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 Número 40: Enero-Abril / Janeiro-Abril 2006

Educación para el desarrollo sostenible / Educação para o desenvolvimento sustentável

  Índice número 40 

Isto não é um texto

Michèle Sato *

Síntese: Este texto é metafórico e tenta aliar os aspectos fenomenológicos da Educação Ambiental ao itinerário surrealista de René Magritte. Através da deformação das imagens, busca esvaziar-se contra os obstáculos epistemológicos à transformação de idéias, pensamentos e sentimentos. Na reforma do conhecimento, ousa um vôo vertical de aprendizagem bachelardiana ao transbordamento de sentidos polissêmicos. Inacabado como o ser humano, o texto reconhece que a inexatidão pode gerar desconforto. É proposital o enredo de tramas (deformação) à guinada político-conceitual da reformação em Educação Ambiental.

Síntesis: Este texto es metafórico e intenta asociar los aspectos fenomenológicos de la Educación Ambiental al itinerario surrealista de René Magritte. A través de la deformación de las imágenes, busca descargarse contra los obstáculos epistemológicos debidos a la transformación de ideas, pensamientos y sentimientos. En la reforma del conocimiento, arriesga un vuelo vertical de aprendizaje de bachiller al desbordamiento de sentidos polisémicos. Inacabado como el ser humano, el texto reconoce que la inexactitud puede generar incomodidad. Es intencionado el argumento de tramas (deformación) al guiño político-conceptual de la reforma en Educación Ambiental.

* Doutora em Ciências, docente e pesquisadora da Universidade Federal do Mato Grosso e da Universidade Federal de São Carlos, Brasil.

Dificilmente encontraremos uma definição hermética acerca da Educação Ambiental (ea) e talvez nossa labuta seja exatamente esta – permitir que ela floresça na sua exuberância de cores e perfumes, ora machucando com seus espinhos, ora expondo suas texturas, aromas e sentidos polissêmicos. Sua natureza política não se despede de sua poesia e a flor poderá ser a metáfora emprestada para caracterizar sua natureza ontológica. Agregando campos binários tradicionalmente percebidos como opostos, reinventa a temporalidade instituindo o conflito ao lado da solidariedade – caos na harmonia, e noite e dia num só quadro que revele timidez e valentia. É emblemática a pintura de René Magritte, um surrealista belga que em seus impérios das luzes, desafia a racionalidade iluminista e escurece o dia com estrelas da noite na mesma tela. Um rinoceronte escalando uma torre de cimento pode parecer brutal à estética da arte, mas talvez tenha sido a fonte inspiradora de Fellini, no seu grandioso filme «La nave va», com o rinoceronte num barco, levado pelas forças dos remos à busca da esperança.

Será possível misturar poesia com ciências? – indagariam as mentes cartesianas que dominam o mundo da academia. Octavio Paz responderia: «Sem dúvida». Tanto as ciências como as artes pertencem a ordem do caos antes de serem externalizadas pelos sujeitos. Na abstração biológica da flor, encontraremos o sistema de comunicação de xilema e floema de um pedúnculo, que liga os elos de folhas, caules, raízes e frutos, produzindo o encantamento na síntese e antítese que converte o ato epistemológico no ato poético. Ciências e poesias necessitam romper com a dicotomia do espírito e da matéria, permitindo que os sujeitos da Educação Ambiental (ea) pensem com os corações, ou seja, permitam unificar a racionalidade na sensação, oferecendo simultaneamente, o estranhamento ao lado do maravilhamento. Fernando Pessoa complementaria afirmando que tanto a arte como a ciência é uma confissão de que a vida não basta e que novos caminhos podem ser traçados neste itinerário da vida. Faríamos como Bachelard, no deleite de que todo conhecimento das coisas torna-se um poema. E assim como temos as poesias ingênuas, teremos também as de contestação política. É nesta segunda vertente que afinamos os acordes, e resgataríamos Paulo Leminski, em afirmar que a poesia deve estar a serviço da utopia, pois no fundo, o que queremos é mudar a vida, alterar as relações de propriedades, diminuir as diferenças das classes, promover a inclusão social e a lutar pela proteção ecológica através dos conceitos da democracia.

A poética excita a ea para que as idéias e as emoções fluam na liberdade do movimento, banhada em luzes e sombras das iconografias e linguagens de cada ser. Em todo momento de nossas vidas, há sempre um duplo olhar perceptivo: As cores da flor que percebemos externamente – e seu aroma que penetra internamente em nossas memórias, vivências e saberes. Arriscamos o possível machucado de seus espinhos com a dor expressa pelo vermelho do sangue porque vale a pena ter a memória deste momento pela cicatriz – que se esvai com o tempo, ou que o corpo insiste em deixar a marca pela eternidade. Nenhuma linguagem consegue, assim, traduzir a beleza e a feiúra da nossa existência. Pelo menos não a palavra ordinária, porque ela é «anulada no próprio momento em que é compreendida» (Novaes, 2005, p. 13). Contudo, podemos recorrer à linguagem poética, porque mágica, produz uma sensação de feitiçaria e muitas vezes, a memória faz emergir situações sem nenhuma aliança com a realidade. Por um estalo cerebral quase inexplicável pela ciência, lembramos de fatos jamais ocorridos, pois embora nunca concretizados, representam nossos desejos jamais adormecidos. Se os sonhos podem se caracterizar como tradução da vida real, é possível inverter a ordem e pensar que a vida também pode ser a tradução do sonho.

Para Bachelard (1988, p. 4), «educar é uma atitude filosófica para alimentar sonhos». Para a formação do sujeito, ele orientava que era preciso mergulhar no turbilhão de dúvidas, inquietações e incertezas. Era necessário revolucionar o modo de organização dos grupos, num enfoque de uma geometria diligente não euclediana; na dinâmica dos movimentos contra a inércia newtoniana; e na construção de saberes sem fragmentos, naquilo que hoje intitulamos de complexidade.

Em uma conversa com Michel Foucault, René Magritte teria dito que o olhar assemelha-se àquilo que ouvimos, experimentamos ou interpretamos. E ele se torna o que o mundo pode nos oferecer (Gablik, 1970). Desafiando a supremacia da dialética hegemônica que impõe apenas uma síntese, um quadro intitulado «férias de Hegel» foi duramente criticado por alguns filósofos, embora Foucault tenha publicado um livro em sua homenagem. Magritte teve uma educação burguesa, estudou arte e participou das duas grandes guerras. No movimento natural da metamorfose, rebelou-se contra as injustiças e poderes econômicos, se entregando na vida de militante no Partido Comunista belga. Seus signos revelam a tendência marxista e freudiana, na indissociabilidade de que nem o erotismo pode escapar dos sistemas políticos... Como todo surrealista, valorizava muito mais a transformação do que a verdade imutável e encerrada em miopias da exagerada racionalidade. E para além da beleza estética, procurava com idéia fixa pintar e repintar, pensar e repensar num ciclo atemporal da vida contra o relógio compassado e previsível que determina as horas, mas que não domina a temporalidade metafísica dos desejos. Era comum, assim, a recorrência a elementos como chapéu, aves, cachimbos, maçãs e folhas em vários ângulos, situações e olhares.

Assumindo a idéia fixa de Magritte no campo da ea, insistimos em democracia, inclusão social e proteção ecológica como persistência da plataforma política, para que além da estética da beleza, possamos acolher também a feiúra dos erros, dos limites e das ausências, pois os valores éticos frente ao mundo e aos seus desafios subjacentes clamam teimosamente para serem lembrados.

Num clima dramático de exaustão, talvez pudéssemos pintar e repintar a noção de desenvolvimento, mesmo que o mundo falseie aos nossos pés e que a ilusão da noite cegue nossa capacidade de dialogar com o mundo. Recriaríamos diversas pinturas, expressas pelas esperanças em se construir sociedades sustentáveis, onde coletivos educadores possam ser aceitos porque há diversos saberes e não apenas os científicos. É preciso compreender que mais que ciência, as políticas públicas em ea podem ser construídas através de inúmeras vozes, e que o porto seguro nem sempre atraca navios a deriva, maremotos imprevisíveis ou baleias com desarranjos hormonais. Isso implica dizer que nada assevera que a questão ecologista esteja assegurada por uma minoria militante, e que nossa luta política está longe de estar finalizada. Ainda que na árdua tarefa, não é preciso abandonar a esperança, nem a poesia para se combater o apartheid étnico, o fanatismo religioso, ou a dominação da indústria bélica, mesmo que certas ideologias do capital mostrem que a luta esteja perdida antes mesmo de se começar a proteger a Terra.

Como será possível transcender a herança da Modernidade, até alcançar e exceder os limites da própria significação pós-moderna da ea? Na combustão da chama que acende e apaga os diversos campos de saberes da ea, é preciso evocar a educadora ou o educador ambiental em sua nudez, no ímpeto do silêncio ou do vanguardismo, sem se deixar dividir pela grosseira dualidade filosófica do sujeito e objeto – na ruptura do individualismo à construção do coletivismo. A dominação do capital, a crise do petróleo, as corrupções em todos os níveis, a escassez da água, a miséria e a pobreza não estão em esconderijos – saem das cavernas e estão explicitamente apresentados. É necessário vencer o medo do abismo, arriscando a sentir o aroma da flor, porque o mundo também precisa de panfletários, poetas e loucos que não abandonem a causa ecologista para que a Terra continue habitável para todas as formas de vida dependente de seus elementos circundantes.

Na poética da ea, a atenção à degradação ambiental muitas vezes deixa escapar a injustiça social. Por isso, é preciso reivindicar uma consciência reflexiva de que toda miséria humana está intrinsecamente relacionada com os impactos ambientais. Teremos o enorme desafio de transformar a po-ética em sua dimensão política, pois a história da civilização do Homo sapiens já comprovou que os prejuízos dos danos ambientais recaem sempre nas camadas economicamente desfavorecidas. De origem no apartheid ambiental dos Estados Unidos, onde as negras e os negros são as vítimas das violências sócio-ambientais, o movimento da Justiça Ambiental clama pela apreensão da complexidade do mundo sem obstruir seus limites. A beleza e a feiúra novamente se negam, mas se exigem conjugadas. Para além de pragmatismos, é preciso um fecundo repensar a vida, sem restos ou enigmas vazios, mas com coragem de assumir a injustiça presente nas inúmeras sociedades.

«Não devemos temer a claridade do dia só porque ela pode revelar a miséria do mundo» (Magritte apud Abadie, 2003, p. 23). E porque na escuridão da noite, não há centros, nem periferias que resistam às vozes murmurantes da consciência – os fantasmas espreitam nos relâmpagos da mediocridade, e juntamente com as luzes dos raios, conseguem denunciar a desventura planetária. Nem o erotismo noturno consegue escapar das armadilhas, pois a ironia do dualismo é mais inexaurível: as máquinas do mundo se contrapõem e se espelham no crepúsculo da aurora que anuncia a claridade de um novo dia.

Na dimensão político-poética da ea, não há orientações pedagógicas magistrais de receitas prontas, cartilhas que promovam o abc de estratégias, ou bússolas que mostrem apenas um eixo «norteador» do Universo, senão um conjunto de tentativas e erros, com acúmulo de dissabores e que muitas vezes nem alcançam a beleza da flor. A educadora ou o educador ambiental situam-se, assim, num enigmático mundo de descobertas, com dúvidas por onde caminhar ou qual itinerário seguir. O que move a ea não é suas temáticas abrangentes, mas localiza-se no enredo que se trama para que o mundo se mostre extraordinário, revelando que «o mundo não cabe no mundo e o real não cabe no concebível» (Wisnik, 2005, p. 31).

Talvez seja esta linguagem político-poética que permita tomar René Magritte como fonte inspiradora à ea, pois ao pintar um cachimbo, denomina-o no paradoxo do título: «Ceci n’est pas un pipe» (isto não é um cachimbo). Misterioso, a literatura revela que ele odiava ser objeto de análise ou explicação, e afirmava que antes de se impor uma explicação de seus mistérios, seria necessário desvendar o conceito da palavra «explicação». Não há psicanálise que explique esta obra, reclamava ele. De fato, a pintura não é mesmo um cachimbo, mas apenas sua percepção projetada numa tela. No contexto Magritteano, talvez possamos afirmar que o que aqui está escrito não é um texto, senão percepções submersas vindas na tela de um computador que, apaixonadas, superam a frieza do teclado e tentam fazer emergir a sensibilidade da ea. Para além destes olhares, Magritte incitava o espírito crítico da dúvida. Não será um cachimbo? Isso será mesmo um texto?

Wisnik (2005) afirma que é preciso discordar, pois o pensamento é negador por natureza. A razão negante, ou a Filosofia do Não de Bachelard (1996), criticam, se problematizam continuamente, sofrem metamorfoses porque se movem.

A ea pode imergir no pensamento Bachelardiano, contornado pelo surrealismo de Magritte nesta analogia de desejar da formação integral dos sujeitos, via poesias e ciências, que não depende de uma finalidade utilitária e imediata, mas que represente um processo na formação de um mutante que sofre se não ousar a transformação.

A linguagem passa por uma retificação conceitual dos erros, dentro de um processo de realização que passa por mediações experimentais através de uma precisão discursiva. O espírito científico nasce de uma forma livre e quase anárquica, numa dinâmica da curiosidade e admiração (Bachelard, 1996, p. 36).

Bachelard, assim como Magritte, rompiam com o dualismo de fatos e signos, buscando a mediação entre a história e a poesia (filosofia do entre). Recusaram-se às velhas pautas da generidade, ou da uniformidade, clamando pela importância da particularização, sem contudo, despedir-se da unidade na complexidade (filosofia do detalhe). Esforçaram-se na compreensão transcendental do devir e na aceitação de que os pensamentos humanos se expressam de variadas maneiras (filosofia diferencial). Ambos lutaram contra obstáculos epistemológicos, permitindo que a ciência abraçasse a poesia (filosofia do contra), na construção de novas formas de romper com a dualidade. Mergulhados na dialética não hegemônica do pensamento, eles visavam a construção da crítica e da autocrítica (filosofia do não) sem medo de erros, fronteiras ou inadvertências. E fundamentados na incerteza e no desconhecido, assumiram riscos do caos, sem a pretensão de dar a última palavra, ou representarem o único modelo possível de pensamento social (filosofia aberta).

Na eloqüente tentativa de mudar o mundo, eliminando os medos e as injustiças sócio-ambientais, é preciso coragem de florescer superando os despenhadeiros. Haverá contradições, sem dúvida, porque ontologicamente não somos desprovidos de binarismos. E ainda que ta­-teando no mundo, as educadoras e os educadores ambientais emergem de suas loucuras e se comunicam superando a fatalidade – são foragidos, mas são poetas que se situam no mundo. Fazem intersecção das paisagens internas e externas, procurando almas gêmeas que compreendam a tragédia ecologista e que mergulhem em mundos com cosmologias contraculturais.

Na recuperação fenomenológica, Wisnik (2005, p. 34) pondera: «se no pensamento eu sou o outro de mim, no sentimento, o outro é eu». Na vertigem transpessoal, o eu se põe e se desloca em relação ao outro. E corroído pela negação, só se recupera pelo fio que resiste da dor cósmica do Universo. «Poesia e mundo se relacionam por escaramuças, reciprocamente excludentes e includentes, se contendo e se negando, se espelhando e se enganando» (p. 35).

A flor que abre o título deste não-texto, e que agora caminha para sua morte, tem viés utópico num movimento dinâmico de texturas perfumadas e de cores opacas que querem anular a lucidez da luz. Os tecidos se soltam, se amarelam na dramática aceitação de sua própria extinção, denunciando o pesadelo da história de que situação semelhante pode ocorrer com a Terra. Contudo, e assumindo a própria contradição, não quer perder as esperanças da sustentabilidade planetária. Busca a recuperação em Hanna Arendt (2001), na sua consideração de que possa existir uma produção imaterial da própria existência. As educadoras e os educadores ambientais desejam, enternecentemente, algo que abrigue a condição imortal da Terra para que as renovações sejam possíveis e que o labor do agasalho, da alimentação ou do sexo alcancem as nuvens no céu azul de René Magritte, porque a poética do planeta Terra deve ser eterna no pulsar cósmico da plenitude da vida.

Bibliografia

Abadie, Daniel (ed.) (2003): Magritte, Nova York, Art Publishers.
Arendt, Hanna (2001): A condição humana, São Paulo, Forense Universitária.
Bachelard, Gaston (1988): «A poética do espaço», in Abril Cultural, (os pensadores), pp. 93-266. São Paulo.
Bachelard, Gaston (1996): A formação do espírito científico, Rio de Janeiro, Contrapontos.
Gablick, Suzi (1970): Magritte, Nova York, Thames and Hudson World of Art.
Novaes, Adauto (2005): «Pensar o mundo», in Poetas que pensaram o mundo, pp. 7-18, São Paulo, Cia. das Letras.
Wisnik, J. Miguel (2005): «Drumond e o mundo», in Adauto Novaes (org.): Poetas que pensaram o mundo, pp. 19-64, São Paulo, Cia. das Letras.

 

 


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