista suas relações, conseqüências e respostas sociais. Cabe ressaltar que os estudos CTS, embora ainda estranhos entre nós, já são amplamente abordados em vários países da Europa e nos Estados Unidos, invadindo não só discussões acadêmicas ou comunidades específicas, assim como os diversos níveis escolares.

Duas tradições distintas, com relação aos estudos CTS, são reconhecidas. Uma delas, a tradição norte-americana, enfatiza mais as conseqüências sociais, tem um caráter mais prático e valorativo, prioriza uma ênfase maior na tecnologia, e é marcada mais pelas questões éticas e educacionais. A outra linha, a européia, enfatiza mais os fatores sociais antecedentes, tem um caráter mais teórico e descritivo, prioriza uma ênfase maior na ciência, e é marcada mais pelas questões sociológicas, psicológicas e antropológicas.

Em consonância com a característica transdisciplinar, faz parte dos estudos CTS tratar de forma integrada os diversos saberes das áreas de conhecimentos acadêmicos tradicionais, que hoje são abordados de forma fragmentada e descontextualizada. É objetivo também, ao se incorporar no ensino as preocupações CTS, refletir sobre os fenômenos sociais e as condições da existência humana sob a perspectiva da ciência e da técnica. Um terceiro eixo de preocupações deste campo de estudos é analisar as dimensões sociais do desenvolvimento tecnológico (García, et al., 1996).

Estas preocupações têm como base entendimentos de que, em geral, dentro do turbilhão de tarefas a que somos submetidos na sociedade contemporânea através de trabalhos rotineiros, não encontramos tempo para análises mais aprofundadas e para os devidos questionamentos acerca das repercussões, das contribuições e das conseqüências da ciência e da tecnologia. Portanto, é importante uma deliberação consciente no sentido de questionar o que efetivamente tem tomado conta de nossas preocupações diárias, com independência das características diferenciadas dos professores. Precisamos, mesmo tendo consciência que o enfoque do problema tem tratamentos regionalizados e contextualizados para as diferentes realidades das instituições, armar-nos de instrumentos para o enfrentamento do imenso campo que se abre com os novos tempos da educação tecnológica.

Estas preocupações têm também como base uma evidente imbricação entre ciência, tecnologia e sociedade, e que é minada pelas posturas ideológicas e políticas dos membros envolvidos nestes processos. Isto gera posicionamentos antagônicos e, portanto, o tratamento que se deve dar ao seu desenvolvimento, às suas utilizações práticas e ao aproveitamento de seus frutos é inseparável de uma política de educação científica e tecnológica para todos os cidadãos. Isso deve ser constantemente enfatizado, trazendo à consideração diferentes abordagens efetuadas por cientistas, tecnólogos, engenheiros, epistemólogos e outros que têm em suas atividades esta responsabilidade.

As tentativas já levadas a efeito no mundo, através dos mais diferentes tipos de enfoques, com as abordagens CTS, podem e devem servir de fundamentação para uma compreensão desta problemática. Para auxiliar no delineamento de uma estrutura capaz de possibilitar a elaboração de conteúdos para este novo campo de conhecimento dentro do ensino de engenharia –pelo menos no Brasil–, a inserção de obras de vários autores contemporâneos, com suas análises sociológicas e epistemológicas, e de pesquisadores que estão profundamente envolvidos com os problemas sociais da tecnologia, é de fundamental importância.

Além deste entendimento indispensável para qualquer cidadão, a análise crítica das relações existentes entre ciência, tecnologia e sociedade e a maneira como estudantes e professores dos cursos de engenharia encaram a relação entre progresso social e desenvolvimento tecnológico poderão auxiliar na modificação das relações pedagógicas desenvolvidas nas atividades didáticas em sala de aula e na reformulação dos nossos tão fragmentados currículos escolares.

Esta determinação em perseguir o delineamento de semelhante conteúdo programático na formação dos profissionais de engenharia decorre de uma forte convicção de que a tecnologia é um produto social, configurada em formas de vida e em metas sociais que se transformam a cada tempo. Este panorama aponta para a necessidade de mostrar que nas sociedades democráticas avançadas de hoje, não é somente necessário considerar os mecanismos e repercussões da tecnologia, mas também propiciar a construção de estruturas para orientar as tecnologias na direção em que possam ser socialmente mais aceitáveis.

Isto pode implicar a inclusão de disciplinas nos currículos dos cursos, mas, como já argumentei no início deste ensaio, não é esta a tônica que defendo nesta tese. No entanto, resgatando aquelas justificativas iniciais, se a inclusão de disciplinas for entendida como necessária ou inevitável, que isto seja feito dentro do estritamente essencial para que sirva de ponto de apoio para respaldar a idéia maior que é a de redirecionar o foco das atenções dentro do ensino tecnológico. A aposta maior aqui referida diz respeito à mesclagem das clássicas abordagens técnicas com considerações CTS. Para alcançar tal intento, aí sim sou tomado de plena convicção, reputo ser necessário um esforço no sentido de implantar um processo contínuo de formação docente.

7. Formação de Professores

Em muitas escolas não se consegue dar ao ensino, talvez pela própria lógica do entendimento tradicional do que seja «ensino técnico», a importância e o tratamento adequados de preparação de cidadãos e de profissionais socialmente comprometidos. Em muitos casos, um inadequado entendimento da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão resulta por fragmentar ainda mais a educação tecnológica e por aumentar a dissociação entre a ciência, a tecnologia e a sociedade.

Pelo entendimento tradicional, onde ensinar significa transmitir eficientemente conhecimento técnico neutro que é assimilado por acumulação, não é de se estranhar que se pense que o simples ato de pesquisar seja suficiente para o aprimoramento do ensino, e que a disponibilidade de informação atualizada, pelos mais diversos e eficientes meios instrumentais, consigam substituir o ato da criação do conhecimento pelo próprio indivíduo.

Estranho é constatar as exigências de comprovada competência e titulação para que um indivíduo possa atuar numa determinada área de pesquisa, mas praticamente nenhuma prescrição é feita quando o que está em pauta é a docência. É assim que indivíduos recém-saídos de um curso de engenharia, ou de uma pós-graduação na mesma área, transformam-se em professores, como se, por estarem habilitados ao trato da coisa técnica, também estivessem devidamente habilitados para a docência. O pressuposto que referenda esta prática é o mesmo que permite imaginar o ensino como um processo de transmissão de conhecimentos de um mestre para um aprendiz.

Talvez com a inclusão de preocupações ligadas aos aspectos sociais da análise da ciência e da tecnologia surja um diferencial na solução dos problemas vislumbrados, o que parece constituir uma das chaves-mestras do desencadeamento de um novo quadro no ensino de engenharia. Porém, para que isso possa acontecer é preciso uma quebra na rigidez excessiva como nós professores, trabalhamos, o conhecimento no nosso cotidiano. Precisamos nos conscientizar de que um educador deverá ser necessariamente um técnico, um filósofo, um político, um cidadão com consciência social, ou não será um educador. O ensinar não pode constituir uma questão individualista associada a um virtuosismo formalístico. É preciso dar um sentido ao aprendizado no que diz respeito ao existir social da comunidade num tempo histórico bem definido.

A introdução do assunto CTS na tradicional área técnica da engenharia, além de servir como agente motivador no aprendizado, servirá como catalisador da capacidade crítica reflexiva dos assuntos que permeiam a vida do ser humano como um ser social. Dentro deste enfoque e desta análise, quanto à atuação do professor, podemos destacar duas questões que demonstram um necessário ataque efetivo ao problema, e que vão a seguir explicitadas:

Delinear uma estratégia de elaboração de conteúdos programáticos que possam proporcionar a formação desejada aos professores que atuam nas escolas de engenharia não é a proposta deste trabalho. No entanto, ao apontar o problema e alertar para a importância de sua solução sugerimos algumas experiências desenvolvidas em universidades e institutos de pesquisas que há mais tempo têm em suas preocupações semelhante tarefa e que ajudam a elaborar, para a nossa realidade e contexto, sugestões, propostas e também algumas perspectivas de ementas e programas que poderão proporcionar um ponto de partida nesta empreitada (Bazzo, 1998; Pereira e Bazzo, 1997; Bazzo, et al., 2000).

8. Algumas Considerações Finais

Através de argumentações consistentes acerca das profundas transformações que as abordagens CTS podem trazer para as compreensões ampliadas dos conteúdos técnicos, procurei, além de tentar identificar o porquê destes enfoques serem tão incipientes nos nossos cursos de graduação, estabelecer justificativas para a introdução de tais questões nos programas curriculares, que, por certo, poderão proporcionar formações mais realísticas aos professores que atuam nestas escolas. Persegui, portanto, o compromisso de proporcionar análises reflexivas sobre a relação que compromete o ensino desenvolvido nas escolas de engenharia e a atuação consciente do futuro engenheiro na sua profissão.

Na busca de alternativas para o comprometimento dos conteúdos e procedimentos didático–pedagógicos, defendo e argumento (como venho fazendo enfaticamente em minhas publicações) que a inserção de conhecimentos relacionando ciência, tecnologia e sociedade na educação tecnológica constitui possibilidade importante para a alteração de um quadro desatento a estes aspectos. O domínio desses conhecimentos implicará um novo proceder didático-pedagógico, mais em sintonia com a desejável formação do engenheiro-cidadão. Isso trará como pressuposto educacional para consecução desta meta uma educação escolar que propicie o ato de pensar com mais relevância do que o ato de reproduzir. Persigo com isso alcançar não apenas a atuação de nossos engenheiros como bons técnicos dotados de suficiente treinamento, mas sim, em conjunto com suas características de profissionalização, cidadãos em sintonia com os problemas da sociedade na perspectiva de sua transformação.

Este texto é decorrência das inúmeras discussões que viemos travando no NEPET, nas pessoas de Luiz Teixeira do Vale Pereira e Irlan von Linsingen a quem quero deixar aqui registrado meus profundos agradecimentos pelas reflexões que têm me proporcionado.

Bibliografía

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