Vinte anos de reformas educacionais
Rudá Ricci (*)
SÍNTESE: Este ensaio procura analisar
as reformas educacionais em curso nos últimos vinte anos,
tendo como destaque as experiências latinas, em especial,
a brasileira. Parte da crítica à diferenciação
conceitual entre inovação escolar e reforma educacional,
e, em seguida, analisa as diferentes orientações educacionais
entre culturas anglo-saxônicas e culturas latinas.
Finaliza apresentando e analisando a pauta das
reformas educacionais brasileiras, tendo como referência os
debates ocorridos no interior do Fórum Nacional de Reformas
Educacionais, ocorridas em Belo Horizonte, Brasil, em junho de 2002.
SÍNTESIS: Este ensayo busca analizar
las reformas educativas en curso en los últimos veinte años,
y destaca las experiencias latinas, especialmente la brasileña.
Parte de la crítica a la diferenciación conceptual
entre innovación escolar y reforma educacional, y, seguidamente,
analiza las diferentes orientaciones educacionales entre culturas
anglosajonas y culturas latinas.
Finaliza planteando y analizando la pauta de
las reformas educacionales brasileñas, teniendo como referencia
los debates llevados a cabo en el Foro Nacional de Reformas Educacionales,
que tuvieron lugar en Belo Horizonte, Brasil, en junio de 2002.
1. Reformas ou Inovações?
A década de oitenta do século passado
marcou uma vaga de reformas educacionais em todo o mundo. Inicialmente,
em virtude da pujança econômica dos países do
leste asiático e do seu significativo investimento na educação
de sua população, os projetos voltados para a formação
de profissionais mais qualificados para criar e operar com tecnologias
sofisticadas ganharam a atenção de inúmeros
artigos e ensaios. O vínculo entre novas exigências
profissionais e projetos educacionais ganharia projeção
em diversas proposições internacionais. É possível
destacar três delas:
- Escola Dual Alemã, desenvolvida em Baden-Württemberg.
As escolas envolvidas com este modelo são acompanhadas
por comissões especiais, compostas por empresários,
sindicatos de trabalhadores e técnicos do governo. Tais
comissões avaliam o currículo e o desempenho escolar.
Empresários investem em bolsas de apoio aos alunos e à
formação de professores por ramo produtivo. Assim,
o currículo desenvolvido é dinâmico e se articula
a partir das inovações tecnológicas de cada
ramo produtivo e demandas de mercado1.
- Propostas do Banco Mundial. Os programas de fomento
às reformas educacionais desenvolvidos pelo Banco Mundial
priorizaram a formação para o mercado, em especial
para a operacionalização de novas tecnologias. Também
destacaram a capacidade criativa do novo trabalhador polivalente.
- Programas de Qualidade Total. Tendo o Chile como modelo,
o Brasil procurou desenvolver os princípios da qualidade
total na educação a partir de 1990, quando o Ministério
da Educação organizou o Encontro sobre Qualidade
da Educação, com apoio da Oficina Regional de Educação
para a América Latina e Caribe (OREALC)2. Este modelo inspirou-se declaradamente nos princípios
empresariais e no modelo toyotista. No Brasil, chegou a se desenhar
como programa de governo em Minas Gerais. Os instrumentos de maior
visibilidade deste programa foram aqueles vinculados ao controle
da gestão do sistema educacional mineiro, envolvendo implementação
de avaliações sistemáticas dos resultados
pedagógicos. Também procurou-se implementar uma
radical política de descentralização, premiando
iniciativas das escolas. Na prática, como a filosofia original
desta proposta inspirava-se nas concepções empresarias,
foram desarticuladas as estruturas intermediárias do sistema
educacional (fragilizando o papel das Superintendências
Regionais de Ensino e dos Inspetores de Ensino) e, muitas vezes,
desenhou-se a fragmentação da rede de ensino, aumentando
a competitividade intrasistema3. Contudo, na metade dessa gestão,
a política governamental se altera, após crise envolvendo
a consultoria internacional que apoiava esta programação,
incorporando o modelo propagado pelo Banco Mundial, voltado inicialmente
para a formação de professores e para a implantação
do sistema de ciclos4.
Estes foram alguns dos modelos disseminados nos
anos 80 e início dos 90. Fundamentados na filosofia de gestão
originária de países de cultura anglo-saxônica
e asiática5,
competiram a partir da segunda metade da década de 80 com
modelos originários de países latinos, em especial
da Espanha e França. Esta distinção cultural
parece significativa para compreendermos a trajetória da
vaga reformista que atinge o Brasil desde então.
A cultura anglo-saxônica tem como característica
os princípios lógico-racionais e de controle societário
para implantação de políticas públicas.
Mais afetos à busca de resultados numéricos, verificáveis
objetivamente, os anglo-saxões propõem que a missão
de cada instituição seja claramente definida e que
metas objetivas sejam estabelecidas ao longo do tempo. Tais metas
são, então, acompanhadas de perto por gerentes quase
sempre externos aos executores das políticas definidas.
Os modelos asiáticos, por sua vez, apoiam-se
nos vínculos de fidelidade e tradição. Assim,
as instâncias inferiores da estrutura de gestão são
consideradas partes integrantes de um esforço conjunto de
obtenção de metas. Fortemente marcadas pela cultura
patriarcal, é comum estabelecer-se um ambiente «familiar»
em que a instituição busca o bem-estar dos executores
e discute objetivos a serem atingidos. As premiações,
ao contrário da perspectiva racional ocidental, conferem
agradecimento e proteção aos resultados obtidos coletivamente.
A cultura latina, ao contrário, é
eminentemente comunitária e afetiva. Seus princípios
são mais genéricos e filosóficos, e há
maior flexibilidade em relação às metas objetivas
a serem perseguidas. A participação nas práticas
de gerenciamento são mais influenciadas pelas intenções
políticas comunitárias do que pela transferência
ou delegação de funções (como no caso
das parcerias sugeridas pela Nova Administração Pública
do Reino Unido, em que os usuários dos equipamentos públicos
eram considerados clientes)6.
Tal diferenciação já foi
analisada em muitos estudos. No campo educacional, Sacristán,
ao analisar as teorias norte-americanas sobre currículo,
havia apontado características específicas do modo
de pensar: currículo como guia da experiência do aluno;
currículo como experiências de aprendizagem planejadas
e dirigidas para obter determinadas mudanças nos alunos;
currículo como definição de conteúdos
da educação ou planos que especificam objetivos. Para
o autor, tal definição aparece descontextualizada
no tempo, demonstrando clara intenção utilitarista,
de natureza racional ou sistemática, que pretende cumprir
com tarefas autodenominadas lógicas ou científicas7. Em contraposição, o autor cita o movimento
Escola Nova européia, que partiu do pressuposto que a experiência
e a recriação da cultura em termos de vivência
se constituiria no eixo central de um currículo. Ao contrário
das experiências planejadas, processos passam a ser relevantes,
ou seja, o currículo passa a ser concebido como uma construção
social8.
No caso brasileiro e latino-americano, muitos
autores destacam nossa condição de culturas híbridas,
em que tradição e modernidade dialogam entre si9. Seríamos, então, mais comunitários,
afetivos, indígenas e místicos que os povos de cultura
anglo-saxônica ou mesmo os latinos europeus. Daí que,
enquanto as políticas centrais de reforma educacional se
aproximaram de modelos anglo-saxônicos e asiáticos,
grande parte das iniciativas municipais (locais) adotaram modelos
de reforma mais comunitários e latinos.
Aos poucos, a literatura educacional latina ganhou
mais projeção e reconhecimento entre os educadores
brasileiros que qualquer outra doutrina. O conflito entre as duas
escolas de pensamento, contudo, nunca foi superado claramente. Tais
distinções jamais foram objeto de discussão
aprofundada entre os professores da rede pública de ensino
do país, o que contribui ainda hoje para grande perplexidade
e confusão, diminuindo o seu papel protagonista nas reformas.
Num esforço de síntese, seria possível
destacar os princípios e instrumentos mais empregados por
cada uma dessas escolas de pensamento que orientaram reformas educacionais
nos anos 80 e 90 do século passado.
Tabela 1
Princípios e instrumentos de reforma educacional
a partir das escolas anglo-saxônica/asiática e latina
Como é possível perceber, os modelos
anglo-saxônicos/asiáticos são mais objetivos
e racionais, apresentando instrumentos de gerenciamento, promoção
e aferição de resultados mais específicos.
Por sua vez, os modelos latinos são mais processuais,
centrados no método de negociação entre os
atores sociais. Surpreendentemente, as escolas privadas do país
não optaram por um modelo específico no final dos
anos 90, possivelmente em virtude da forte crise econômica
que atingiu o setor10. A oferta de escolas e vagas em escolas públicas
no final do século demonstram um forte investimento público
na área educacional, como é possível verificar
no gráfico abaixo.
Gráfico 1
Crescimento de estabelecimentos particulares e estatais de ensino
fundamental e médio no Brasil (1995/2000)
FONTE: ANAMEC e INEP, 2001.
O fato é que as reformas educacionais no
período concentraram-se nas escolas da rede pública
de ensino brasileiro, com raras exceções.
Este preâmbulo que procura localizar as
reformas educacionais no país auxilia para introduzir uma
primeira questão de fundo a respeito de suas motivações
e características.
Comecemos por uma rica provocação
elaborada por J. Carbonell. O autor faz uma distinção
instigante entre inovações e reformas educacionais:
Inovação como um conjunto de intervenções,
decisões e processos, com certo grau de intencionalidade
e sistematização, que tratam de modificar atitudes,
idéias, culturas, conteúdos, modelos e práticas
pedagógicas. E, por sua vez, introduzir, em uma linha renovadora,
novos projetos e programas, materiais curriculares, estratégias
de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e outra forma
de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica
da classe. [...] As diferenças entre inovação
e reforma têm a ver com a magnitude da mudança que
se quer empreender. No primeiro caso, localiza-se nas escolas e
nas classes, enquanto que o segundo diz respeito à estrutura
do sistema educativo em seu conjunto. Além disso, as reformas
escolares são movidas por imperativos econômicos e
sociais, e estão ligadas a esse tipo de reformas mais gerais11.
Acredito que tal distinção, se,
por um lado, auxilia na compreensão dos territórios
e atores sociais envolvidos, por outro dificulta a identificação
do que temos de central em várias reformas em curso. Em outras
palavras, muitas das reformas de inspiração latina,
em andamento no Brasil, buscam justamente a superação
da distinção entre a prática em sala de aula
e o planejamento central da política educacional. Assim,
grande parte das reformas educacionais, com destaque para as que
ocorrem em municípios brasileiros, supõem a construção
efetiva de uma rede pública de ensino, onde as escolas articulam-se
em projetos ou a partir de problemas comuns. Este é o sentido
de várias tentativas de descentralização de
programas de formação de professores ou de sua articulação
com modelos de gestão e comunicação no interior
do sistema12. A participação da comunidade deixa de
se atomizar para compor uma rede. Este parece ser um dos principais
desafios contemporâneos na área de gestão de
sistemas educacionais.
Entendo que as reformas educacionais em curso
no Brasil, que atinge grande parte dos governos municipais que implementam
reformas educacionais desde os anos 90 e que se inspiram nas concepções
latinas, estariam no mesmo campo de preocupação e
construção de políticas públicas de
natureza participacionista ou caracterizadas como democracia participativa.
Em livro recente, B. Santos13
sustenta que o mundo atual exige soluções plurais
nas quais a coordenação de grupos distintos e soluções
diferentes ocorrem no interior de uma mesma jurisdição14, aumentando a importância do saber e interesses
dos atores sociais. Esta sugestão analítica se aproxima
do que A. Giddens vem denominando de sociedade reflexiva,
ou seja, uma nova sociedade emergente que está pautada pela
profusão de informações e inovações
cotidianas, obrigando todos cidadãos a tomar uma variada
gama de decisões no seu dia-a-dia. O homem contemporâneo
é reflexivo por natureza, porque dele é exigido que
decida sobre problemas inusitados. Ora, o problema desta mudança
na ordem social é que nem sempre as burocracias se apropriam
dos saberes e interesses dos cidadãos. Estaria aí
um alto risco de deslegitimação das agências
estatais burocratizadas, incluindo todo o sistema educacional. Na
prática, as demandas do mercado de trabalho, as tensões
e rupturas familiares, as expressões culturais e religiosas
cada vez mais fragmentadas, a valorização crescente
dos espaços privados e as tribos urbanas, pressionam todos
sistemas gerenciais de prestação de serviços
públicos a estarem abertos à composição
de acordos e objetivos que antes eram definidos exclusivamente pelas
esferas superiores da gestão governamental. Pelo contrário,
no dia de hoje, é cada vez maior a importância das
instâncias inferiores dos sistemas educacionais (e outros
sistemas de gestão pública) na tomada de decisão.
No caso educacional, a participação progressiva de
famílias, professores e atores sociais do entorno escolar
interferem na manutenção dos equipamentos escolares,
na segurança interna das escolas e na orientação
curricular. Esta é uma mudança significativa do papel
da escola que, de instância de formação básica
para o desenvolvimento econômico, passa a assumir o papel
de instância social básica de desenvolvimento social,
potencializando acordos morais, unificando interesses comunitários
e abrindo-se para a elaboração de novos conhecimentos
sociais.
Esta parece ser a base das críticas que
A. Hargreaves15 às
reformas anglo-saxônicas. Para o autor, várias das
reformas anglófonas orientam-se por uma nova ortodoxia fundada
na padronização de saberes. Contudo:
Uma das críticas mais contundentes de reformas
minuciosas orientadas por padrões (ou daquelas que têm
características semelhantes e são rotuladas como sendo
baseadas em resultados) é que elas reduzem o currículo
e o planejamento curricular a processos técnicos e racionais,
perdendo grande parte do que poderia ser eficaz e envolvente no
ensino e no aprendizado. [...] Em resposta a essa posição,
Sergiovanni ressente-se com o que chama de «a explosão
da padronização», e argumenta que a preocupação
excessiva com o mundo técnico dos padrões está
expulsando o lifeworld e, pode-se acrescentar, a força
vital da educação. Ele se preocupa com o fato
de que «se continuarmos com essa solução única,
com padrões típicos e avaliações padronizadas,
iremos comprometer os lifeworlds dos pais, dos professores, dos
estudantes e das comunidades locais16.
Em suma, os interesses dos pais, dos professores
e dos alunos seriam substituídos por sistemas de padrões
que determinam o que é necessário socialmente.
Daí porque ser importante destacar as motivações
centrais das reformas educacionais em curso, para além das
demandas econômicas. Destaco seguidamente três motivações
que considero mais significativas.
1.1 Motivações Pedagógicas
A década de 70 do século passado
deu lugar ao início de um movimento reformista em nosso país.
Naquele momento, o regime militar impunha um severo controle político
sobre as escolas públicas, o que consolidou uma significativa
estrutura de controle burocrático altamente centralizada.
No campo pedagógico, o governo federal reorganizou os objetivos
curriculares a partir da necessidade econômica de expandir
a oferta de mão-de-obra para a indústria de bens de
consumo durável, em franco desenvolvimento naquela década.
Os métodos behavioristas de fixação
de comportamentos e de memorização foram largamente
empregados, dando lugar a muitos pareamentos17. Foram introduzidas, ainda,
disciplinas semi-profissionalizantes ao longo do ensino fundamental
e médio. Todas as modalidades curriculares implementadas
pelo governo federal neste período foram claramente espelhadas
nas concepções anglo-saxônicas.
No campo das escolas privadas, contudo, algumas
inovações pedagógicas foram desenvolvidas,
em especial nas escolas de educação infantil. Essas
inovações foram agregadas no que se convencionou denominar
de construtivismo. Na prática, oscilaram entre orientações
piagetianas a programas que tangenciavam o espontaneísmo,
passando por proposições rousseaunianas. Em alguns
casos, educadores progressistas procuravam criar espaços
de experimentação, já que as escolas públicas
haviam sido reduzidas a práticas tayloristas de educação.
O que convém destacar é que esta
dicotomia pedagógica verificada entre escolas públicas
e iniciativas progressistas introduzidas em algumas escolas particulares
acabou por marcar algumas das reformas educacionais que ocorreriam
na década seguinte.
A redemocratização do país
nos anos 80 alterou a lógica observada na década anterior.
As reformas educacionais ganharam impulso a partir de governos estaduais
eleitos pelo voto direto, passaram pelas iniciativas dos governos
municipais, e, finalmente, chegaram ao governo federal. Neste último
caso, o Ministério da Educação contratou o
ex-diretor da reforma educativa da Espanha, César Coll, como
consultor na elaboração dos Parâmetros Nacionais
Curriculares (PCN), o que significou uma mudança significativa
nos objetivos e concepções que orientavam até
então a ação governamental.
A «guinada latina» da educação
brasileira deslocou, ainda que não totalmente, a ênfase
nos resultados para os processos de aprendizagem. E a partir desta
nova trilha, estudos e temas oriundos da psicologia e da neurologia
ganharam relevância. Estudos sobre o funcionamento da mente,
sobre desenvolvimento humano e sobre sociabilidade passaram a ter
lugar nas orientações educacionais. Alguns autores
destacaram-se mais. Este é o caso das teorias socio-interacionistas,
tendo em Vygotsky e Luria as referências mais citadas. Piaget
foi relido por muitos autores, superando alguns reducionismos englobados
originalmente na denominação «construtivismo».
A releitura piagetiana orientou-se pela discussão dos ciclos
de formação humana (as peculiaridades da infância,
da pré-adolescência e da adolescência e os condicionamentos
dos processos de desenvolvimento) ou pelas mãos de seu discípulo,
L. Kohlberg (como no caso da reforma espanhola), que desenvolveu
o estudo dos estágios de desenvolvimento moral.
Ainda nesta esteira propiciada pela «guinada
latina», vários estudos de neurologistas (nem todos
latinos) alimentaram mudanças na perspectiva pedagógica
oficial. O autor mais influente foi H. Gardner, a partir de seu
conceito de inteligências múltiplas18.
O Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) espelhou-se nesta
teoria. Ao invés da elaboração de provas por
disciplina, a teoria das inteligências múltiplas foi
o fundamento para a elaboração de exames cujas questões
eram declaradamente interdisciplinares, ou até mesmo resvalavam
na transdisciplinaridade. Os elaboradores do ENEM apostaram na formulação
de «situações problema» que exigiriam a
articulação de vários conhecimentos e linguagens.
O campo da avaliação pedagógica foi, inclusive,
o mais polêmico das reformas educacionais. Uma disputa surda
entre especialistas e dirigentes governamentais foi travada sem
que grande parte dos educadores percebessem. O ENEM conviveu com
modelos mais ousados de avaliação, como a sugestão
de portfolio19, desenvolvida pelo educador catalão
Fernando Hernández. Ao mesmo tempo, vários governos
estaduais e o próprio governo federal desenvolveram programas
de avaliação sistêmica de forte inspiração
anglo-saxônica. Padrões estatísticos foram formulados
para medir variações no desempenho dos alunos, deixando-se
de lado o foco no processo de aprendizagem e suas múltiplas
influências (sociais, culturais, econômicas). Como se
percebe, o país continuou dialogando com teorias conflitantes.
Permanecemos tributários de uma cultura que um dia S. Buarque
de Holanda sintetizou como a encarnação dos personagens
do trabalhador e do aventureiro: de um lado, uma razão ordenadora
e, de outro, um impulso à mudança. Seríamos,
enfim, uma síntese inacabada.
Contudo, é necessário destacar que
a maior influência nas reformas educacionais, embora em grau
diferenciado de aprofundamento ao longo do país, foram os
autores espanhóis. A influência direta surgiu a partir
da reforma espanhola iniciada em 1985-1986. Inicialmente, os autores
com orientação psicopedagógica (em sua maioria
oriundos de reflexões piagetianas) tiveram maior projeção,
logo cedendo seu lugar aos autores cuja fundamentação
incorporava teorias sociológicas ou antropológicas.
Autores como F. Hernández, A, Zabala, J. Santomé e
o citado Sacristán orientaram grande parte das inovações
curriculares.
O maior dos impasses na concretização
de tais orientações está sendo a estrutura
organizacional das escolas e sistemas educacionais do Brasil. A
organização do tempo escolar, a rigidez do tempo do
módulo-aula fixada em 50 minutos, o excesso de turmas de
alunos para cada professor, o diminuto tempo de estudo coletivo
para professores, a quase inexistência de programas de estudo
em tempo integral, a ausência de programas de formação
em serviço, tais déficit organizacionais colocam por
terra as reformas educacionais que enfocam o acompanhamento do processo
de aprendizagem e de formação humana.
1.2 Motivações Sociais
E. Shorter, em seu livro A formação
da família moderna20, sustenta que entre a década de 60 e 70
ocorreu uma grande alteração na relação
entre gerações. A desmontagem da família como
«ninho» aumentou a probabilidade de adolescentes organizarem
opiniões autônomas, muitas vezes diametralmente opostas
às convicções de seus pais. O autor crê
que a família nuclear está sendo substituída,
desde então, pelos «grupos de iguais». Não
haveria um conflito entre gerações, mas um afrouxamento
da influência da família. Estudos realizados na Europa
e EUA demonstram, com efeito, que adolescentes ao redor dos quinze
anos de idade preferem a convivência com amigos, em oposição
à sua família. O comportamento, como modo de vestir,
passa a ser influenciado por outros jovens, constituindo uma subcultura
adolescente, independente dos valores adultos. Não seria,
portanto, uma mera afirmação, mas um estilo de vida.
Para Shorter e outros estudiosos do comportamento
familiar, a desarticulação do núcleo familiar
está diretamente relacionada com o aumento de divórcios
e com novas exigências do mercado de trabalho. Na Grã-Bretanha,
entre os que se casaram em 1960, quatorze num universo de mil pessoas
tinham-se se divorciado; a projeção que se faz para
o início deste século é que o divórcio
atingiria 250 pessoas em mil casadas nos últimos três
anos. A mesma projeção envolveria a população
dos EUA.
No Brasil, o IBGE registrou um aumento de 32%
do número de divórcios ao longo da década de
90, acompanhado por uma redução de quase 1% na taxa
de casamentos (em 1994 haviam ocorrido 763 mil casamentos, e, em
1998, 699 mil). A guarda dos filhos de casais separados fica, em
90% dos casos, com as mães. É o mesmo índice
da Europa. Nos EUA as mulheres assalariadas realizam 75% das tarefas
domésticas e são ajudadas por seus maridos um pouco
mais de meia hora por dia21.
Na década de noventa, 79% das espanholas, 70% das inglesas
e alemãs, e 60% das italianas e francesas afirmaram que seus
maridos não auxiliam em nada nos afazeres domésticos.
Imaginemos, então, a rotina diária
de uma mãe brasileira, separada, responsável por dois
filhos adolescentes (nos anos 90, a faixa etária entre 14
e 19 anos de idade era a mais significativa em nosso país).
Independente da sua renda mensal, dificilmente encontrará
tempo para acompanhar os estudos de seus filhos. Além de
provedora, está inserida numa cultura que determina que atividades
domésticas são de responsabilidade feminina.
Enfim, os dados populacionais do ocidente revelam
que as mulheres trabalham mais em empregos que remuneram pouco,
separam-se de seus maridos com mais freqüência, e assumem
a chefia da família em 90% dos casos de famílias monoparentais22.
Podemos aventar a hipótese que as mudanças
em curso no mercado de trabalho, ao exigirem maior dedicação,
facilitam a decomposição dos arranjos familiares originais.
Em muitos casos, mesmo que isso não ocorra, o drama da educação
dos filhos permanece. O tempo de convívio familiar se reduz.
Em suma, as famílias estão transferindo a educação
básica de seus filhos para a escola.
Esta seria uma motivação importante
para as reformas educacionais: o papel social das escolas altera-se
muito no século xxi. A socialização básica
é largamente transferida para as escolas. Mas nossos equipamentos
escolares, nosso corpo de dirigentes e nossos professores não
se formaram para esta tarefa, com exceção da educação
infantil. Não seria por outro motivo que temas que fogem
da tradição curricular brasileira povoam um número
grande de projetos educacionais contemporâneos, como é
o caso dos projetos que envolvem sexualidade, violência, cidadania,
preservação ambiental, etc.
1.3 Motivações Políticas
A redemocratização do país
nos anos 80 desarticulou a burocracia estatal dedicada à
administração de políticas sociais. O modelo
fordista tupiniquim, que o regime militar procurou esboçar
a partir da captação de poupança externa e
do aumento da pauta de exportação, alicerçou-se
na geração de emprego a partir da expansão
da indústria da construção civil e no financiamento
de grandes projetos de desenvolvimento regional, e na política
previdenciária pública (ampliando, inclusive, o acesso
ao meio rural através do Funrural). A política educacional
vinculou-se de maneira direta ao aumento de oferta de postos de
trabalho industrial, restringindo as preocupações
pedagógicas. A tentativa de formação de um
corpo técnico de nível médio no Brasil foi
a tônica da reorganização do sistema de ensino.
Contudo, como o meio educacional tinha sido foco de resistência
ao regime militar, uma complexa estrutura de controle foi engendrada,
unificando os currículos, extinguindo qualquer autonomia
das unidades escolares, implementando estruturas de fiscalização
intermediárias (entre escolas e sedes das secretarias de
educação). Esta burocracia intermediária, marcada
pelas funções de controle e fiscalização,
foi sendo desmontada a partir da redemocratização,
embora de maneira desigual ao longo do país e permanecendo
como foco de resistência às várias mudanças
em curso.
A pauta das reformas educacionais dos anos 80
espelha a negação ao modelo educacional forjado no
regime militar, sendo muitas vezes formulada a partir da agenda
sindical ou estudos produzidos por intelectuais progressistas. Assim,
o binômio autonomia e participação da comunidade
escolar passou a figurar como antítese do modelo anterior,
justamente porque desmontava a estrutura de controle e fiscalização.
As primeiras iniciativas da década de 80 que caminharam nesta
direção procuraram alterar as estruturas curriculares.
Programas de alfabetização de adultos inspirados nas
teorias de Paulo Freire e mudanças nos programas curriculares
introduzindo a noção de globalidade (em que o conteúdo
educacional se articula com a realidade concreta da vida do aluno,
e não como uma informação postiça ou
artificial, exigindo vinculação com conceitos de várias
disciplinas) e, no caso de algumas áreas específicas,
inovando em conceitos estruturantes23.
Em seguida, uma nova vaga reformista passou a instalar mecanismos
de gestão descentralizada e uma valorização
do professor sustentados por programas de formação
continuada. Finalmente, instalaram o sistema de ciclos e de formas
colegiadas de gestão (conselhos municipais, conselhos ou
colegiados escolares).
Seria possível, então, aventar a
possibilidade das reformas educacionais brasileiras do último
período sofrerem o signo da motivação política
mais que pedagógica. Esta hipótese explicativa poderia
justificar tantas iniciativas de mudança nem sempre coincidentes,
atingindo uma mesma localidade, e, em alguns casos, uma mesma escola.
O objetivo central das reformas seria a desmontagem do sistema de
controle central, o que acrescentaria o poder escolar, aumentando
a autonomia do professor. Obviamente que tal movimento desaguaria
em mudanças profundas da prática pedagógica,
mas seria encarada como conseqüência e não como
motivação para a mudança. Se essa hipótese
tem sentido, as contradições entre reformas estaduais
e municipais, e até mesmo no interior de cada iniciativa
reformista são compreensíveis, e, neste caso, seria
também possível prever que estaríamos num estágio
em que tais contradições desencadeariam um grande
debate público. Em outras palavras, se no princípio
as reformas tiveram uma conotação política
de negação do modelo educacional elaborado pelo regime
militar, ao se esboçar o mosaico de iniciativas reformistas,
o país acabaria por revelar propostas muito diferentes entre
si, embora em apariência similares na intenção.
Aos poucos, tais distinções acalentariam debates entre
educadores que identificariam as nuanças. Possivelmente estamos
ingressando nesta fase, dada a inquietação entre gestores
educacionais de estados e municípios, e a agenda cada vez
mais carregada de encontros para avaliar e socializar iniciativas
reformistas24.
2. As reformas brasileiras no contexto latino-americano
A década de 90 foi palco das reformas educacionais
latino-americanas. Alguns pontos foram comuns: descentralização
administrativa, políticas com enfoque em grupos vulneráveis,
melhoria da qualidade e da participação comunitária.
Contudo, alguns estudos apontam a persistência das desigualdades
ao acesso e às oportunidades educacionais (ausência
de eqüidade), o rendimento escolar continua baixo (altas taxas
de repetência e abandono escolar), políticas de financiamento
seguem encontrando obstáculos políticos, deterioração
das condições de trabalho dos professores e desprestígio
da profissão25.
Grosso modo, as reformas em curso mantêm
uma dicotomia similar a que ocorre no Brasil: experiências
que aumentam a autonomia escolar, aproximando-se em alguns casos
de uma atomização da escola pública, em que
o equipamento escolar deixa de compor um sistema para se aproximar
de uma escola exclusiva da comunidade escolar, e experiências
que reforçam a construção de um sistema democrático
de educação pública priorizando a educação
básica, o que nem sempre supera um excessivo grau de centralismo
administrativo, e, em alguns casos (como o brasileiro), desequilibra
os aportes financeiros e até mesmo as iniciativas de melhoria
no interior do sistema educacional (no caso brasileiro, o investimento
na educação básica afetou duramente as universidades
públicas).
Alguns estudiosos consideram, ainda, que o método
de implantação das reformas foi acelerado, um «método
apressado», que não refletiu a heterogeneidade das práticas
educacionais no interior das escolas.
Helena Bomeny, da FGV-RJ e coordenadora do PREAL
no Brasil, destaca quatro pontos não superados pelas reformas
educacionais, desafios para este início de século:
- Tempo médio de escolaridade muito baixa: no caso brasileiro,
49% daqueles que possuem entre 25 e 59 anos de idade não
superaram cinco anos de escolaridade.
- Jornada escolar reduzida: a maioria dos países latino-americanos
ainda não conseguiram adotar o estudo integral de oito
horas diárias, embora apresentem resoluções
nesta direção, como a Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) do Brasil. A jornada em período integral é
a mais adequada para a implantação do sistema de
ciclos e a única que possibilita a ampliação
do tempo de estudo coletivo de professores;
- O déficit de vagas e projetos pedagógicos na
educação infantil.
- Fragilidade das políticas de apoio e de incentivo ao
professor, relacionadas ao desempenho, avaliação,
recompensa e exposição pública. Bomeny destaca
que pesquisas recentes dos EUA revelam que os melhores índices
de desempenho profissional de professores relacionavam-se com
o que esses profissionais tiveram quando estudantes do Ensino
Médio. A autora articula este dado com a constatação
do déficit de formação básica de grande
parte dos professores que ministram cadeiras específicas
no Ensino Médio brasileiro26.
Gajardo apresenta um quadro de estratégias
inovadoras implementadas por governos latino-americanos ao longo
da década de 90, possibilitando um panorama das iniciativas
em curso.
As inovações e reformas não
foram homogêneas, como destacado no início deste item.
A título de ilustração, analisaremos as mudanças
relacionadas à autonomia escolar, tema caro nos debates.
No Brasil, na prática, a construção
da autonomia confundiu-se com descentralização administrativa
e financeira, relacionada de maneira direta com eleição
de diretores escolares e criação de órgãos
colegiados que aprovavam decisões e exerciam controle sobre
sua execução. Também esteve diretamente relacionada
à transferência de alguns recursos, como aquisição
de merenda e materiais de consumo. O fato é que nunca tivemos
um padrão nacional de serviços educacionais. Como
afirma M. Arretche.
Tabela 2
Eixos e estratégias nas orientações de política
educacional
na década de 90
FONTE: M. Gajardo (2000): «Reformas educativas
na América Latina: balanço de uma década»,
in Documentos PREAL, núm. 15. Rio de Janeiro, PREAL, p. 13.
A carreira, o salário e o pagamento de
professores, a natureza e qualidade dos serviços educacionais
oferecidos, bem como os padrões de avaliação,
foram sempre executados na esmagadora maioria dos Estados
de modo independente para uma mesma série em uma mesma
cidade por duas redes, que tenderam a operar de um modo inteiramente
paralelo27.
A autora observou como alguns estados brasileiros
implementaram as políticas educacionais descentralizadas,
a partir da Constituição de 88 e da LDB, que teriam
que se confrontar com a cultura política fragmentada destacada
anteriormente. Nos casos estudados, apenas o Paraná havia
implementado um programa de descentralização efetivo
entre 1988 e 1994, transferindo para os municípios a gestão
completa do ensino fundamental (incluindo educação
especial, educação infantil e supletivo). O mais interessante
é que o grau de adesão foi maior nos municípios
de pequeno porte, justamente porque, na análise de Arretche,
possuem menor poder de negociação com os órgãos
centrais do sistema educacional. Em outros estados pesquisados (São
Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará) os programas de descentralização
ocorridos na primeira metade dos anos 90 foram insuficientes ou
parciais. No caso da descentralização da merenda escolar,
a partir de 1993 estruturou-se uma intervenção nacional
para sua municipalização. O baixo custo do processo
de municipalização gerou um grande êxito do
programa, como pode ser observado na tabela abaixo.
Tabela 3
Programa Nacional de Alimentação Escolar
(Taxas de municipalização em Estados selecionados)
FONTE: M. Arretche (2000): Estado federativo e políticas
sociais: determinantes da descentralização. Rio de
Janeiro/São Paulo, Revan/Fapesp, p. 165.
O que podemos aventar como hipótese explicativa
é que a descentralização dos programas educacionais
ocorreram no Brasil quando o programa em questão apresentava
baixo custo operacional para o município que aderia ao programa,
ou quando seu poder de barganha com o poder central era baixo. A
análise de Arretche, em suma, sugere a persistência
da cultura política centralizadora, a despeito das mudanças
efetivamente ocorridas.
No caso do Chile, em 1990 foi promulgada uma lei
que garante a descentralização curricular e pedagógica,
onde as realidades locais são privilegiadas. Foi criado um
fundo nacional para fomentar a elaboração de Projetos
de Melhoria Educativa (PME) das escolas. Durante a década
de noventa, 5.600 projetos foram financiados por esse fundo.
Mas as experiências mais significativas
de construção de autonomia escolar ocorreram na América
Central. Três programas parecem se destacar: o PRONADE da
Guatemala, o EDUCO em Salvador, e as Escuelas Autónomas
da Nicarágua. Aqui é importante destacar o alto risco
de atomização das escolas, embora esta não
seja a orientação inicial.
O PRONADE teve início em 1993, ocorre nas
escolas rurais da Guatemala e aproxima-se da experiência brasileira
de Escolas Família-Agrícola (EFAs). Caracteriza-se
pela transferência de responsabilidades administrativas para
a comunidade local. Nas escolas são instituídos Comitês
Educativos de Autogestão (Coeduca), compostos por pais que
contratam professores, pagam salários, provêm ajuda
alimentar e realizam a manutenção das escolas. Os
COEDUCAs recebem apoio técnico de Instituições
de Serviços Educativos (ISEs), que desenvolvem programas
de formação e supervisionam o emprego dos recursos
financeiros. Este programa envolve 3.600 professores e 155 mil alunos.
Por sua vez, o EDUCO salvadorenho foi criado em
1991. Também caracteriza-se pela transferência de recursos
financeiros para as comunidades locais administrarem os equipamentos
escolares. Neste caso, as Associações Comunais
para a Educação (ACE) realizam convênios
com o Ministério da Educação e acessam fundos
e programas de formação. As ACE são constituídas
por pais de alunos, e, como os COEDUCA, contratam professores e
supervisionam seu desempenho. Neste programa estão envolvidos
1.800 professores e 168 mil alunos.
Por fim, as escolas autônomas da Nicarágua
tiveram início em 1991, e, igualmente, tiveram como pilar
a organização de conselhos de escolas públicas,
inicialmente de caráter consultivo. Os conselhos são
compostos por pais, diretores, professores e líderes comunitários,
que analisam as questões pedagógicas e administrativas
da escola. Hoje os conselhos possuem poder deliberativo.
Como se percebe, as mudanças parecem adotar
um norte próximo, a descentralização administrativa
e o aumento do poder da comunidade local, mas o grau de radicalidade
das experiências e a própria concepção
de sistema educacional público é muito distinto.
Todas as iniciativas reformistas da América
Latina parecem confluir para esta característica da unidade
de intenções e de heterogeneidade de métodos
e resultados. Os avanços, como afirma o documento do PREAL,
são importantes, mas os resultados são pobres: persiste
a distância entre estratos sociais, a melhoria dos resultados
pedagógicos é muito lenta (sobretudo nos países
mais pobres), a ausência de redes de comunicação
e interação entre atores prevalece, os interesses
corporativos e institucionais se sobrepõem aos comunitários
e sociais, o financiamento continua insuficiente.
B. Sander, num lúcido ensaio sobre a gestão
educacional na América Latina, já havia destacado
a persistência da tradição funcionalista da
educação, que objetiva a ordem e a integração
social, e onde a administração projeta-se como mediadora
entre interesses, dando lugar à hipertrofia das estruturas
burocráticas28.
Estaríamos longe, então, de uma concepção
que o autor denomina de Administração Relevante,
ou seja, de modelos de gestão em que o critério cultural
define e mede o desempenho gerencial. Neste último caso,
o critério da qualidade de vida e de solidariedade comunitária
superariam a de metas quantitativas alcançadas. Por este
critério, a noção de capital social 29, ou a capacidade comunitária de se agregar e construir
soluções coletivas aos problemas locais, reorientaria
os projetos educacionais e as práticas pedagógicas.
Contudo, somos herdeiros de uma cultura política
altamente centralizadora e dependente, em que a emergência
de uma sociedade civil organizada tensiona com as tradições.
3. Indicando os desafios e impasses nesses vinte
anos de reformas educacionais
Em junho de 2002, secretários de educação
de vários municípios e estados brasileiros que vêm
implementando reformas educacionais reuniram-se em Belo Horizonte
para inaugurar o Fórum Nacional de Reformas Educacionais
(FNRE). Ao longo de dois dias, secretários oriundos das regiões
nordeste (Fortaleza e Pernambuco), sudeste (vários municípios
de Minas Gerais e São Paulo, além de especialistas
do Rio de Janeiro), sul (Mostardas, Florianópolis e Porto
Alegre) e centro-oeste (Mato Grosso do Sul e Cuiabá) montaram
um primeiro painel das reformas em curso e os principais impasses
que enfrentam.
Pela representatividade política (os secretários
presentes estão vinculados à governos que envolvem
a totalidade dos grandes partidos brasileiros) e pela especificidade
do Fórum (secretários que implementam reformas educacionais),
o evento constitui-se num importante panorama do andamento das reformas
educacionais brasileiras. As discussões realizadas revelaram
uma dupla mão de dificuldades: a primeira diz respeito aos
entraves burocráticos e o legado da estrutura gerencial e
organizacional do setor público (problemas com transporte
escolar, substituição de professores, além
de fontes de financiamento, foram os aspectos mais ressaltados);
a segunda destacava peculiaridades específicas das reformas
(sistema de avaliação emergiu como um dos problemas
mais citados).
Uma intervenção inicial de Hernández
orientou grande parte das discussões posteriores. Ele destacou
como título de sua primeira intervenção A
importância de relacionar a formação
dos professores com a melhoria da educação. Um
título que indica um olhar atento à prática
educativa, à prática concreta da sala de aula, da
realidade do professor. As reformas educacionais contemporâneas
possuem este mote da relação entre sua efetivação
e a capacidade protagonista do professor no seu desenvolvimento.
Em determinado momento, o educador espanhol destacou
o «aprendizado acumulado» sobre as reformas. A partir
daí, a articulação entre cultura do professor
e desenvolvimento das reformas ficou mais nítido. Segundo
Hérnández, é fundamental a definição
de um marco geral das reformas, por meio do qual se dialoga com
o que se considera os desejos de uma sociedade. Mas o sentido da
reforma precisa ser compartilhado com o professor, o que sugere
estratégias de comunicação em que o professor
explicita a maneira como ele experimenta a mudança, permitindo-lhe,
inclusive, expressar suas objeções. A reforma é,
então, compreendida como um processo sociopolítico
de negociação de interesses e convicções,
o que demanda muito tempo (mais de oito anos).
As estratégias de comunicação
e de negociação aparecem como fundamentais para o
desenvolvimento das reformas justamente porque definem uma cultura
escolar positiva, que incorpora e trabalha o sentimento de perda
e de ansiedade dos seus protagonistas. Seu sucesso, portanto, está
relacionado às condições que se instalam no
interior das escolas, possibilitando que elas assumam riscos, mantenham
o ânimo em momentos de turbulência, e garantam a identidade
de propósitos do grupo de educadores.
Em sua elaboração, Hernández
parece sugerir que a condução política das
reformas educacionais deve assumir a mesma crença pedagógica
que as formulações educacionais centradas no acompanhamento
do processo de desenvolvimento: sustentam a necessidade de diálogo
com as práticas concretas e experimentadas para que o educando
construa um conhecimento peculiar e próprio, transformando-se
em protagonista. As reformas educacionais contemporâneas,
a partir deste paralelo, deveriam dialogar com as práticas,
experiências e desejos concretos dos professores, procurando
transformá-los em energia moral que sustenta o desenvolvimento
das mudanças.
Corroborando as sugestões de Hernández,
os secretários sustentaram que o locus das reformas
educacionais é o poder municipal, justamente porque possibilita
a construção e o exercício de uma prática
democrática, ou seja, a formação de uma massa
crítica a partir das reformas. Quanto mais distante das escolas
e do cotidiano escolar, menos dialógica e permeável
torna-se a reforma.
Tal constatação mantém identidade
com a tese que apresentamos neste texto sobre a característica
das reformas educacionais contemporâneas: a sua aproximação
com as inovações escolares.
Como princípios a serem observados nas
reformas educacionais, os participantes do FNRE destacaram:
- A observação da vivência e da subjetividade
dos professores ao longo do processo de mudança. As
reformas, em suma, dialogam com práticas cristalizadas
e com ritmos e crenças diferenciadas do corpo docente.
Ignorar a multiplicidade de intenções é romper
com o diálogo, com o real ator das reformas.
- A definição pública de um marco global,
de resultados e objetivos desejados. Este é o discurso
que deve iniciar o diálogo com os professores e com a comunidade
escolar. Sem um marco e sem objetivos anunciados com clareza,
não se estabelece um processo de reforma, mas uma imposição.
- Observação do tempo necessário para
que a reforma seja construída enquanto processo. Hernández,
em sua exposição aos secretários, destacou
que estudos recentes sugerem um mínimo de oito anos em
reformas cuja abrangência territorial é um distrito
escolar.
- Necessidade de distinção entre mudanças
externas (reestruturação do sistema educacional)
e mudanças internas (reculturação). A
construção de uma nova cultura educacional e escolar
é mais complexa, necessária e longa, e apoia-se
justamente no diálogo permanente entre os gestores públicos
e a comunidade escolar; a prioridade na valorização
do profissional da educação (o ator das reformas),
compreendida como remuneração salarial digna, formação
em serviço a partir da demanda dos professores (em caráter
permanente, incluindo temáticas como práticas na
escola, cultura e lazer), implicação dos professores
na formulação de políticas educacionais,
autonomia das escolas na elaboração de seus projetos
pedagógicos, organização de colegiados de
gestão e participação, eleição
direta para diretores de escola, tempo semanal de estudo remunerado,
prevenção e atendimento ao adoecimento, avaliação
de desempenho profissional e institucional, e investimento na
formação em cursos superiores.
Como protagonista das reformas, o professor mereceu
grande destaque nas intervenções. Foi consenso entre
os presentes a necessidade de superação de contratos
de trabalho que obrigam o professor brasileiro a ministrar aulas
em muitas escolas, perdendo a oportunidade de ser elaborador na
construção de um projeto institucional.
Apesar do foco dos discursos convergir para a
valorização da escola e do município como locus
das reformas, e do professor como seu protagonista, o tema da autonomia
mereceu uma atenção mais minuciosa dos secretários.
A autonomia, sugeriram várias intervenções,
não pode ser confundida com atomização do sistema
público de educação. Desde a década
de 80 do século passado, o tema da autonomia escolar vem
sendo explorado em todos discursos sindicais e reformistas. Contudo,
os discursos nem sempre tiveram a mesma intenção pedagógica
ou política, e acabaram evitando aprofundar tal distinção,
tornando esta proposta numa bandeira aparentemente unânime
e muito superficial. Enfrentando esta lacuna, o FNRE acatou a elaboração
da Secretaria de Educação de Porto Alegre, que sugeriu
a adoção do conceito de «autonomia parcial».
O conceito significa a busca do equilíbrio entre os regulamentos
centralizadores e as iniciativas locais (projeto coletivo original,
explícito e negociado, conjugando as finalidades visadas
pelas autoridades às próprias necessidades e possibilidades
de evolução local).
É possível verificar alguns paralelos
entre as observações realizadas no FNRE e outros eventos
educacionais de cunho progressista, que privilegiam o espaço
escolar e sua relação com a comunidade30.
Parece-me, mais uma vez, que tais recentes iniciativas
reorientam as estratégias educativas do pós-guerra,
quando objetivos educacionais vinculavam-se diretamente com propósitos
econômicos nacionais. A escola havia se transformado num instrumento
à serviço de metas gerais, distanciando-se das motivações
e da dinâmica local. Mas os exemplos citados ao longo deste
texto indicam uma mudança significativa em relação
a este foco. A escola e o espaço de vivência social
passam a se encontrar, articulando projetos educacionais. A escola
chega a observar e interagir com outros espaços formativos
(as ruas, as organizações culturais e religiosas,
as festas populares, os lares), incorporando as intenções
sociais e motivando processos de aprendizagem e de socialização
mais amplos. Os espaços educativos, então, superam
o escolar, mas são todos incorporados no projeto pedagógico
da escola.
É a partir dessa nova lógica que
o papel do professor e a atenção em relação
às suas condições de trabalho e desenvolvimento
parecem ganhar relevância nos processos de implantação
das reformas educacionais contemporâneas. É ele, o
professor, o sujeito da leitura institucional que a escola deve
realizar para compreender as possibilidades de interação
com os outros espaços formativos e de socialização
dos alunos. É ele que interage com os alunos, e, preferencialmente,
com pais e líderes comunitários, dialogando com vários
saberes e interesses que passam a compor novos projetos e currículos.
Mas, se esta hipótese é válida,
estamos muito longe de conseguirmos traduzir tal compreensão
e necessidade em práticas concretas. Ainda adotamos metodologias
impositivas de implantação das reformas, alijando
os professores da elaboração e da definição
do ritmo da mudança. E, mais: não conseguimos, ainda,
incorporar as dimensões culturais do trabalho docente na
condução das referidas reformas. Este é o caso
das múltiplas expectativas que afetam o trabalho do professor.
Um olhar breve sobre este tema pode auxiliar na compreensão
do quanto divorciamos as iniciativas reformistas do cotidiano do
professor.
Uma das expectativas sociais em relação
ao papel social do professor é o de «mãe postiça»,
em especial nos primeiros anos de escolaridade. Esta é uma
expectativa marcadamente afetiva. Contudo, nos anos posteriores
a expectativa social é de transferência de competências
técnicas aos alunos. Finalmente, nos anos de Ensino Médio
a expectativa passa a ser a preparação para o ingresso
nas universidades e no mercado de trabalho. Tal pressão social,
muito distinta em relação à faixa etária
do aluno, implica uma determinada conduta profissional do professor,
e sua performance gera um julgamento precisso sobre sua competência.
As reformas raramente dialogam com tais pressões que inundam
o cotidiano de trabalho do professor. Ao contrário, o discurso
reformista é genérico e universal, não conseguindo
manter contato com as expectativas sociais reais e com o cotidiano
escolar. O discurso generalista das reformas aumenta em muitos casos
a solidão do professor, que, além de atender as demandas
das famílias, passa a ter que atender as demandas governamentais.
Não por outro motivo muitos acabam mergulhando numa sensação
de frustração e rancor. A psicanalista Alicia Fernández
procurou traduzir tais sentimentos cotidianos
no que denominou queixas-lamento (desmobilizadoras) e queixas-reclamo
(que denunciam as causas do sofrimento)31.
Muitas vezes as queixas são estimuladas e promovidas pela
escola, e evoluem, não raro, para uma denúncia da
redução da tarefa de educar.
Fernández oferece pistas para compreendermos
o quanto estamos distantes de atingirmos os objetivos reais das
reformas educacionais contemporâneas. São inúmeros
os casos em que as reformas são implantadas e as queixas
dos professores multiplicam-se. Mas, na medida em que o professor
é o ator principal das reformas, tal situação
revela uma larga distância entre intenção e
gesto. Este parece ser o principal obstáculo: articular os
objetivos gerais das reformas com uma escuta atenta do cotidiano
escolar e do fazer docente.
John Dewey afirmou, numa oportunidade, que nem
sempre quando um professor sustenta que possui dez anos de experiência,
ele está dizendo a verdade. Muitas vezes, prossegue o autor,
o professor teve apenas um ano de experiência e a repetiu
por mais nove anos. A experiência, em síntese, nasce
da reflexão sobre a prática concreta. Se não
criarmos condições concretas para que o professor
mergulhe nas experiências das reformas educacionais, passarão
vários anos, e, ao final, constataremos que as mudanças
não criaram raízes. Poderão ser eficazes, mas,
dificilmente, serão efetivas.
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educadoras. Curitiba, Editora UFPR.
Notas:
(*) Sociólogo,
doutor em Ciências Sociais, professor da PUC-Minas e diretor
da
CPP (Consultoria em Políticas Públicas), Brasil.
1 Ver R. Ricci
(1999): «O perfil do educador do século XXI: de boi
de coice a boi decambão»,i n Educação
& Sociedade, núm. 66, ano XX. Campinas: CEDES. Às
páginas 157- 160 destaco e analiso algumas de suas características
principais.
2 Ver M. M. Campos
(2000): «A qualidade da educação em debate»,
in Cadernos do Observatório. Edição Especial
Educação. Rio de Janeiro, IBASE.
3 Esta proposição
foi reproduzida no Estado do Rio de Janeiro, a partir da incorporação
de adicionais de salário e fundos especiais para escolas
e professores com maior produtividade.
4 Na prática,
o governo estadual mineiro reintroduziu a divisão tradicional
do sistema educacional brasileiro, separando o ensino fundamental
em duas fases (dois ciclos de quatro anos de duração).
Foi, então, uma organização meramente administrativa,
sem fundamento psicopedagógico, tendo como preocupação
maior a queda dos índices de evasão e repetência
escolar, tal como anunciado em inúmeras entrevistas e encontros
promovidos pela Secretaria Estadual de Educação. No
Brasil, durante muitos anos, esta divisão foi denominada
de primário (os primeiros quatro anos) e ginásio (os
quatro anos seguintes). Tal subdivisão não se apropriou
das elaborações oriundas de pesquisas da psicologia
do desenvolvimento que orientaram a montagem de experiências
distintas de i mpl ant açãodeci cl os, comoéocasodos
ciclos de formação. Com efeito, nos ciclos de formação,
acompanha-se o desenvolvimento de crianças e adolescentes,
centradas no desenvolvimento das crianças, tal como sugeriram
Piaget, Erikson, Bruner, Kohlberg, Mead, Wallon e Vygotsky. Mais
recentemente, outros autores ampliaram a noção de
inteligência, destacando a peculiaridade do desenvolvimento
em cada criança, extendendo a importância da superação
da seriação, que totaliza e estigmatiza o processo
de aprendizagem em módulos de um ano de duração.
Este é o caso dos estudos que revelam processos de desenvolvimento
específicos diretamente relacionados à cultura e rituais
sociais (como observa D. H. Feldman, o crescente ceticismo em relação
à noção de habilidades universais dos homens
(como nos estudos de Ericsson e Charness), aos perfis intelectuais
múltiplos e diferenciados e à persistência de
raciocínios errôneos mesmo quando corrigidos (como
em Gardner). Ver, sobre essas recentes pesquisas na área
de desenvolvimento humano o ensaio de H. Gardner, B; Torff y T.
Hatch (2000): «A idade da inocência considerada: preservando
o melhor das tradições progressistas na psicologia
e na educação», in D. Olson et al., Educação
e desenvolvimento humano. Porto Alegre, Artes Médicas.
5 A crença
das reformas fundadas na cultura anglo-saxônica fundava-se
no desenvolvimento acelerado e na melhoria das condições
de vida e emprego em sociedades com maior nível de escolaridade,
e onde suas propostas educacionais atendiam as demandas de mercado.
Estudos recentes desenvolvidos na Inglaterra abalam, contudo, tal
crença. A. Wolf (2002), em seu livro Does Education Matter?
Myths About Education and Economic Growth (Londres, Penguin Books)
sustenta que posicionamento no mercado e nível salarial não
dependem apenas da instrução, mas também do
grau de competitividade no mercado de trabalho. Em suma, trata-se
de uma corrida, em que as empresas selecionam uma diminuta parcela
dos mais preparados e qualificados. Este estudo vai mais longe na
demolição de crenças que emergiram nos anos
80: os investimentos públicos para elevar o número
de formados em universidades são acompanhados de cortes orçamentários
em todo o sistema educacional, atingindo duramente as somas direcionadas
para as melhores universidades.
6 Ver H. Ferlie
et al. (1999): A nova administração pública
em ação. Brasília, ENAP/UnB. Esta concepção
de gerenciamento público foi denominada no Brasil de Estado
Gerencial.
7Ver G. J. Sacristán
(1998): O currículo: uma reflexão sobre a prática.
Porto Alegre, Artmed, pp. 14 e 38.
8 Sacristán
cita J. Dewey e as pedagogias progressistas norte-americanas como
contraponto das teorias clássicas norte-americanas.
9 Sobre este tema,
ver N. García Canclini (1997): Culturas híbridas.
São Paulo, EDUSP. Numa perspectiva mais discriminatória,
Huntington destaca os latino-americanos como possuidores de elementos
de cultura indígena, corporativa e autoritária, predominantemente
católicos, sugerindo que seríamos uma subcivilização
da civilização ocidental. Ver S. Huntington (1997):
O choque de civilizações. Rio de Janeiro, Objetiva.
10Dados recentes
indicam que a crise econômica que atingiu a classe média
brasileira afetaram duramente as escolas da rede particular de ensino
fundamental e médio no país. Dentre estas, as escolas
católicas foram as mais afetadas. Nos últimos três
anos, 130 escolas católicas de ensino fundamental e médio
fecharam suas portas, segundo a CNBB/CERIS. As escolas mantidas
pela Igreja Católica perderam 300 mil alunos. Dois motivos
principais, segundo irmão Juilatto, um dos analistas dos
dados deste levantamento: empobrecimento da população
e melhoria do ensino público. Contudo, é necessário
destacar um sutil movimento de mercado que envolve o ramo educacional
nos últimos quinze anos: a sua oligopolização.
Poucos e poderosos grupos privados investem na oligopolização,
adquirindo escolas ou comercializando assessorias e recursos pedagógicos,
o que, na prática, gera franquias informais. Estudos da International
Finance Corporation sugerem que, nos próximos anos, os investimentos
privados em educação devem aumentar significativamente,
em especial nas áreas de ensino à distância
e treinamento vocacional. A educação brasileira movimenta
90 bilhões de reais por ano.
11 J. Carbonell
(2002): A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto
Alegre, Artmed, p. 19.
12Um exemplo
recente é a implementação do Sistema de Ação
Pedagógica (SIAPE) pela Secretaria Estadual de Educação
de Minas Gerais.
13 B. de Sousa
Santos, B. (org.) (2002): Democratizar a democracia: os caminhos
da democracia participativa. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira.
14 Ídem,
íbidem, p. 48.
15 A. Hargreaves,
et al. (2002): Aprendendo a mudar: o ensino para além dos
conteúdos e da padronização. Porto Alegre,
Artes Médicas.
16 Ídem,
íbidem, p. 30.
17 A associação
de estímulos foi denominado por Pavlov de «pareamento».
Tais estímulos, acreditava-se, levariam ao condicionamento
de reflexos, programando-se as respostas daqueles expostos aos inputs
definidos pelo cientista. Pavlov acreditava que quanto maior o número
de pareamentos, mais eficiente seria a resposta condicionada.
18 O conceito
se baseia em pesquisas desenvolvidas pelo Projeto Zero da Universidade
de Harvard, que identificaram originalmente sete subsistemas da
inteligência humana independentes entre si: lógico-matemático,
linguístico, espacial, físico-cinestésico,
interpessoal, intrapessoal e musical. Posteriormente, Gardner acrescentou
mais outras inteligências, como a espiritual e a existencial.
19 O conceito
de portfolio encontra-se explicitado no livro Cultura Visual, mudança
educativa e projeto de trabalho (Porto Alegre, Artes Médicas,
2000). Hernández, no capítulo 7 deste livro, afirma
que o portfolio é uma modalidade de avaliação
retirada do campo da arte, tendo por objetivo reeducar a capacidade
de percepção, compreensão e valorização
daqueles que participam das experiências educativas. Define-o
como um continente de diferentes tipos de documentos (anotações
pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles
de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola,
representações visuais, etc.) que proporciona evidências
do conhecimento que foram sendo construídas, as estratégias
utilizadas para aprender e a disposição de quem o
elabora para continuar aprendendo. No portfolio, o aluno registra
e analisa o que e como aprendeu, dentro e fora da escola, tomando
consciência do seu desenvolvimento, o que lhe possibilita
definir metas pessoais e auxilia seu professor a compreender sua
própria performance como educador.
20 E. Shorter
(1995): A formação da família moderna. Lisboa,
Terramar.
21 Ver A. Hochschild
(1989): The Second Shift: Working Parents and the Revolution at
Home. Nova Iorque, Viking Penguin. Ver, ainda, G. Lipovetksy (2000):
A terceira mulher. São Paulo, Cia das Letras.
22 Na Europa,
quando o pedido de divórcio é apresentado por apenas
um dos cônjuges, em 70% dos casos é a mulher que toma
a iniciativa. Este índice chega a 65% nos EUA. Apesar da
significativa autonomia, o mercado de trabalho continua discriminando
os sexos. Nos EUA, 80% das mulheres ativas são secretárias,
empregadas ou vendedoras.
23 Este é
o caso da área de Humanas, que introduziu conceitos marxistas
no currículo estadual mineiro e se inspirou na elaboração
teórica thompsiana na inovação curricular paulista.
Os conceitos estruturantes procuraram superar a listagem de temas
ou informações seqüenciais que inibiam qualquer
reflexão crítica sobre a realidade social. Ao invés
de fatos e personagens ou de temas; ao invés de seqüência
linear de fatos e topografia, conceitos que possibilitam a verificação
de permanências e mudanças a partir da ação
humana.
24 Este é
o caso da criação do Fórum Mundial da Educação
(ver http://www.forummundialdeeducacao.com.br)e do Encontro de Municípios
com estrutura de ciclos ocorridos este ano em Porto Alegre, ou ainda
a realização do Fórum Nacional de Reformas
Educacionais realizado também neste ano em Belo Horizonte
(ver http://www.portalcpp.com.br/fnre)A UNDIME, órgão
de congregação de secretários municipais de
educação, também prepara um encontro nacional
de experiências de implantação de sistemas de
ciclo de formação.
25 Um dos estudos
mais panorâmicos das reformas latino-americanas é o
desenvolvido por M. Gajardo, coordenadora do Programa de Promoção
das Reformas Educativas na América Latina e Caribe (PREAL).
Ver M. Gajardo (2000): «Reformas educativas na América
Latina: balanço de uma década», in Documentos
PREAL, núm. 15, Rio de Janeiro. Vários documentos
e boletins a respeito das reformas educacionais latino-americanas
podem ser acessados em http://www.preal.cl
26 Comunicação
na mesa Marco Referencial das Reformas Educacionais, realizada no
dia 21/06/02 em Belo Horizonte, durante o I Fórum Nacional
de Reformas Educacionais. A. Nóvoa, em consonância
com as observações de Bomeny, ressalta que os dois
primeiros anos de atividades profissionais de um educador são
decisivas para seu desempenho e engajamento futuros. Contudo, suas
pesquisas revelam que justamente os professores novatos são
os mais sobrecarregados em suas instituições de ensino:
a eles são atribuídas as turmas mais complexas e violentas,
os horários menos convidativos, as tarefas mais penosas.
Nóvoa chega a comparar este descaso com a formação
de um professor com a trajetória de um médico: é
como se um médico recém-formado fosse obrigado a atuar
em operações mais complexas, e, com o passar do tempo,
fosse reservado a ele a tarefa mais fácil, como medicar um
pequeno ferimento de dedo de uma criança... é um contra-senso
(depoimento à equipe técnica da CPP em setembro de
2001).
27 M. Arretche
(2000): Estado federativo e políticas sociais: determinantes
da descentralização. Rio de Janeiro/São Paulo,
Revan/Fapesp, p. 137.
28 B. Sander
(1995): Gestão da educação na América
Latina: construção e reconstrução do
conhecimento. Campinas, Editora Autores Associados.
29 J. Coleman
denominou a capacidade das pessoas trabalharem juntas, visando a
objetivos comuns, de capital social. A capacidade de associação
dependeria, por seu turno, do grau em que as comunidades compartilham
normas e valores e mostram-se dispostas a subordinar interesses
individuais aos grupos maiores. Daí nasceria a confiança.
Ver R. Putnam (1996): Comunidade e democracia: a experiência
da Itália moderna. Rio de Janeiro, FGV; J. Coleman (1998):
«Social Capital in the Creation of Human Capital», in
American Journal of Sociology, núm.
30 A título
de ilustração, o projeto Cidades Educadoras, outra
articulação entre secretários de educação
de vários países, que ganhou organicidade a partir
do I Congresso Internacional de Cidades Educadoras realizado em
Barcelona em novembro de 1990, sugere a ênfase na relação
escola-cidade. Várias resoluções e ensaios
produzidos no interior desta articulação aconselham
que a compreensão da cidade como espaço educador e
de aprendizagem passa pela mudança de perspectiva: da atenção
ao parâmetro do cidadão médio (adulto e trabalhador)
para adoção da criança como parâmetro.
Exemplos como a criação de um verdadeiro Laboratório
Municipal, apresentam propostas de elaboração de conselhos
de crianças para pensar a cidade ou projeto Crianças
Projetistas, em que crianças estabelecem soluções
para problemas urbanísticos. Em Cuiabá, uma vez por
ano, os alunos de escolas públicas elegem um Secretariado
Municipal que acompanha, durante um dia, o titular de cada secretaria
municipal de governo, tomando decisões e sugerindo políticas.
31 A. Fernández
(1994): A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica
do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem, Porto Alegre,
Artes Médicas.
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