O Pacto educativo para o futuro: um instrumento estratégico
para o desenvolvimento educativo em Portugal 1
Ana Benavente (*)
Síntese: Este texto apresenta o Pacto educativo para
o futuro proposto pelo governo do partido socialista eleito em 1995
em Portugal. O atraso educativo do país nos últimos
séculos e as sucessivas rupturas nas políticas educativas
desde a revolução democrática de 1974, levaram
o governo a propor um Pacto a todos os parceiros sociais e educativos.
Considerando que a educação é um «assunto
de todos» e que as mudanças exigem uma participação
alargada para o desenvolvimento da educação e a melhoria
da sua qualidade, iniciou-se um amplo debate centrado na educação
como «uma paixão e uma ambição».
O Pacto explicitava orientações, objectivos estratégicos
e compromissos imediatos, e propunha-se constituir uma carta de
referência para todos os parceiros educativos. Numa lógica
de «geometria variável», procuravam-se acordos,
parcerias e coordenação de esforços para o
desenvolvimento educativo.
Os mal-entendidos, obstáculos e desacordos levaram ao insucesso
deste processo, embora tenha havido, também, consequências
positivas (em protocolos celebrados e em maior participação
social na educação, nomedamente).
Tendo a autora feito parte da equipa política do Ministério
da Educação entre 1995 e 2001, explicita, neste artigo,
os objectivos do Pacto, a estratégia seguida, bem como os
aspectos positivos e negativos mais importantes do processo social
então vivido, ensaiando uma primeira avaliação
crítica.
Síntese:Este texto presenta el Pacto educativo para
el futuro propuesto por el gobierno del partido socialista electo
en 1995 en Portugal. El atraso educativo del país en los
últimos siglos y las sucesivas rupturas en las políticas
educativas desde la revolución democrática de 1974,
llevaron al gobierno a proponer un Pacto a todos sus pares sociales
y educativos. Considerando que la educación es un «asunto
de todos» y que los cambios exigen una participación
amplia para el desarrollo de la educación y la mejora de
su calidad, se inició un gran debate centrado en la educación
como «una pasión y una ambición». El Pacto
detallaba orientaciones, objetivos estratégicos y compromisos
inmediatos, y proponía constituir una carta de referencia
para todos los pares educativos. En una lógica de «geometría
variable», se buscaban acuerdos, asociaciones y coordinación
de esfuerzos para el desarrollo educativo.
Los desentendimientos, obstáculos y desavenencias llevaron
al fracaso de este proceso, aunque hubo también consecuencias
positivas (en protocolos celebrados y en mayor participación
social en la educación, expresamente).
El hecho de que la autora formara parte del equipo político
del Ministerio de la Educación desde 1995 hasta 2001, le
permite explicar en este artículo los objetivos del Pacto,
la estrategia seguida, así como los aspectos positivos y
negativos más importantes del proceso social entonces vivido,
ensayando una primera evaluación crítica.
1. O Contexto
1.1 O atraso educativo português
Portugal vive uma situação singular entre os países
da União Europeia; os indicadores nacionais e internacionais
revelam níveis de educação e de formação
da população muito inferiores aos dos outros paí-ses
europeus; trata-se de uma fragilidade individual e colectiva com
pesadas consequências económicas e sociais.
O déficit educativo português tem a ver, em grande
parte, com as opções do «Estado Novo», regime
autoritário que dominou o país entre 1926 e 1974,
data da revolução dos «cravos», e que considerava
a educação e a cultura um «perigo» para
o povo. Debates na Assembleia Nacional, nos anos 30, revelam argumentos
contrários à alfabetização, questionando:
«aprender a ler, para quê? Para lerem panfletos e ideias
erradas?».
Em meados do século xix, em Portugal, país rural
e católico, havia mais de 80% de analfabetos. No início
do século xx, a situação pouco se tinha alterado,
ao contrário do que acontecia em Espanha e Itália
que, partindo de situações semelhantes, tinham já
taxas de alfabetização à volta de 50%.
Nos anos 60 do século xx, o analfabetismo era da ordem dos
60% (e só os alfabetizados tinham direito de voto), valor
que passou a 11% no início dos anos 90.
Quanto à população escolar, era da ordem de
um quarto de milhão no início do século xx
e é de cerca de dois milhões no final do século.
Actualmente, pode dizer-se que a escolaridade obrigatória
de nove anos é universal, embora haja ainda fenómenos
localizados de abandono (cerca de 2%); quanto ao ensino secundário,
ou seja, doze anos de escolaridade, temos taxas de conclusão
da ordem dos 54,8% que é urgente aumentar.
O país viveu, assim, mais de um século de fraco
investimento educativo, o que explica a situação específica
que ainda hoje ocupa, tanto em relação aos países
desenvolvidos do norte industrial e protestante, como em relação
aos países latinos e católicos do sul da Europa.
Depois de 1974, desenvolveram-se políticas de democratização
do acesso à educação e de prolongamento da
escolaridade obrigatória, bem como acções de
alfabetização e de educação de adultos;
o país viveu a construção da democracia com
múltiplas contradições, e as equipas que se
sucederam no Ministério da Educação procuravam
respostas imediatas para os numerosos problemas, sem projectos a
longo prazo nem diinâmicas de mudança sustentadas.
Cada governo, cada maioria, desenvolvia novas reformas e medidas
centradas nas estruturas, nos conteúdos e nas modalidades
de avaliação, na gestão das escolas, no acesso
ao ensino superior.
Só em 1986 se elaborou e aprovou a primeira Lei de Bases
do Sistema Educativo. Com efeito, em 1986 o Parlamento elaborou
e apro-vou, após um vasto debate público, a Lei de
Bases do Sistema Educativo, que define as finalidades do sistema,
os seus objectivos e a sua arqui-tectura.
Só então se tornou obrigatória a escolaridade
obrigatória de nove anos. Este facto é revelador da
situação educativa em Portugal, que chega aos anos
90 sem que a escolaridade obrigatória de nove anos seja uma
realidade efectiva para todas as crianças e com fenómenos
de insucesso e de abandono escolares muito elevados. O recenseamento
da população de 2001 mostra que 32,6% da população
empregada tem apenas quatro anos de escolaridade ou menos, 29,6%
têm nove anos de escolaridade, e apenas 22% frequentaram ou
concluíram o ensino secundário. A tendência
é para o aumento destas taxas de conclusão nos grupos
etários mais jovens, mas o atraso não foi recuperado
e Portugal está, no campo educativo, longe ainda dos seus
parceiros europeus.
1.2 A Lei de Bases do Sistema Educativo
Esta Lei, aprovada em 1986 por (quase) unanimidade (com a abstenção
de um único partido de centro-direita), tornou-se um texto
de referência para a elaboração das políticas
educativas. No entanto, dado tratar-se de um texto de orientação,
embora muito extenso e detalhado, permitiu interpretações
diversas o que levou a que, entre 1986 e 1995 se tenham sucedido
novas reformas e medidas avulso de governo para governo (e até,
num mesmo governo, segundo o ministro em funções),
sem que tenha havido um esforço continuado para ultrapassar
o «atraso educativo português».
As várias interpretações da Lei de Bases não
permitiram estabilizar o sistema educativo quer no seu funcionamento
(a abertura do ano escolar, por exemplo, variava de data de ano
para ano e era sempre fonte de grandes confusões), quer nos
seus resultados (o insucesso e abandono escolar era objecto de programas
específicos, pontuais, e sem consequências duráveis
na vida das escolas).
De facto, continuava a faltar um compromisso quanto a objectivos
a atingir e a estratégias a desenvolver, para além
das marcas distintas de cada governo.
1.3 A situação em 1995
Em 1995, as eleições deram a vitória ao partido
socialista que formou um governo minoritário, sem maioria
no Parlamento, num contexto que se pode caracterizar do seguinte
modo:
- Uma crispação política no mundo da educação
com todos os parceiros «de costas voltadas uns para os outros»
e, sobretudo, para o Ministério da Educação.
- Uma insatisfação social quanto ao estado da educação:
o primeiro estudo nacional de literacia2 revelava que quase 80% da população
entre os 15 e os 65 anos se situava nos níveis mais baixos
de competências de leitura, escrita e cálculo em
situações da vida real. O impacto social deste estudo
foi muito forte, confrontando o país com o seu atraso e
com uma situação que urgia ultrapassar.
- Muitos problemas na escolaridade obrigatória de nove
anos: insucesso e abandono elevados, uniformização
da acção pedagógica, centralização
da gestão educativa, ausência de políticas
de inovação e de apoio às «boas práticas»,
ausência de uma política coerente de educação
de adultos, fraca, muito fraca articulação entre
educação e formação profissional.
- Falta de confiança na escola como bem público,
como re-curso individual e colectivo.
O governo, que tinha dado grande destaque à educação
durante a campanha eleitoral e tinha organizado «Estados Gerais»
em várias áreas, reunindo muitos protagonistas sociais,
assumiu então a educação como uma prioridade
e uma «paixão» («a paixão pela educação»,
«com a razão e com o coração», foram
os nossos slogans). Assumiu o compromisso de aumentar o pib em 1%
durante os 4 anos de mandato e elaborou uma estratégia para
ultrapassar o atraso educativo português «no espaço
de uma geração».
Era preciso que o país retomasse confiança e se mobilizasse
para responder aos desafios educativos.
O Pacto educativo para o futuro foi um instrumento central nesta
estratégia, que exigia a participação de todos
os parceiros educativos e sociais e, portanto, a pacificação
do mundo educativo, o diálogo e a definição
de objectivos positivos, valorizando vontades e energias.
1.4 A construção da escola pública em Portugal
O debate estratégico sobre o desenvolvimento educativo e
a construção da qualidade exige uma clarificação
teórica: há países em que a escolarização
é o resultado de dinâmicas sociais e há outros
(como em Portugal) em que a escolarização é
imposta pelo Estado central, segundo várias modalidades,
com objectivos de desenvolvimento económico e de coesão
social. Isto significa que a obrigatoriedade formal precede as práticas
sociais, e que a escola começa por ser uma retórica
e uma obrigação imposta que é preciso levar
à prática. Ou seja, a escolaridade obrigatória
não é uma necessidade sentida pelas pessoas, pelas
famílias, mas sim uma obrigação decidida e
imposta pelo Estado.
Este voluntarismo estatal deu origem a grandes reformas que procuram
responder aos problemas sociais, sem que haja dinâmicas sociais
positivas que as suportem. Assim, os resultados das reformas ficam,
sempre, muito aquém das expectativas o que, paradoxalmente,
leva a novas reformas. A análise crítica destes processos
defende o «fim das grandes reformas estatais» e a necessidade
de criar mecanismos de regulação das instituições
educativas, tendo em conta orientações comuns mas
também a diversidade de situações (de cada
comunidade, de cada território, de cada escola).
As «grandes reformas» ficam muitas vezes no papel, nos
textos de lei e nas intenções dos governantes, e são
interrompidas sem terem nem o tempo nem as condições
necessárias para a sua plena concretização.
Tal facto deve fazer-nos reflectir sobre as condições
socio-políticas das mudanças educativas e sobre as
próprias estratégias de mudança.
As sociedades e as escolas estão cansadas de grandes reformas,
reagem muitas vezes contra as inovações decretadas
pelos governos e torna-se difícil encontrar os caminhos para
a construção educativa da escola para todos3.
No caso português, é preciso assinalar a centralização
administrativa e a burocracia que levam a que as relações
entre o Estado e os cidadãos sejam marcadas por «desconfianças»
recíprocas. É uma herança de um passado autoritário
que não respeitava os cidadãos nem valorizava a participação
social e que marca hoje ainda, de modo muito forte, a nossa vida
colectiva. Estas dimensões das relações sociais
pesam negativamente sobre os caminhos da construção
da escola democrática. Sabemos4 que os processos de mudança educativa,
difíceis e trabalhosos, exigem confiança, diálogo,
participação de todos nas decisões, tempo,
apoio e avaliação partilhada. A desconfiança
entre parceiros educativos e as relações conflituosas
com as autoridades criam bloqueios e dificuldades adicionais a processos
que são, já, em si mesmos, problemáticos e
muito exigentes.
1.5 Os actores do «Pacto educativo»
O texto do Pacto foi elaborado no Ministério da Educação
pela equipa política, e proposto aos diversos parceiros enquanto
compromisso para a acção, no quadro da Lei de Bases
da Educação e do programa do governo recém
eleito.
O Pacto afirmava a educação como «um assunto
de todos», de toda a sociedade e não apenas de professores,
pais, alunos e funcionários.
Assim, definiram-se as bases gerais do pacto, os princípios
gerais, os objectivos estratégicos e dez compromissos para
a acção, definindo os principais parceiros para cada
um desses compromissos. A identificação desses parceiros,
numa «geometria variável», em função
dos objectivos, de modo aberto e flexível, permitiu lançar
o desafio para o debate em torno do «Pacto». Este conceito
de geometria variável era importante, na medida em que cada
objectivo implicava vários parceiros, mesmo se muitos deles
são comuns às várias dimensões da acção
social e educativa.
Em síntese, pode dizer-se que entre os parceiros estavam
vários ministérios (e serviços públicos),
associações, órgãos do poder local,
direcções das escolas, sindicatos, organizações
não governamentais, sociedades científicas e profissionais,
fundações e individualidades do mundo cultural, científico
e económico.
Detalhando, temos, no caso português, os seguintes parceiros
5:
- Ministérios e secretarias de estado (da administração
do território, da saúde, da justiça, da administração
interna, da juventude e desportos, da solidariedade e segurança
social, das finanças, da ciência e tecnologia, da
cultura, do ambiente, do emprego e da economia.
- Associação nacional dos municípios e outros
órgãos do poder local.
- Conselhos directos e conselhos pedagógicos das escolas.
- Confederação nacional das associações
de pais, federações regionais e associações
de pais das escolas.
- Associações de estudantes.
- Federações sindicais e sindicatos de professores.
- Centros de formação de professores de associações
de escolas (estruturas de formação contínua
de professores).
- Instituições privadas de solidariedade social,
creches, instituições sociais de apoio à
infância e à juventude, misericórdias e mutualidades.
- Associação do ensino particular e cooperativo.
- Fundações culturais e sociais.
- Associações culturais.
- Associações de defesa do património.
- Associações ecologistas.
- Confederações patronais.
- Confederações sindicais.
- Conselho de reitores das universidades portuguesas.
- Conselho de coordenação do ensino superior politécnico.
Sublinhava-se a diversidade de parceiros na educação
enquanto «assunto de todos» e procurava-se estabelecer
compromissos institucionais e organizacionais, qualquer que fosse
a natureza da instituição ou organização
em causa, mas também compromissos informais e individuais
em projectos, realizações e participações
diversas.
O Pacto previa o desenvolvimento de negociações com
vários parceiros (para a elaboração de medidas
políticas bem como para a criação das necessárias
condições de trabalho), o estabelecimento de protocolos
específicos, o reforço do papel dos parceiros educativos,
a criação de novos órgãos de participação
local e a revalorização dos já existentes.
Tudo isto se desenvolveria aos níveis local, regional e central,
indo desde os amplos debates nacionais até à intervenção
concreta em cada comunidade e em cada escola.
É preciso assinalar que Portugal já tinha, a nível
nacional, um Conselho Nacional de Educação,
cujo presidente é eleito pelo Parlamento e onde estão
representados todos os parceiros sociais e educativos (partidos
políticos, individualidades, pais, estudantes, escolas, universidades,
sindicatos, associações científicas e profissionais).
Este Conselho acompanha as políticas educativas, elabora
pareceres e recomendações e organiza debates e seminários
que publica de modo regular.
No quadro do processo de descentralização da gestão
da educação, criou-se uma nova estrutura: o conselho
local de educação, mais tarde designado conselho
municipal de educação. Procurava-se que, em cada território,
se articulassem as políticas educativas e se apoiassem realmente
as escolas. Para isso, os professores e os representantes das escolas,
o poder local, os pais, os serviços públicos, as asso-ciações
culturais, sociais e económicas, as colectividades, as forças
de segurança e outras instâncias localmente relevantes
pertenciam a este conselho, cujas funções eram as
de apoiar a vida educativa local, melhorando as escolas e enriquecendo
a educação dos jovens, alargando o espaço educativo
e articulando actividades.
Voltando ao Pacto educativo, não se tratava, evidentemente,
de «assinar um texto» com os parceiros, mas de construir
acordos capazes de assegurar alguma continuidade e suporte às
políticas educativas, mobilizando a sociedade civil em torno
da educação.
Assim, organizou-se uma «ronda» de contactos, encontros
e reuniões através do país, sempre com a presença
de um membro da equipa política; realizou-se um dia «D»
(de debate) em todas as escolas de todos os graus de ensino, em
torno dos problemas educativos e suas soluções; seguidamente,
o Pacto foi apresentado no Parlamento para debate com todos os partidos
políticos. Foi um momento simbólico muito importante,
revelador das lógicas do mundo político em relação
à educação, como veremos nos pontos seguintes.
2. O Pacto Educativo Para o Futuro: Um Exercício de Democracia
2.1 A educação, «assunto de todos»
Numa situação nacional caracterizada por baixos níveis
de educação e de formação da população
e por fracos indicadores de qualidade (elevado insucesso escolar
e abandono, más classificações nos estudos
comparativos internacionais sobre resultados dos alunos), era
absolutamente imperioso levar a sério o «atraso
educativo português», expressão presente
em todos as análises e discursos políticos, sociais,
culturais e económicos.
Em 1995, a situação educativa estava muito crispada.
com negociações falhadas e com sucessivas manifestações
de professores e de estudantes e «quedas» de ministros
da educação.
Tendo a escolaridade obrigatória sido imposta pelo Estado
(ao contrário dos países em que a procura vem da sociedade
civil) no final dos anos 60, e, sobretudo, após 1974, as
comunidades continuavam a não sentir a escola como um bem
e como um recurso, mas antes como uma «obrigação»
(com fenómenos de trabalho infantil e de «fuga»
à escola), era preciso envolver toda a sociedade num esforço
educativo, definindo estratégias de mudança graduais,
negociadas e participadas.
«O Pacto educativo é um pacto, um acordo tácito,
escrito ou estratégico não sobre o que nos
une ou nos separa mas sobre o que é realmente urgente fazer
nos domínios que nos importam a todos», afirma o Ministro
da Educação em 1996, sublinhando a necessária
pacificação e normalização das relações
institucionais entre o Ministério da Educação
e todos os parceiros educativos6.
Nesta intervenção no Parlamento, o ministro acrescenta:
«o grande objectivo deste debate parlamentar é o de
lançar as bases para um acordo e um entendimento que permitam
o progresso do país num domínio estratégico
e decisivo para o nosso futuro; neste «coração
da democracia», o Parlamento, tomamos uma iniciativa de reflexão
e de acção que assume a educação como
uma ambição de toda a sociedade portuguesa; [...]
trata-se de definir orientações de ordem geral que
tenham repercussões para além do fim de cada mandato
governamental. É preciso criar condições de
estabilidade que evitem as incertezas e hipotequem o futuro dos
jovens [...] As relações entre o Estado, a sociedade
e a educação devem ser redefinidas de modo a assegurar
uma maior participação e representatividade. A democratização
não se alcança apenas através da massificação
escolar. A sociedade actual vive uma situação de dilema
entre democracia e qualidade, entre igualdade e diferença,
entre massificação e singularidade. Por isso, a gestão
estra-tégica da qualidade educativa implica o desenvolvimento
de processos de informação e de comunicação,
uma maior visibilidade positiva e mobilizadora do sistema e a melhoria
da imagem do ensino, em nome da credibilidade da educação
e da escola»7.
2.2 O Pacto educativo para o futuro, um pacto social
Os principais objectivos do Pacto eram os seguintes:
- Lançar o desafio para um amplo debate público
sobre os problemas da educação e as suas soluções,
identificando prioridades e acções concretas.
- Alargar o conceito de parceiro educativo, identificando um
vasto conjunto de interlocutores sociais, o que não deixou
de criar resistências junto dos parceiros «tradicionais»
(nomeadamente junto das estruturas sindicais de professores).
- Elaborar os consensos possíveis para a condução
das políticas e para a consolidação das respostas
concretas «consenso não significa unanimidade e ainda
menos conformismo; trata-se de um consenso construído sobre
as convergências possíveis a partir de diferentes
posições, interesses e pontos de vista [...], em
termos de geometria variável, ou seja, através
de partenariados assentes em vantagens recíprocas em domínios
concretos, sem que nos enganemos quanto à possibilidade
de acordos imaginários sobre todas as matérias»8.
- Criar condições para uma certa estabilidade da
vida educativa e para a continuidade de processos estruturantes.
- Valorizar o enquadramento institucional das transformações
e da acção educativa concreta, de modo a que a mudança
se baseie na transformação sustentada e sustentável
das organizações e das práticas.
- Promover mudanças nas atitudes e nas práticas
sociais no sentido da concertação, da co-responsabilidade
e da consolidação dos resultados obtidos.
- Desenvolver estratégias de mudança graduais que
privilegiam os mecanismos de acompanhamento, de avaliação
e de correcção; o tempo das grandes reformas centralizadas
está ultrapassado, e a mudança tem que ter em conta
a diversidade de situações e exige o envolvimento
de todos os parcei-ros educativos.
Estes objectivos, aqui sintetizados, representavam uma verdadeira
revolução no modo de encarar a educação
e a participação social num país que tradicionalmente
deixava a educação nas mãos do Estado e que
vivia com amargura e desencanto o «atraso educativo português».
2.3 O Pacto educativo, um processo no tempo
Este processo de «apelo e convite» à participação
iniciou-se em Outubro de 1995, com a entrada em funções
do novo governo.
O texto do Pacto foi divulgado em 1996, e o debate no Parlamento
teve lugar em Junho de 1996.
O debate público, assim como as campanhas de informação,
as negociações e a celebração de protocolos
e acordos vários prosseguiu até ao fim do primeiro
mandato do governo, com a mesma equipa política, em 1999.
Os objectivos do Pacto foram retomados, durante e após esse
período, em textos oficiais de orientação e
em documentos de enquadramento dos ensinos básico, secundário
e superior9.
O segundo mandato do partido socialista durou de 2000 a 2002 [(foi
interrompido a meio do mandato por eleições antecipadas,
dado o primeiro ministro se ter demitido após a derrota do
PS nas eleições autárquicas (locais)], e manteve
as orientações e os objectivos estabelecidos no Pacto.
A vitória eleitoral de uma coligação de centro-direita
e de direita (partido social-democrata e partido popular) em 2002,
e a che-gada ao governo de uma nova maioria alteraram profundamente
a situação. Desvalorizando o diálogo e a concertação,
o actual governo (em 2004) suspendeu vários processos de
mudança e apresentou no Parlamento uma nova Lei de Bases
da Educação, que se prepara para aprovar com os votos
contrários de toda a oposição.
Enquanto em 1986 se aprovou a primeira Lei de Bases do Sistema
Educativo, documento fundador e de referência, com um vasto
consenso político no Parlamento, temos agora, a meio de um
mandato, uma Lei de Bases da Educação que será
aprovada por uma maioria (118 deputados em 230) conjuntural.
Banaliza-se uma Lei de enquadramento (que não obriga a uma
aprovação por 2/3 dos deputados) e, pela primeira
vez na democracia portuguesa, uma Lei de Bases nascerá e
morrerá com a maioria que a aprovou. Esta situação
está bem longe do que se pretendia com o Pacto educativo,
e a educação voltou a ser apenas mais uma área
de governo, precária e conflituosa (assinale-se que várias
federações de sindicatos de professores, bem como
a confederação de associações de pais
e outros parceiros, anunciaram já a sua oposição
a esta Lei de Bases).
Quanto ao Pacto educativo, enquanto processo temporal, é
difícil avaliar os seus efeitos, pois a prioridade educativa
tornou-se dominante em várias instâncias e os processos
de tomada de consciência e de participação são
permanentes em democracia.
É importante também assinalar que o presidente da
República, Jorge Sampaio, socialista (eleito em 1996 e em
funções, num segundo mandato, até 2006), tem
sido uma «instituição» permanentemente preocupada
e activa quanto à necessária mobilização
da sociedade portuguesa na resolução dos problemas
educativos do país.
2.4 O Pacto educativo para o futuro, um texto de referência
O Pacto pretendia ser uma «mapa» de navegação
para acordos duradouros, mobilizador e aberto, assegurando, ao mesmo
tempo, a continuidade das orientações fundamentais
e a inovação, a criatividade bem como o espaço
de negociação e de decisão dos parceiros educativos.
Tratava-se de definir uma plataforma aberta que permitia a congregação
de esforços, de energias e de boas vontades dos actores sociais,
dos agentes económicos e dos criadores culturais. Não
se pretendia que houvesse assinaturas formais ou que se estabelecessem
contratos jurídicos. Tratava-se, de facto, de um «contrato
social» capaz de valorizar o papel da educação
na sociedade portuguesa e de enriquecer a participação
na construção da qualidade.
O texto do Pacto (ver o texto integral no anexo) estava estruturado
em quatro capítulos: as bases gerais do acordo, os princípios
de orientação, os objectivos estratégicos e
os 10 compromissos para a acção.
- As bases gerais do acordo centravam-se na prioridade
política da educação, definindo-a como uma
questão pública e uma ambição nacional,
e formulando diversas exigências quanto às políticas;
estas deviam orientar-se por princípios explícitos,
definir estratégias e assumir prioridades de acção,
de modo a permitir a sua concretização por fases,
graduais, apoiadas, avaliadas e corrigidas.
- Os princípios de orientação explicitavam
as opções de fundo em torno da educação
como «assunto de todos», alargando o conceito de parceiro
educativo; sublinhavam a importância da equidade na construção
da qualidade, e definiam a escola como o lugar nuclear do processo
educativo, o que implicava a sua inserção social
em redes e exigia a sua diversidade organizacional; afirmavam
a necessidade da participação e responsabilidade
de todos na vida educativa, redefinindo as relações
entre Estado, educação e sociedade civil; chamavam
a atenção para a necessária credibilidade
pública das escolas através da qualidade do seu
trabalho, pois sem confiança não há sucesso;
referiam a educação e a formação dos
cidadãos ao longo da vida como uma condição
necessária para o desenvolvimento económico e social,
chamando a atenção para a educação
de adultos; insistiam na importância da visibilidade social
dos processos educativos e dos seus avanços, o que exigia
a criação de sistemas de comunicação
e de informação adequados.
- Os objectivos estratégicos retomavam e concretizavam
os princípios de orientação, propondo a criação
de estruturas formais de participação na gestão
do sistema e das escolas, e o desenvolvimento de mecanismos de
apoio aos pais e às suas associações: apostava-se
na modernização e descentralização
do sistema educativo, assegurando um equilíbrio dinâmico
entre as funções centrais de concepção,
de arbitragem, de regulação e de identificação
e correcção das assimetrias, e o desenvolvimento
de projectos adequados em cada território educativo; apoiava-se
a autonomia das escolas e a valorização do seu trabalho
e da sua imagem pública; promovia-se a educação
ao longo da vida, assegurando a multiculturalidade, a articulação
entre educação formal e não formal, entre
educação e formação, e reforçando
a formação cívica e cultural da população;
a educação pré-escolar era afirmada como
uma prioridade enquanto primeira etapa da educação
de base de qualidade para todos, defendendo o sucesso das aprendizagens
através de pedagogias diferenciadas; redefinia-se o papel
do ensino secundário, diversificando as vias de formação
tecnológicas e profissionais, reforçando o seu valor
formativo e a sua identidade; aumentava-se a oferta pública
de ensino superior num desenvolvimento equilibrado com qualidade
e rigor e revisão dos modos de financiamento; insistia-se
na valorização e na responsabilidade (e avaliação)
dos profissionais da educação, assumindo a melhoria
do seu estatuto e das suas condições de trabalho.
- Finalmente, quanto aos 10 compromissos de acção,
trata-se da concretização dos objectivos estratégicos,
identificando os principais parceiros e definindo as acções
prioritárias (ver texto integral do Pacto no anexo).
Os 10 compromissos eram os seguintes: transferir competências
para os órgãos do poder local, no quadro da descentralização
educativa; centrar as políticas educativas nas escolas; criar
um sistema nacional de educação pré-escolar;
melhorar a qualidade da educação; assegurar a educação
e formação ao longo da vida; reforçar a ligação
entre educação e formação profissional;
valorizar os educadores e os professores; rever os sistemas de financiamento
da educação; promover o desenvolvimento equilibrado
do ensino superior, e valorizar o papel do ensino privado e cooperativo.
Definiam-se acções específicas para cada
um destes 10 compromissos, assim como modalidades e prazos para
a sua concretização. Não se tratava de definir
os detalhes de cada intervenção mas sim de traçar
a sua arquitectura e de fixar metas.
2.5 O Pacto educativo para o futuro: acordos, dificuldades, críticas
e equívocos
Os acordos
A primeira fase de debate sobre o Pacto teve lugar nas escolas;
foram convidados os parceiros educativos e suspenderam-se as actividades
lectivas num dia simbólico (dia D) para que todos pudessem
participar.
A equipa ministerial percorreu o país, como já foi
referido, animando as reuniões, assegurando a informação
e assumindo compromissos junto das escolas, das autoridades locais
e da imprensa, radio e tv.
Esta «campanha» teve o seu momento nacional mais forte
com a apresentação do Pacto no Parlamento.
A grande maioria dos parceiros manifestava o seu acordo quanto
à estratégia adoptada, e mostrava-se favorável
às grandes linhas de orientação política
apresentadas no Pacto e cujas primeiras medidas se concretizavam
já no terreno.
Veremos mais adiante neste texto quais foram os resultados positivos,
imediatos e a médio prazo, deste processo.
É importante recordar que, neste primeiro ano de mandato,
1995-96, o objectivo principal era o de pacificar a vida educativa,
criando condições de confiança favoráveis
à mudança das escolas e à construção
participada da qualidade.
As dificuldades
A primeira dificuldade que encontrámos foi uma tripla
desconfiança: desconfiança em relação
ao Ministério da Educação (cuja acção
era criticada há muito tempo e cuja imagem estava muito desvalorizada),
desconfiança em relação ao texto em si mesmo
(mais palavras??), e desconfiança em relação
à própria ideia de «pacto». Havia um certo
receio quanto a eventuais perdas de espaço crítico
de uns e de outros (se concordamos, não nos estamos a auto-limitar??).
Aliás, não fazia parte das nossas (recentes) tradições
democráticas a ideia de acordos de natureza estratégica;
cada força política era muito «zelosa» das
suas posições, sobretudo num campo marcadamente ideológico
como é o da educação.
Nas escolas, a maior dificuldade era a preocupação
imediata com (pequenos/grandes) problemas concretos e urgentes.
Os professores, as autoridades locais e os pais eram sensíveis
aos princípios e aos objectivos do Pacto, estavam disponíveis
para debater e para negociar soluções, mas sentiam
a urgência de respostas imediatas; estas eram, em geral, numerosas
e impossíveis de satisfazer todas ao mesmo tempo e com a
rapidez desejada. Todos queriam «tudo e já». Esta
fórmula um pouco crua resume a pressão e as imensas
expectativas face ao governo, sem que os parceiros locais se envolvessem
na procura de soluções.
A «ronda» através das escolas também confirmou
a diversidade de situações: havia escolas disponíveis
para a mudança e havia outras muito bloqueadas na acção.
Confirmou também a importância dos professores (das
pessoas) na vida educativa: não era nos melhores edifícios,
que dispunham de condições materiais e sociais mais
favoráveis, que havia mais determinação para
a qualidade (às vezes, bem pelo contrário).
As críticas
As críticas vieram de vários sectores.
Os sindicatos de professores, por exemplo, não ficaram nada
entusiasmados com a «entrada em cena» de novos parceiros
educativos. Consideravam que os parceiros «directos»
perdiam importância e criticaram o facto de só o Ministério
da Educação aparecer referido em todas as acções
prioritárias previstas no Pacto. Pretendiam que o Pacto ignorava
o papel central das organizações sindicais, dos alunos
e dos pais.
Outra crítica centrava-se no carácter vago e impreciso
(«metafísico») do texto do Pacto. Uma federação
sindical afirmava que o Ministério, além de desvalorizar
os sindicatos, apresentava uns enunciados difusos que permitiriam
legitimar toda a espécie de medidas «avulso», o
que não contribuiria em nada para melhorar a educação.
Durante o debate parlamentar, as críticas de direita e de
esquerda ignoram o Pacto e centram-se na realidade imediata, desde
os exames nacionais ao conteúdo de certos programas.
Critica-se o apelo ao diálogo e exigem-se decisões
imediatas e concretas, considerando que o Pacto é uma mão
cheia de nada (a direita) e que é preciso um pacto para o
presente e não para o futuro (a esquerda).
As críticas podem ser sintetizadas em cinco tipos10:
- Trata-se de um pacto «à la carte», um «pick
and choose» que não reforça os compromissos
sociais.
- O Pacto não traz nada de novo em relação
a outros textos de referência, tais como a Constituição
ou a Lei de Bases do Sistema Educativo,
- O Pacto não propõe soluções concretas
e procura acordos inúteis em torno de princípios
que são como a «água pura: transparente, insípida
e inodora»,
- Trata-se de um «alibi» para ganhar tempo, para evitar
as decisões, uma verdadeira «cortina de fumo»,
- O Pacto não garante a estabilidade, mas é uma
espécie de guarda-chuva que permite consensos que já
estão consagrados noutros textos de referência.
O Pacto é, portanto, inútil.
Alargando esta síntese ao debate nacional, encontramos de
novo cinco ordens de argumentos:
- A oposição à própria ideia de pacto,
pois é o mercado que deve regular a oferta e a procura
em educação.
- A afirmação de um pragmatismo absoluto, que considera
dispensável qualquer debate em torno de princípios
e de objectivos e que exige soluções técnicas
imediatas, «eficientes» e «eficazes».
- A inutilidade do Pacto, face à existência de outros
textos nacionais de referência.
- A descrença numa visão ética da política
e a convicção de que só são possíveis
acordos pontuais e concretos, dados os interesses divergentes
e até opostos dos parceiros educativos.
- O cepticismo face aos políticos e aos seus compromissos11.
Os equívocos
Houve múltiplos equívocos sobre o Pacto, equívocos
que estão presentes, aliás, nas críticas formuladas.
Seria um acordo sobre princípios e valores ou um contrato
sobre medidas concretas? O governo apostava na primeira
hipótese, os partidos da oposição e os sindicatos,
por exemplo, apostavam na segunda. Esta contradição
atravessou todos os debates: qual era a natureza do texto proposto?
Pacto ou contrato?
Um outro equívoco tinha a ver com o «registo»
do Pacto: tratava-se de definir um destino (um fim) ou
um caminho para esse destino? Para o governo, tratava-se de
obter acordos quanto ao destino a atingir. Para outros parceiros,
a prioridade estava nos caminhos a seguir de imediato.
Qual era o «núcleo duro» do Pacto? As opções
políticas ou as soluções técnicas?
O governo centrava-se nas opções políticas,
a oposição questionava as soluções técnicas.
O exercício que consistia em partir de princípios
para chegar às acções, não clarificou
o debate mas, pelo contrário, alimentou os equívocos.
Os equívocos manifestaram-se tanto ao nível conceptual
(natureza do Pacto) como ao nível operacional
(texto prospectivo ou programa de acção?).
Tratava-se de uma daquelas situações paradoxais que
os governantes bem conhecem: se as propostas se centram nos princípios,
são consideradas vagas e inúteis, se as propostas
se centram nas acções, os acordos tornam-se parcelares
e dependentes dos resultados a obter.
3. O Pacto educativo para o futuro: balanço de um processo
3.1 Os resultados obtidos
Não é fácil avaliar a curto prazo os resultados
de um processo social. No entanto, podemos destacar alguns indicadores
significativos:
- Durante os debates sobre o Pacto, identificamos mais de mil
textos, artigos e intervenções públicas,
individuais e colectivas, sobre o assunto.
- Tornou-se visível um maior destaque da comunicação
social em relação aos temas educativos; hoje,
quase todos os jornais diários têm uma «página
de educação», produzindo mesmo dossiers para
professores e alunos, e há debates regulares na rádio
e na tv.
- Celebraram-se numerosos protocolos com os parceiros
educativos: com a confederação de associações
de pais, assegurando uma maior participação nas
escolas e tempo laboral disponível para essa participação;
com a associação de municípios, regulando
transferências de competências (edifícios,
transportes, acção social, etc.); com os sindicatos
de professores (sobre o estatuto docente, a carreira, as condições
de trabalho, etc.); com a associação do ensino par-ticular
e cooperativo; com associações científicas
para apoio às escolas; com instituições de
ensino superior para acompanhamento de projectos de inovação;
com vários ministérios, articulando áreas
de educação e formação, enriquecendo
as novas tecnologias, intensificando os trabalhos sobre saúde,
ambiente, etc.
- Criaram-se novas estruturas de participação
(conselhos locais de educação, por exemplo) e dinamizaram-se
as já existentes.
- Desenvolveram-se processos participados relativos à
autonomia das escolas, à reorganização do
ensino básico e do ensino secundário que fundamentaram
a elaboração e aprovação de textos
legais.
- Animaram-se foruns na Internet, com milhares de participantes,
à volta de vários domínios da política
educativa,
- Retomaram-se estratégias de inovação
«em bola de neve», valorizando e apoiando as boas
práticas, enraizadas na realidade das escolas, graduais
e reguladas pela experiência.
As acções previstas no Pacto prosseguiram durante
todo o mandato de 1995-99, e os resultados obtidos fazem parte do
balanço da actividade do governo.
Um exemplo que traduz os efeitos das estratégias de participação
é o seguinte: em 1988, os professores e os seus sindicatos
opunham-se absolutamente à entrada dos pais e doutros parceiros
nas estruturas escolares. Em 1998, por comum acordo, a assembleia
de escola, órgão que aprova o projecto educativo,
o regulamento interno e o plano de actividades, passa a ser constituída
por 50% de professores e 50% de outros parceiros, entre os quais
os pais. Mas foi preciso garantir que o presidente seria, sempre,
um professor eleito pela assembleia.
As «marcas» deste período que fez da educação
«uma prioridade e uma ambição» só
poderão ser avaliadas a médio e a longo prazo.
3.2 As lições aprendidas
A lições aprendidas foram múltiplas e severas.
A primeira lição tem a ver com a importância
da informação e da comunicação.
Houve ingenuidade e também dificuldades objectivas que nos
levaram a organizar a informação de modo selectivo,
conduzindo, por exemplo, os debates em escolas-pólo que reuniam
várias escolas de uma mesma zona. Brochuras e folhetos divulgados
em jornais nacionais apoiavam estes debates que reuniam os vários
parceiros educativos. Mas diziam-nos, constantemente, que «não
havia informação» e que muitos (pais,
professores, autarcas, etc.) se mantinham à margem deste
processo. Falta de informação ou alibi para não
se implicarem??
Também tivemos muita dificuldade nos canais para
assegurar a informação às escolas. Apesar de
contactarmos com todas as escolas, a circulação da
informação revelou-se difícil; ou os documentos
ficavam na direcção, ou eram postos em placards que
ninguém lia, ou os professores que participavam nos debates
não comunicavam com os co-legas.
Outro fenómeno preocupante foi o da desinformação;
havia múltiplas interpretações, por vezes divergentes
e até perversas, em relação às nossas
propostas; criavam-se equívocos difíceis de esclarecer,
ou porque se generalizava uma informação parcial,
ou porque se imaginava tudo o que podia correr mal em cada proposta,
ou porque havia, constantemente, «rumores» e «boatos»
que dificultavam a informação adequada. Trata-se de
fenómenos sociais de leitura e de interpretação
da informação que tivemos dificuldade em gerir e que
exigem muito tempo, no sentido da duração e continuidade
dos processos.
Uma segunda lição deste processo tem a ver com
o poder das estruturas regionais e locais dos ministérios
e dos serviços oficiais; as mediações
entre o nível central e o local «resistem» à
mudança e agarram-se aos seus pequenos poderes. Tudo o que
dizia respeito à autonomia das escolas ou à conquista
de espaços de liberdade e de flexibilidade ao nível
local, suscitava passividades, silêncios e resistências
mais ou menos «escondidas» dos directores dos serviços,
que tinham as suas próprias interpretações
das orientações do governo. Não se tratava
forçosamente de falta de lealdade ou de uma vontade deliberada
de «sabotar», mas sim de pontos de vista «auto-centrados»
e muito enraizados em rotinas.
Uma terceira lição da experiência relaciona-se
com a existência de diferentes lógicas e culturas no
interior dos serviços oficiais. Havia orientações
comuns mas tudo dependia, afinal, da boa vontade das pessoas,
porque as orientações não correspondiam aos
«hábitos» e ao «que sempre se fez». Os
próprios serviços constituíam obstáculos
inesperados. Revelava-se toda a «espessura» organizacional
que a psicosociologia das organizações tão
bem analisa...
Uma quarta lição diz respeito à pressão
para a uniformidade que se sente em muitos níveis de
acção e por várias razões. A primeira
razão é a tradição centralista do país.
Outra razão é a confusão ideológica
entre igualdade e equidade. Uma escola da «igualdade»
desconfia da diversidade e prefere a igualdade formal (que, como
mostrou há muito Pierre Bourdieu, produz novas desigualdades).
Os sindicatos de professores foram os campeões da defesa
de «o mesmo para todos em todas as escolas».
Uma quinta lição que aprendemos confirma a força
conservadora dos sindicatos de professores em domínios
inesperados. Os interesses imediatos dos professores, um certo «comodismo»
e um espírito de corpo muito enraizado, levaram à
sua oposição a medidas que acreditávamos serem
consensuais na luta contra o abandono e o insucesso escolar.
Uma sexta lição centra-se nas exigências
políticas para que um processo de participação
tenha êxito. Teria sido preciso muito mais tempo e continuidade
no governo. O partido socialista teve uma só equipa durante
o primeiro mandato, mas teve três equipas diferentes durante
os dois anos seguintes (2000 a 2002); quando os ministros e secretários
de estado se sucedem... perde-se força e coerência.
Houve processos interrompidos e perdeu-se energia, embora formalmente
se mantivesse o mesmo programa de governo.
A sétima lição tem a ver com a diversidade
de interesses dos protagonistas; sabemos que estes interesses
são muitas vezes divergentes e que, mesmo no interior de
cada sector (os pais, por exemplo) nem todos querem as mesmas coisas
nem têm as mesmas expectativas e as mesmas exigências.
Esta realidade torna os processos de negociação muito
pesa-dos; sentimo-nos, por vezes, prisioneiros destes processos
que atrasavam as decisões. Mas como transformar a realidade
sem a participação efectiva daqueles que a constroem?
Sublinhando o «melhor» e o «pior» desta
experiência, considero o melhor a criação
de um sistema nacional de educação pré-escolar
através de partenariados entre os sectores público,
privado e social. Quanto ao pior, foram as fraudes cometidas por
alunos e pais de classes médias, explorando no seu interesse
próprio a flexibilidade das normas e os espaços de
liberdade; a apresentação de centenas de atestados
médicos para a dispensa de provas para facilitar o acesso
ao ensino su-perior, em certas escolas, criou «casos»
que levaram à revisão da lei no sentido da sua uniformidade
e rigidez.
3.3 Qual a pertinência desta experiência noutros
contextos?
Nas dinâmicas sociais, não se pode transferir um processo
de um contexto para outro, como é evidente. As situações
são diferentes, as lógicas de acção
são marcadas pela história, pelas tradições
e pela cultura, as fases de desenvolvimento educativo não
se podem sobrepor. Além de tudo isto, as realidades são
construídas e reconstruídas pelos actores nos seus
contextos, mediatizadas por valores, por experiências e por
representações sociais que as tornam singulares.
Mas, para além das singularidades também há
regularidades nas dinâmicas sociais, educativas e institucionais.
Com efeito, pode-se aprender com a experiência alheia, pode-se
pensar a nossa realidade por referência (e contraponto) à
dos outros, podemos integrar sugestões e propostas que enriquecem
a nossa prática. A reflexão sobre realidades diferentes
da nossa assegura uma «descentração» que
pode clarificar a nossa própria realidade.
No caso preciso do Pacto, há um valor heurístico
quanto aos princípios, aos objectivos, aos conteúdos,
às acções e às estratégias.
Qual a prioridade atribuída à educação?
Que articulação entre educação e formação
profissional? Que políticas sociais são necessárias
para o sucesso das políticas educativas? Qual o papel do
Estado central? Que relações estabelecer entre os
vários níveis de poder? Quais são os principais
problemas educativos do país? Quais as medidas mais urgentes?
Que estratégias para o seu sucesso? Que diversidades sociais
e territoriais é preciso ter em conta? Qual o papel dos parceiros
educativos? Há que criar novas estruturas de participação?
Quais os obstáculos previstos? De que natureza? Como poderemos
atenuá-los e ultrapassá-los? Que dinâmicas é
preciso criar entre as mudanças materiais e as mudanças
pedagógicas em educação? Que mecanismos de
apoio e de avaliação é preciso assegurar?
Muitas outras perguntas se podem formular projectando o contexto
de cada país (as singularidades) nas questões comuns
às dinâmicas sociais e educativas (as regularidades),
num exercício de descentração fértil
e lúcido.
3.4 A apreciação geral da experiência
Uma apreciação geral, alguns anos depois, permite
sublinhar os pontos seguintes, que são ao mesmo tempo certezas,
dúvidas, perplexidades e esperança para o futuro:
- É muito difícil, do ponto de vista político,
atribuir a «prioridade à educação»;
primeiro, porque esta afirmação aumenta as expectativas
quanto à resolução imediata de todos os problemas,
o que é impossível; depois, há interesses
muito diferentes e, por mais consenso que se procure, há
sempre descontentes; finalmente, porque a educação
tem «tempos» que não correspondem aos «tempos»
políticos. Um governo é eleito por quatro anos e
é sempre mais sedutor tomar medidas visíveis do
que medidas exigentes, cujos resultados positivos só se
revelarão muitos anos depois. Daqui decorre a importância
de pactos que assegurem o tempo necessário às mudanças
educativas, para além dos tempos políticos.
- Quando a educação se torna mais visível,
torna-se visível para o pior e para o melhor; os media,
na sua lógica própria, preferem as novidades e os
incidentes, não se interessam pelo que é discreto
e modesto mas portador de mudança. Contribuem para criar
representações sociais por vezes distorcidas em
relação à realidade concreta.
- O processo social em torno do Pacto educativo para o futuro
mudou a realidade; mesmo se as críticas foram numerosas
e o Pacto foi en si mesmo rejeitado, aumentou o debate público
sobre a educação, criaram-se órgãos
de participação, aumentaram as expectativas e as
exigências sociais face à escola.
- Reforçou-se a afirmação da escola pública,
capaz de evoluir, de aprender, de mudar, de construir a qualidade;
esta experiência torna-se ainda mais preciosa num momento
em que se vive em Portugal um reforço do statu quo com
a tentativa de retorno a modelos da escola tradicional. «Atrás
de tempos, tempos vêem», diz-se em português;
será preciso, quando as condições políticas
o permitirem, retomar esta experiência de modo «revisto
e corrigido».
Pode dizer-se que o Pacto foi educativo em si próprio,
pois contribuiu para a cidadania activa. Mas é a educação
que deve assumir o estatuto de um pacto permanente, actualizado
e assumido em todos os momentos e em todas as dimensões da
vida educativa.
É verdade que o Pacto não evitou rupturas e descontinuidades,
mas surgiu como uma nova possibilidade de acção social
e política, mais rica e mais inteligente.
O Pacto educativo retomará a sua função estratégica
num futu-ro que esperamos com esperança e com ambição.
Anexo
Texto Integral do Pacto educativo para o futuro
1. Bases do Acordo
Os parceiros do Pacto educativo para o futuro aceitam que:
1.1 A educação e a formação configuram
áreas de prioridade política em Portugal. Da sua qualidade
depende em parte significativa a sustentabilidade do desenvolvimento
do País. A melhoria do nosso sistema de formação
não é uma condição suficiente, mas é
uma condição indispensável e altamente favorável
para o nosso desenvolvimento social.
1.2 A educação é uma questão pública
e uma ambição nacional. As grandes opções
e linhas de orientação estratégica da política
educativa podem e devem ser objecto de negociação
e acordo entre os protagonistas do processo educativo: autoridades,
pais, professores, outros técnicos de educação,
estudantes. Este acordo é necessário para garantir
a mudança de atitude social face às questões
educativas, para a concertação e co-responsabilização
de vários parceiros numa missão que é nacional,
e para a continuidade das políticas.
1.3 A política educativa deve ser orientada por princípios,
deve identificar objectivos estratégicos e deve definir áreas
prioritárias de intervenção. As acções
e iniciativas que asseguram a operacionalização de
uma política devem enquadrar-se nos princípios e objectivos
definidos e devem ser desenvolvidas de forma faseada, gradual e
programada, pressupondo a existência de mecanismos de acompanhamento,
avaliação e correcção.
Princípios Gnerais do Pacto
o Pacto educativo para o futuro será orientado pelos seguintes
princípios gerais:
2.1 A educação é um assunto de todos. Não
interessa apenas aos professores e aos estudantes, aos pais, aos
técnicos e aos de-cisores políticos. Interessa a todos
os Portugueses. As suas instituições, organizações
e representantes devem ser chamados a intervir activamente na definição,
realização e avaliação da política
educativa. E não necessariamente apenas através do
diálogo de cada um com o Estado, mas também, e cada
vez mais, no diálogo dos parceiros entre si, estimulado e
arbitrado pelo Estado.
2.2 A finalidade essencial do processo educativo é o desenvolvimento
e a formação global de todos, em condições
de igualdade de oportunidades, no respeito pela diferença
e autonomia de cada um. A formação global é
pessoal, cívica, científica, cultural, técnica
e prática. A intervenção do Esta-do deve pautar-se
pela promoção das condições para o desenvolvimento
do processo educativo, pela concretização dos princípios
da equidade e da igualdade de oportunidades, pela atenção
particular às pessoas e grupos mais desfavorecidos em recursos
materiais e culturais, pela correcção das assimetrias
sociais e regionais mais gravosas.
2.3 A escola é um lugar nuclear do processo educativo. A
escola é, hoje, uma realidade multiforme, admitindo várias
soluções organizativas, devendo assumir-se cada vez
mais como um elo de sistemas e comunidades locais de formação.
2.4 As relações entre o Estado, a educação
e a sociedade devem ser redefinidas, por forma a que seja possível
assegurar uma maior participação das diversas forças
e parceiros sociais nas decisões e na execução
das políticas educativas, em todos os níveis de administração,
e desenvolver processos de co-responsabilização social
no funcionamento do sistema educativo.
2.5 A democratização da educação não
se alcança apenas pela massificação da frequência
dos vários níveis de escolaridade. O processo de democratização
do acesso à educação deve ser desenvolvido,
articulando a universalização da escolaridade básica
com uma acrescida difusão dos níveis secundário
e superior, garantindo, simultaneamente, o rigor e a qualidade do
ensino e das aprendizagens, enquanto condições necessárias
para o renovar da confiança social na escola e na educação.
2.6 A educação e a formação global
dos cidadãos ao longo de toda a vida constituem uma condição
necessária para o desenvolvimento económico e social,
o que implica, nomeadamente, uma particular atenção
à educação permanente e de adultos.
2.7 A gestão estratégica da qualidade educativa implica
o desenvolvimento de processos de informação e comunicação
e o aumento da visibilidade do sistema, reconhecendo-se, assim,
a necessidade de serem criados sistemas alargados de informação
entre instituições, serviços e públicos
no domínio das políticas educativas, por forma a criar
as condições que permitam a mobilização
da opinião pública para a importância da educação.
2.8 A credibilização do sistema educativo e da escola
é imprescindível, associando aos objectivos de alargamento
da escolaridade objectivos de qualidade, investimento sustentado
e rigor.
3. Objectivos Estratégicos
No desenvolvimento dos princípios gerais enunciados, o Pacto
educativo para o futuro deve visar a prossecução dos
seguintes objectivos estratégicos:
3.1 Promover a participação social no desenvolvimento
do sistema educativo, o que implica:
3.1.1 Redefinir o papel do Estado, favorecendo uma maior participação
das diversas forças sociais nas decisões e na execução
de políticas educativas, em todos os níveis da administração,
sem prejuízo da autonomia técnica e profissional dos
agentes educativos.
3.1.2 Criar e desenvolver estruturas de participação
formal na administração do sistema educativo e das
escolas.
3.1.3 Desenvolver mecanismos de apoio e incentivo à intervenção
dos pais e das suas associações.
3.2 Modernizar, regionalizar e descentralizar a administração
do sistema educativo, visando, designadamente:
3.2.1 Assegurar um equilíbrio dinâmico entre, por
um lado, as funções centrais de concepção,
arbitragem, regulação e identificação/correcção
das assimetrias internas do sistema e, por outro, o desenvolvimento
de projectos diversificados de cada território e comunidade
educativa.
3.2.2 Transferir competências, recursos e meios para os órgãos
de poder local e para as escolas.
3.2.3 Promover incentivos ao mérito e ao desempenho de qualidade,
valorizando o primado da dimensão educativa sobre a dimensão
meramente administrativa.
3.2.4 Desburocratizar o funcionamento dos serviços, adoptando
políticas de modernização da gestão
e de formação do pessoal.
3.3 Desenvolver processos de informação estratégica
e alargar as redes de comunicação, o que pressupõe,
entre outros aspectos:
3.3.1 Definir uma política e montar dispositivos de informação
que aumentem a visibilidade do sistema e mobilizem a opinião
pública para as questões educativas.
3.3.2 Contribuir para a especialização da comunicação
social no domínio da educação.
3.3.3 Melhorar a imagem pública da escola e da função
educativa.
3.4 Fazer do sistema educativo um sistema de escolas, e de cada
escola um elo de um sistema local de formação, no
sentido de:
3.4.1 Colocar a escola no centro das preocupações
e do interesse da população portuguesa a todos os
níveis.
3.4.2 Territorializar as políticas educativas dinamizando
e apoiando formas diversificadas de gestão integrada de recursos
e favorecendo a sua adaptação às especificidades
locais.
3.4.3 Desenvolver os níveis de autonomia das escolas.
3.4.4 Privilegiar as funções de acompanhamento e apoio
técnico às escolas, designadamente no âmbito
do ensino básico.
3.5 Promover a educação e a formação
como um processo per-manente ao longo de toda a vida, procurando,
entre outros aspectos:
3.5.1 Articular os vários níveis do sistema escolar
com actividades formais e informais de educação e
formação profissional.
3.5.2 Desenvolver oportunidades e ofertas de formação
contínua, recorrente e em alternância.
3.5.3 Intervir, a partir do sistema educativo e das práticas
educativas não formais, sobre a formação cívica
e cultural da população, favorecendo a afirmação
de uma consciência política democrática, um
entendimento das diferenças entre culturas e o diálogo
multi/intercultural e uma nova atitude face aos media.
3.6 Garantir a universalização da educação
básica de qualidade, o que implica, designadamente:
3.6.1 Conferir prioridade à educação pré-escolar
e ao ensino básico e, dentro deste, ao primeiro ciclo, enquanto
alicerces da qualidade da educação e garantia da formação
integral das crianças e dos jovens.
3.6.2 Assegurar níveis de escolaridade básica sucedida
para todos os alunos.
3.6.3 Promover a integração escolar, social e cultural
dos alunos.
3.6.4 Definir denominadores comuns quanto a currículos, dispositivos
pedagógicos e padrões de avaliação e
certificação, segundo o modelo de uma escolaridade
básica única, mas não uniforme, conferindo
espaços de autonomia às escolas para encontrarem as
suas próprias soluções.
3.7 Consagrar um novo lugar e uma nova finalidade para o ensino
secundário, para o que se afigura necessário:
3.7.1 Assumir a dupla natureza do ensino secundário: como
ci-clo intermédio de prosseguimento de estudos e como ciclo
de formação terminal.
3.7.2 Reconhecer a diversidade de vias de ensino e formação
sempre qualificantes, respeitando a sua especificidade, definindo
princípios de equivalência geral de certificação
e promovendo modos de interacção entre as vias de
ensino regular e o ensino profissional.
3.8 Promover o desenvolvimento equilibrado do ensino superior,
o que pressupõe, designadamente:
3.8.1 Alargar a oferta de ensino superior público, assegurando,
desse modo, a liberdade de escolha entre ensino público e
ensino particular e cooperativo.
3.8.2 Reforçar os níveis de qualidade e rigor, quer
através de mecanismos de avaliação independente
da qualidade do sistema, quer pelo acompanhamento regular das saídas
profissionais dos diplomados.
3.8.3 Reequacionar a problemática do financiamento do ensino
superior, da comparticipação dos utentes nos seus
custos e do apoio social.
3.9 Valorizar, dignificar e responsabilizar os profissionais da
educação, o que pressupõe, entre outros aspectos:
3.9.1 Reconhecer o papel essencial e insubstituível dos
educadores e dos professores para a melhoria da qualidade do ensino
e das aprendizagens.
3.9.2 Dignificar a carreira docente, associando uma nova valorização
a uma acrescida responsabilização dos profissionais
pelas funções educativas.
3.9.3 Aliar a promoção da diversificação
de perfis profissionais e a especialização dos agentes
educativos ao desenvolvimento de capacidades mais amplas e interdisciplinares
de intervenção docente.
3.9.4 Institucionalizar incentivos ao mérito e ao desempenho
de qualidade dos agentes educativos.
4. Dez Compromissos de Acção
A concretização dos objectivos estratégicos
que informam o Pacto educativo para o futuro deve traduzir-se na
identificação dos principais protagonistas da negociação
e das áreas prioritárias de intervenção,
segundo uma lógica de geometria variável. Para o Governo,
tal concretização passa pela assunção
imediata de dez compromissos para a acção.
4.1 Descentralizar as políticas educativas e transferir
competências para os órgãos de Poder Local.
Protagonistas: Ministério da Educação,
Ministério do Planeamento e da Administração
do Território e órgãos representativos do poder
local, nomeadamente a Associação Nacional de Municípios
Portugueses.
Acções prioritárias
- Lançamento do processo de reordenamento territorial
dos níveis de intervenção pública
na gestão da rede escolar.
- Conclusão, no prazo da legislatura, do processo de transferência
de poderes e de competências para os órgãos
de poder local no domínio das infra-estruturas, da acção
social, da coordenação intersectorial de níveis
e modalidades de formação, de animação
socioeducativa e de complemento curricular, no âmbito da
educação pré-escolar e do ensino básico.
- Dinamização da constituição de
Conselhos Locais de Educação.
4.2 Fazer da Escola o centro privilegiado das políticas
educativas. Protagonistas: Ministério da Educação,
Ministério da Saúde, Ministério da Justiça,
Ministério da Administração Interna, Secretarias
de Estado da Juventude e do Desporto, órgãos de administração,
direcção e gestão de escolas, associações
de pais, órgãos de poder local, sindicatos de professores,
centros de formação de associações de
escolas.
Acções prioritárias
- Aprovação das linhas de orientação
estratégica para o desenvolvimento de processos de autonomia
das escolas, até final do primeiro semestre de 1996.
- Celebração de contratos de autonomia entre as
escolas e o Ministério da Educação, apoiando
o desenvolvimento de formas diversificadas de organização
pedagógica e administrativa, respeitando a autonomia de
cada instituição e a especificidade de cada território
educativo.
- Aperfeiçoamento dos modelos de gestão escolar
que favoreçam a participação dos professores,
dos pais, dos estudantes e das instituições locais
na direcção dos es-tabelecimentos de ensino, com
institucionalização de mecanismos de protecção
ao «voluntariado social» que possibilitem a efectiva
participação dos pais na educação
dos filhos e na vida das escolas.
- Adopção de medidas, no prazo da legislatura,
visando a humanização e melhoria do ambiente educativo
das instituições escolares, promovendo, designadamente,
a melhoria das condições físicas, morais
e sociais de desenvolvimento das escolas de ensino, quer em termos
de equipamentos e recursos, quer em termos de segurança
e convivialidade.
- Desenvolvimento de um programa visando garantir a segurança
das instalações escolares, integrando intervenções
específicas de prevenção e combate à
violência, à droga, ao álcool e ao tabaco
e de promoção da formação cívica.
- Desenvolvimento de medidas de reforço do policiamento
dos acessos e das zonas circundantes dos estabelecimentos de educação
e de ensino.
4.3 Criar uma rede nacional de Educação Pré-Escolar.
Protagonistas: Ministério da Educação, Ministério
da Solidariedade e da Segurança Social, Ministério
da Saúde, Associação Nacional de Municípios
Portugueses, instituições particulares de solidariedade
social, entidades responsáveis pelo ensino particular e cooperativo,
sindicatos de professores, personalidades de reconhecido mérito.
Acções prioritárias
- Aprovação do quadro normativo orientador da educação
pré-escolar, até final do mês de Abril, com
posterior envio para apreciação pelo Conselho Nacional
de Educação.
- Generalização da educação pré-escolar,
segundo modalidades diversificadas em função da
especificidade dos contextos, com abertura das salas de educação
pré-escolar que reúnam condições de
funcionamento a partir do ano lectivo 1996/1997.
4.4 Melhorar a qualidade do processo educativo.
Protagonistas: Ministério da Educação, Ministério
das Finanças, Ministério do Planeamento e da Administração
do Território, Ministério da Ciência e da Tecnologia,
Ministério da Cultura, Ministério do Ambiente, escolas,
institutos de investigação, grandes fundações,
sociedades científicas e pedagógicas, associações
culturais, associações de defesa do património,
associações ecologistas, personalidades de reconhecido
mérito.
Acções prioritárias
- Lançamento de um programa de divulgação
e promoção da inovação e da qualidade
educativa, valorizando e divulgando as experiências positivas
realizadas pelas escolas, apoiando e acompanhando processos tendentes
à construção de escolas de qualidade e criando
sistemas de incentivos ao desenvolvimento de processos de inovação
e de mudança.
- Desenvolvimento de medidas, com impacto no ano lectivo em curso
e seguintes, visando a promoção das aprendizagens
e o sucesso de uma escolaridade para todos os alunos, designadamente
ao nível da educação básica, em articulação
com o reforço do apoio educativo para crianças e
jovens com necessidades educativas especiais.
- Lançamento de um programa piloto no domínio do
ensino experimental, com reforço dos recursos laboratoriais
e dos equipamentos das escolas e desenvolvimento de acções
de formação de professores, abrangendo estabelecimentos
dos vários níveis de escolaridade.
- Desenvolvimento de um programa de modernização
da administração do sistema educativo nos domínios
do «planeamento estratégico», do «acompanhamento»,
da «auditoria» e «consultoria» às escolas,
na avaliação externa e monitorização
do funcionamento do sistema e das escolas.
- Adopção de medidas, no decurso da legislatura,
designadamente em sede de revisão da reforma curricular
dos ensinos básico e secundário, tendentes a promover
as dimensões artística, cultural e ambiental da
educação.
- Desenvolvimento de acções tendentes a favorecer
a formação pessoal e social das crianças
e dos jovens, designadamente nos domínios da educação
para a cidadania e para o reforço da identidade nacional,
para a solidariedade e para os valores democráticos e da
dimensão europeia na educação.
4.5 Assegurar a educação e a formação
como um processo permanente ao longo de toda a vida. Protagonistas:
Ministério da Educação, Ministério para
a Qualificação e o Emprego, Ministério do Ambiente,
Ministério da Cultura, Ministério da Solidariedade
e da Segurança Social, órgãos do poder local,
associações locais.
Acções prioritárias
- Lançamento de um programa, no primeiro trimestre de
1996 e no âmbito do Ano Internacional da Educação
e da Formação para Toda a Vida, tendente a assegurar
a actualização permanente dos níveis de educação/formação
da população em geral e, em especial, daquela que
vai sendo marginalizada à medida e na medida em que os
níveis de escolaridade básica avançam.
- Adopção de medidas visando estimular a actualização,
ao longo de toda a vida, do saber, do saber-fazer, do «aprender
a ser com os outros» e do saber relacional e comportamental
de toda a população, em especial dos indivíduos
e dos grupos marcados por processos de exclusão social.
4.6 Assegurar a formação para a vida activa e a relação
entre educação-formação. Protagonistas:
Ministério da Educação, Ministério para
a Qualificação e o Emprego, Ministério da Solidariedade
e Segurança Social, Ministério da Economia, Associação
Nacional de Municípios Portugueses, confederações
patronais e confederações sindicais, associações
de pais, associações de estudantes.
Acções prioritárias
- Lançamento de cursos de formação profissional
para os jovens que concluíram a escolaridade obrigatória.
- Diversificação de vias de educação/formação
no ensino secundário, sempre certificantes e qualificantes.
- Lançamento de modalidades específicas de educação/formação
para os jovens que tenham abandonado a escola antes da conclusão
da escolaridade obrigatória.
- Desenvolvimento, no decurso da legislatura, de uma política
integrada de formação inicial de jovens que garanta
a articulação dos vários subsistemas existentes
dependentes de diferentes tutelas, designadamente o sistema de
aprendizagem, os cursos tecnológicos do ensino secundário,
as escolas profissionais, as escolas tecnológicas, a formação
profissional pós-escolaridade básica.
- Desenvolvimento de políticas integradas que favoreçam
e intensifiquem a articulação Escola / Empresa.
4.7 Valorizar e dignificar o papel dos professores e dos educadores.
Protagonistas: Ministério da Educação, Ministério
da Ciência e da Tecnologia, Ministério das Finanças,
Secretaria de Estado da Administração Pública,
sindicatos de professores, associações pedagógicas
de professores, centros de formação de associações
de escolas, instituições de ensino superior, associações
científicas e pedagógicas, personalidades de reconhecido
mérito.
Acções prioritárias
- Renegociação dos estatutos das carreiras docentes,
associando uma nova valorização a uma acrescida
responsabilização, garantindo condições
de acesso à formação contínua e instituindo
mecanismos de avaliação e diferenciação
interna que tenham como referência a qualidade do respectivo
desempenho profissional.
- Aprovação do novo regime jurídico da formação
contínua de professores.
- Redefinição, no prazo da legislatura, do sistema
de colocação de professores do ensino não
superior visando a estabilidade do corpo docente, designadamente
privilegiando as colocações plurianuais, tomando
como referência a duração dos ciclos de escolaridade,
e desenvolvendo incentivos à fixação de professores
em zonas isoladas.
- Revisão dos perfis profissionais dos professores, promovendo
a diversificação e a especialização,
associadas a uma maior e mais alargada competência pedagógica,
no sentido da interdisciplinaridade e integração
dos saberes.
4.8 Reequacionar os sistemas de financiamento da educação,
considerando, designadamente:
4.8.1 O financiamento da escolaridade obrigatória no sentido
da gratuidade. Protagonistas: Ministério da Educação,
Ministério das Finanças, Ministério da Solidariedade
e Segurança Social, Associação Nacional de
Municípios Portugueses, Confederação Nacional
das Associações de Pais.
4.8.2 O financiamento do ensino secundário, que deve admitir
soluções diversificadas. Protagonistas: Ministério
da Educação, Ministério das Finanças,
Ministério para a Qualificação e o Emprego,
Associação Nacional das Escolas Profissionais, Confederação
Nacional das Associações de Pais, associações
de estudantes.
4.8.3 O financiamento do ensino superior, considerando quer os aspectos
de funcionamento, investimento, incentivos e contratos-programa,
quer as problemáticas da acção social escolar
e das propinas. Protagonistas: Ministério da Educação,
Ministério das Finanças, Ministério para a
Qualificação e o Emprego, Ministério da Ciência
e da Tecnologia, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas,
Conselho Coordenador do Ensino Superior Politécnico, associações
de estudantes, Confederação Nacional das Associações
de Pais.
Acções prioritárias
- Aprovação do regime jurídico de delimitação
de competências da administração central,
regional e local.
- Aprovação do modelo de financiamento do ensino
superior, criando mecanismos de repartição de custos
e consagrando medidas de apoio social aos estudantes carenciados.
4.9 Promover o desenvolvimento equilibrado do ensino superior.
Protagonistas: Ministério da Educação, Ministério
da Economia, Ministério para a Qualificação
e o Emprego, Ministério da Ciência e da Tecnologia,
Ministério do Planeamento e da Administração
do Território, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas,
Conselho Coordenador do Ensino Superior Politécnico, associações
de estudantes, Confederação Nacional das Associações
de Pais.
Acções prioritárias
- Revisão do regime de acesso ao ensino superior, reduzindo
o número excessivo e mesmo redundante de provas a que os
estudantes vêm sendo submetidos.
- Aumento progressivo, no decurso da legislatura, do número
de vagas oferecidas pelo ensino público, designadamente
nos cursos de componente científico-tecnológica,
assegurando, desse modo, a liberdade de escolha entre ensino público
e ensino particular e cooperativo.
- Revisão do sistema de articulação entre
o ensino superior universitário e politécnico, por
forma a construir um novo equilíbrio na relação
entre longa e curta duração de estudos de graduação.
4.10 Valorizar e dignificar o papel e a inserção
do ensino particular e cooperativo no Sistema Educativo. Protagonistas:
Ministério da Educação, Ministério das
Finanças, Ministério da Solidariedade e Segurança
Social, entidades responsáveis pelo ensino particular e cooperativo,
instituições particulares de solidariedade social,
órgãos do poder local.
Acções prioritárias
- Reactivação dos trabalhos do Conselho Coordenador
do Ensino Particular e Cooperativo.
- Revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo
dos ensinos superior e não superior.
- Desenvolvimento dos trabalhos tendentes à definição
de cartas escolares integradas, que articulem a intervenção
do ensino público e do ensino particular e cooperativo,
no âmbito da educação pré-escolar e
dos ensinos básico, secundário e superior.
Notas
1 Este texto retoma, em parte,
um documento de trabalho por mim elaborado para o bie/unesco, em
2003, no quadro da formação interdisciplinar para
o diálogo político.
2 Ana Benavente e outros (1996):
A literacia em Portugal: resultados de uma pesquisa extensiva
e monográfica. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian / Conselho Nacional de Educação.
3 D. Tyack e L. Cuban (1995):
Tinkering Utopia. A Century of Public Reform, Cambridge,
Harvard University Press.
4 Ver, por exemplo, o texto fundador
de M. Huberman (1973): Comment sopèrent les
changements en éducation. Contribution à létude
de linnovation, París, unesco.
5 Em Portugal, a educação
e a formação profissional estão integradas
em ministérios diferentes e têm diferentes estruturas
de terreno. Existe um Conselho Económico e Social (governo,
patrões e sindicatos), no quadro do qual se negociou um acordo
de concertação estratégica, com uma forte componente
educativa, ao mesmo tempo que decorria o processo do pacto educativo.
6 E. Marçal Grilo, in
prefácio a A. Teodoro (coord.) (1996): Pacto Educativo,
aspirações e controvérsias, Lisboa,
Texto Editora.
7 In Diário da Assembleia
da República, 20/6/1996, I série, núm.
83, VII Legislatura.
8 A. Santos Silva, ex-secretário
de Estado da Administração Educativa, in A. Teodoro,
op. cit., pp. 53-59.
9 O Ministério da Educação
elaborou, durante o mandato 1995-99, três documentos de orientação:
Autonomia e qualidade (ensino superior); Educação,
integração e cidadania (ensino básico);
Desenvolver, consolidar, orientar (ensino secundário),
explicitando políticas e metas para cada um destes sectores.
10 Críticas assumidas
pelo Partido Social Democrata, então o maior partido da oposição,
in Diário da Assembleia da República, op.
cit.
11 João Barroso, professor
universitário, sintetizou as críticas feitas ao Pacto
educativo num texto intitulado «Do pacto educativo à
educação como pacto», in A. Teodoro, op.
cit., pp. 79-89.
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