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 ISSN: 1022-6508

Está en: OEI - Revista Iberoamericana de Educación - Número 31

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 Número 31: Enero - Abril 2003 / Janeiro - Abril 2003

Educación básica / Educação básica

  Índice número 31 

Vinte anos de reformas educacionais

Rudá Ricci (*)

SÍNTESE: Este ensaio procura analisar as reformas educacionais em curso nos últimos vinte anos, tendo como destaque as experiências latinas, em especial, a brasileira. Parte da crítica à diferenciação conceitual entre inovação escolar e reforma educacional, e, em seguida, analisa as diferentes orientações educacionais entre culturas anglo-saxônicas e culturas latinas.

Finaliza apresentando e analisando a pauta das reformas educacionais brasileiras, tendo como referência os debates ocorridos no interior do Fórum Nacional de Reformas Educacionais, ocorridas em Belo Horizonte, Brasil, em junho de 2002.

SÍNTESIS: Este ensayo busca analizar las reformas educativas en curso en los últimos veinte años, y destaca las experiencias latinas, especialmente la brasileña. Parte de la crítica a la diferenciación conceptual entre innovación escolar y reforma educacional, y, seguidamente, analiza las diferentes orientaciones educacionales entre culturas anglosajonas y culturas latinas.

Finaliza planteando y analizando la pauta de las reformas educacionales brasileñas, teniendo como referencia los debates llevados a cabo en el Foro Nacional de Reformas Educacionales, que tuvieron lugar en Belo Horizonte, Brasil, en junio de 2002.

1. Reformas ou Inovações?

A década de oitenta do século passado marcou uma vaga de reformas educacionais em todo o mundo. Inicialmente, em virtude da pujança econômica dos países do leste asiático e do seu significativo investimento na educação de sua população, os projetos voltados para a formação de profissionais mais qualificados para criar e operar com tecnologias sofisticadas ganharam a atenção de inúmeros artigos e ensaios. O vínculo entre novas exigências profissionais e projetos educacionais ganharia projeção em diversas proposições internacionais. É possível destacar três delas:

  • Escola Dual Alemã, desenvolvida em Baden-Württemberg. As escolas envolvidas com este modelo são acompanhadas por comissões especiais, compostas por empresários, sindicatos de trabalhadores e técnicos do governo. Tais comissões avaliam o currículo e o desempenho escolar. Empresários investem em bolsas de apoio aos alunos e à formação de professores por ramo produtivo. Assim, o currículo desenvolvido é dinâmico e se articula a partir das inovações tecnológicas de cada ramo produtivo e demandas de mercado1.
  • Propostas do Banco Mundial. Os programas de fomento às reformas educacionais desenvolvidos pelo Banco Mundial priorizaram a formação para o mercado, em especial para a operacionalização de novas tecnologias. Também destacaram a capacidade criativa do novo trabalhador polivalente.
  • Programas de Qualidade Total. Tendo o Chile como modelo, o Brasil procurou desenvolver os princípios da qualidade total na educação a partir de 1990, quando o Ministério da Educação organizou o Encontro sobre Qualidade da Educação, com apoio da Oficina Regional de Educação para a América Latina e Caribe (OREALC)2. Este modelo inspirou-se declaradamente nos princípios empresariais e no modelo toyotista. No Brasil, chegou a se desenhar como programa de governo em Minas Gerais. Os instrumentos de maior visibilidade deste programa foram aqueles vinculados ao controle da gestão do sistema educacional mineiro, envolvendo implementação de avaliações sistemáticas dos resultados pedagógicos. Também procurou-se implementar uma radical política de descentralização, premiando iniciativas das escolas. Na prática, como a filosofia original desta proposta inspirava-se nas concepções empresarias, foram desarticuladas as estruturas intermediárias do sistema educacional (fragilizando o papel das Superintendências Regionais de Ensino e dos Inspetores de Ensino) e, muitas vezes, desenhou-se a fragmentação da rede de ensino, aumentando a competitividade intrasistema3. Contudo, na metade dessa gestão, a política governamental se altera, após crise envolvendo a consultoria internacional que apoiava esta programação, incorporando o modelo propagado pelo Banco Mundial, voltado inicialmente para a formação de professores e para a implantação do sistema de ciclos4.

Estes foram alguns dos modelos disseminados nos anos 80 e início dos 90. Fundamentados na filosofia de gestão originária de países de cultura anglo-saxônica e asiática5, competiram a partir da segunda metade da década de 80 com modelos originários de países latinos, em especial da Espanha e França. Esta distinção cultural parece significativa para compreendermos a trajetória da vaga reformista que atinge o Brasil desde então.

A cultura anglo-saxônica tem como característica os princípios lógico-racionais e de controle societário para implantação de políticas públicas. Mais afetos à busca de resultados numéricos, verificáveis objetivamente, os anglo-saxões propõem que a missão de cada instituição seja claramente definida e que metas objetivas sejam estabelecidas ao longo do tempo. Tais metas são, então, acompanhadas de perto por gerentes quase sempre externos aos executores das políticas definidas.

Os modelos asiáticos, por sua vez, apoiam-se nos vínculos de fidelidade e tradição. Assim, as instâncias inferiores da estrutura de gestão são consideradas partes integrantes de um esforço conjunto de obtenção de metas. Fortemente marcadas pela cultura patriarcal, é comum estabelecer-se um ambiente «familiar» em que a instituição busca o bem-estar dos executores e discute objetivos a serem atingidos. As premiações, ao contrário da perspectiva racional ocidental, conferem agradecimento e proteção aos resultados obtidos coletivamente.

A cultura latina, ao contrário, é eminentemente comunitária e afetiva. Seus princípios são mais genéricos e filosóficos, e há maior flexibilidade em relação às metas objetivas a serem perseguidas. A participação nas práticas de gerenciamento são mais influenciadas pelas intenções políticas comunitárias do que pela transferência ou delegação de funções (como no caso das parcerias sugeridas pela Nova Administração Pública do Reino Unido, em que os usuários dos equipamentos públicos eram considerados clientes)6.

Tal diferenciação já foi analisada em muitos estudos. No campo educacional, Sacristán, ao analisar as teorias norte-americanas sobre currículo, havia apontado características específicas do modo de pensar: currículo como guia da experiência do aluno; currículo como experiências de aprendizagem planejadas e dirigidas para obter determinadas mudanças nos alunos; currículo como definição de conteúdos da educação ou planos que especificam objetivos. Para o autor, tal definição aparece descontextualizada no tempo, demonstrando clara intenção utilitarista, de natureza racional ou sistemática, que pretende cumprir com tarefas autodenominadas lógicas ou científicas7. Em contraposição, o autor cita o movimento Escola Nova européia, que partiu do pressuposto que a experiência e a recriação da cultura em termos de vivência se constituiria no eixo central de um currículo. Ao contrário das experiências planejadas, processos passam a ser relevantes, ou seja, o currículo passa a ser concebido como uma construção social8.

No caso brasileiro e latino-americano, muitos autores destacam nossa condição de culturas híbridas, em que tradição e modernidade dialogam entre si9. Seríamos, então, mais comunitários, afetivos, indígenas e místicos que os povos de cultura anglo-saxônica ou mesmo os latinos europeus. Daí que, enquanto as políticas centrais de reforma educacional se aproximaram de modelos anglo-saxônicos e asiáticos, grande parte das iniciativas municipais (locais) adotaram modelos de reforma mais comunitários e latinos.

Aos poucos, a literatura educacional latina ganhou mais projeção e reconhecimento entre os educadores brasileiros que qualquer outra doutrina. O conflito entre as duas escolas de pensamento, contudo, nunca foi superado claramente. Tais distinções jamais foram objeto de discussão aprofundada entre os professores da rede pública de ensino do país, o que contribui ainda hoje para grande perplexidade e confusão, diminuindo o seu papel protagonista nas reformas.

Num esforço de síntese, seria possível destacar os princípios e instrumentos mais empregados por cada uma dessas escolas de pensamento que orientaram reformas educacionais nos anos 80 e 90 do século passado.

Tabela 1

Princípios e instrumentos de reforma educacional
a partir das escolas anglo-saxônica/asiática e latina

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Como é possível perceber, os modelos anglo-saxônicos/asiáticos são mais objetivos e racionais, apresentando instrumentos de gerenciamento, promoção e aferição de resultados mais específicos. Por sua vez, os modelos latinos são mais processuais, centrados no método de negociação entre os atores sociais. Surpreendentemente, as escolas privadas do país não optaram por um modelo específico no final dos anos 90, possivelmente em virtude da forte crise econômica que atingiu o setor10. A oferta de escolas e vagas em escolas públicas no final do século demonstram um forte investimento público na área educacional, como é possível verificar no gráfico abaixo.

Gráfico 1
Crescimento de estabelecimentos particulares e estatais de ensino
fundamental e médio no Brasil (1995/2000)

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FONTE: ANAMEC e INEP, 2001.

O fato é que as reformas educacionais no período concentraram-se nas escolas da rede pública de ensino brasileiro, com raras exceções.

Este preâmbulo que procura localizar as reformas educacionais no país auxilia para introduzir uma primeira questão de fundo a respeito de suas motivações e características.

Comecemos por uma rica provocação elaborada por J. Carbonell. O autor faz uma distinção instigante entre inovações e reformas educacionais:

Inovação como um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que tratam de modificar atitudes, idéias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas. E, por sua vez, introduzir, em uma linha renovadora, novos projetos e programas, materiais curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da classe. [...] As diferenças entre inovação e reforma têm a ver com a magnitude da mudança que se quer empreender. No primeiro caso, localiza-se nas escolas e nas classes, enquanto que o segundo diz respeito à estrutura do sistema educativo em seu conjunto. Além disso, as reformas escolares são movidas por imperativos econômicos e sociais, e estão ligadas a esse tipo de reformas mais gerais11.

Acredito que tal distinção, se, por um lado, auxilia na compreensão dos territórios e atores sociais envolvidos, por outro dificulta a identificação do que temos de central em várias reformas em curso. Em outras palavras, muitas das reformas de inspiração latina, em andamento no Brasil, buscam justamente a superação da distinção entre a prática em sala de aula e o planejamento central da política educacional. Assim, grande parte das reformas educacionais, com destaque para as que ocorrem em municípios brasileiros, supõem a construção efetiva de uma rede pública de ensino, onde as escolas articulam-se em projetos ou a partir de problemas comuns. Este é o sentido de várias tentativas de descentralização de programas de formação de professores ou de sua articulação com modelos de gestão e comunicação no interior do sistema12. A participação da comunidade deixa de se atomizar para compor uma rede. Este parece ser um dos principais desafios contemporâneos na área de gestão de sistemas educacionais.

Entendo que as reformas educacionais em curso no Brasil, que atinge grande parte dos governos municipais que implementam reformas educacionais desde os anos 90 e que se inspiram nas concepções latinas, estariam no mesmo campo de preocupação e construção de políticas públicas de natureza participacionista ou caracterizadas como democracia participativa. Em livro recente, B. Santos13 sustenta que o mundo atual exige soluções plurais nas quais a coordenação de grupos distintos e soluções diferentes ocorrem no interior de uma mesma jurisdição14, aumentando a importância do saber e interesses dos atores sociais. Esta sugestão analítica se aproxima do que A. Giddens vem denominando de sociedade reflexiva, ou seja, uma nova sociedade emergente que está pautada pela profusão de informações e inovações cotidianas, obrigando todos cidadãos a tomar uma variada gama de decisões no seu dia-a-dia. O homem contemporâneo é reflexivo por natureza, porque dele é exigido que decida sobre problemas inusitados. Ora, o problema desta mudança na ordem social é que nem sempre as burocracias se apropriam dos saberes e interesses dos cidadãos. Estaria aí um alto risco de deslegitimação das agências estatais burocratizadas, incluindo todo o sistema educacional. Na prática, as demandas do mercado de trabalho, as tensões e rupturas familiares, as expressões culturais e religiosas cada vez mais fragmentadas, a valorização crescente dos espaços privados e as tribos urbanas, pressionam todos sistemas gerenciais de prestação de serviços públicos a estarem abertos à composição de acordos e objetivos que antes eram definidos exclusivamente pelas esferas superiores da gestão governamental. Pelo contrário, no dia de hoje, é cada vez maior a importância das instâncias inferiores dos sistemas educacionais (e outros sistemas de gestão pública) na tomada de decisão. No caso educacional, a participação progressiva de famílias, professores e atores sociais do entorno escolar interferem na manutenção dos equipamentos escolares, na segurança interna das escolas e na orientação curricular. Esta é uma mudança significativa do papel da escola que, de instância de formação básica para o desenvolvimento econômico, passa a assumir o papel de instância social básica de desenvolvimento social, potencializando acordos morais, unificando interesses comunitários e abrindo-se para a elaboração de novos conhecimentos sociais.

Esta parece ser a base das críticas que A. Hargreaves15 às reformas anglo-saxônicas. Para o autor, várias das reformas anglófonas orientam-se por uma nova ortodoxia fundada na padronização de saberes. Contudo:

Uma das críticas mais contundentes de reformas minuciosas orientadas por padrões (ou daquelas que têm características semelhantes e são rotuladas como sendo baseadas em resultados) é que elas reduzem o currículo e o planejamento curricular a processos técnicos e racionais, perdendo grande parte do que poderia ser eficaz e envolvente no ensino e no aprendizado. [...] Em resposta a essa posição, Sergiovanni ressente-se com o que chama de «a explosão da padronização», e argumenta que a preocupação excessiva com o mundo técnico dos padrões está expulsando o lifeworld – e, pode-se acrescentar, a força vital – da educação. Ele se preocupa com o fato de que «se continuarmos com essa solução única, com padrões típicos e avaliações padronizadas, iremos comprometer os lifeworlds dos pais, dos professores, dos estudantes e das comunidades locais16.

Em suma, os interesses dos pais, dos professores e dos alunos seriam substituídos por sistemas de padrões que determinam o que é necessário socialmente.

Daí porque ser importante destacar as motivações centrais das reformas educacionais em curso, para além das demandas econômicas. Destaco seguidamente três motivações que considero mais significativas.

1.1 Motivações Pedagógicas

A década de 70 do século passado deu lugar ao início de um movimento reformista em nosso país. Naquele momento, o regime militar impunha um severo controle político sobre as escolas públicas, o que consolidou uma significativa estrutura de controle burocrático altamente centralizada. No campo pedagógico, o governo federal reorganizou os objetivos curriculares a partir da necessidade econômica de expandir a oferta de mão-de-obra para a indústria de bens de consumo durável, em franco desenvolvimento naquela década. Os métodos behavioristas de fixação de comportamentos e de memorização foram largamente empregados, dando lugar a muitos pareamentos17. Foram introduzidas, ainda, disciplinas semi-profissionalizantes ao longo do ensino fundamental e médio. Todas as modalidades curriculares implementadas pelo governo federal neste período foram claramente espelhadas nas concepções anglo-saxônicas.

No campo das escolas privadas, contudo, algumas inovações pedagógicas foram desenvolvidas, em especial nas escolas de educação infantil. Essas inovações foram agregadas no que se convencionou denominar de construtivismo. Na prática, oscilaram entre orientações piagetianas a programas que tangenciavam o espontaneísmo, passando por proposições rousseaunianas. Em alguns casos, educadores progressistas procuravam criar espaços de experimentação, já que as escolas públicas haviam sido reduzidas a práticas tayloristas de educação.

O que convém destacar é que esta dicotomia pedagógica verificada entre escolas públicas e iniciativas progressistas introduzidas em algumas escolas particulares acabou por marcar algumas das reformas educacionais que ocorreriam na década seguinte.

A redemocratização do país nos anos 80 alterou a lógica observada na década anterior. As reformas educacionais ganharam impulso a partir de governos estaduais eleitos pelo voto direto, passaram pelas iniciativas dos governos municipais, e, finalmente, chegaram ao governo federal. Neste último caso, o Ministério da Educação contratou o ex-diretor da reforma educativa da Espanha, César Coll, como consultor na elaboração dos Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN), o que significou uma mudança significativa nos objetivos e concepções que orientavam até então a ação governamental.

A «guinada latina» da educação brasileira deslocou, ainda que não totalmente, a ênfase nos resultados para os processos de aprendizagem. E a partir desta nova trilha, estudos e temas oriundos da psicologia e da neurologia ganharam relevância. Estudos sobre o funcionamento da mente, sobre desenvolvimento humano e sobre sociabilidade passaram a ter lugar nas orientações educacionais. Alguns autores destacaram-se mais. Este é o caso das teorias socio-interacionistas, tendo em Vygotsky e Luria as referências mais citadas. Piaget foi relido por muitos autores, superando alguns reducionismos englobados originalmente na denominação «construtivismo». A releitura piagetiana orientou-se pela discussão dos ciclos de formação humana (as peculiaridades da infância, da pré-adolescência e da adolescência e os condicionamentos dos processos de desenvolvimento) ou pelas mãos de seu discípulo, L. Kohlberg (como no caso da reforma espanhola), que desenvolveu o estudo dos estágios de desenvolvimento moral.

Ainda nesta esteira propiciada pela «guinada latina», vários estudos de neurologistas (nem todos latinos) alimentaram mudanças na perspectiva pedagógica oficial. O autor mais influente foi H. Gardner, a partir de seu conceito de inteligências múltiplas18. O Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) espelhou-se nesta teoria. Ao invés da elaboração de provas por disciplina, a teoria das inteligências múltiplas foi o fundamento para a elaboração de exames cujas questões eram declaradamente interdisciplinares, ou até mesmo resvalavam na transdisciplinaridade. Os elaboradores do ENEM apostaram na formulação de «situações problema» que exigiriam a articulação de vários conhecimentos e linguagens. O campo da avaliação pedagógica foi, inclusive, o mais polêmico das reformas educacionais. Uma disputa surda entre especialistas e dirigentes governamentais foi travada sem que grande parte dos educadores percebessem. O ENEM conviveu com modelos mais ousados de avaliação, como a sugestão de portfolio19, desenvolvida pelo educador catalão Fernando Hernández. Ao mesmo tempo, vários governos estaduais e o próprio governo federal desenvolveram programas de avaliação sistêmica de forte inspiração anglo-saxônica. Padrões estatísticos foram formulados para medir variações no desempenho dos alunos, deixando-se de lado o foco no processo de aprendizagem e suas múltiplas influências (sociais, culturais, econômicas). Como se percebe, o país continuou dialogando com teorias conflitantes. Permanecemos tributários de uma cultura que um dia S. Buarque de Holanda sintetizou como a encarnação dos personagens do trabalhador e do aventureiro: de um lado, uma razão ordenadora e, de outro, um impulso à mudança. Seríamos, enfim, uma síntese inacabada.

Contudo, é necessário destacar que a maior influência nas reformas educacionais, embora em grau diferenciado de aprofundamento ao longo do país, foram os autores espanhóis. A influência direta surgiu a partir da reforma espanhola iniciada em 1985-1986. Inicialmente, os autores com orientação psicopedagógica (em sua maioria oriundos de reflexões piagetianas) tiveram maior projeção, logo cedendo seu lugar aos autores cuja fundamentação incorporava teorias sociológicas ou antropológicas. Autores como F. Hernández, A, Zabala, J. Santomé e o citado Sacristán orientaram grande parte das inovações curriculares.

O maior dos impasses na concretização de tais orientações está sendo a estrutura organizacional das escolas e sistemas educacionais do Brasil. A organização do tempo escolar, a rigidez do tempo do módulo-aula fixada em 50 minutos, o excesso de turmas de alunos para cada professor, o diminuto tempo de estudo coletivo para professores, a quase inexistência de programas de estudo em tempo integral, a ausência de programas de formação em serviço, tais déficit organizacionais colocam por terra as reformas educacionais que enfocam o acompanhamento do processo de aprendizagem e de formação humana.

1.2 Motivações Sociais

E. Shorter, em seu livro A formação da família moderna20, sustenta que entre a década de 60 e 70 ocorreu uma grande alteração na relação entre gerações. A desmontagem da família como «ninho» aumentou a probabilidade de adolescentes organizarem opiniões autônomas, muitas vezes diametralmente opostas às convicções de seus pais. O autor crê que a família nuclear está sendo substituída, desde então, pelos «grupos de iguais». Não haveria um conflito entre gerações, mas um afrouxamento da influência da família. Estudos realizados na Europa e EUA demonstram, com efeito, que adolescentes ao redor dos quinze anos de idade preferem a convivência com amigos, em oposição à sua família. O comportamento, como modo de vestir, passa a ser influenciado por outros jovens, constituindo uma subcultura adolescente, independente dos valores adultos. Não seria, portanto, uma mera afirmação, mas um estilo de vida.

Para Shorter e outros estudiosos do comportamento familiar, a desarticulação do núcleo familiar está diretamente relacionada com o aumento de divórcios e com novas exigências do mercado de trabalho. Na Grã-Bretanha, entre os que se casaram em 1960, quatorze num universo de mil pessoas tinham-se se divorciado; a projeção que se faz para o início deste século é que o divórcio atingiria 250 pessoas em mil casadas nos últimos três anos. A mesma projeção envolveria a população dos EUA.

No Brasil, o IBGE registrou um aumento de 32% do número de divórcios ao longo da década de 90, acompanhado por uma redução de quase 1% na taxa de casamentos (em 1994 haviam ocorrido 763 mil casamentos, e, em 1998, 699 mil). A guarda dos filhos de casais separados fica, em 90% dos casos, com as mães. É o mesmo índice da Europa. Nos EUA as mulheres assalariadas realizam 75% das tarefas domésticas e são ajudadas por seus maridos um pouco mais de meia hora por dia21. Na década de noventa, 79% das espanholas, 70% das inglesas e alemãs, e 60% das italianas e francesas afirmaram que seus maridos não auxiliam em nada nos afazeres domésticos.

Imaginemos, então, a rotina diária de uma mãe brasileira, separada, responsável por dois filhos adolescentes (nos anos 90, a faixa etária entre 14 e 19 anos de idade era a mais significativa em nosso país). Independente da sua renda mensal, dificilmente encontrará tempo para acompanhar os estudos de seus filhos. Além de provedora, está inserida numa cultura que determina que atividades domésticas são de responsabilidade feminina.

Enfim, os dados populacionais do ocidente revelam que as mulheres trabalham mais em empregos que remuneram pouco, separam-se de seus maridos com mais freqüência, e assumem a chefia da família em 90% dos casos de famílias monoparentais22.

Podemos aventar a hipótese que as mudanças em curso no mercado de trabalho, ao exigirem maior dedicação, facilitam a decomposição dos arranjos familiares originais. Em muitos casos, mesmo que isso não ocorra, o drama da educação dos filhos permanece. O tempo de convívio familiar se reduz. Em suma, as famílias estão transferindo a educação básica de seus filhos para a escola.

Esta seria uma motivação importante para as reformas educacionais: o papel social das escolas altera-se muito no século xxi. A socialização básica é largamente transferida para as escolas. Mas nossos equipamentos escolares, nosso corpo de dirigentes e nossos professores não se formaram para esta tarefa, com exceção da educação infantil. Não seria por outro motivo que temas que fogem da tradição curricular brasileira povoam um número grande de projetos educacionais contemporâneos, como é o caso dos projetos que envolvem sexualidade, violência, cidadania, preservação ambiental, etc.

1.3 Motivações Políticas

A redemocratização do país nos anos 80 desarticulou a burocracia estatal dedicada à administração de políticas sociais. O modelo fordista tupiniquim, que o regime militar procurou esboçar a partir da captação de poupança externa e do aumento da pauta de exportação, alicerçou-se na geração de emprego a partir da expansão da indústria da construção civil e no financiamento de grandes projetos de desenvolvimento regional, e na política previdenciária pública (ampliando, inclusive, o acesso ao meio rural através do Funrural). A política educacional vinculou-se de maneira direta ao aumento de oferta de postos de trabalho industrial, restringindo as preocupações pedagógicas. A tentativa de formação de um corpo técnico de nível médio no Brasil foi a tônica da reorganização do sistema de ensino. Contudo, como o meio educacional tinha sido foco de resistência ao regime militar, uma complexa estrutura de controle foi engendrada, unificando os currículos, extinguindo qualquer autonomia das unidades escolares, implementando estruturas de fiscalização intermediárias (entre escolas e sedes das secretarias de educação). Esta burocracia intermediária, marcada pelas funções de controle e fiscalização, foi sendo desmontada a partir da redemocratização, embora de maneira desigual ao longo do país e permanecendo como foco de resistência às várias mudanças em curso.

A pauta das reformas educacionais dos anos 80 espelha a negação ao modelo educacional forjado no regime militar, sendo muitas vezes formulada a partir da agenda sindical ou estudos produzidos por intelectuais progressistas. Assim, o binômio autonomia e participação da comunidade escolar passou a figurar como antítese do modelo anterior, justamente porque desmontava a estrutura de controle e fiscalização. As primeiras iniciativas da década de 80 que caminharam nesta direção procuraram alterar as estruturas curriculares. Programas de alfabetização de adultos inspirados nas teorias de Paulo Freire e mudanças nos programas curriculares introduzindo a noção de globalidade (em que o conteúdo educacional se articula com a realidade concreta da vida do aluno, e não como uma informação postiça ou artificial, exigindo vinculação com conceitos de várias disciplinas) e, no caso de algumas áreas específicas, inovando em conceitos estruturantes23. Em seguida, uma nova vaga reformista passou a instalar mecanismos de gestão descentralizada e uma valorização do professor sustentados por programas de formação continuada. Finalmente, instalaram o sistema de ciclos e de formas colegiadas de gestão (conselhos municipais, conselhos ou colegiados escolares).

Seria possível, então, aventar a possibilidade das reformas educacionais brasileiras do último período sofrerem o signo da motivação política mais que pedagógica. Esta hipótese explicativa poderia justificar tantas iniciativas de mudança nem sempre coincidentes, atingindo uma mesma localidade, e, em alguns casos, uma mesma escola. O objetivo central das reformas seria a desmontagem do sistema de controle central, o que acrescentaria o poder escolar, aumentando a autonomia do professor. Obviamente que tal movimento desaguaria em mudanças profundas da prática pedagógica, mas seria encarada como conseqüência e não como motivação para a mudança. Se essa hipótese tem sentido, as contradições entre reformas estaduais e municipais, e até mesmo no interior de cada iniciativa reformista são compreensíveis, e, neste caso, seria também possível prever que estaríamos num estágio em que tais contradições desencadeariam um grande debate público. Em outras palavras, se no princípio as reformas tiveram uma conotação política de negação do modelo educacional elaborado pelo regime militar, ao se esboçar o mosaico de iniciativas reformistas, o país acabaria por revelar propostas muito diferentes entre si, embora em apariência similares na intenção. Aos poucos, tais distinções acalentariam debates entre educadores que identificariam as nuanças. Possivelmente estamos ingressando nesta fase, dada a inquietação entre gestores educacionais de estados e municípios, e a agenda cada vez mais carregada de encontros para avaliar e socializar iniciativas reformistas24.

2. As reformas brasileiras no contexto latino-americano

A década de 90 foi palco das reformas educacionais latino-americanas. Alguns pontos foram comuns: descentralização administrativa, políticas com enfoque em grupos vulneráveis, melhoria da qualidade e da participação comunitária. Contudo, alguns estudos apontam a persistência das desigualdades ao acesso e às oportunidades educacionais (ausência de eqüidade), o rendimento escolar continua baixo (altas taxas de repetência e abandono escolar), políticas de financiamento seguem encontrando obstáculos políticos, deterioração das condições de trabalho dos professores e desprestígio da profissão25.

Grosso modo, as reformas em curso mantêm uma dicotomia similar a que ocorre no Brasil: experiências que aumentam a autonomia escolar, aproximando-se em alguns casos de uma atomização da escola pública, em que o equipamento escolar deixa de compor um sistema para se aproximar de uma escola exclusiva da comunidade escolar, e experiências que reforçam a construção de um sistema democrático de educação pública priorizando a educação básica, o que nem sempre supera um excessivo grau de centralismo administrativo, e, em alguns casos (como o brasileiro), desequilibra os aportes financeiros e até mesmo as iniciativas de melhoria no interior do sistema educacional (no caso brasileiro, o investimento na educação básica afetou duramente as universidades públicas).

Alguns estudiosos consideram, ainda, que o método de implantação das reformas foi acelerado, um «método apressado», que não refletiu a heterogeneidade das práticas educacionais no interior das escolas.

Helena Bomeny, da FGV-RJ e coordenadora do PREAL no Brasil, destaca quatro pontos não superados pelas reformas educacionais, desafios para este início de século:

  • Tempo médio de escolaridade muito baixa: no caso brasileiro, 49% daqueles que possuem entre 25 e 59 anos de idade não superaram cinco anos de escolaridade.
  • Jornada escolar reduzida: a maioria dos países latino-americanos ainda não conseguiram adotar o estudo integral de oito horas diárias, embora apresentem resoluções nesta direção, como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) do Brasil. A jornada em período integral é a mais adequada para a implantação do sistema de ciclos e a única que possibilita a ampliação do tempo de estudo coletivo de professores;
  • O déficit de vagas e projetos pedagógicos na educação infantil.
  • Fragilidade das políticas de apoio e de incentivo ao professor, relacionadas ao desempenho, avaliação, recompensa e exposição pública. Bomeny destaca que pesquisas recentes dos EUA revelam que os melhores índices de desempenho profissional de professores relacionavam-se com o que esses profissionais tiveram quando estudantes do Ensino Médio. A autora articula este dado com a constatação do déficit de formação básica de grande parte dos professores que ministram cadeiras específicas no Ensino Médio brasileiro26.

Gajardo apresenta um quadro de estratégias inovadoras implementadas por governos latino-americanos ao longo da década de 90, possibilitando um panorama das iniciativas em curso.

As inovações e reformas não foram homogêneas, como destacado no início deste item. A título de ilustração, analisaremos as mudanças relacionadas à autonomia escolar, tema caro nos debates.

No Brasil, na prática, a construção da autonomia confundiu-se com descentralização administrativa e financeira, relacionada de maneira direta com eleição de diretores escolares e criação de órgãos colegiados que aprovavam decisões e exerciam controle sobre sua execução. Também esteve diretamente relacionada à transferência de alguns recursos, como aquisição de merenda e materiais de consumo. O fato é que nunca tivemos um padrão nacional de serviços educacionais. Como afirma M. Arretche.

Tabela 2
Eixos e estratégias nas orientações de política educacional
na década de 90

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FONTE: M. Gajardo (2000): «Reformas educativas na América Latina: balanço de uma década», in Documentos PREAL, núm. 15. Rio de Janeiro, PREAL, p. 13.

A carreira, o salário e o pagamento de professores, a natureza e qualidade dos serviços educacionais oferecidos, bem como os padrões de avaliação, foram sempre executados – na esmagadora maioria dos Estados – de modo independente para uma mesma série em uma mesma cidade por duas redes, que tenderam a operar de um modo inteiramente paralelo27.

A autora observou como alguns estados brasileiros implementaram as políticas educacionais descentralizadas, a partir da Constituição de 88 e da LDB, que teriam que se confrontar com a cultura política fragmentada destacada anteriormente. Nos casos estudados, apenas o Paraná havia implementado um programa de descentralização efetivo entre 1988 e 1994, transferindo para os municípios a gestão completa do ensino fundamental (incluindo educação especial, educação infantil e supletivo). O mais interessante é que o grau de adesão foi maior nos municípios de pequeno porte, justamente porque, na análise de Arretche, possuem menor poder de negociação com os órgãos centrais do sistema educacional. Em outros estados pesquisados (São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará) os programas de descentralização ocorridos na primeira metade dos anos 90 foram insuficientes ou parciais. No caso da descentralização da merenda escolar, a partir de 1993 estruturou-se uma intervenção nacional para sua municipalização. O baixo custo do processo de municipalização gerou um grande êxito do programa, como pode ser observado na tabela abaixo.

Tabela 3
Programa Nacional de Alimentação Escolar
(Taxas de municipalização em Estados selecionados)

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FONTE: M. Arretche (2000): Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. Rio de Janeiro/São Paulo, Revan/Fapesp, p. 165.

O que podemos aventar como hipótese explicativa é que a descentralização dos programas educacionais ocorreram no Brasil quando o programa em questão apresentava baixo custo operacional para o município que aderia ao programa, ou quando seu poder de barganha com o poder central era baixo. A análise de Arretche, em suma, sugere a persistência da cultura política centralizadora, a despeito das mudanças efetivamente ocorridas.

No caso do Chile, em 1990 foi promulgada uma lei que garante a descentralização curricular e pedagógica, onde as realidades locais são privilegiadas. Foi criado um fundo nacional para fomentar a elaboração de Projetos de Melhoria Educativa (PME) das escolas. Durante a década de noventa, 5.600 projetos foram financiados por esse fundo.

Mas as experiências mais significativas de construção de autonomia escolar ocorreram na América Central. Três programas parecem se destacar: o PRONADE da Guatemala, o EDUCO em Salvador, e as Escuelas Autónomas da Nicarágua. Aqui é importante destacar o alto risco de atomização das escolas, embora esta não seja a orientação inicial.

O PRONADE teve início em 1993, ocorre nas escolas rurais da Guatemala e aproxima-se da experiência brasileira de Escolas Família-Agrícola (EFAs). Caracteriza-se pela transferência de responsabilidades administrativas para a comunidade local. Nas escolas são instituídos Comitês Educativos de Autogestão (Coeduca), compostos por pais que contratam professores, pagam salários, provêm ajuda alimentar e realizam a manutenção das escolas. Os COEDUCAs recebem apoio técnico de Instituições de Serviços Educativos (ISEs), que desenvolvem programas de formação e supervisionam o emprego dos recursos financeiros. Este programa envolve 3.600 professores e 155 mil alunos.

Por sua vez, o EDUCO salvadorenho foi criado em 1991. Também caracteriza-se pela transferência de recursos financeiros para as comunidades locais administrarem os equipamentos escolares. Neste caso, as Associações Comunais para a Educação (ACE) realizam convênios com o Ministério da Educação e acessam fundos e programas de formação. As ACE são constituídas por pais de alunos, e, como os COEDUCA, contratam professores e supervisionam seu desempenho. Neste programa estão envolvidos 1.800 professores e 168 mil alunos.

Por fim, as escolas autônomas da Nicarágua tiveram início em 1991, e, igualmente, tiveram como pilar a organização de conselhos de escolas públicas, inicialmente de caráter consultivo. Os conselhos são compostos por pais, diretores, professores e líderes comunitários, que analisam as questões pedagógicas e administrativas da escola. Hoje os conselhos possuem poder deliberativo.

Como se percebe, as mudanças parecem adotar um norte próximo, a descentralização administrativa e o aumento do poder da comunidade local, mas o grau de radicalidade das experiências e a própria concepção de sistema educacional público é muito distinto.

Todas as iniciativas reformistas da América Latina parecem confluir para esta característica da unidade de intenções e de heterogeneidade de métodos e resultados. Os avanços, como afirma o documento do PREAL, são importantes, mas os resultados são pobres: persiste a distância entre estratos sociais, a melhoria dos resultados pedagógicos é muito lenta (sobretudo nos países mais pobres), a ausência de redes de comunicação e interação entre atores prevalece, os interesses corporativos e institucionais se sobrepõem aos comunitários e sociais, o financiamento continua insuficiente.

B. Sander, num lúcido ensaio sobre a gestão educacional na América Latina, já havia destacado a persistência da tradição funcionalista da educação, que objetiva a ordem e a integração social, e onde a administração projeta-se como mediadora entre interesses, dando lugar à hipertrofia das estruturas burocráticas28. Estaríamos longe, então, de uma concepção que o autor denomina de Administração Relevante, ou seja, de modelos de gestão em que o critério cultural define e mede o desempenho gerencial. Neste último caso, o critério da qualidade de vida e de solidariedade comunitária superariam a de metas quantitativas alcançadas. Por este critério, a noção de capital social 29, ou a capacidade comunitária de se agregar e construir soluções coletivas aos problemas locais, reorientaria os projetos educacionais e as práticas pedagógicas.

Contudo, somos herdeiros de uma cultura política altamente centralizadora e dependente, em que a emergência de uma sociedade civil organizada tensiona com as tradições.

3. Indicando os desafios e impasses nesses vinte anos de reformas educacionais

Em junho de 2002, secretários de educação de vários municípios e estados brasileiros que vêm implementando reformas educacionais reuniram-se em Belo Horizonte para inaugurar o Fórum Nacional de Reformas Educacionais (FNRE). Ao longo de dois dias, secretários oriundos das regiões nordeste (Fortaleza e Pernambuco), sudeste (vários municípios de Minas Gerais e São Paulo, além de especialistas do Rio de Janeiro), sul (Mostardas, Florianópolis e Porto Alegre) e centro-oeste (Mato Grosso do Sul e Cuiabá) montaram um primeiro painel das reformas em curso e os principais impasses que enfrentam.

Pela representatividade política (os secretários presentes estão vinculados à governos que envolvem a totalidade dos grandes partidos brasileiros) e pela especificidade do Fórum (secretários que implementam reformas educacionais), o evento constitui-se num importante panorama do andamento das reformas educacionais brasileiras. As discussões realizadas revelaram uma dupla mão de dificuldades: a primeira diz respeito aos entraves burocráticos e o legado da estrutura gerencial e organizacional do setor público (problemas com transporte escolar, substituição de professores, além de fontes de financiamento, foram os aspectos mais ressaltados); a segunda destacava peculiaridades específicas das reformas (sistema de avaliação emergiu como um dos problemas mais citados).

Uma intervenção inicial de Hernández orientou grande parte das discussões posteriores. Ele destacou como título de sua primeira intervenção A importância de relacionar a formação dos professores com a melhoria da educação. Um título que indica um olhar atento à prática educativa, à prática concreta da sala de aula, da realidade do professor. As reformas educacionais contemporâneas possuem este mote da relação entre sua efetivação e a capacidade protagonista do professor no seu desenvolvimento.

Em determinado momento, o educador espanhol destacou o «aprendizado acumulado» sobre as reformas. A partir daí, a articulação entre cultura do professor e desenvolvimento das reformas ficou mais nítido. Segundo Hérnández, é fundamental a definição de um marco geral das reformas, por meio do qual se dialoga com o que se considera os desejos de uma sociedade. Mas o sentido da reforma precisa ser compartilhado com o professor, o que sugere estratégias de comunicação em que o professor explicita a maneira como ele experimenta a mudança, permitindo-lhe, inclusive, expressar suas objeções. A reforma é, então, compreendida como um processo sociopolítico de negociação de interesses e convicções, o que demanda muito tempo (mais de oito anos).

As estratégias de comunicação e de negociação aparecem como fundamentais para o desenvolvimento das reformas justamente porque definem uma cultura escolar positiva, que incorpora e trabalha o sentimento de perda e de ansiedade dos seus protagonistas. Seu sucesso, portanto, está relacionado às condições que se instalam no interior das escolas, possibilitando que elas assumam riscos, mantenham o ânimo em momentos de turbulência, e garantam a identidade de propósitos do grupo de educadores.

Em sua elaboração, Hernández parece sugerir que a condução política das reformas educacionais deve assumir a mesma crença pedagógica que as formulações educacionais centradas no acompanhamento do processo de desenvolvimento: sustentam a necessidade de diálogo com as práticas concretas e experimentadas para que o educando construa um conhecimento peculiar e próprio, transformando-se em protagonista. As reformas educacionais contemporâneas, a partir deste paralelo, deveriam dialogar com as práticas, experiências e desejos concretos dos professores, procurando transformá-los em energia moral que sustenta o desenvolvimento das mudanças.

Corroborando as sugestões de Hernández, os secretários sustentaram que o locus das reformas educacionais é o poder municipal, justamente porque possibilita a construção e o exercício de uma prática democrática, ou seja, a formação de uma massa crítica a partir das reformas. Quanto mais distante das escolas e do cotidiano escolar, menos dialógica e permeável torna-se a reforma.

Tal constatação mantém identidade com a tese que apresentamos neste texto sobre a característica das reformas educacionais contemporâneas: a sua aproximação com as inovações escolares.

Como princípios a serem observados nas reformas educacionais, os participantes do FNRE destacaram:

  • A observação da vivência e da subjetividade dos professores ao longo do processo de mudança. As reformas, em suma, dialogam com práticas cristalizadas e com ritmos e crenças diferenciadas do corpo docente. Ignorar a multiplicidade de intenções é romper com o diálogo, com o real ator das reformas.
  • A definição pública de um marco global, de resultados e objetivos desejados. Este é o discurso que deve iniciar o diálogo com os professores e com a comunidade escolar. Sem um marco e sem objetivos anunciados com clareza, não se estabelece um processo de reforma, mas uma imposição.
  • Observação do tempo necessário para que a reforma seja construída enquanto processo. Hernández, em sua exposição aos secretários, destacou que estudos recentes sugerem um mínimo de oito anos em reformas cuja abrangência territorial é um distrito escolar.
  • Necessidade de distinção entre mudanças externas (reestruturação do sistema educacional) e mudanças internas (reculturação). A construção de uma nova cultura educacional e escolar é mais complexa, necessária e longa, e apoia-se justamente no diálogo permanente entre os gestores públicos e a comunidade escolar; a prioridade na valorização do profissional da educação (o ator das reformas), compreendida como remuneração salarial digna, formação em serviço a partir da demanda dos professores (em caráter permanente, incluindo temáticas como práticas na escola, cultura e lazer), implicação dos professores na formulação de políticas educacionais, autonomia das escolas na elaboração de seus projetos pedagógicos, organização de colegiados de gestão e participação, eleição direta para diretores de escola, tempo semanal de estudo remunerado, prevenção e atendimento ao adoecimento, avaliação de desempenho profissional e institucional, e investimento na formação em cursos superiores.

Como protagonista das reformas, o professor mereceu grande destaque nas intervenções. Foi consenso entre os presentes a necessidade de superação de contratos de trabalho que obrigam o professor brasileiro a ministrar aulas em muitas escolas, perdendo a oportunidade de ser elaborador na construção de um projeto institucional.

Apesar do foco dos discursos convergir para a valorização da escola e do município como locus das reformas, e do professor como seu protagonista, o tema da autonomia mereceu uma atenção mais minuciosa dos secretários. A autonomia, sugeriram várias intervenções, não pode ser confundida com atomização do sistema público de educação. Desde a década de 80 do século passado, o tema da autonomia escolar vem sendo explorado em todos discursos sindicais e reformistas. Contudo, os discursos nem sempre tiveram a mesma intenção pedagógica ou política, e acabaram evitando aprofundar tal distinção, tornando esta proposta numa bandeira aparentemente unânime e muito superficial. Enfrentando esta lacuna, o FNRE acatou a elaboração da Secretaria de Educação de Porto Alegre, que sugeriu a adoção do conceito de «autonomia parcial». O conceito significa a busca do equilíbrio entre os regulamentos centralizadores e as iniciativas locais (projeto coletivo original, explícito e negociado, conjugando as finalidades visadas pelas autoridades às próprias necessidades e possibilidades de evolução local).

É possível verificar alguns paralelos entre as observações realizadas no FNRE e outros eventos educacionais de cunho progressista, que privilegiam o espaço escolar e sua relação com a comunidade30.

Parece-me, mais uma vez, que tais recentes iniciativas reorientam as estratégias educativas do pós-guerra, quando objetivos educacionais vinculavam-se diretamente com propósitos econômicos nacionais. A escola havia se transformado num instrumento à serviço de metas gerais, distanciando-se das motivações e da dinâmica local. Mas os exemplos citados ao longo deste texto indicam uma mudança significativa em relação a este foco. A escola e o espaço de vivência social passam a se encontrar, articulando projetos educacionais. A escola chega a observar e interagir com outros espaços formativos (as ruas, as organizações culturais e religiosas, as festas populares, os lares), incorporando as intenções sociais e motivando processos de aprendizagem e de socialização mais amplos. Os espaços educativos, então, superam o escolar, mas são todos incorporados no projeto pedagógico da escola.

É a partir dessa nova lógica que o papel do professor e a atenção em relação às suas condições de trabalho e desenvolvimento parecem ganhar relevância nos processos de implantação das reformas educacionais contemporâneas. É ele, o professor, o sujeito da leitura institucional que a escola deve realizar para compreender as possibilidades de interação com os outros espaços formativos e de socialização dos alunos. É ele que interage com os alunos, e, preferencialmente, com pais e líderes comunitários, dialogando com vários saberes e interesses que passam a compor novos projetos e currículos.

Mas, se esta hipótese é válida, estamos muito longe de conseguirmos traduzir tal compreensão e necessidade em práticas concretas. Ainda adotamos metodologias impositivas de implantação das reformas, alijando os professores da elaboração e da definição do ritmo da mudança. E, mais: não conseguimos, ainda, incorporar as dimensões culturais do trabalho docente na condução das referidas reformas. Este é o caso das múltiplas expectativas que afetam o trabalho do professor. Um olhar breve sobre este tema pode auxiliar na compreensão do quanto divorciamos as iniciativas reformistas do cotidiano do professor.

Uma das expectativas sociais em relação ao papel social do professor é o de «mãe postiça», em especial nos primeiros anos de escolaridade. Esta é uma expectativa marcadamente afetiva. Contudo, nos anos posteriores a expectativa social é de transferência de competências técnicas aos alunos. Finalmente, nos anos de Ensino Médio a expectativa passa a ser a preparação para o ingresso nas universidades e no mercado de trabalho. Tal pressão social, muito distinta em relação à faixa etária do aluno, implica uma determinada conduta profissional do professor, e sua performance gera um julgamento precisso sobre sua competência. As reformas raramente dialogam com tais pressões que inundam o cotidiano de trabalho do professor. Ao contrário, o discurso reformista é genérico e universal, não conseguindo manter contato com as expectativas sociais reais e com o cotidiano escolar. O discurso generalista das reformas aumenta em muitos casos a solidão do professor, que, além de atender as demandas das famílias, passa a ter que atender as demandas governamentais. Não por outro motivo muitos acabam mergulhando numa sensação de frustração e rancor. A psicanalista Alicia Fernández procurou traduzir tais sentimentos cotidianos no que denominou queixas-lamento (desmobilizadoras) e queixas-reclamo (que denunciam as causas do sofrimento)31. Muitas vezes as queixas são estimuladas e promovidas pela escola, e evoluem, não raro, para uma denúncia da redução da tarefa de educar.

Fernández oferece pistas para compreendermos o quanto estamos distantes de atingirmos os objetivos reais das reformas educacionais contemporâneas. São inúmeros os casos em que as reformas são implantadas e as queixas dos professores multiplicam-se. Mas, na medida em que o professor é o ator principal das reformas, tal situação revela uma larga distância entre intenção e gesto. Este parece ser o principal obstáculo: articular os objetivos gerais das reformas com uma escuta atenta do cotidiano escolar e do fazer docente.

John Dewey afirmou, numa oportunidade, que nem sempre quando um professor sustenta que possui dez anos de experiência, ele está dizendo a verdade. Muitas vezes, prossegue o autor, o professor teve apenas um ano de experiência e a repetiu por mais nove anos. A experiência, em síntese, nasce da reflexão sobre a prática concreta. Se não criarmos condições concretas para que o professor mergulhe nas experiências das reformas educacionais, passarão vários anos, e, ao final, constataremos que as mudanças não criaram raízes. Poderão ser eficazes, mas, dificilmente, serão efetivas.

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Notas:

(*) Sociólogo, doutor em Ciências Sociais, professor da PUC-Minas e diretor da
CPP (Consultoria em Políticas Públicas), Brasil.

1 Ver R. Ricci (1999): «O perfil do educador do século XXI: de boi de coice a boi decambão»,i n Educação & Sociedade, núm. 66, ano XX. Campinas: CEDES. Às páginas 157- 160 destaco e analiso algumas de suas características principais.

2 Ver M. M. Campos (2000): «A qualidade da educação em debate», in Cadernos do Observatório. Edição Especial Educação. Rio de Janeiro, IBASE.

3 Esta proposição foi reproduzida no Estado do Rio de Janeiro, a partir da incorporação de adicionais de salário e fundos especiais para escolas e professores com maior produtividade.

4 Na prática, o governo estadual mineiro reintroduziu a divisão tradicional do sistema educacional brasileiro, separando o ensino fundamental em duas fases (dois ciclos de quatro anos de duração). Foi, então, uma organização meramente administrativa, sem fundamento psicopedagógico, tendo como preocupação maior a queda dos índices de evasão e repetência escolar, tal como anunciado em inúmeras entrevistas e encontros promovidos pela Secretaria Estadual de Educação. No Brasil, durante muitos anos, esta divisão foi denominada de primário (os primeiros quatro anos) e ginásio (os quatro anos seguintes). Tal subdivisão não se apropriou das elaborações oriundas de pesquisas da psicologia do desenvolvimento que orientaram a montagem de experiências distintas de i mpl ant açãodeci cl os, comoéocasodos ciclos de formação. Com efeito, nos ciclos de formação, acompanha-se o desenvolvimento de crianças e adolescentes, centradas no desenvolvimento das crianças, tal como sugeriram Piaget, Erikson, Bruner, Kohlberg, Mead, Wallon e Vygotsky. Mais recentemente, outros autores ampliaram a noção de inteligência, destacando a peculiaridade do desenvolvimento em cada criança, extendendo a importância da superação da seriação, que totaliza e estigmatiza o processo de aprendizagem em módulos de um ano de duração. Este é o caso dos estudos que revelam processos de desenvolvimento específicos diretamente relacionados à cultura e rituais sociais (como observa D. H. Feldman, o crescente ceticismo em relação à noção de habilidades universais dos homens (como nos estudos de Ericsson e Charness), aos perfis intelectuais múltiplos e diferenciados e à persistência de raciocínios errôneos mesmo quando corrigidos (como em Gardner). Ver, sobre essas recentes pesquisas na área de desenvolvimento humano o ensaio de H. Gardner, B; Torff y T. Hatch (2000): «A idade da inocência considerada: preservando o melhor das tradições progressistas na psicologia e na educação», in D. Olson et al., Educação e desenvolvimento humano. Porto Alegre, Artes Médicas.

5 A crença das reformas fundadas na cultura anglo-saxônica fundava-se no desenvolvimento acelerado e na melhoria das condições de vida e emprego em sociedades com maior nível de escolaridade, e onde suas propostas educacionais atendiam as demandas de mercado. Estudos recentes desenvolvidos na Inglaterra abalam, contudo, tal crença. A. Wolf (2002), em seu livro Does Education Matter? Myths About Education and Economic Growth (Londres, Penguin Books) sustenta que posicionamento no mercado e nível salarial não dependem apenas da instrução, mas também do grau de competitividade no mercado de trabalho. Em suma, trata-se de uma corrida, em que as empresas selecionam uma diminuta parcela dos mais preparados e qualificados. Este estudo vai mais longe na demolição de crenças que emergiram nos anos 80: os investimentos públicos para elevar o número de formados em universidades são acompanhados de cortes orçamentários em todo o sistema educacional, atingindo duramente as somas direcionadas para as melhores universidades.

6 Ver H. Ferlie et al. (1999): A nova administração pública em ação. Brasília, ENAP/UnB. Esta concepção de gerenciamento público foi denominada no Brasil de Estado Gerencial.

7Ver G. J. Sacristán (1998): O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre, Artmed, pp. 14 e 38.

8 Sacristán cita J. Dewey e as pedagogias progressistas norte-americanas como contraponto das teorias clássicas norte-americanas.

9 Sobre este tema, ver N. García Canclini (1997): Culturas híbridas. São Paulo, EDUSP. Numa perspectiva mais discriminatória, Huntington destaca os latino-americanos como possuidores de elementos de cultura indígena, corporativa e autoritária, predominantemente católicos, sugerindo que seríamos uma subcivilização da civilização ocidental. Ver S. Huntington (1997): O choque de civilizações. Rio de Janeiro, Objetiva.

10Dados recentes indicam que a crise econômica que atingiu a classe média brasileira afetaram duramente as escolas da rede particular de ensino fundamental e médio no país. Dentre estas, as escolas católicas foram as mais afetadas. Nos últimos três anos, 130 escolas católicas de ensino fundamental e médio fecharam suas portas, segundo a CNBB/CERIS. As escolas mantidas pela Igreja Católica perderam 300 mil alunos. Dois motivos principais, segundo irmão Juilatto, um dos analistas dos dados deste levantamento: empobrecimento da população e melhoria do ensino público. Contudo, é necessário destacar um sutil movimento de mercado que envolve o ramo educacional nos últimos quinze anos: a sua oligopolização. Poucos e poderosos grupos privados investem na oligopolização, adquirindo escolas ou comercializando assessorias e recursos pedagógicos, o que, na prática, gera franquias informais. Estudos da International Finance Corporation sugerem que, nos próximos anos, os investimentos privados em educação devem aumentar significativamente, em especial nas áreas de ensino à distância e treinamento vocacional. A educação brasileira movimenta 90 bilhões de reais por ano.

11 J. Carbonell (2002): A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto Alegre, Artmed, p. 19.

12Um exemplo recente é a implementação do Sistema de Ação Pedagógica (SIAPE) pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais.

13 B. de Sousa Santos, B. (org.) (2002): Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

14 Ídem, íbidem, p. 48.

15 A. Hargreaves, et al. (2002): Aprendendo a mudar: o ensino para além dos conteúdos e da padronização. Porto Alegre, Artes Médicas.

16 Ídem, íbidem, p. 30.

17 A associação de estímulos foi denominado por Pavlov de «pareamento». Tais estímulos, acreditava-se, levariam ao condicionamento de reflexos, programando-se as respostas daqueles expostos aos inputs definidos pelo cientista. Pavlov acreditava que quanto maior o número de pareamentos, mais eficiente seria a resposta condicionada.

18 O conceito se baseia em pesquisas desenvolvidas pelo Projeto Zero da Universidade de Harvard, que identificaram originalmente sete subsistemas da inteligência humana independentes entre si: lógico-matemático, linguístico, espacial, físico-cinestésico, interpessoal, intrapessoal e musical. Posteriormente, Gardner acrescentou mais outras inteligências, como a espiritual e a existencial.

19 O conceito de portfolio encontra-se explicitado no livro Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho (Porto Alegre, Artes Médicas, 2000). Hernández, no capítulo 7 deste livro, afirma que o portfolio é uma modalidade de avaliação retirada do campo da arte, tendo por objetivo reeducar a capacidade de percepção, compreensão e valorização daqueles que participam das experiências educativas. Define-o como um continente de diferentes tipos de documentos (anotações pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências do conhecimento que foram sendo construídas, as estratégias utilizadas para aprender e a disposição de quem o elabora para continuar aprendendo. No portfolio, o aluno registra e analisa o que e como aprendeu, dentro e fora da escola, tomando consciência do seu desenvolvimento, o que lhe possibilita definir metas pessoais e auxilia seu professor a compreender sua própria performance como educador.

20 E. Shorter (1995): A formação da família moderna. Lisboa, Terramar.

21 Ver A. Hochschild (1989): The Second Shift: Working Parents and the Revolution at Home. Nova Iorque, Viking Penguin. Ver, ainda, G. Lipovetksy (2000): A terceira mulher. São Paulo, Cia das Letras.

22 Na Europa, quando o pedido de divórcio é apresentado por apenas um dos cônjuges, em 70% dos casos é a mulher que toma a iniciativa. Este índice chega a 65% nos EUA. Apesar da significativa autonomia, o mercado de trabalho continua discriminando os sexos. Nos EUA, 80% das mulheres ativas são secretárias, empregadas ou vendedoras.

23 Este é o caso da área de Humanas, que introduziu conceitos marxistas no currículo estadual mineiro e se inspirou na elaboração teórica thompsiana na inovação curricular paulista. Os conceitos estruturantes procuraram superar a listagem de temas ou informações seqüenciais que inibiam qualquer reflexão crítica sobre a realidade social. Ao invés de fatos e personagens ou de temas; ao invés de seqüência linear de fatos e topografia, conceitos que possibilitam a verificação de permanências e mudanças a partir da ação humana.

24 Este é o caso da criação do Fórum Mundial da Educação (ver http://www.forummundialdeeducacao.com.br)e do Encontro de Municípios com estrutura de ciclos ocorridos este ano em Porto Alegre, ou ainda a realização do Fórum Nacional de Reformas Educacionais realizado também neste ano em Belo Horizonte (ver http://www.portalcpp.com.br/fnre)A UNDIME, órgão de congregação de secretários municipais de educação, também prepara um encontro nacional de experiências de implantação de sistemas de ciclo de formação.

25 Um dos estudos mais panorâmicos das reformas latino-americanas é o desenvolvido por M. Gajardo, coordenadora do Programa de Promoção das Reformas Educativas na América Latina e Caribe (PREAL). Ver M. Gajardo (2000): «Reformas educativas na América Latina: balanço de uma década», in Documentos PREAL, núm. 15, Rio de Janeiro. Vários documentos e boletins a respeito das reformas educacionais latino-americanas podem ser acessados em http://www.preal.cl

26 Comunicação na mesa Marco Referencial das Reformas Educacionais, realizada no dia 21/06/02 em Belo Horizonte, durante o I Fórum Nacional de Reformas Educacionais. A. Nóvoa, em consonância com as observações de Bomeny, ressalta que os dois primeiros anos de atividades profissionais de um educador são decisivas para seu desempenho e engajamento futuros. Contudo, suas pesquisas revelam que justamente os professores novatos são os mais sobrecarregados em suas instituições de ensino: a eles são atribuídas as turmas mais complexas e violentas, os horários menos convidativos, as tarefas mais penosas. Nóvoa chega a comparar este descaso com a formação de um professor com a trajetória de um médico: é como se um médico recém-formado fosse obrigado a atuar em operações mais complexas, e, com o passar do tempo, fosse reservado a ele a tarefa mais fácil, como medicar um pequeno ferimento de dedo de uma criança... é um contra-senso (depoimento à equipe técnica da CPP em setembro de 2001).

27 M. Arretche (2000): Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. Rio de Janeiro/São Paulo, Revan/Fapesp, p. 137.

28 B. Sander (1995): Gestão da educação na América Latina: construção e reconstrução do conhecimento. Campinas, Editora Autores Associados.

29 J. Coleman denominou a capacidade das pessoas trabalharem juntas, visando a objetivos comuns, de capital social. A capacidade de associação dependeria, por seu turno, do grau em que as comunidades compartilham normas e valores e mostram-se dispostas a subordinar interesses individuais aos grupos maiores. Daí nasceria a confiança. Ver R. Putnam (1996): Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, FGV; J. Coleman (1998): «Social Capital in the Creation of Human Capital», in American Journal of Sociology, núm.

30 A título de ilustração, o projeto Cidades Educadoras, outra articulação entre secretários de educação de vários países, que ganhou organicidade a partir do I Congresso Internacional de Cidades Educadoras realizado em Barcelona em novembro de 1990, sugere a ênfase na relação escola-cidade. Várias resoluções e ensaios produzidos no interior desta articulação aconselham que a compreensão da cidade como espaço educador e de aprendizagem passa pela mudança de perspectiva: da atenção ao parâmetro do cidadão médio (adulto e trabalhador) para adoção da criança como parâmetro. Exemplos como a criação de um verdadeiro Laboratório Municipal, apresentam propostas de elaboração de conselhos de crianças para pensar a cidade ou projeto Crianças Projetistas, em que crianças estabelecem soluções para problemas urbanísticos. Em Cuiabá, uma vez por ano, os alunos de escolas públicas elegem um Secretariado Municipal que acompanha, durante um dia, o titular de cada secretaria municipal de governo, tomando decisões e sugerindo políticas.

31 A. Fernández (1994): A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem, Porto Alegre, Artes Médicas.


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