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 ISSN: 1022-6508

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 Número 44: Mayo-Agosto / Maio-Agosto 2007

Educación de adultos / Educação de adultos

  Índice número 44 

A escola noturna de ensino médio no Brasil

Ana Cecìlia Togni *

Marie Jane Soares Carvalho **

SÍNTESE: O artigo é resultante de mi interesse por como se trabalha pedagogicamente nas escolas de ensino médio noturno e também da minha experiência como profissional nesta etapa da educação básica.

A pesquisa que venho realizando para a consecução da tese de doutorado tem como foco este nível de escolaridade e a problemática que o envolve, pelo tipo de alunos que o freqüentam e suas formas de aprender, principalmente no que se refere a conteúdos de matemática.

SÍNTESIS: Este artículo es el resultado de mi interés por la forma en que se trabaja pedagógicamente en las escuelas de enseñanza secundaria nocturna y también de mi experiencia como profesional en esta etapa de la educación básica.

La investigación que vengo realizando para la consecución de la tesis doctoral tiene como foco de trabajo este nivel de escolaridad y la problemática que lo envuelve, por el tipo de alumnos que lo frecuentan y sus formas de aprender, principalmente en lo que se refiere a contenidos de matemática.

ABSTRACT: This article is the result of both my interest in the pedagogical methods used in night secondary schools, and of my own professional experience in this stage of basic education.

The research I have been conducting in order to get my doctoral thesis is focused on secondary school, its surrounding issues and the causes behind them, namely the kind of alumni and their learning approach. This paper deals, mainly, with mathematical content.

1. INTRODUÇÃO

O ensino noturno é quase sempre considerado nos meios educacionais como um problema, uma fonte de insatisfação que necessita ser sanada. Parece que (Carvalho, 1998) é realmente um problema sem saída, pois com muita freqüência é oferecido àqueles que dispõem de menos recursos.

Não se deve esquecer que o período noturno faz parte da história da escolarização e que apesar de ter se constituído a partir de disposições governamentais, estas disposições vieram atender a reivindicações populares.

Ao que se sabe, as primeiras notícias acerca da existência de ensino noturno no Brasil, datam do tempo do Império. Nos registros de Primitivo Moacyr (1936,1939) encontram-se dados de que entre 1869 e 1886, escolas noturnas para adultos funcionavam em diversas províncias do país. Esses cursos estavam relacionados, já naquela época, aos adultos analfabetos, que não tinham acesso à escola em idade própria e que não tinham tido possibilidade de freqüentar aulas no período diurno, por estarem trabalhando.

Essas escolas foram as primeiras formas de organização do ensino noturno no país assumidas pelo poder público. Antes disso, as iniciativas de oferecer escolarização eram de ordem privada. Deve-se salientar, ainda, que o acesso aos cursos noturnos era muito restrito, pois estes eram oferecidos apenas nas capitais das províncias ou em alguns centros urbanos maiores.

Desde a Monarquia (Arco-Verde, 2006) até a constituição da República, há indícios de reconhecimento da importância do ensino noturno. No entanto, esse reconhecimento sempre foi e ainda é marcado por um tratamento diferenciado do que se dá ao ensino diurno.

Desde o início do funcionamento das classes noturnas, os envolvidos neste processo enfrentavam dificuldades diversas, entre as quais se pode salientar:

 As gratificações pagas aos professores variavam de acordo com o número de alunos atendidos.

 Nas primeiras escolas noturnas, a freqüência só era permitida a alunos adultos do sexo masculino.

 A autorização para o funcionamento dessas escolas só era permitida se não interferisse nas atividades das escolas regulares diurnas.

 O programa, a legislação, os critérios e as disciplinas oferecidas eram as mesmas dos cursos diurnos.

Deve-se dizer, ainda, que, inicialmente, as classes noturnas eram voltadas para a alfabetização de adultos e o prosseguimento de estudos iniciais, mas a necessidade fez com que também o ensino secundário, hoje ensino médio, passasse a ter cursos noturnos.

Este artigo trata da problemática que envolve estes cursos.

2. O ENSINO MÉDIO NOTURNO

Até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira, em 20 de dezembro de 1996, os cursos de ensino médio eram denominados ensino secundário, primeiramente, e, a seguir, ensino de 2.º grau.

Ao longo do tempo, o ensino médio noturno tem sido conduzido como uma cópia do que se faz no período diurno. Não tem, portanto, uma identidade própria.

Além de estar subordinado a uma lei generalizada, o ensino noturno apresenta outras inconveniências e algumas características peculiares, que precisam ser levadas em conta para se contemporizar as conseqüências: os professores muitas vezes estão no terceiro turno de trabalho diário, quase todos os alunos têm jornadas de trabalho de oito ou mais horas diárias, não raro em atividades pesadas e difíceis, os conteúdos fogem da área de interesse dos alunos, etc.

Muitas dificuldades se contrapõem a quem deseja promover situações de aprendizagem com significado, a fim de reforçar conteúdos não devidamente assimilados, ou para desenvolver um ambiente propício ao surgimento de relações afetivas e sociais, tanto entre professores e alunos quanto entre os próprios alunos.

Parece-me, então, que as condições de funcionamento das escolas noturnas de ensino médio não atendem aos princípios que nortearam o seu surgimento nos anos 50, ou seja, atender às necessidades de prosseguimento dos estudos quando o diploma ginasial não mais atendia às necessidades da população estudantil.

O apogeu desse funcionamento aconteceu na década de 70, com a abertura de muitas escolas particulares de 2.º grau e também algumas estatais e, na de 80, com a expansão do número de cursos de 2.º grau nas escolas públicas. Rodrigues (1995, p. 62) ressalta que a demanda foi tão expressiva, que a Assembléia Nacional Constituinte, instalada durante os anos de 1987/1988, decidiu assegurar, através da Constituição Federal, o acesso à escola noturna.

A Constituição diz, no artigo 208 do capítulo III:

O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de:

Inciso VI - oferta de ensino noturno regular adequada às condições do educando.

No entanto, Kuenzer (1988) e Rodrigues (1995) dizem que a generalização dos cursos noturnos representou ao mesmo tempo a democratização do acesso à escola, e o fortalecimento de mais uma divisão da própria escola.

A democratização é atestada não apenas pelo aumento do número de matrículas ou pela expansão da rede pública, mas também pela possibilidade de, ao menos a partir da década de 90, ter havido uma alteração qualitativa no perfil sócio-econômico da clientela dos cursos de ensino médio. Os filhos de trabalhadores, muitos deles já trabalhadores também, fizeram-se cada vez mais presentes nas escolas de ensino médio, principalmente em anos mais recentes. E o ensino noturno, apesar das dificuldades e problemas, contribuiu decisivamente para isso.

O ensino médio noturno, portanto, passou a ser assim denominado a partir da promulgação da citada Lei, e é regido pela mesma legislação do ensino médio diurno, formalizada nos artigos 35 e 36 da referida Lei:

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos.

II A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.

III O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

IV A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste capítulo e as seguintes diretrizes:

I Destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das leituras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.

II Adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes.

III Será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.

1.º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I Domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna.

II Conhecimento das formas contemporâneas da linguagem.

III Domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.

2.º O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.

3.º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento dos estudos.

4.º A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional.

Segundo Mello (1999), a Lei abre explicitamente as portas para um currículo voltado para competências e não para conteúdos. Esse currículo tem como referência não mais a disciplina escolar clássica, mas sim as capacidades que cada uma das disciplinas pode criar nos alunos. Os conteúdos disciplinares se concebem, assim, como meios e não como fins em si mesmos.

Como não existe distinção entre o ensino médio diurno e o ensino médio noturno, e ambos os segmentos são regidos por essas mesmas diretrizes, deve-se levar em consideração que:

Outra dimensão que as diretrizes do ensino médio consideram diz respeito ao que está ocorrendo no mundo do trabalho e no mundo da prática social, já que, diz a lei, a educação escolar deverá ser vinculada a ambos. As mudanças em curso na organização do trabalho deixam muitos educadores atônitos em relação ao perfil de habilidades e competências. O que aumenta a possibilidade de empregabilidade no mundo de hoje é a ênfase nas habilidades básicas gerais, têm grande importância a capacidade de análise, a capacidade de resolver problemas, a capacidade de tomar decisões e, sobretudo, ter flexibilidade para continuar aprendendo [...]. Fala-se inclusive em 'laborabilidade' em lugar de empregabilidade na medida em que essas competências constituem na verdade um trabalhador polivalente que pode, quando bem preparado, ser mais autônomo para decidir seu percurso no mercado de trabalho. (Mello, 1999, p. 166).

Resta, portanto, muito por fazer quanto às práticas pedagógicas nas escolas que mantêm ensino noturno, para que o aluno egresso possa encarar bem o mercado de trabalho. No entanto, é preciso considerar que, pela unificação jurídica do sistema de ensino brasileiro, que não considera a grande diferença social existente entre os estudantes que freqüentam a mesma escola em turnos diferentes, (muitas vezes isso também ocorre nos turnos diurnos), na qual os mais abastados vão à escola pela manhã e os "outros" à tarde, torna-se ainda mais evidente a desigualdade real entre as oportunidades educacionais. É evidente (Rodrigues, 1995, p. 4) "que não se está a afirmar uma suposta excelência do ensino oferecido durante o dia nas escolas públicas de 2.º grau, porém, é fato que à noite as condições do ensino médio brasileiro são ajuizadas".

3. CARACTERIZANDO O ENSINO NOTURNO

Para possibilitar uma reflexão mais consistente sobre o ensino noturno, é preciso que se conheça quem e quantos são os alunos que o freqüentam, bem como a escola que lhes é oferecida.

Buscando tais informações, deparei-me com um quadro de jovens estudantes, na sua maioria, inseridos no mercado de trabalho sem a devida qualificação, e com jornadas de oito ou mais horas diárias. Constatei também que eles assim estão por extrema necessidade de sobrevivência.

Esta condição de aluno-trabalhador talvez seja a característica mais forte dos alunos do ensino médio noturno.

Talvez a característica mais marcante de um aluno do ensino noturno de 1.º e 2.º graus seja a condição de trabalhador desqualificado e superexplorado ao peso de um salário vil e de uma insuportável dupla jornada de trabalho: a da fábrica, loja ou escritório, e a da escola noturna. (Pucci, 1995, p. 31).

Considerando o fato de termos nas escolas, alunos trabalhadores, que, como diz Arroyo (1986), "são trabalhadores que estudam", esse não é o ponto de partida para se entender porque se dá o fracasso na escola pública, principalmente noturna, mas, sim, é o ponto de partida para que se encontre uma possível, adequada e necessária solução para este tipo de aluno.

Uma vez que os alunos dos cursos noturnos vão para a escola por motivos diversificados, entre os quais se pode citar: que uma das condições que as empresas impõem ao contratar jovens trabalhadores é que estes estejam matriculados em escolas noturnas, pois estudos realizados (Rodriguez e Héran, 2000) comprovam que 57% dos estudantes que estudam à noite, ou já trabalham, ou estão em busca de trabalho; vão para a escola para encontrar seu grupo social; ou, como dizem, para buscar algo melhor na vida.

Entre esses motivos, faz-se importante perguntar, o que, na verdade, um jovem estudante trabalhador busca na escola à noite?

Ele busca sem dúvida "algo que lhe interesse", ou seja, além das necessidades naturais quer também formação e informação que o auxiliem no dia-a-dia, na luta pela sobrevivência. Se por acaso, a escola não lhe oferecer o que ele busca, com certeza será impelido a abandoná-la. Outras motivações extra-escolares também podem forçá-lo a esse abandono da escola.

Os alunos, portanto, buscam nas escolas muito mais do que instrução; buscam igualdade de oportunidades e formas de não-exclusão. As experiências vividas no ambiente de trabalho marcam profundamente a relação do aluno com a escola e criam uma expectativa imediatista a respeito do que a escola pode lhes oferecer.

Rodrigues (1995) afirma que esse trabalhador-estudante freqüentador dos cursos noturnos, experimenta diariamente uma divisão social. Durante o dia ele executa, efetua, realiza. E à noite, na escola, ele deve pensar, refletir, calcular e planejar. Passa, portanto, da condição de trabalhador manual na maioria das vezes para a condição de trabalhador intelectual o que faz com que ele estabeleça com a escola um tipo de relação diferente daquela estabelecida pelos alunos que freqüentam a escola em cursos diurnos. Um dos aspectos mais gritantes dessa relação pode ser revelado na forma de exclusão que o ensino noturno provoca, pois o aluno que o freqüenta recebe ensino defasado em relação ao oferecido nos cursos diurnos.

A escola noturna como instituição não se refere ao seu aluno como trabalhador. E, quando faz referência a essa condição de trabalhador, fá-lo de certa forma paternalista ou autoritária, pois pretende se justificar uma diferença de tratamento quanto à seleção de conteúdos e à avaliação ou à carga horária em relação aos cursos diurnos. Esses argumentos costumam vir acompanhados de justificativas como: o aluno vem cansado, ou não tem interesse ou ainda não tem responsabilidade (atrasos, faltas, desistências).

Evidentes defasagens ou falta de base em conteúdos já estudados e supostamente aprendidos em séries anteriores são justificadas porque os alunos, em grande parte das vezes, sustentam-se a si próprios, quando não, são "arrimo de família". Esses alunos, se reprovados ou desistentes, matriculam-se novamente no ano seguinte recomeçando o ciclo vicioso.

Essa defasagem provoca dificuldades ainda maiores para o prosseguimento de estudos universitários ou técnicos, ou ainda, para melhorar sua posição na empresa em que trabalha.

No entanto, se um dos motivos da opção por classes noturnas é que esses jovens precisam trabalhar em tempo integral, isso não quer dizer que todos os alunos do ensino médio noturno sejam trabalhadores com empregos fixos. Esta afirmação pode conduzir a erros, pois a escolha por estudar à noite pode ser motivada por outros aspectos que não o trabalho. Entre esses motivos, podem-se citar:

 A idade. Muitos dos alunos tiveram de interromper os estudos quando não tinham a idade própria para este nível de ensino, ou por terem tido reprovações sucessivas.

 A inexistência de cursos de ensino médio diurno, o que acontece em muitos pequenos municípios do Brasil.

 A procura de emprego para auxiliar na manutenção da família.

 A necessidade de auxiliar em trabalhos domésticos.

 A busca pela convivência com iguais.

 A busca pelas possíveis "facilidades" oferecidas nos cursos noturnos.

Por todos esses motivos, para eles está claro que "conseguir concluir o ensino médio" será uma credencial importante perante o mundo em que vivem, uma vez que, grande parte deles, são oriundos de famílias com baixo nível de escolarização, o que os faz querer fugir do ciclo vicioso que a falta de escolarização impõe.

O ensino médio, portanto, é um momento de muita importância no processo de escolarização, para aqueles estudantes que conseguem chegar até esta etapa.

Em quase todos os municípios brasileiros há escolas públicas noturnas. E se não há, os alunos são conduzidos a escolas nos municípios vizinhos, na maioria das vezes em transporte público. Mas mesmo com essas facilidades, ainda há, conforme dados do IBGE, muitos jovens fora da escola. A população jovem do país é de 28,8 milhões1, o que corresponde a 20% da população brasileira. Em 2006, havia 8.906.820 matriculados no ensino médio sendo que destes em torno de 40% estão em classes noturnas.

Outro fato a ressaltar é que, em classes de ensino médio noturno, convivem alunos na faixa etária jovem, adequada para cursar este nível de ensino; e alunos já mais amadurecidos, em busca de novas oportunidades. Essas faixas etárias possuem diferentes perspectivas e percepções a respeito das condições de ensino-aprendizagem a serem realizadas. Esses aspectos devem ser compreendidos por outros agentes envolvidos no processo pedagógico neste nível de ensino.

Quem são eles, já que o ensino médio noturno, não "se faz" só de alunos? Responder a esta questão é falar de professores e da infra-estrutura das escolas. Quem são os professores que atuam em classes de ensino médio noturno? Por exigência da legislação, grande parte deles possui titulação adequada, que é Licenciatura Plena em sua área de atuação, para exercerem atividades pedagógicas nas escolas. Registre-se, que há alguns Estados brasileiros onde todos os professores possuem essa titulação.

Esses professores geralmente lecionam também durante o dia, pois os contratos de trabalho são de 40 horas semanais, e, em alguns casos, 60 horas semanais, pois os índices salariais não são coerentes com o trabalho realizado. Quando chegam à escola, à noite, já estão, em muitos casos, no seu terceiro turno de trabalho diário. Cansados, enfrentam classes numerosas e heterogêneas, e dificuldades de infra-estrutura.

Outra dificuldade encontrada por esses professores é que os conteúdos a serem desenvolvidos são os mesmos dos cursos diurnos. Não é levado em consideração, pela estruturação dos cursos, que os interesses dos alunos do noturno sejam diferentes daqueles do diurno e, portanto, a forma de trabalhar os conteúdos também deve ser diferente.

A metodologia empregada por esses professores deve perpassar não somente a seleção de conteúdos, mas deve ser precedida pela justificativa da escolha desses conteúdos. Deve permitir também o preparo para a sua utilização em sala de aula. Deve ser ainda considerada a avaliação contínua dos procedimentos utilizados, tais como: técnicas, recursos, interações, atividades em classe extraclasse, pois estas, por sua vez, prolongam a aula do professor. Outro fator importante a ser levado em consideração é o registro do que ocorre para que estes momentos pedagógicos não sejam apenas fatos isolados, mas elos de uma corrente que possibilitará a construção continua do conhecimento.

No entanto, por falta de tempo, ou até mesmo por desconhecimento das atividades dos alunos e de suas expectativas, esses conteúdos são trabalhados da mesma forma que nos cursos diurnos. São colocados os mesmos tipos de exercícios, e são utilizados os mesmos livros didáticos, textos ou apostilas que nada trazem para o atendimento das necessidades desses estudantes. Isso provoca desinteresse e incentiva a conversa entre os alunos, não motivando situações de aprendizagem significativas.

Por tudo o que foi dito, como deve se sentir o professor ao trabalhar em escolas noturnas? Qual seu envolvimento com os alunos? E como são as interações que deve ter com eles acerca dos conteúdos a serem estudados? Estará mesmo comprometido com tudo isso?

Para tentar responder tais questionamentos, baseio-me em Carvalho (1998) que diz:

Até que ponto lecionar à noite significa o empenho em trabalhar para a construção da cidadania do aluno, para a explicitação da inter-relação entre o saber produzido na academia e o produzido na indústria, na oficina, na loja, na lavoura? É comum, no entanto, pela rotina já estabelecida das salas de aula, que nem o realmente acadêmico chegue até a sala de aula, há o refugio dos livros didáticos, onde a simplificação atropela a compreensão dos conceitos. (Carvalho, 1998, p. 80).

A autora prossegue, dizendo que o desconhecimento, por parte dos professores, das situações cotidianas vividas pelos alunos do ensino noturno, deixa de estabelecer a ponte entre o conhecimento sistematizado da Escola e o conhecimento do cotidiano impregnado do senso comum produzido pelo trabalho. (Carvalho, 1998, p. 81).

Os professores, porém, quase sempre taxados como os culpados pelo fracasso dos alunos, são também vítimas da estrutura organizacional que inclui os cursos de ensino médio noturno, dentro da qual têm que realizar seu trabalho.

E, assim:

[...] ao enumerar as fragilidades que encontram no aluno trabalhador que tem, sob sua responsabilidade, nas condições de trabalho que dispõem para sua prática docente, no serviço, muitas vezes autoritário e omisso dos especialistas e do sistema de ensino dentro dos quais têm de se mover, os professores conduzem suas análises na direção também de sua própria fragilidade ante um problema complexo e de fortes implicações sociais. (Pucci, 1994, p. 185).

É necessário lembrar, então, que o ensino noturno, com seus alunos e professores, está inserido num contexto no qual os comprometimentos pelos possíveis fracassos fogem da responsabilidade única e exclusiva do professor. É preciso que as necessidades e as expectativas dos estudantes dos cursos noturnos sejam atendidas.

Este é o desafio do profissional da educação que atua hoje nestes cursos. E também é o desafio das autoridades responsáveis pelo ensino no país.

Neste contexto, qual é a Escola que recebe estes alunos e possui em seu grupo de colaboradores esses professores?

A escola noturna que recebe esses alunos, sejam eles trabalhadores empregados ou não, e que possui entre seus funcionários, professores que, como os alunos, vêm de uma segunda ou terceira jornada de trabalho, é uma escola que, em grande parte das vezes, ressalta as diferenças sociais existentes. Quando os alunos ingressam nas escolas, são tachados por uma série de preconceitos e relegados a serem atingidos por praticas pedagógicas que cada vez mais os fazem sentir as desigualdades sociais a que são submetidos. Essas desigualdades, ao longo do tempo, têm consagrado a falta de oportunidades de acesso a níveis melhores de ensino e de oportunidades de trabalho que os esperam ao término do processo de escolarização.

Será essa a escola de ensino médio noturno que se quer para os jovens que dela necessitam?

Parece-me que o objetivo primeiro não é esse, uma vez que a escola que queremos e que devemos oferecer a estes estudantes consiste num ambiente de incentivos (Rodrigues et al., 2003), de desafios, de construção de conhecimentos, de transformações; enfim, um local onde possa haver debate acerca de questões sociais e culturais, em que a comunidade escolar possa refletir e escolher os princípios e valores que devem ser vivenciados, em que se permita aplicar um projeto pedagógico que possa ser vivido e construído por todos. A escola que queremos é um lugar onde todos e cada um possa refletir e discutir, bem como construir relações sociais emancipatórias em que haja possibilidade da criação e da recriação do fazer pedagógico de professores e alunos.

Além de todas estas possibilidades é preciso não esquecer que talvez mais do que os alunos da escola diurna, os alunos da escola noturna precisam também ser integrados na "era da comunicação e da informação", pois, como diz Carvalho (1998), a apropriação do saber científico e tecnológico presente no moderno processo produtivo deve, necessariamente, integrar o currículo escolar e o fazer dos professores, contribuindo para a própria transformação da escola em um local de trabalho.

Desta forma, é preciso também oferecer ao aluno das escolas noturnas o acesso às novas tecnologias2 como ferramenta de apoio à aprendizagem e também como inclusão digital tão necessária no mundo do trabalho.

De outra forma, a Lei que rege este nível de ensino pressupõe, conforme entendimento de Kuenzer (2001), que o compromisso da escola com os jovens é o de lhes proporcionar educação para que possam participar política e produtivamente no mundo das relações sociais concretas, utilizando-se do comportamento ético e do compromisso político, conquistando autonomia tanto intelectual quanto moral.

Esta, por conseqüência, é a pergunta que paira: estão as escolas oferecendo aos seus alunos a possibilidade de adquirirem estas habilidades?

Para que os estudantes de cursos médios noturnos possam adquirir estas habilidades, as escolas deverão possibilitar-lhes através de seus projetos político-pedagógicos, oportunidades de, ao longo da vida escolar, aprenderem permanentemente; refletirem criticamente; agirem com responsabilidade individual e social; participarem do trabalho e da vida coletiva; serem solidários; poderem acompanhar, vivenciando as mudanças sociais; e enfrentarem problemas novos, construindo soluções originais com agilidade e rapidez, a partir da utilização metodologicamente adequada dos conhecimentos adquiridos, científicos ou tecnológicos.

Não parece, todavia, que isso venha acontecendo; como já foi dito anteriormente, as escolas, além de receberem alunos com características peculiares, se entrincheiram dentro de medidas e padrões que nada dizem a esses alunos.

Quanto ao uso de novas tecnologias, é pouco provável que as escolas de ensino médio da rede pública possam oferecer este recurso a seus alunos, uma vez que: a) os programas do governo federal que "dizem" oferecer laboratórios de informática para as escolas, raramente "têm dado certo", e as escolas que são contempladas com esses projetos, raramente recebem a maquinaria prometida; b) outras escolas que, por recursos próprios ou dos Círculos de Pais e Mestres conseguem montar seus laboratórios, costumam mantê-los muitas vezes trancados "à chave" por medo de violência ou de roubo; c) quando as escolas possuem laboratório de informática, são os professores que têm dificuldades ou medo de utilizar estes equipamentos.

Assim sendo, a inclusão digital ou o acesso às novas mídias, que poderia também auxiliar os alunos no seu trabalho como "trabalhadores diurnos" fica prejudicado.

Outro assunto, já abordado anteriormente, é o que se refere aos conhecimentos científicos. Em virtude dos currículos defasados, os alunos das escolas noturnas muitas vezes deixam de construir conhecimentos que lhes abririam portas importantes na seqüência dos estudos e na ascensão profissional.

4. CONCLUSÕES

A questão fundamental a ser respondida agora é esta: quais são as condições para que, dentro do processo ensino-aprendizagem, o aluno da escola noturna esteja em busca de trabalho, iniciando-se nele ou já inserido no seu universo, e possa construir sua aprendizagem com significado e para que essa aprendizagem seja a base para sua vida, seja ingressando no ensino superior ou permanecendo no mesmo nível?

Creio que os segmentos da escola pública necessitam ser revistos como um todo: currículo, infra-estrutura, corpo docente, alunos e as necessidades de cada um desses segmentos, pois não são ações isoladas ou grupos de pessoas (sejam professores, pais ou autoridades) com boa vontade que conseguirão realizar todas as modificações que esta escola necessita. É preciso, pois:

 Reestruturar a legislação que rege o ensino médio, separando as leis que regem cursos diurnos daquelas que regem cursos noturnos.

 É urgente que as escolas conheçam melhor os profissionais que nelas atuam, oferecendo-lhes melhores possibilidades de trabalho.

 A administração, seja de âmbito federal ou estadual, deve também fornecer às escolas noturnas, além de legislação própria, equipamentos e infra-estrutura de prédios e instalações.

 Os órgãos administrativos devem repensar as situações de trabalho e salário dos profissionais da educação.

 A escola, por sua vez, como instituição, deve oferecer aos alunos: currículo, carga horária e avaliações adequadas à sua situação.

 Os professores necessitam melhores condições de trabalho, para que possam também enxergar seus alunos de forma diversificada e com isso auxiliá-los na construção significativa de conhecimentos, proporcionando, assim, promoção, permanência e não evasão e repetência.

Creio, portanto, que se cada um dos segmentos envolvidos na criação, administração, e manutenção das escolas noturnas se propuser a refletir, reavaliar e transformar muitas das atividades e atitudes que hoje ocorrem nas escolas noturnas de nível médio, com certeza haverá alunos e professores melhores e mais felizes.

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