Correntes da educação para os media em Portugal:
retrospectiva e horizontes em tempos de mudança
Manuel Pinto (*)
SÍNTESE: Ante a crescente complexidade dos fenômenos
sociais e das opções sobre as quais devemos decidir,
ante a avalancha informativa que os novos e os velhos meios de comunicação
e informação põem à nossa disposição,
ante as mensagens mais díspares que, de vários lados,
tentam seduzir e convencer, resulta verdadeiramente urgente redefinir
o conceito de cidadania, redescobrir os campos e as dimensões
implicadas nele, ensaiar novos modos de aprender a viver, individual
e coletivamente nos novos cenários que estão se desenhando,
com a preocupação de reequilibrar o papel e a missão
da escola.
Apesar de existir consenso de que uma prática democrática
da cidadania encontra o perfeito campo para seu exercício
na relação crítica com os meios, nos países
que sofreram a experiência de regimes autoritários
e que possuem uma experiência democrática ainda
insuficiente entretecida nas práticas cotidianas resulta
difícil conquistar um espaço para a educação
para os meios.
Esse é o caso de Portugal, onde ainda se tem um conhecimento
parcial e fragmentário das experiências realizadas
neste campo. Ainda que tais experiências não constituíram
verdadeiras políticas na matéria, existem sinais que
estariam dando conta das mudanças e das inquietações
que têm lugar, especialmente no âmbito das escolas e
dos mestres e professores que lideram essas iniciativas.
Se entendemos a educação para os meios em sua relação
com os processos socioculturais e de mudança social, devemos
vinculá-la com as características mais notáveis
dos mesmos: aceleração da vida social, enfatização
da cultura do presente, deslocalização, alteração
da noção de escala e crise das grandes narrativas
que davam sentido à ação humana e à
História.
Por outro lado, se a compreendemos como educação
para a comunicação e para a cidadania, é necessário,
antes de tudo, que se estabeleça um novo e adequado paradigma
pedagógico que se apóie na relação entre
a teoria e a prática, e que chegue aos centros de formação
de professores.
SÍNTESIS: Ante la creciente complejidad de los fenómenos
sociales y de las opciones sobre las que debemos decidir, ante la
avalancha informativa que los nuevos y los viejos medios de comunicación
e información ponen a nuestra disposición, ante los
mensajes más dispares que, desde varios lados, intentan seducir
y convencer, resulta verdaderamente urgente redefinir el concepto
de ciudadanía, redescubrir los campos y las dimensiones implicados
en él, ensayar nuevos modos de aprender a vivir, individual
y colectivamente en los nuevos escenarios que se están diseñando,
con la preocupación de re-equilibrar el papel y la misión
de la escuela.
A pesar de que existe consenso en que una práctica democrática
de la ciudadanía encuentra un perfecto campo para su ejercicio
en la relación crítica con los medios, en los países
que sufrieron la experiencia de regímenes autoritarios y
que poseen una experiencia democrática todavía insuficientemente
entretejida en las prácticas cotidianas resulta difícil
conquistar un espacio para la educación para los medios.
Este es el caso de Portugal, donde aún se tiene un conocimiento
parcial y fragmentario de las experiencias realizadas en este campo.
Aunque dichas experiencias no constituyeron verdaderas políticas
en la materia, existen señales que estarían dando
cuenta de los cambios y de las inquietudes que tienen lugar, especialmente
en el ámbito de las escuelas y de los maestros y profesores
que lideran esas iniciativas.
Si entendemos a la educación para los medios en su relación
con los procesos socioculturales y de cambio social, debemos vincularla
con las características más notables de aquellos:
aceleración de la vida social, enfatización de la
cultura del presente, deslocalización, alteración
de la noción de escala, y crisis de las grandes narrativas
que daban sentido a la acción humana y a la Historia.
Por su parte, si la comprendemos como educación para la
comunicación y la ciudadanía, es necesario, ante todo,
que se establezca un nuevo y adecuado paradigma pedagógico
que se apoye en la relación entre la teoría y la práctica,
y que llegue a los centros de formación de profesores.
1. Introdução
A centralidade dos media no espaço público e na vida
dos cidadãos converte-os numa instância que as sociedades
deverão escrutinar com especial atenção. Pode
mesmo dizer-se que a qualidade da vida individual e colectiva é,
hoje, em grande medida, tributária da qualidade dos media.
Por sua vez, a qualidade dos media é fruto de uma relação
complexa, instável e frequentemente desigual com o conjunto
dos cidadãos e dos grupos e instituições sociais.
Daí que, a par de uma cultura de accountability permanente
(McQuail, 1997), ou seja, de prestação de contas e
de criação de canais de diálogo e interacção
dos media com os seus públicos, torne-se necessário
promover uma cultura de permanente e diversificado escrutínio
público dos media.
Hoje é relativamente consensual que a formação
pedagógica e cultural para uma relação crítica
e esclarecida com os media e o campo mediático constitui
uma das dimensões em que se traduz e promove a cidadania.
Apesar de esta consensualidade se traduzir mais numa enunciação
retórica do que numa praxis clara e assumida, em alguns
meios ainda assim importa explorar as virtualidades desta perspectiva.
Em países como Portugal e outros do espaço ibero-americano
que foram profundamente marcados por regimes autoritários
e que possuem uma experiência democrática ainda insuficientemente
entretecida nas práticas quotidianas, torna-se por vezes
difícil conquistar espaços e horizontes para a chamada
educação para os media. Uns porque olham os media
como mero negócio, outros porque possuem deles uma concepção
instrumental (e instrumentalizadora), ambos acabam por ter dificuldade
em os assumir como instâncias decisivas de produção
simbólica, que não podem, sob pena de graves enviesamentos,
ser cindidos dos terrenos da cultura e das práticas culturais.
A experiência portuguesa revela como aquilo que tem sido
uma conquista e um percurso consolidado em vários países
a educação para os media redunda em
experiências fragmentárias, inconsequentes, incapazes
de se articular numa plataforma de acção política
e educativa. Mas nem por isso pouco importantes, em particular para
aqueles que nelas estiveram ou se encontram directamente envolvidos.
Essa é a constatação que podemos fazer, quase
30 anos depois da Revolução dos Cravos de 25 de Abril
de 1974, que pôs fim a cerca de meio século de ditadura,
repressão e censura.
Uma das formas de compreender os porquês de a generosidade
dos esforços de lançar e consolidar a educação
para os media é procurar reconstituir os fios
através dos quais se foram exprimindo e tecendo as experiências
realizadas ao longo das últimas décadas. É
tentar caracterizar as origens, orientações, potencialidades
e fraquezas desses fios, tendo em consideração
os contextos socioculturais e políticos do seu desabrochar
e do seu evoluir.
Devemos esclarecer, desde o início, que não propugnamos
uma filosofia de unicidade na orientação da educação
para os media. É, a nosso ver, salutar e vantajoso que a
pluralidade da vida social, em termos de posicionamentos e mundividências,
tenha tradução na diversidade das experiências
e iniciativas neste terreno. Somos, assim, a favor de um ecumenismo
que assenta no valor e no reconhecimento da diversidade, e que se
constrói do debate entre as diferentes orientações.
Neste texto, pretendemos propor alguns contributos para repensar
o caminho que tem sido trilhado a este nível na Europa e
particularmente em Portugal na última década, tendo
presente o contexto de aceleradas e profundas mudanças a
que vimos assistindo nos anos mais recentes, em especial no que
respeita à emergência e difusão das chamadas
novas tecnologias de informação e comunicação.
Para tal, propomos uma reflexão em três tempos. No
primeiro, procuramos pôr em evidência algumas das tendências
da educação para os media em Portugal nas últimas
décadas; no segundo, iremos fazer alusão a certas
mudanças significativas no panorama mediático e comunicacional
e às respectivas incidências no campo educacional;
no terceiro, apresentaremos algumas linhas que, a nosso ver, merecem
ser consideradas no futuro.
2. Retrospectiva crítica da educação para
os media em Portugal
Uma primeira nota que a fazer é que não foi empreendido
ainda um levantamento e um estudo rigoroso sobre o que tem sido
feito entre nós num campo que, em termos muito genéricos,
poderíamos designar como de interacção entre
a comunicação e os media, por um lado, e a educação
e a escola, por outro. O que conhecemos é parcelar e fragmentário.
Por essa razão, tal estudo começa a ser necessário
para apurar a nossa consciência crítica acerca de um
passado que está longe, como é bom de ver, de se confinar
às experiências, iniciativas e projectos em que cada
qual esteve ou está envolvido.
2.1 Tradições e orientações
Considerando a informação disponível, iremos
propor um quadro que compreende seis orientações na
história recente das práticas de educação
para os media em Portugal: o cinema na escola; a imprensa escolar;
as tecnologias educativas; actualidade e educação
para a cidadania; estudo da comunicação e dos media;
e a educação para os media propriamente dita. Vejamos,
de forma sumária, os traços caracterizadores de cada
uma destas orientações ou tradições.
O cinema e a escola ou educação cinematográfica
O cinema começou por ser considerado pelas elites culturais
um produto culturalmente desqualificado, mas alguns realizadores
das primeiras décadas do século xx fizeram dele a
sétima arte. E a instituição escolar
foi-se apercebendo do potencial educativo desta nova forma de expressão
artística, embora fosse mais fácil levar a escola
ao cinema do que levar o cinema à escola. Importa, porém,
não esquecer que eram professores muitos dos animadores e
frequentadores do movimento cineclubista (Monteiro, 2000).
Em Portugal têm sido desenvolvidas várias experiências
que procuram abordar o cinema em contexto escolar. Têm tido
por objectivos suscitar entre os alunos o gosto pelo cinema, promover
uma iniciação à linguagem e estética
cinematográficas, apoiar e enriquecer o debate de temas de
actualidade ou a leccionação de determinadas matérias,
como a História, a Antropologia, as línguas estrangeiras,
a formação sociomoral, etc. Um trabalho relevante
e continuado neste registo foi desenvolvido a partir dos anos 70
pelo Dr. Vieira Marques, nome principal do Festival de Cinema da
Figueira da Foz, de que foram publicados alguns materiais1.
Não se pense que a interacção entre o cinema
e a escola é algo do passado. Um trabalho recente2 dava conta de relatos de experiências de orientação
diversa desenvolvidas em várias escolas já nos anos
90. E um sinal revelador de que há muitas instituições
educativas que continuam a ter com ele uma relação
estreita está em que, num levantamento feito em 1993 pela
Associação para a Educação Pluridimensional
e a Escola Cultural, permitiu apurar que, num total de cerca de
400 clubes escolares de algum modo ligados à comunicação,
ao jornalismo e aos media, havia 23 ligados especificamente ao cinema,
um igual número de clubes ao vídeo, e 16 ao cinevídeo3.
O académico que continua a trabalhar nesta linha propondo
uma pedagogia da comunicação tendo como
referencial o património e a obra cinematográfica,
é Vítor Reia-Baptista, docente da Universidade do
Algarve. Vários trabalhos publicados ao longo dos últimos
anos (v. g. 1995), e já em 2003, a sua tese de doutoramento,
intitulada A dimensão pedagógica dos media na
pedagogia da comunicação: o caso do cinema e das linguagens
fílmicas.
Imprensa escolar e jornalismo escolar
Apesar de insuficientemente estudada4, esta será talvez a tradição com mais
significado e mais implantação nas escolas portuguesas.
À medida que os processos de composição e de
impressão se foram tornando mais acessíveis
e mesmo antes muitos estabelecimentos de ensino lançaram-se
na produção de jornais escolares. O espírito
inovador inspirado nas ideias e propostas de Freinet e do Movimento
da Escola Moderna deu um importante contributo nesse sentido, mas
o jornalismo escolar extravasa essa orientação.
De acordo com dados de um estudo nacional relativamente recente5, que incidiu sobre uma amostra de
mais de um milhar de escolas do ensino não superior (com
excepção do 1.º ciclo do ensino básico),
mais de 50 por cento editavam algum tipo de jornal.
É certo que por debaixo do chapéu chamado imprensa
escolar podemos encontrar uma multiplicidade de práticas
e de atitudes. Em texto anterior6
referimo-nos a quatro modelos de jornal escolar o jornal-arquivo,
o jornal institucional, o jornal tecno e o jornal informativo7 precisamente para dar conta de distintas concepções
e orientações. Em todo o caso, é possível
detectar em todas elas a preocupação de dar a conhecer,
de comunicar. E, se é verdade que, apesar de tudo, não
é muito frequente que a experiência de produção
de jornais escolares seja assumida como dimensão de um projecto
mais amplo de educação para os media, não é
menos verdade que tal experiência constituirá, muitas
vezes, uma forma rica e fecunda de os alunos experimentarem algumas
das questões e desafios próximos daqueles que enfrentam
os profissionais dos grandes meios de comunicação.
Abordagens a partir da relação tecnologia-educação
No âmbito das ciências da educação foi
ganhando forma, sobretudo a partir dos anos 60, uma preocupação
crescente pelo desenvolvimento, aplicação e avaliação
de sistemas, técnicas e meios para melhorar a aprendizagem,
identificados com a tecnologia educativa, e, num registo
mais restritivo que era então usual, com meios audiovisuais
de ensino (Hendry, in Abrantes, 1981, p. 522).
Hoje, os horizontes deste campo específico das ciências
da educação são bastantes mais largos. Alguns
autores, por exemplo, tendem a adoptar designações
como comunicação educacional, comunicação
multimédia ou comunicação mediada por computador.
Neste contexto é revelador o facto que, nas instituições
de formação de docentes, esta componente passou a
ser consagrada nos curricula e na investigação, não
raro associada ou enquadrada na área do desenvolvimento curricular,
estando hoje consagrada no campo académico, e, em especial,
nos cursos de formação de professores (Ponte, 2000).
Não é assim de estranhar que tal movimento tenha
induzido nas escolas, pela via da introdução e do
uso das modernas tecnologias de informação e comunicação
desde o retroprojector e o projector de slides ou
o vídeo até o computador multimedia ligado a redes
telemáticas uma atenção aos problemas
da comunicação e dos meios de difusão colectiva.
De facto, em muitos casos algumas das pessoas e instituições
ligadas hoje à educação para os media tiveram
uma trajectória cuja origem radica na tecnologia educativa,
ou, mais rigorosamente, no estudo e na aplicação das
interacções entre tecnologia e educação.
A partir da problematização do papel social e cultural
das tecnologias e da análise das modalidades de acesso, uso
e incorporação, bem como dos contextos económico-políticos
da sua produção e difusão, introduziu-se uma
vertente importante no campo educativo, imprescindível à
abordagem ecuménica da educação para os media
que preconizamos.
Actualidade e educação para a cidadania
Não se pode dizer que esta perspectiva de abordagem constitua
uma tendência muito saliente, mas existe e reveste alguma
especificidade. Procura sublinhar o papel que os media assumem como
instâncias de enunciação, construção
e significação dos eventos e situações
que marcam o que em cada momento se passa no mundo próximo
e distante. A informação jornalística constitui,
nesta perspectiva, um precioso contributo à educação
escolar, enquanto factor de motivação, de ilustração
e até de actualização (dos manuais)
ou seja, como recurso pedagógico e enquanto texto
a ser acolhido, analisado e interpretado. Deste ponto de vista,
a imprensa, e em geral os media, constituiriam um apoio insubstituível
a processos de ensino-aprendizagem que tomam a compreensão
e significação do mundo e a formação
para uma cidadania consciente e participativa como objectivos seus.
De entre os exemplos que poderiam ser apresentados desta perspectiva,
poderíamos destacar o Projecto CIMA (Compreender e Intervir
no Mundo Actual), da Escola Superior de Educação de
Setúbal, que ao longo de vários anos dinamizou a acção
de um bom número de escolas. Mais relevante ainda é
o trabalho do Projecto Público na Escola, que,
desde o seu início em 1989, colocou a relação
com a actualidade como seu objectivo primeiro8, e que, tendo por base de trabalho
um jornal diário de referência, tem continuado a incentivar
das mais diversas formas uma relação da educação
com o jornalismo e a actualidade.
Estudo da comunicação e dos media
Depois do período revolucionário iniciado em 25 de
Abril de 1974, os objectivos do sistema educativo, e sobretudo os
planos curriculares, passaram a dar algum acolhimento aos novos
fenómenos sociais, e em particular aos media. Se essa abertura
cabia em algumas disciplinas e áreas disciplinares (nomeadamente
relacionadas com as línguas e os estudos sociais), viria
a ter também consagração através da
criação de disciplinas e de cursos específicos
no ensino secundário. Assim, por exemplo, na oferta proporcionada
por um bom número de escolas secundárias, vigorou
durante cerca de dez anos a disciplina de Iniciação
ao Jornalismo, que constituiu uma forma de promover a abordagem
do campo mediático no sistema escolar, e de levar alguns
jornalistas à escola na qualidade de docentes dessa matéria.
Com a entrada em vigor da reforma educativa dos finais dos anos
80, passou a existir um curso tecnológico de comunicação,
o qual registou uma significativa procura, a ponto de chegar a existir
perto de duas centenas de instituições educativas
que o ofereciam.
Como é evidente, o estudo dos media não equivale
a educação para os media, como um debate já
antigo no Reino Unido, sublinhou. Mas pode ser e em alguns
casos tem sido um excelente incentivo nesse sentido, além
de que nos programas da disciplina de Comunicação
e Difusão está expressamente previsto um módulo
sobre Educação para os Media.
A educação para os media como dimensão
transversal do currículo
Nenhuma das orientações apresentadas esgota o que
se entende hoje em dia por educação para os media,
porém qualquer uma delas constitui uma dimensão e
pode dar um contributo importante nesse sentido.
A educação para os media não se reduz à
introdução e à utilização das
novas tecnologias da informação e comunicação
na escola; não se pode circunscrever ao estudo dos media
nem à produção de jornais. Considera quer a
dimensão da análise (leitura crítica) quer
a da produção, procurando desenvolver uma perspectiva
holística que entende os media não apenas como conteúdos
ou mensagens, mas também como indústrias e serviços
político-económica e socioculturalmente situados,
e como propostas diferencialmente apropriadas e significadas ao
nível das práticas sociais e dos contextos de recepção.
Além disso, a educação para os media procura
promover a tomada de consciência dos modos socioculturalmente
distintos de comunicar, de desenvolver competências de expressão
e de comunicação de todos, em ordem a uma participação
activa e esclarecida na vida local e social.
Neste sentido, a educação para os media (ou educação
para a comunicação, ou, ainda, pedagogia da comunicação)
constitui uma proposta articulável com as práticas
pedagógicas na sala de aula e nas actividades escolares em
geral, mas também com óbvias incidências nas
políticas de educação e nas práticas
culturais. E, tal como o sistema social em que se inscreve, constitui
ou deve constituir uma realidade plural nas suas formas
de concretização.
2.2 Sinais de mudança e de inquietação
Apesar da tendência para desconsiderarmos o que fazemos,
muito por falta de uma dimensão comparativa com o que se
passa noutros países, importa sublinhar que na última
década alguma coisa se fez em Portugal para conferir à
educação para os media uma consistência e uma
visibilidade mais acentuadas. O aspecto mais saliente consiste na
multiplicação de iniciativas e de projectos ao nível
das escolas. Uma delas, como a Semana dos Media, começou
por ser uma iniciativa do projecto Público na Escola
no início da década de 90, e passou depois a ser organizada
anualmente pelo Instituto de Inovação Educacional
enquanto este existiu9,
permitiendo identificar e em alguns casos pôr em ligação
projectos de muitas dezenas, se não centenas de escolas10. Outro sinal deste dinamismo reside
na quantidade, diversidade e qualidade dos concursos nacionais
de jornais escolares e de projectos de utilização
dos media na escola, promovidos desde 1990 pelo projecto Público
na Escola, com o apoio do Ministério da Educação.
Apesar disto, não podemos deixar de considerar que se trata
ainda de uma dinâmica de reduzida expressão no sistema
educativo, que remete para preocupações igualmente
minoritárias no âmbito dos docentes e dirigentes das
instituições e dos serviços oficiais.
Relevante foi, neste contexto, a constituição em
1997 da Associação Educação e Media
(AEM), que realizou, nos finais dos anos 90, encontros anuais de
docentes, promoveu formação específica e trouxe
ao país alguns nomes relevantes da área da educação
para os media no panorama internacional. Esta dinâmica associativa
surgiu na cidade galega da Corunha, quando num encontro internacional
ali realizado em 1995, as cerca de duas dezenas de docentes portugueses
presentes consideraram ter chegado a hora de instituir uma associação.
Um grupo ligado à Escola Superior de Educação
de Setúbal teve nesse processo um papel dinamizador importante.
Duas vertentes que começam a adquirir expressão,
embora ainda sem a amplitude desejável, são a da formação
e a da investigação. A este nível destaca-se,
por um lado, os trabalhos desenvolvidos pela Escola Superior
de Educação da Universidade do Algarve e pelo
Instituto de Estudos da Criança (IEC) da Universidade
do Minho, instituições em que a educação
para os media constitui matéria obrigatória na formação
inicial. No caso da formação especializada, o IEC
passou a promover também, desde 1995, cursos de estudos superiores
especializados em educação para a comunicação
social, em regime pós-laboral e com a duração
de dois anos, destinados a educadores de infância e professores
do 1.º ciclo do ensino básico. Por outro lado, quer
nestas escolas, quer noutras, a educação para os media
e matérias afins têm vindo a ser adoptadas como temas
de teses de mestrado e doutoramento. Nos últimos dez anos
foram apresentadas cerca de uma dezena em provas públicas,
sendo previsível que essa tendência venha a continuar
ou mesmo a crescer nos anos mais próximos.
O facto mais relevante em época recente foi a decisão
da Universidade do Minho de criar o primeiro mestrado com a especialização
em Comunicação, Cidadania e Educação11.
Os seus objectivos, na linha de uma diversificada experiência
desenvolvida num grande número de países e estimulada
por diversas organizações internacionais como a UNESCO
ou o Conselho da Europa, inscrevem-se no entendimento de que o exercício
da cidadania exige e supõe a educação para
os media ou, talvez melhor ainda, a educação para
a comunicação. Não apenas ou necessariamente
orientada para a formação de consumidores mais críticos,
mas também de pessoas capazes de produzirem informação
e de comunicarem com os seus semelhantes de modo eficiente e significativo.
O Curso foi implementado pela primeira vez em 2002-2003, e tem vindo
a estabelecer contactos com outras experiências de pós-graduação
em Educação para os Media, em especial com as da Universidade
Autónoma de Barcelona.
Uma outra faceta dos estímulos ao desenvolvimento da educação
para os media provém dos próprios meios de comunicação
social, ou pelo menos de alguns deles. Além do já
referido Projecto Público na Escola, a funcionar
desde 1990, merece especial referência o trabalho desenvolvido
a partir do sector de Programas Infantis e Juvenis do operador público
de televisão RTP, nomeadamente na concepção
e produção de programas de cunho educativo de grande
sucesso entre os segmentos etários mais novos, como foi o
caso da co-produção Rua Sésamo
e da produção Jardim da Celeste. Foi uma
experiência de grande alcance educativo e cultural que marcou
toda uma geração
de crianças e a que, infelizmente, os responsáveis
do canal não foram capazes de dar continuidade. Mas importa
não esquecer um grande número de jornais e de rádios
locais que têm apoiado ou promovido, em conjunto com as escolas,
iniciativas de grande mérito na ligação entre
a educação e os media.
O Ministério da Educação tem sido, neste contexto,
uma instância que se tem destacado mais pelo apoio e viabilização
do que propriamente pela promoção de iniciativas.
Várias das dinâmicas já referidas contaram com
o seu apoio, em especial através do entretanto extinto Instituto
de Inovação Educacional. (A título de exemplo,
o concurso anual Educar inovando, inovar educando contemplava
a educação para os media entre as suas prioridades).
O mesmo Instituto, por outro lado, lançou em 1994 uma colecção
intitulada Aprender com os media, de que foram publicados
alguns volumes até ao presente.
É preciso dizer que nunca chegou a haver, pelo menos de
uma forma explícita, uma estratégia articulada neste
domínio. A então Secretaria de Estado do Ensino Básico
e Secundário encomendou à Universidade do Minho, em
1993, um estudo que poderia ter estado na base de uma estratégia
desse tipo12, mas as propostas nele contidas foram esquecidas com as mudanças
de ministros e secretários de Estado. A educação
para os media foi, ao longo dos anos 90, um fio de água débil
mas que foi correndo, com apoio do Estado, embora sem nunca ter
chegado a constituir uma prioridade das políticas educativas.
Com a mudança de orientação política
recente, e com a onda de cortes e de medidas de contenção
orçamentais num quadro económico marcado pela recessão,
os tempos não têm ido favoráveis para as políticas
de educação para os media, deixando-se assim subentender
que pouco mais serão do que flores para enfeitar discursos
de ocasião.
As experiências em que temos estado envolvidos há
mais de uma década no plano da formação, da
investigação e da intervenção, levam-nos
a propor algumas reflexões que pesquisas futuras mais sistemáticas
poderão desenvolver e aprofundar, ajudando a confirmar ou
infirmar o que aqui sugerimos. Assim:
1. De um modo geral, o clima de recusa (ou mesmo de hostilidade)
relativamente aos media, e, em especial, à possibilidade/necessidade
da sua abordagem na instituição escolar, parece ter-se
vindo a diluir, mesmo tendo em conta a crescente comercialização
que se regista numa boa parte da oferta mediática.
2. Grande parte do corpo docente não considera, contudo,
que tal abordagem constitua uma preocupação premente
ou uma prioridade da acção educativa escolar. Se tal
preocupação existe para alguns, a falta de condições
subjectivas (competências, capacitação, formação)
e objectivas (equipamento, apoio institucional, governamental) poderá
ser razão para a falta de iniciativa.
3. As experiências e projectos levados a cabo designadamente
desde o início dos anos 90 configuram um quadro de iniciativa
que tem vindo a crescer e a afirmar-se, embora constitua preocupação
minoritária; de resto, muitas dessas iniciativas, apesar
de lidarem com os media ou de os terem como tema central, não
incorporam uma reflexão mais ampla e aprofundada do papel
dos media na sociedade e na vida das crianças e dos adolescentes.
4. Existe um défice assinalável de reflexão
e de problematização do trabalho levado a cabo no
terreno, directa ou indirectamente referenciável ao movimento
da educação para os media. As motivações,
pressupostos, referenciais teóricos, problemas metodológicos,
discussão e análise comparativa de resultados, réplica
de experiências e avaliação, constituem vertentes
pouco consideradas até ao presente em Portugal.
5. As influências e os efeitos dos media (percepcionados
como negativos) parecem ser uma preocupação subjacente
a muitos discursos e práticas a avaliar por sinais de variada
origem. O peso desta perspectiva parece ser bem mais saliente e
marcante do que aquel outro que considera as práticas sociais,
os processos e os contextos de recepção e de atribuição
de sentido.
6. Na mesma linha, parece ter-se vindo a afirmar e fortalecer,
nas práticas e nos discursos educativos, uma orientação
de forte pendor técnico e modernizador, que é marcante
no terreno da formação de professores e educadores,
com inevitável impacte nas concepções e enquadramentos
da educação para os media13.
A saliência e alcance político-educacional deste ponto
exige que nos detenhamos um pouco mais sobre ele.
3. A deriva tecnocêntrica da educação
para os media
Uma das grandes derivas que enfrenta a educação para
os media em vários países, Portugal incluído,
é o da sua redução ao factor técnico,
ou, pelo menos, a adopção de uma abordagem tecnocêntrica
para enunciar e ter em conta processos que são antes de mais
sociais. Um tal tecnocentrismo (expressão de modalidades
de acção e de concepções referenciáveis
ao determinismo tecnológico) resvala facilmente
para formas mais ou menos dissimuladas de tecnocracia. Ora a tecnocracia
é, por sua vez, uma forma de dissimulação do
poder e dos interesses de quem controla a técnica e a produção
tecnológica.
Em rigor, a deriva não é nova. Conhecíamo-la
quando alguns consideravam que, para dar vida a experiências
de formação de telespectadores críticos, tornava-se
imprescindível ter um televisor na sala de aula. Ou quando
se fazia equivaler a educação para os media ao uso
de equipamentos e materiais diversos, fossem eles máquinas
de projectar diapositivos, acetatos, videogramas, ou, mais recentemente,
apresentações em powerpoint.
Com a divulgação da Internet e a pressão para
a sua difusão pelas escolas, foram investidas somas avultadas
e lançados programas oficiais e privados no sentido de tornar
o acesso o mais universal possível e de incentivar o uso
frequente da rede. No quadro de um discurso geral de modernização
e inovação das escolas e do ensino-aprendizagem, tornou-se
corrente a ideia de que a exclusão do acesso e da eficiente
utilização da Internet é sinónimo de
exclusão social e cultural.
Em boa medida, assim é. Contudo, convém sublinhar
que é bem mais fácil enveredar por discursos e práticas
que, consciente ou inconscientemente, alimentam e ampliam novos
mitos como o da comunicação automática e universal,
do que se interrogar sobre o que significa entrar como leitor
ou escritor no grande ciber-oceano informativo. Ou seja:
sobre o que significa em verdade navegar na Internet.
Acresce que algumas das iniciativas e dos projectos dos últimos
anos, norteados por esta orientação tecnocêntrica,
inscreveram nos seus objectivos a educação para os
media ou a alfabetização digital. Se a
implantação e o uso de tecnologias de informação
e comunicação trouxessem consigo a educação
para os media como que por decorrência inevitável,
não teríamos neste momento motivos de preocupação.
Não se está a sugerir que a educação
para os media possa ou sequer deva prescindir das tecnologias, novas
ou velhas. Pelo contrário, a dimensão tecnológica
deve constituir uma das suas dimensões fundamentais, já
como ferramenta que configura e veicula as mensagens ou que abre
a possibilidade da produção própria, já
como fenómeno sociocultural, político e económico.
As tecnologias estão longe de ser um mero problema técnico.
São ferramentas ao serviço do ensino e da aprendizagem,
mas são igualmente produto das relações sociais,
expressão de um certo mundo, e contribuem ao mesmo tempo
com a sua quota-parte para a configuração desse mesmo
mundo (cf. Tedesco, s/d).
Há toda uma história da relação entre
as tecnologias e as sociedades, cujo estudo muito beneficiaria certos
movimentos e opções no tempo presente. Essa história,
em muitos dos seus momentos, tem balanceado entre os extremos demarcados,
de um lado, pelo fascínio e crença nos poderes demiúrgicos
das técnicas, e, do outro, pela suspeita, pelo medo e até
mesmo pelo pavor da técnica. Esta corrente tecnófoba
remonta pelo menos a Platão, que nos fala, no Fedro,
do empobrecimento que a invenção da escrita representaria
(representou) para os humanos, ao deslocar para fora das pessoas
um saber/sabedoria que, até então, era cultivado dentro
através da memória. Por vezes exprime-se por meio
da contraposição e hierarquização de
tecnologias. Assim, por exemplo, Neil Postman, em Amusing Ourselves
to Death ou em The Disappearance of Childhood, sustenta
que a televisão (repare-se: não certos programas ou
certos conteúdos, mas a TV tout court) veio trazer
uma enorme perda cultural, ilustrando aquilo que o mesmo autor viria
a caracterizar, anos mais tarde, como a rendição da
cultura à tecnologia (Postman, 1994).
Há, nas orientações mais encantadas como nas
mais reticentes às tecnologias, uma matriz comum de forte
pendor determinista. Ambas assentam na pressuposição
de que a difusão e o uso produzem, de forma mais ou menos
automática, determinados efeitos, sejam eles positivos ou
negativos. E este determinismo está presente, de modo por
vezes subliminar, como marca forte dos programas que visam difundir
as novas tecnologias de informação e comunicação
(NTIC) na escola, e, mediante essa via, promover a inovação
na educação.
No terreno educativo, porém, dir-se-ia que a imagem das
NTIC está associada a uma carga predominantemente positiva,
como se nestas tecnologias residisse a redenção da
escola e da educação escolar perante a sociedade.
A interactividade, a auto-aprendizagem, a pesquisa autónoma,
a interdisciplinaridade, seriam resultados naturais
esperáveis do extraordinário poder atribuído
às novas tecnologias, que grandes grupos multinacionais,
sequiosos de aumentar os seus lucros e a sua quota de mercado, não
se cansam de agitar e propagandear.
Neste quadro, e no sentido de abrir caminho e espaço à
educação para os media, é fundamental interrogar
as concepções e propostas instrumentalistas, modernizantes
e tecnocráticas que parecem conquistar hoje os discursos
e as orientações de vários sectores-chave da
União Europeia e de diversos ministérios da Educação,
e procurar enfatizar o lugar dos sujeitos e os grupos que interagem
com a mediação das tecnologias, tendo em conta os
seus respectivos contextos de vida. Trata-se de acentuar orientações
de pendor pedagógico e cultural, dirigidas para o exercício
de uma cidadania esclarecida e participada, em que o recurso às
tecnologias e a compreensão do seu lugar na vida social habilitem
cada vez mais as pessoas e os grupos a uma vida mais autónoma,
mais significativa e mais feliz. Há que passar pelas tecnologias,
mas para visar mais largo e mais longe: as lógicas e os interesses
de que emergem, as tendências que nelas se detectam, as linguagens
e os formatos a que recorrem, os usos sociais e formas de apropriação
a que dão lugar. O acesso às tecnologias e a mais
e melhor informação pode ser condição
necessária, mas não suficiente na formação
dos cidadãos nas sociedades dos nossos dias. Como observou
Dominique Wolton, nada há de mais perigoso do que ver
na presença de técnicas cada vez mais performativas
a condição da aproximação entre os homens14.
E Paul Virilio foi ainda mais longe: Detesto a idolatria.
A Internet não é mais do que um instrumento. Ora não
se pode esperar que a salvação venha de um objecto15.
A educação para os media deve ter o seu centro de
gravidade não tanto nos media e nas tecnologias, mas na comunicação
e nos processos e competências nela implicados. É o
desenvolvimento de competências e de práticas comunicativas
ao âmbito individual e grupal, e a promoção
de uma cultura de comunicação na escola, na família,
no movimento ou associação local, que deveria ser
procurado e promovido com a educação para os media.
Como temos sublinhado noutras ocasiões16,
constitui um contra-senso despender vastas somas de tempo, dinheiro
e energia em grandes programas de fornecimento de tecnologias de
comunicação e informação, sem uma percepção
clara de que tais equipamentos e redes são da ordem dos meios
e não das finalidades.
Perante a complexidade crescente dos fenómenos sociais e
das opções que somos chamados a assumir; perante a
avalanche informativa que os novos e velhos meios de comunicação
e informação disponibilizam; perante as mensagens
mais díspares que de vários lados procuram seduzir
e convencer torna-se urgente redefinir o conceito de cidadania,
redescobrir os campos e as dimensões nele implicados, ensaiar
novos modos de aprender a viver individual e colectivamente nos
novos cenários que se estão a desenhar, com a preocupação
de reequacionar o papel e a missão da escola (Pinto, 2003).
4. Horizontes da educação para os media num novo
quadro sociocultural e mediático
Se entendermos os media como agências centrais de produção
simbólica das sociedades contemporâneas, não
poderemos deixar de compreender a educação para os
media como intimamente relacionada com os processos socioculturais
e com a mudança social.
Estes processos podem ser caracterizados por um conjunto de traços,
dos quais destacamos os seguintes:
- A aceleração da vida social, bem como
da frequência das inovações, das descobertas,
dos ritmos de vida, das possibilidades de contactos e de trocas
de informação.
- Enfatização da cultura do presente, do
aqui e agora, perante um futuro tornado ora perigoso
e incerto e perante um passado confundido com o reino do
esquecimento.
- Separação espaço-tempo, ou, na expressão
do sociólogo Anthony Giddens17, des-localização: diversificação
de espaços; raios de acção/circulação
cada vez mais alargados.
- Alteração da noção de escala
em que nos situamos e nos referenciamos por relação
com os outros: entre o infinitamente grande dos espaços
siderais e o infinitamente pequeno das unidades mais elementares
da matéria, passando pelo infinitamente complexo da análise
dos fenómenos.
- Crise das grandes narrativas que davam sentido à acção
humana e à História, e afirmação hegemónica
da economia de mercado e da ideologia neoliberal.
Alguns dos fenómenos apontados podem ser analisados no campo
mediático, campo em que as transformações dos
anos 80 e 90 se revelaram de uma profundidade e alcance consideráveis.
Para um país como Portugal, é necessário recuar
um pouco mais e chamar a atenção para esses anos 70
que trouxeram o fim da ditadura e das guerras coloniais, as liberdades
e direitos fundamentais, o re-encontro com a Europa, a aprendizagem
da vida democrática e o percorrer de um caminho de efectivação
da participação que outros tinham já calcorreado.
Para o bem e para o mal, Portugal começou a acertar o passo
com as sociedades ocidentais desenvolvidas, pondo em acção,
no domínio das políticas de comunicação
e media, processos marcados por: liberalização
e desregulamentação expressa, nomeadamente
na acção legislativa que retira o Estado de um papel
hegemónico, e, no caso da TV, monopolista; integração
e concentração, definida como toda a forma
mais ou menos avançada de combinação de poder
e de propriedade sobre as actividades de uma sociedade ou de um
grupo de sociedades18; internacionalização
e globalização, decorrente no caso português
em especial, da integração no espaço da comunidade
europeia, mas como fenómeno praticamente de um só
sentido (capitais estrangeiros que entram em empresas e grupos nacionais)19; mercantilização,
que acentua a lógica e a lei do mercado como chave principal
das orientações e decisões estratégicas,
e que tende a considerar o indivíduo/destinatário
mais como consumidor do que como cidadão (Traquina, 1993,
p. 2)20.
O factor tecnológico é, neste contexto, de grande
relevância. A convergência de sectores e de tecnologias
(telecomunicações, informática e de media);
a difusão galopante da distribuição de televisão
e Internet por cabo; a expansão das redes digitais multimedia,
constituem expressões de uma mudança profunda de incidência
económica, política e sociocultural, cujos contornos
e alcances não se encontram ainda claramente recortados.
Entendida como educação para a comunicação
e para a cidadania, a educação para os media necessita,
em Portugal e no contexto apresentado, de dar passos significativos
a diversos níveis, que são decisivos para o seu desenvolvimento
e consolidação, quer no âmbito da educação
formal quer da não-formal.
Entre esses níveis, o mais decisivo continua a ser o da
inovação nas práticas pedagógicas. É
aí, na sala de aula, nas actividades extra-lectivas, no âmbito
das associações (de alunos, de professores e outras),
que projectos inovadores podem ser levados a cabo com imaginação
e continuidade. Neste contexto, não se deve esquecer o papel
que podem desempenhar as escolas e os colégios do ensino
particular e cooperativo, os quais dispõem em muitos casos
de uma flexibilidade e de uma margem de iniciativa que pode facilitar
o desenvolvimento de projectos neste campo. Entretanto, e para não
correr o risco da atomização e do permanente recomeço
do ponto zero, torna-se necessário incentivar entre os agentes
educativos envolvidos nas experiências no terreno o hábito
do registo e reflexão crítica sobre as práticas
de educação para os media, bem como da respectiva
partilha, através de meios de comunicação existentes
e a criar.
Neste mesmo sentido, é da maior importância continuar
a investir na sensibilização dos centros de formação
contínua de professores, tirando partido, por exemplo, de
modalidades formativas menos convencionais como são os círculos
de estudo, que tornam possível articular melhor a formação,
a pesquisa e a acção. O que se diz da formação
contínua deve dizer-se, por maioria de razão da formação
inicial de professores e educadores, de animadores socioculturais,
etc.
A investigação científica, designadamente
realizada no âmbito de cursos de pós-gaduação
com vista à obtenção de graus académicos,
pode constituir um precioso instrumento de contextualização,
enquadramento e fundamentação das experiências
e projectos desenvolvidos. A qualidade dos cursos de pós-graduação
pode beneficiar da exploração de oportunidades e programas
de intercâmbio de docentes e estudantes, sobretudo no espaço
ibero-americano.
De igual modo, também a avaliação constitui
uma vertente fundamental da qualidade e eficácia da acção
levada e a levar a cabo. Sendo certo que toda a investigação
sobre problemas e aspectos do mundo empírico permite alguma
forma de avaliação, esta não deixa de ter a
sua lógica e metodologia próprias, que interessa desenvolver.
Não é, porém, suficiente atender às
várias vertentes que podem concorrer para o desenvolvimento,
expansão e qualificação da educação
para os media. É também preciso ter em conta os modelos
e paradigmas que fundamentam esta dimensão, cada vez mais
considerada básica na formação dos cidadãos.
Alguns tópicos que consideramos relevantes para essa reflexão
são apresentados como contributos nos parágrafos seguintes:
- Em primeiro lugar, parece-nos ser necessário prosseguir
um trabalho de crítica aos modelos transferenciais e
transmissivos, que continuam a predominar quer no âmbito
educativo quer no comunicacional-mediático. A experimentação
e teorização em torno de modelos e projectos mais
interactivos e dialógicos que valorizem todos os parceiros
do processo formativo, reveste um carácter determinante
numa perspectiva de educação para a cidadania. Com
efeito, do ponto de vista dos princípios orientadores da
educação para os media, não deixa de ser
uma contradição a aposta na formação
de cidadãos críticos e participativos, tendo por
base quadros e contextos comunicacionais marcados pela unidireccionalidade
e pela desigualdade. É por isso que a educação
para os media não se pode limitar ao uso dos media na escola.
De certo modo, esse uso pode servir para reforçar ainda
mais o modelo transferencial e transmissivo, porquanto o decora
com o toque modernista ou pós-modernista
dos media. O problema não reside na infra-estrutura
tecnológica, mas no projecto pedagógico, na concepção
pedagógica e comunicacional que preside à introdução
dos media na aula (Kaplún, 1997)21.
- A procura de um novo paradigma, apoiado numa relação
estreita entre a teoria e a prática, constitui uma via
que muitos docentes vêm ensaiando, inspirados por pedagogos
pioneiros como Freinet e Paulo Freire. Do nosso ponto de vista,
trata-se de uma procura que exige abertura, persistência
e determinação e que não está isenta
de riscos, um dos quais é o da demagogia (também
praticada por alguns media), que resulta de procurar dar aos alunos
aquilo que eles gostam, de fazer o que eles querem, supondo que
ser bom educador é ser um deles e não se assumir
como adulto e como profissional. Essa procura terá de assentar
num conhecimento aprofundado dos educandos, não
apenas no seu papel de alunos, mas igualmente como pessoas, com
os seus mundos, as suas relações, os seus grupos,
as suas formas de expressão, as suas inquietações
e problemas, as suas competências e os seus saberes. Do
ponto de vista da educação para os media tal conhecimento
parece-nos duplamente necessário, dado que as crianças
e jovens são possuidores de uma experiência mediática
de que não se pode prescindir nas iniciativas e projectos
a levar a cabo.
- Se a educação para os media for entendida como
educação para a comunicação e para
o exercício pleno da cidadania, então torna-se importante
que o trabalho pedagógico esteja imbuído de um horizonte
que transcenda e envolva o conjunto da vida social e política.
E uma forma de promover essa consciência e essa capacidade
de intervenção consiste em ser capaz de participar
na mudança da própria vida escolar. Na verdade,
não se compreenderia a promoção de projectos
com o objectivo de promover a comunicação e de reflectir
sobre as práticas comunicativas na sociedade em contextos
escolares caracterizados pela incomunicação, pelo
silêncio, quando não pela censura pura e simples.
Pensamos, por isso, que uma das tarefas da educação
para os media consiste em identificar as necessidades, potencialidades
e bloqueamentos no plano da informação e da comunicação
que se registam na escola (entre os alunos, entre os professores,
entre a direcção e a comunidade escolar, entre os
pais e a escola, entre a escola e a comunidade, entre a escola
e os media locais, etc.), e encontrar meios e formas de mudar
e melhorar a situação existente. O jornalismo escolar
deveria ser entendido, neste contexto, como uma escola
de aprendizagem da liberdade e da responsabilidade, que ajudasse
a conhecer o que de significativo se passa ou vai passar, contribuísse
para enunciar situações e problemas, e exprimir
opiniões e desejos dos vários agentes educativos.
- Por outro lado, torna-se necessário ancorar os projectos
e as pesquisas no âmbito da educação para
os media num conhecimento mais aprofundado dos quadros teórico-metodológicos
historicamente desenvolvidos no campo multidisciplinar das Ciências
da Comunicação. O confronto e diálogo com
essas propostas teóricas permitirão situar melhor
distintas orientações e ajuizar com mais acuidade
das respectivas potencialidades e limites. Tornar-se-á,
assim, mais saliente a concepção mediocêntrica
predominante em muitos dos discursos e práticas de educação
para os media. Um tal mediocentrismo, que, pelo menos como hipótese
propomos como prevalecente, traz agarrada a si uma tendência
para a descontextualização, quer ao nível
dos media quer ao nível das práticas sociais de
recepção-apropriação-significação.
Ora para captar e iluminar o alcance destas várias dimensões
do campo mediático e de assumir os media simultaneamente
como resultado de uma produção simbólica
no interior do sistema social e como agentes dessa mesma produção,
torna-se necessária uma abordagem suportada em modelos
mais complexos.
- As tecnologias de informação e comunicação
têm um papel importante na vida social e na escola. Em alguns
contextos essa importância adquiriu uma expressão
tal, que, como observávamos atrás, já não
falta quem reduza a educação para os media ao ensino-aprendizagem
do uso das tecnologias. Consideramos que é necessário,
no actual quadro de sedução e de encantamento (ou,
inversamente, de diabolização) da Internet e do
multimedia, procurar os caminhos de uma abordagem crítica
das tecnologias e de incorporar clara e decididamente a dimensão
tecnológica no projecto da educação para
os media. Tal objectivo que é hoje quase decisivo
para o futuro da cidadania e da educação
pressupõe a consciência de que a comunicação
não se reduz à performatividade técnica,
e que os progressos verificados nas tecnologias de informação
e comunicação não acarretam automática
e necessariamente progressos na comunicação. Mais
do que se deixar embalar pelas fáceis e precipitadas contraposições
e antinomias entre media novos e clássicos, importaria
talvez indagar sobre os processos de recomposição
e reconfiguração do panorama mediático, dos
usos sociais dos media e das transformações nos
modos e estilos de vida. Em suma, os novos media sugerem todo
um itinerário de desafios, que, a nosso ver, a educação
para os media não pode deixar de acolher e com os quais
não pode deixar de dialogar.
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Wolton, Dominique (1999): Internet et après? Une théorie
critique des nouveaux médias, París, Flammarion.
Notas
(*) Professor associado do Departamento
de Ciências da Comunicação e director do Curso
de Mestrado em Comunicação, Cidadania e Educação
do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho,
Braga, Portugal.
1 O extinto FAOJ (Fundo de Apoio
aos Organismos Juvenis) publicou, nos anos 70, um trabalho de Vieira
Marques intitulado A linguagem cinematográfica, de que foram
publicados mais recentemente alguns excertos em M. Pinto e A. Santos
(1995), O cinema e a escola: guia do professor, Público na
Escola, núm. 6, Lisboa, Público Comunicação
Social, pp. 98-100.
2 Casos das escolas secundárias
de Esmoriz e de Gondomar e da EB 2-3 de Aldoar (Porto), por exemplo.
Veja-se os relatos apresentados em M. Pinto e A. Santos, op. cit.,
pp. 95-97.
3 Cf. Boletim da AEPEC, núm.
18, Março-Outubro de 1993.
4 Encontra-se em desenvolvimento,
no âmbito do mestrado de Ciências da Comunicação
na Universidade do Minho, aquela que deverá ser uma das primeiras
investigações académicas sobre o jornalismo
escolar, levada a cabo por João Carlos Gonçalves.
5 Ausenda Vieira e Teresa Fonseca
(1996), Os jornais escolares e o desenvolvimento de novas dinâmicas
educativas, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional.
6 Cf. Manuel Pinto (1997) Objectivos
e modelos de jornal escolar, in Público na escola,
núm. 76, Novembro.
7 Segundo esta tipologia, o jornal-arquivo
constitui um repositório do que foi feito, com o fim de recordar;
o jornal institucional assume-se como porta-voz oficial da escola,
controlado em maior ou menor grau pela respectiva direcção;
o jornal tecno procura sobretudo cuidar do grafismo
e da apresentação, tirando partido de recursos tecnológicos;
finalmente, o jornal informativo é aquele que procura alimentar
a comunicação na escola, assumindo um papel activo,
interventivo e crítico no seu quotidiano.
8 De entre os objectivos do Projecto,
destacam-se:
a) contribuir para uma relação mais próxima
entre a actualidade e a escola;
b) estimular nos jovens estudantes a consciência dos seus
direitos e possibilidades de acção face à comunicação
social, ajudando-os, nomeadamente, a decodificar a linguagem da
imprensa;
c) promover entre os jovens uma visão mais dinâmica
e mais interessante da vida social, criando condições
para melhor se situarem nas grandes questões que atravessam
a sociedade contemporânea;
d) contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico
das novas gerações, nomeadamente face à comunicação
social.
(Cf. Manuel Pinto (1991), A imprensa na escola-guia do professor,
Lisboa, Público Comunicação Social, p. 44;
Público, Livro de Estilo, Lisboa, Público Comunicação
Social, 1998, p. 390).
9 O Instituto de Inovação
Educacional, um departamento dos serviços centrais do Ministério
da Educação, foi extinto com a chegada ao poder, em
2002, do XV governo constitucional, de centro-direita, no quadro
de um vasto conjunto de medidas de contenção dos gastos
públicos.
10 Cf., por ex. Ausenda Vieira e Rosália
Vargas (1996): Rede de projectos de educação e media,
catálogo 1995-1996. Col. Aprender com os media,
núm. 4, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional.
11 Uma apresentação
online do enquadramento, objectivos e estrutura curricular deste
curso pode ser consultada em <http://www.ics.uminho.pt/dcc/cur/mestrados/com_cid_edu/mestr_com_cid_edu_1.htm>.
12 M. Pinto, A. Baleiras, A.
Santos e S. Pereira (1994): Escola e comunicação social:
desafios e propostas de acção. Braga, CEFOPE da Universidade
do Minho (polic.).
13 Um estudo recente intitulado
A educação para os media e a formação
inicial de professores, realizado como dissertação
de mestrado no ISCTE por Rui Coelho, indica que cerca de 70 por
cento das instituições de formação inicial
inquiridas relacionam a educação para os media com
disciplinas e actividades de orientação marcadamente
tecnológica.
14 Dominique Wolton (1999):
Internet et après? Une théorie critique des nouveaux
médias, París, Flammarion, p. 11.
15 Gavi, Philippe (1996): Entrevista
a Paul Virilio, Le nouvel observateur, hors série La soif
de Dieu, voyage au coeur des religions, Novembro.
16 Retomo aqui algumas ideias
expressas em dois textos recentes: Os filhos dos media e os
conflitos com a escola, in VV.AA (2000): As pessoas que moram
nos alunos: ser jovem hoje na sociedade portuguesa, Porto, Edições
Asa; e A formação para o exercício da
cidadania numa sociedade mediatizada, in Presidência
da República (2000): Os cidadãos e a sociedade da
informação, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
17 Giddens, A. (1990): The
Consequences of Modernity, Cambridge, Polity Press.
18 Lange e van Loon (1991),
cit. por Paquete de Oliveira, 1992, p. 1010.
19 Paquete de Oliveira, op.
cit., p. 1022.
20 Nelson Traquina (1993):
As indústrias culturais em Portugal: a alta indefinição
no triângulo do audiovisual (comunicação apresentada
no II Encuentro Iberoamericano de Investigadores de la Comunicación,
Universidad Autónoma de Barcelona, 29 de Junho a 3 de Julho).
21 Mario Kaplún (1997):
De medio y fines en comunicación, in Chasqui,
Revista Latinoamericana de Comunicación, núm. 58.
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