EDUCCÇÃO AMBIENTAL E/OU EDUCAÇÃO
PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL? Uma análise centrada
na realidade portuguesa1
Mário Freitas *
SINTESE: O texto destaca que a ea em Portugal
tem una rica história, que começou a ser explorada
em 1975: projectos escolares, dinamização das populações,
publicações e vontade política para questões
de ambiente, entre outros indicadores. Una avaliação
detalhada dos projectos de ea implementados em Portugal ao longo
de mais de trinta anos é completada com a análisis
de questionários. O texto destaca que uma análise
da situação actual e perspectivas futuras da Educação
Ambiental (ea), não pode deixar de considerar três
aspectos essenciais, estreitamente inter-relacionados: a) as mais
valias e as deficiências que, até este momento, a têm
caracterizado; b) as exigências colocadas pela profunda crise
que abala o nosso mundo; e, c) o debate acerca da emergência
da Educação para o Desenvolvimento Sustentável
(eds) e das eventuais inter-relações entre estas duas
perspectivas educativas.
SÍNTESIS: En el texto se destaca que la
ea en Portugal tiene una rica historia, que comenzó a ser
explorada en 1975: Proyectos escolares, dinamización de las
poblaciones, publicaciones, y voluntad política para cuestiones
del ambiente, entre otros indicadores. Una evaluación detallada
de los proyectos de la ea desarrollados en Portugal a lo largo de
más de treinta años, se completa con un análisis
de cuestionarios. El artículo señala, además,
la situación actual y las perspectivas futuras de la Educación
Ambiental (ea), en donde no pueden dejar de considerarse tres aspectos
esenciales, bastante interrelacionados: a) el beneficio y las deficiencias,
que, hasta este momento, le caracterizan; b) las exigencias consideradas
por la profunda crisis que debilita nuestro mundo; y, c) el debate
acerca de la emergencia de la Educación para el Desarrollo
Sostenible (eds) y de las eventuales interrelaciones entre estas
dos perspectivas educativas.
1. EA, um olhar centrado na realidade portuguesa
Analisaremos as mais valias e deficiência da ea, a partir
de um olhar centrado na realidade portuguesa. A ea tem, em Portugal,
uma já rica história (Teixeira, 2003), que começou
quando Portugal ainda estava debaixo de um regime ditatorial. Tendo
em conta que «a politica pública de ambiente também
se avalia pela existência, entre outros indicadores, de um
ministério» (Teixeira, 2003, p. 37),
é pois de assinalar a criação, logo após
25 de Abril, de um primeiro Ministério centrado nas questões
do Ambiente2, que, a partir de certo momento, passa
a contar com uma Secretaria de Estado do Ambiente, que tutela uma
Comissão Nacional de Ambiente. Contudo, segundo
João Evangelista3, a ea só se institucionaliza
em Portugal em 1975 (com a dinamização do Serviço
Nacional de Participação das Populações).
Em 1987 é aprovada a Lei de Bases do Ambiente, e criado o
inamb4 (com responsabilidades
na formação e informação dos cidadãos
em questões de ambiente), que lança a primeira publicação
periódica sobre ea. Só em 1989, contudo, sob tutela
da Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais (Ministério
do Planeamento e da Administração do Território),
é que o inamb vê a sua Lei Orgânica aprovada.
A partir dos anos 90 Portugal passa a contar com um ministério
autónomo para questões do ambiente, o Ministério
do Ambiente e dos Recursos Naturais. Institucionalizase a organização
dos Encontros Nacionais de Educação Ambiental. Em
1993 o inamb é substituído pelo ipamb5,
que, a partir de 1996, assume um assinalável dinamismo. Projectos
escolares de ea passam a ser alvo de uma política coordenada
de apoio e financiamento (quadro I). É manifestada a vontade
de elaborar uma Estratégia Nacional de ea, que, contudo,
por falta de vontade politica e/ou alteração de responsáveis,
nunca chegou a ser elaborada6.
QUADRO I
Projectos escolares de EA implementados em Portugal (1997/2000)
e apoiados pelo IPAMB
|
1997
|
1998/9
|
1999/00
|
Numeros de proyectos |
219
|
242
|
240
|
Escolas/professores/alunos/entidades |
748/...
|
959/1214
|
678/1221
|
Financiamiento total em euros |
465.000
|
310.000
|
350.000
|
A partir de 1997 assistese à publicação
dos Cadernos de Educação Ambiental, iniciase a realização
das Mostras de Projectos Escolares de ea, e entra em funcionamento
uma Rede de Professores Coordenadores de Projectos de ea e de uma
Rede Nacional de Ecotecas. Em 1998 é nomeado pela Secretaria
de Estado do Ambiente um grupo de trabalho para elaboração
da Estratégia Nacional de EA7, que, contudo,
mais uma vez, apesar do trabalho substantivo produzido, e por via
de flutuações políticas pouco claras, acabou
por não ver a luz do dia. Com a extinção do
ipamb (em 2000) diluiuse, total e inexplicavelmente, o apoio directo
do Estado Português à ea.
Uma avaliação detalhada dos projectos de ea implementados
em Portugal ao longo de mais de trinta anos de ea (ou mesmo somente
centrada nos últimos 10 a 15 anos), exigiria um longo e laborioso
trabalho de investigação, para o qual ainda não
nos foi possível encontrar recursos humanos e materiais.
Contudo, um estudo parcelar que orientámos (Machado, 2003),
complementado por dados empíricos emergentes de estudos em
curso, permitemnos identificar e interpretar algumas tendências
gerais.
O estudo atrás referido (Machado, 2003)
envolveu uma amostra de 62 projectos, aleatoriamente seleccionada
de uma população de 605 projectos escolares de ea,
realizados em Portugal entre 1996 e 1998, e financiados pelo ipamb.
A investigação baseouse na análise dos formulários
de candidatura e dos relatórios finais dos projectos (aos
quais foi aplicada uma exaustiva grelha de verificação8),
que foi triangulada com a análise dos resultados das respostas
a um questionário aplicado aos coordenadores dos projectos
(32 respondentes dos 63 convidados). No tratamento dos dados recorreuse
ao rácio dos produtos cruzados (odds ratio) associada
à taxa de incidência (relative risk), complementada
pela utilização do teste Phi para medição
da associação entre parâmetros9.
Das variadas conclusões que foi possível retirar deste
estudo, destacamos: a) as motivações dos projectos
«são intrínsecas aos coordenadores», embora
mais de 25% procure ponderar «motivações, interesses
e necessidades do conjunto dos intervenientes» (p. 231); b)
o enquadramento conceptual dos projectos «centrouse fundamentalmente
na mudança de comportamentos (assumindo, no entanto, em pouco
mais de metade dos projectos, um enquadramento dos problemas [...]
numa lógica de desenvolvimento sustentável)»
(p. v), não se verificando, contudo, «uma desejável
articulação destas duas dimensões» (p.
231); c) «o envolvimento dos alunos na concepção
e desenvolvimento dos projectos assume diversas fragilidades»
(p. v); d) os objectivos estão formulados «fundamentalmente
em função dos processos [...], que no entanto não
se relacionam como o objecto para que são concebidos [...]
com as formulações de produtos [...], de conteúdos,
associados à mobilização de conhecimentos para
a solução do problema» (p. 233); e) a intenção
de utilizar uma metodologia de trabalho de projecto «é
muitas vezes claramente explicitada, mas a sua execução
é deficiente» (p. v); f) verificase, em muitos casos,
quer o recurso a «actividades de carácter prático
e manual (sem associação clara à conceptualização
dos problemas...), quer o «refúgio em actividades de
visita a locais de interesse...» (p. 233); g) na globalização
dominam os métodos passivos (56%) – elaboração
de desdobráveis e brochuras (45%), a preparação
de uma exposição (25%) –, se bem que 44% recorra
a actividades de carácter mais activo (nomeadamente sessões
de animação e intervenção); h) na divulgação
53% recorre a associações de formas de alguma forma
activas (sessões de animação e intervenção
nomeadamente), enquanto 47% recorre a associações
diversas de formas passivas, como um qualquer tipo de publicação
(82%)10, emissões de rádio (29%),
exposições e cartazes (65%); i) no que se refere à
avaliação, só 16% dos projectos «expressam
[...] métodos e técnicas a utilizar» (p. 234).
Num estudo em curso, baseado na análise
dos resumos referentes a 691,11 projectos,
apresentados nas três Mostras de Projectos Escolares de Educação
Ambiental (realizadas em 1998, 1999 e 2000), não nos foi
possível ainda identificar um só projecto que: a)
incluísse actividades de projecção do futuro
(análise reflectida de futuros desejados); b) estivesse organizado
numa clara lógica de complexidade, explorando consistentemente
inter-relações entre aspectos ambientais relativos
ao meio ambiente natural e aspectos sócio-económicos
com eles relacionados; c) abordasse problemáticas como a
guerra e o militarismo, as questões de género, a pobreza,
ou mesmo as inter-relações ambiente-saúde,
numa lógica de complexidade. A referência à
reflexão sobre valores, à promoção do
pensamento crítico, sistemático e complexo e ao estabelecimento
de parcerias para o futuro, é inexistente ou muito rara e
incipiente.
Deste breve quadro empírico ressaltam com clareza algumas
das principais mais valias e deficiências da ea em Portugal
(e, estamos em crer, em muitos outros locais do mundo). Apesar dos
importantes contributos que deu, a ea tem manifestado muitas vezes
uma certa indefinição epistemológico-ética
e conceptual (ou, pelo menos, uma incapacidade para assumir as teorizações
mais críticas), associada a deficiências metodológicas.
Assim, a ea acabou por assumir, em muitos casos, dimensões
de reducionistas, comportamentalistas, ritualizadas e, em consequência,
características endoutrinantes (Brügger, 2004), típicas
do pensamento dominante que pretende criticar. Por outro lado, a
necessidade de trabalhar aspectos relevantes relacionados com a
conservação da natureza, a gestão dos recursos
e resíduos, os problemas do ordenamento, ou, mesmo, as questões
de conservação do património histórico-cultural,
acabam dificultando outro tipo de intervenções centradas
na interligação de domínios, na inter-dependência
das partes, no todo complexo de que fazemos parte. Sendo potencialmente
tudo (mas não tendo conseguido resgatar a vocação
global de perspectiva educativa critica), a ea acabou se assumir
como uma dimensão educativa que trata principalmente de aspectos
parcelares da relação do homem com o meio, e se centra
na sensibilização e na aquisição de
comportamentos «ambientalmente» mais responsáveis.
2. Emergência e evolução da eds
A idéia de eds começou a ser explorada quando o
Desenvolvimento Sustentável (ds) foi assumido como meta global
na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1987
(Hopkins, e McKeown, 2002). O conceito de eds foi maturando entre
1987 e 1992, e tomou forma mais precisa no capítulo 36 da
Agenda 21, aprovada na Cimeira da Terra (Rio de Janeiro, 1992),
sob a designação «educação para
o ambiente e o desenvolvimento». Tratase do «nascimento»
formal da eds, na «barriga de aluguel» da ea (Freitas,
2005a), que pode ser considerado como o momento crucial do confronto
que hoje vivemos entre as designações Desenvolvimento
Sustentável e Educação para o Desenvolvimento
Sustentável (consagradas na Cimeira do Rio através
da Agenda 21), e as designações Educação
Ambiental e Sociedades Sustentáveis
(consagradas no Fórum Internacional de ONG12,
através do «Tratado sobre educação ambiental
para uma sociedade sustentável e para a responsabilização
global»). Tratase, segundo Caride, e Meira (2004), da «projecção
prática no terreno educativo» das tendências
ambientalista e ecologista (p. 74), sendo de assinalar
que – e essa é uma das contradições linguísticas
que noutro momento já referimos (Freitas, 2005a) –
é a tendência ecologista quem parece defender o termo
educação ambiental, sendo a tendência
ambientalista conotada com a defesa do termo educação
para o desenvolvimento sustentável.
Evoluindo, depois de 1992, em sede de diversas reuniões
e meetings internacionais, a eds foi mantendo com a ea
relações operacionais de natureza basicamente complementar
(se bem que, muitas vezes, envoltas de polémica, quanto a
áreas de abrangência mútua, bondade de cada
uma das designações, intencionalidade das propostas
de cada uma das perspectivas, etc). Na Conferência de Tessalónica
(1997), e, depois, na Cimeira de Joanesburgo (2002), é realçada
a importância da eds na construção do ds. As
Nações Unidas proclamam a Década das nu para
a eds (2005-2014), a unesco é designada agência responsável
pela sua implementação, e são produzidos documentos
estratégicos (no contexto mundial, europeu, geo-regional
e nacional). Na generalidade dos documentos citados, a ea é
contextualizada ora como componente fundamental, ora como fonte
de inspiração referencial da eds.
3. Relações EDS/EA
A maioria dos especialistas inquiridos no âmbito do ESDebate
(Hesselink, e outros, 2000) parece «encarar a eds como um
novo estado evolutivo ou uma nova geração de ea»
(Hesselink, e outros, 2000, p. 21). Há, contudo, outras opiniões.
Caride, e Meira (2004), por exemplo, argumentam que «a Educação
Ambiental para o Desenvolvimento Humano Sustentado, ou como se queira
denominar, arrastada pela sedução destes conceitos,
poderá derivar numa perigosa indefinição...»
(p. 197), e realçam o perigo de que «debaixo de um
discurso aparentemente comprometido com a mudança social
[...] se pode estar salvaguardando a mesma orientação
de desenvolvimento, da cultura e da política económica
que tem gerado os problemas sócio-ecológicos existentes»
(p. 198). Defendendo que «os enquadramentos que propiciam
o saber e o saber fazer educativo-ambiental não poderão
restringirse apenas a suscitar atitudes nas pessoas para um desenvolvimento
sustentável» (p. 278), parecem encaminharse mais no
sentido de considerar a eds como uma parte da ea (Freitas, no prelo
b). McKeown, e Hopkins (2002), por seu turno, defendem que a eds
e a ea «têm similaridades», mas são abordagens
«distintas, ainda que complementares», e que é
importante que «a ea e a eds mantenham agendas, prioridades
e desenvolvimentos programáticos diferentes» (p. 127).
4. Do confronto das interpretações à
possibilidade da sua superação
Tanto a ea como o debate das questões de ambiente e desenvolvimento,
encontramse marcados, desde início, pelo confronto entre
diferentes entendimentos dos conceitos de «ambiente»,
«ambiental» e «desenvolvimento». Como já
se assinalou, Caride, e Meira (2004), reportandose aos trabalhos
preparatórios da Conferência de Estocolmo (1972), distinguem
entre: a) uma perspectiva conservacionista e reducionista (defendida
principalmente pelos «países desenvolvidos»),
que, de acordo com outros autores, designam por tendência
«ambientalista»; b) uma perspectiva alternativa, mais
integradora (defendida em grande parte dos «países
em vias de desenvolvimento»), que designam por tendência
«ecologista». É, no âmbito deste confronto
que os citados autores inscrevem a discussão acerca dos conceitos
de «desenvolvimento sustentável» e de «desenvolvimento
humano sustentável», e defendem que se devem interpretar
as «concepções e práticas que se promovem
para contrapor a educação ambiental à educação
ecológica», ou, mais recentemente, o «deslocar
o conceito de educação ambiental pelo de educação
para o desenvolvimento sustentável (eds)» (p. 90).
Pela nossa parte, num outro momento (Freitas, 1996) defendemos ser
possível identificar, no domínio das inter-relações
ambiente/desenvolvimento, três perspectivas principais: a)
uma tendência «naturalista idealista» (típica
de certos grupos e sectores ecologistas); b) uma «tendência
tecnológico-instrumental» (característica de
certos sectores tecnocráticos e de largos sectores do poder
económico e politico); c) uma tendência «realista
critica» (defendida pelos mais destacados especialistas de
ea). Em qualquer caso, não nos podemos esquecer que nos encontramos
envolvidos num complexo «bailado» de elaborações
teóricas (e respectivas repercussões práticas)
em torno dos termos ambiente/ambiental, ecologia/ecológico,
desenvolvimento económico/desenvolvimento humano,
desenvolvimento sustentável e educação
para o desenvolvimento sustentável.
Na figura 1 encontrase, esquematicamente representado, como é
que a nossa análise em três tendências se interliga
com a análise em duas tendências. A mesma figura ilustra,
ainda, a idéia de que, entre duas posições
mais extremas, se pode considerar a existência de um certo
continuum de posicionamentos, e como é que uma postura
crítica reflexiva pode abrir caminho à superação
de dicotomias (aparentemente irreconciliáveis).
Mais do que tomar simplesmente partido por uma designação
em detrimento de outra, importa travar uma luta pelo significado
desses termos e dos conceitos a que eles designam. O problema das
significações (e dos diferentes mundos que elas geram)
é mais um problema de essência humana que um problema
deste ou daquele tipo de abordagem educativa.
Vivemos em linguagem, de tal forma que «o observador vê
que as descrições podem ser feitas tratando outras
descrições como se fossem objectos ou elementos do
domínio das interacções» (Maturana, e
Varela, p. 181). A linguagem, ou melhor, «o operar recursivo
em linguagem», é a «condição sine
qua non para experiência que associamos ao mental»
(Maturana, e Varela, 1990, p. 199). Aquilo que experimentamos «como
consciência e como a nossa mente, é, pois, uma nova
dimensão de coerência operacional» (p. 200),
e há uma indivisibilidade «entre o que fazemos e a
nossa experiência do mundo com suas regularidades»,
pelo que «fazer é conhecer», e «conhecer
é fazer» (Maturana, e Varela, 1990, p. 20). Assim,
qualquer acto de conhecimento está intimamente ligado a um
ou mais actos do nosso operar recursivo em linguagem, pelo qual
tratamos as descrições de objectos como se de objectos
se tratasse. O fenómeno de conhecer «não pode
ser encarado como se houvesse “factos” ou objectos lá
fora que cada um capta e mete na cabeça» (Maturana,
e Varela, 1990, p. 21), já que a clausura operacional
do sistema nervoso determina a não possibilidade de criação
de uma qualquer representação interna objectiva da
realidade exterior, mas, antes, a capacidade de «fazer emergir
um mundo» e de «criar o seu próprio mundo de
significações» (Varela, 1989, p. 217). Como
observadores, envolvemonos sistemática e recorrentemente
em actos de conhecimento, e «todo o acto de conhecimento faz
surgir um mundo» (Maturana, e Varela, 1990, pp. 31-32). Vemos,
tacteamos e cheiramos não só com os órgãos
dos sentidos, mas com o todo o corpo. A mente está incorporada
e as emoções e sentimentos são tão cognitivas
como os raciocínios (Maturana, e Varela, 1990; Edelman, 1995;
Damásio, 1995). Não há outra maneira de proceder
nas sociedades humanas senão aceitar a subjectividade e potenciar
o valor educativo da ambiguidade e da partilha de significados.
FIGURA 1
Conflito de tendências e possibilidades de superação
O conhecimento humano é «sempre vivido numa dada
tradição cultural» (p. 206). As descrições
dominantes produzidas no âmbito da ciência/saber (cultura
dominante) do Norte-Ocidente, criaram e continuam «criando
um mundo» de futuro fechado; maioritariamente regulado pelo
mercado; que tem como fim o crescimento económico contínuo,
que supostamente melhora a vida de todos, não evitando que
haja (como sempre houve, dirseá) pobres e ricos, bons e maus,
bem e mal sucedidos; onde a ciência e a tecnologia são
sacralizadas e veneradas como geradoras de um sempre maior domínio
da natureza, etc., etc. Reconhecendo uma parte da crise em que estamos
mergulhados e o falhanço de certas formas de acção
passada, alguns pensam que esta forma dominante de «criar
um mundo» deve ser simplesmente remodelada, de uma forma que
julgam poder apelidar de «sustentável», e que
preferem definir como sendo a que assegura as necessidades de hoje,
garantindo, simultaneamente, as necessidades futuras (sem contudo
definir que necessidades são essas).
Mas, por via de descrições alternativas à
dominante, é possível «criar outros mundos»
de futuro aberto; não guiados (pelo menos exclusivamente)
pelas leis de mercado; onde não há necessariamente
pobres e ricos; e onde uma ciência/saber reflexivo e uma tecnologia
não arrogante (pós-modernos) são capazes de
se repensar internamente e de conviver harmoniosamente com outras
formas de saber, de fazer e de sentir. Produzir uma tripla ruptura
e reunificação epistemológica, é, pois,
uma condição básica para novos actos de conhecimento
do mundo e consequentes «construções de novos
mundos» (figura 2).
FIGURA 2
Tripla ruptura e tripla unificação epistemológico-ética
(adaptado de M. Freitas, 2005)
O debate entre «desenvolvimento sustentável»
e «sociedades sustentáveis», e/ou «educação
para o desenvolvimento sustentável» e «educação
ambiental», não é, necessariamente, o debate
entre a hegemónica «norte-ocidental» (colonial
e pós-colonial) forma de ver o mundo e uma visão do
mundo crítica, transformadora e emancipatória. Debaixo
de cada um dos termos encontramse tendências apoiadas não
só numa ou outra das perspectivas extremas a que se aludiu,
mas também numa infinidade de cambiantes e recombinantes.
Um mundo complexo, vivendo uma crise complexa, não pode ser
reduzido à defesa da bondade de uma designação
que se reclama (mas não é totalmente) representativa
de uma visão de mundo, contra outra designação
que se julga ser (mas não é totalmente) representativa
de outra visão de mundo.
É verdade que há, por parte de sectores neoliberais,
uma clara tentativa de instrumentalização dos termos
«sustentável» e «desenvolvimento sustentável».
Por outro lado, políticos, empresários, jornalistas,
gestores e cidadãos comuns, integraram os citados termos
na linguagem diária, e utilizamnos, ora de forma instrumental
e avulso, ora no contexto de crenças mais profundas, para
legitimar de um discurso, uma proposta, uma alternativa. Contudo,
há igualmente que reconhecer que existem outros entendimentos
para os referidos termos, e que o abandono da luta pela significação
destas poderosas designações «fetiche»
do nosso tempo servirá, em última instância,
para que elas permaneçam associadas à lógica
de pensamento dominante que gerou a crise, ou se banalizem perdendo
força e significado.
Convirá, ainda, não esquecer que algo de muito semelhante
aconteceu (e está acontecendo) com os termos «ambiente»
e «ambiental» (e, até, com os termos «ciência»
e «científico»). O rótulos «ambiente»
e «ambiental» foram e são, de facto, utilizados
de forma igualmente instrumental e avulso. Vejase, por exemplo a
sua sistemática utilização: para referir a
aspectos que têm que ver somente à envolvente natural
(incluindo, quando muito, uma dimensão cultural humana);
em contextos de mero marketing comercial; na designação
de ministérios nacionais e de comissões politicas
internacionais. Mas, por que razão criar então uma
nova designação?
Em primeiro
lugar, por uma questão de eficácia conceptual e
metodológica. De facto, em virtude de tudo o que até
aqui foi afirmado, a ea acabou por assumir, em muitos casos, dimensões
de implementação prática reducionistas, comportamentalistas,
ritualizadas, e, por vezes, tão endoutrinantes como as
inerentes ao pensamento dominante que pretende criticar. Por outro
lado, a necessidade de trabalhar relevantes aspectos relacionados
com a conservação da natureza, a gestão dos
recursos e resíduos, os problemas do ordenamento, ou, mesmo,
as questões relacionadas com a conservação
do património cultural, acabam dificultando outro tipo
de intervenções mais centradas na interligação
de domínios, na inter-dependência das partes, no
todo complexo de que fazemos parte e onde vivemos. Sendo potencialmente
tudo, mas não tendo conseguido totalmente resgatar a vocação
global de perspectiva educativa critica, a ea acabou se assumir
mais como uma dimensão educativa que trata da relação
do homem com o meio, e se centra mais na aquisição
de comportamentos ambientalmente mais responsáveis. A ea
necessita, pois, de um forte movimento de des(re)construção
criativa. Dispor de um novo espaço educativo que se preocupe
de forma exclusiva com a inter-dependência das partes, numa
lógica de complexidade, pode, por si, gerar importantes
dinâmicas, e, ao mesmo tempo, ajudar (e já está
ajudando) ao repensar da ea.
Em segundo lugar,
uma razão de natureza estratégico-política.
Os conceitos de «sustentabilidade» e de «sustentável»
são conceitos emergentes, de largo poder heurístico,
com capacidade de afirmação transdisciplinar e mesmo
«transcientífica», e com vocação
de «processo» mais do que «estado». Integrar
esses conceitos numa lógica de parte discreta de uma abordagem
educativa encimada pelos conceitos de «ambiente» e
de «ambiental» (que, pese embora a sua vocação
inter-disciplinar e holística, não conseguiram imporse
como tal) pode ser não só impossível como
também contraproducente.
E que designação adoptar, então? Estamos
conscientes de que o termo desenvolvimento (pela conotação
com a ideia de crescimento económico contínuo) desencadeia
algumas resistências em vários sectores. Outro termo
que alguns consideram menos polémico é o de Educação
para a Sustentabilidade. Em qualquer caso, não supomos ser
necessário e/ou desejável que uma designação
substitua outra, mas antes que convivam, como parentes muito próximas
que, numa fase determinada da nossa história educativa, tiveram
necessidade de, pelo menos em parte, se autonomizar, nem que seja
«vivendo na casa ao lado». E nem sequer sabemos se,
no futuro, não teremos que «derrubar as paredes»
que dividem as duas «casas» ou, mesmo (quem sabe), derrubar
outras «paredes» que dividem a «grande casa»
da educação, em geral.
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Notas:
* Subdirector del Instituto de
Educación y Psicología de la Universidad do Minho,
Braga, Portugal.
1 Com apoio da Fundação
para a Ciência e a Tecnologia (fct), Portugal.
2 Ministério do Equipamento
Social e do Ambiente (I, II, III, IV e V Governos Provisórios).
3 Entrevista concedida a
Cristina Baptista, Cadernos de Educação Ambiental,
n.º 29, Junho de 2000.
4 Instituto Nacional do
Ambiente, que só em 1989, sob tutela da Secretaria de Estado
do Ambiente e Recursos Naturais (Ministério do Planeamento
e da Administração do Território), vê
aprovada a sua Lei Orgânica.
5 Instituto de Promoção
Ambiental.
6 Tinha, entretanto, já
começado a emergir (a partir de 1992, ou mesmo um pouco antes,
1987) a perspectiva da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável (eds). Em 1997, foi o Conselho Nacional de Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável. Portugal é subscritor
de acordos relativos à implementação da Década
das Nações Unidas para a eds (deds) e, contudo a propósito
desta matéria não aprovou, ainda, um documento estratégico.
E isto apesar de Portugal ter sido um dos primeiros países
europeus a realizar uma Conferencia Internacional sobre essa problemática,
em Maio de 2004, por iniciativa do Departamento e Universidade a
que pertenço.
7 A que tive a honra de
pertencer.
8 Centrada em cerca de 180
itens, agrupados hierarquicamente segundo vários grupos de
indicadores, seleccionados de acordo com oito parâmetros qualitativos
globais de avaliação: desenvolvimento geral do projecto,
consecução dos objectivos, adequação
das metodologias, desenvolvimento das actividades, avaliação,
globalização, divulgação e custos.
9 Refinada com aplicação
do teste de McNemar para pares de parâmetros, e Q de Cochran
para grupos de parâmetros. Para as respostas aos questionários
(escala tipo Likert) utilizaram-se o coeficiente de Spearman e o
teste de Wilcoxon.
10 Em jornais locais ou
nacionais (48%), desdobrável ou brochura (47%), jornais escolares
(36%).
11 Respectivamente, 219
projectos em 1998, 242 projectos em 1999, e 240 projectos em 2000.
12 Celebrado simultaneamente,
e em separado, no Rio de Janeiro.
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