A escola noturna de ensino médio no Brasil
Ana Cecìlia Togni *
Marie Jane Soares Carvalho **
SÍNTESE: O artigo é resultante de mi interesse
por como se trabalha pedagogicamente nas escolas de ensino médio
noturno e também da minha experiência como profissional
nesta etapa da educação básica.
A pesquisa que venho realizando para a consecução
da tese de doutorado tem como foco este nível de escolaridade
e a problemática que o envolve, pelo tipo de alunos que o
freqüentam e suas formas de aprender, principalmente no que
se refere a conteúdos de matemática.
SÍNTESIS: Este artículo es el resultado de
mi interés por la forma en que se trabaja pedagógicamente
en las escuelas de enseñanza secundaria nocturna y también
de mi experiencia como profesional en esta etapa de la educación
básica.
La investigación que vengo realizando para la consecución
de la tesis doctoral tiene como foco de trabajo este nivel de escolaridad
y la problemática que lo envuelve, por el tipo de alumnos
que lo frecuentan y sus formas de aprender, principalmente en lo
que se refiere a contenidos de matemática.
ABSTRACT: This article is the result of both my interest
in the pedagogical methods used in night secondary schools, and
of my own professional experience in this stage of basic education.
The research I have been conducting in order to get my doctoral
thesis is focused on secondary school, its surrounding issues and
the causes behind them, namely the kind of alumni and their learning
approach. This paper deals, mainly, with mathematical content.
1. INTRODUÇÃO
O ensino noturno é quase sempre considerado nos meios educacionais
como um problema, uma fonte de insatisfação que necessita
ser sanada. Parece que (Carvalho, 1998) é realmente um problema
sem saída, pois com muita freqüência é
oferecido àqueles que dispõem de menos recursos.
Não se deve esquecer que o período noturno faz parte
da história da escolarização e que apesar de
ter se constituído a partir de disposições
governamentais, estas disposições vieram atender a
reivindicações populares.
Ao que se sabe, as primeiras notícias acerca da existência
de ensino noturno no Brasil, datam do tempo do Império. Nos
registros de Primitivo Moacyr (1936,1939) encontram-se dados de
que entre 1869 e 1886, escolas noturnas para adultos funcionavam
em diversas províncias do país. Esses cursos estavam
relacionados, já naquela época, aos adultos analfabetos,
que não tinham acesso à escola em idade própria
e que não tinham tido possibilidade de freqüentar aulas
no período diurno, por estarem trabalhando.
Essas escolas foram as primeiras formas de organização
do ensino noturno no país assumidas pelo poder público.
Antes disso, as iniciativas de oferecer escolarização
eram de ordem privada. Deve-se salientar, ainda, que o acesso aos
cursos noturnos era muito restrito, pois estes eram oferecidos apenas
nas capitais das províncias ou em alguns centros urbanos
maiores.
Desde a Monarquia (Arco-Verde, 2006) até a constituição
da República, há indícios de reconhecimento
da importância do ensino noturno. No entanto, esse reconhecimento
sempre foi e ainda é marcado por um tratamento diferenciado
do que se dá ao ensino diurno.
Desde o início do funcionamento das classes noturnas, os
envolvidos neste processo enfrentavam dificuldades diversas, entre
as quais se pode salientar:
As gratificações pagas aos professores variavam
de acordo com o número de alunos atendidos.
Nas primeiras escolas noturnas, a freqüência
só era permitida a alunos adultos do sexo masculino.
A autorização para o funcionamento dessas
escolas só era permitida se não interferisse nas
atividades das escolas regulares diurnas.
O programa, a legislação, os critérios
e as disciplinas oferecidas eram as mesmas dos cursos diurnos.
Deve-se dizer, ainda, que, inicialmente, as classes noturnas eram
voltadas para a alfabetização de adultos e o prosseguimento
de estudos iniciais, mas a necessidade fez com que também
o ensino secundário, hoje ensino médio, passasse a
ter cursos noturnos.
Este artigo trata da problemática que envolve estes cursos.
2. O ENSINO MÉDIO NOTURNO
Até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases
para a Educação Brasileira, em 20 de dezembro de 1996,
os cursos de ensino médio eram denominados ensino secundário,
primeiramente, e, a seguir, ensino de 2.º grau.
Ao longo do tempo, o ensino médio noturno tem sido conduzido
como uma cópia do que se faz no período diurno. Não
tem, portanto, uma identidade própria.
Além de estar subordinado a uma lei generalizada, o ensino
noturno apresenta outras inconveniências e algumas características
peculiares, que precisam ser levadas em conta para se contemporizar
as conseqüências: os professores muitas vezes estão
no terceiro turno de trabalho diário, quase todos os alunos
têm jornadas de trabalho de oito ou mais horas diárias,
não raro em atividades pesadas e difíceis, os conteúdos
fogem da área de interesse dos alunos, etc.
Muitas dificuldades se contrapõem a quem deseja promover
situações de aprendizagem com significado, a fim de
reforçar conteúdos não devidamente assimilados,
ou para desenvolver um ambiente propício ao surgimento de
relações afetivas e sociais, tanto entre professores
e alunos quanto entre os próprios alunos.
Parece-me, então, que as condições de funcionamento
das escolas noturnas de ensino médio não atendem aos
princípios que nortearam o seu surgimento nos anos 50, ou
seja, atender às necessidades de prosseguimento dos estudos
quando o diploma ginasial não mais atendia às necessidades
da população estudantil.
O apogeu desse funcionamento aconteceu na década de 70,
com a abertura de muitas escolas particulares de 2.º grau e
também algumas estatais e, na de 80, com a expansão
do número de cursos de 2.º grau nas escolas públicas.
Rodrigues (1995, p. 62) ressalta que a demanda foi tão expressiva,
que a Assembléia Nacional Constituinte, instalada durante
os anos de 1987/1988, decidiu assegurar, através da Constituição
Federal, o acesso à escola noturna.
A Constituição diz, no artigo 208 do capítulo
III:
O dever do Estado com a Educação será efetivado
mediante a garantia de:
Inciso VI - oferta de ensino noturno regular adequada às
condições do educando.
No entanto, Kuenzer (1988) e Rodrigues (1995) dizem que a generalização
dos cursos noturnos representou ao mesmo tempo a democratização
do acesso à escola, e o fortalecimento de mais uma divisão
da própria escola.
A democratização é atestada não apenas
pelo aumento do número de matrículas ou pela expansão
da rede pública, mas também pela possibilidade de,
ao menos a partir da década de 90, ter havido uma alteração
qualitativa no perfil sócio-econômico da clientela
dos cursos de ensino médio. Os filhos de trabalhadores, muitos
deles já trabalhadores também, fizeram-se cada vez
mais presentes nas escolas de ensino médio, principalmente
em anos mais recentes. E o ensino noturno, apesar das dificuldades
e problemas, contribuiu decisivamente para isso.
O ensino médio noturno, portanto, passou a ser assim denominado
a partir da promulgação da citada Lei, e é
regido pela mesma legislação do ensino médio
diurno, formalizada nos artigos 35 e 36 da referida Lei:
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação
básica, com duração mínima de três
anos, terá como finalidades:
I A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento
dos estudos.
II A preparação básica para o trabalho e
a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a
ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.
III O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico.
IV A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos
dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática,
no ensino de cada disciplina.
Art. 36. O currículo do ensino médio observará
o disposto na Seção I deste capítulo e as
seguintes diretrizes:
I Destacará a educação tecnológica
básica, a compreensão do significado da ciência,
das leituras e das artes; o processo histórico de transformação
da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento
de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício
da cidadania.
II Adotará metodologias de ensino e de avaliação
que estimulem a iniciativa dos estudantes.
III Será incluída uma língua estrangeira
moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade
escolar, e uma segunda em caráter optativo, dentro das
disponibilidades da instituição.
1.º Os conteúdos, as metodologias e as formas de
avaliação serão organizados de tal forma
que ao final do ensino médio o educando demonstre:
I Domínio dos princípios científicos e tecnológicos
que presidem a produção moderna.
II Conhecimento das formas contemporâneas da linguagem.
III Domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia
necessários ao exercício da cidadania.
2.º O ensino médio, atendida a formação
geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício
de profissões técnicas.
3.º Os cursos do ensino médio terão equivalência
legal e habilitarão ao prosseguimento dos estudos.
4.º A preparação geral para o trabalho e,
facultativamente, a habilitação profissional, poderão
ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino
médio ou em cooperação com instituições
especializadas em educação profissional.
Segundo Mello (1999), a Lei abre explicitamente as portas para
um currículo voltado para competências e não
para conteúdos. Esse currículo tem como referência
não mais a disciplina escolar clássica, mas sim as
capacidades que cada uma das disciplinas pode criar nos alunos.
Os conteúdos disciplinares se concebem, assim, como meios
e não como fins em si mesmos.
Como não existe distinção entre o ensino médio
diurno e o ensino médio noturno, e ambos os segmentos são
regidos por essas mesmas diretrizes, deve-se levar em consideração
que:
Outra dimensão que as diretrizes do ensino médio
consideram diz respeito ao que está ocorrendo no mundo
do trabalho e no mundo da prática social, já que,
diz a lei, a educação escolar deverá ser
vinculada a ambos. As mudanças em curso na organização
do trabalho deixam muitos educadores atônitos em relação
ao perfil de habilidades e competências. O que aumenta a
possibilidade de empregabilidade no mundo de hoje é a ênfase
nas habilidades básicas gerais, têm grande importância
a capacidade de análise, a capacidade de resolver problemas,
a capacidade de tomar decisões e, sobretudo, ter flexibilidade
para continuar aprendendo [...]. Fala-se inclusive em 'laborabilidade'
em lugar de empregabilidade na medida em que essas competências
constituem na verdade um trabalhador polivalente que pode, quando
bem preparado, ser mais autônomo para decidir seu percurso
no mercado de trabalho. (Mello, 1999, p. 166).
Resta, portanto, muito por fazer quanto às práticas
pedagógicas nas escolas que mantêm ensino noturno,
para que o aluno egresso possa encarar bem o mercado de trabalho.
No entanto, é preciso considerar que, pela unificação
jurídica do sistema de ensino brasileiro, que não
considera a grande diferença social existente entre os estudantes
que freqüentam a mesma escola em turnos diferentes, (muitas
vezes isso também ocorre nos turnos diurnos), na qual os
mais abastados vão à escola pela manhã e os
"outros" à tarde, torna-se ainda mais evidente
a desigualdade real entre as oportunidades educacionais. É
evidente (Rodrigues, 1995, p. 4) "que não se está
a afirmar uma suposta excelência do ensino oferecido durante
o dia nas escolas públicas de 2.º grau, porém,
é fato que à noite as condições do ensino
médio brasileiro são ajuizadas".
3. CARACTERIZANDO O ENSINO NOTURNO
Para possibilitar uma reflexão mais consistente sobre o
ensino noturno, é preciso que se conheça quem e quantos
são os alunos que o freqüentam, bem como a escola que
lhes é oferecida.
Buscando tais informações, deparei-me com um quadro
de jovens estudantes, na sua maioria, inseridos no mercado de trabalho
sem a devida qualificação, e com jornadas de oito
ou mais horas diárias. Constatei também que eles assim
estão por extrema necessidade de sobrevivência.
Esta condição de aluno-trabalhador talvez seja a
característica mais forte dos alunos do ensino médio
noturno.
Talvez a característica mais marcante de um aluno do ensino
noturno de 1.º e 2.º graus seja a condição
de trabalhador desqualificado e superexplorado ao peso de um salário
vil e de uma insuportável dupla jornada de trabalho: a da
fábrica, loja ou escritório, e a da escola noturna.
(Pucci, 1995, p. 31).
Considerando o fato de termos nas escolas, alunos trabalhadores,
que, como diz Arroyo (1986), "são trabalhadores que
estudam", esse não é o ponto de partida para
se entender porque se dá o fracasso na escola pública,
principalmente noturna, mas, sim, é o ponto de partida para
que se encontre uma possível, adequada e necessária
solução para este tipo de aluno.
Uma vez que os alunos dos cursos noturnos vão para a escola
por motivos diversificados, entre os quais se pode citar: que uma
das condições que as empresas impõem ao contratar
jovens trabalhadores é que estes estejam matriculados em
escolas noturnas, pois estudos realizados (Rodriguez e Héran,
2000) comprovam que 57% dos estudantes que estudam à noite,
ou já trabalham, ou estão em busca de trabalho; vão
para a escola para encontrar seu grupo social; ou, como dizem, para
buscar algo melhor na vida.
Entre esses motivos, faz-se importante perguntar, o que, na verdade,
um jovem estudante trabalhador busca na escola à noite?
Ele busca sem dúvida "algo que lhe interesse",
ou seja, além das necessidades naturais quer também
formação e informação que o auxiliem
no dia-a-dia, na luta pela sobrevivência. Se por acaso, a
escola não lhe oferecer o que ele busca, com certeza será
impelido a abandoná-la. Outras motivações extra-escolares
também podem forçá-lo a esse abandono da escola.
Os alunos, portanto, buscam nas escolas muito mais do que instrução;
buscam igualdade de oportunidades e formas de não-exclusão.
As experiências vividas no ambiente de trabalho marcam profundamente
a relação do aluno com a escola e criam uma expectativa
imediatista a respeito do que a escola pode lhes oferecer.
Rodrigues (1995) afirma que esse trabalhador-estudante freqüentador
dos cursos noturnos, experimenta diariamente uma divisão
social. Durante o dia ele executa, efetua, realiza. E à noite,
na escola, ele deve pensar, refletir, calcular e planejar. Passa,
portanto, da condição de trabalhador manual na maioria
das vezes para a condição de trabalhador intelectual
o que faz com que ele estabeleça com a escola um tipo de
relação diferente daquela estabelecida pelos alunos
que freqüentam a escola em cursos diurnos. Um dos aspectos
mais gritantes dessa relação pode ser revelado na
forma de exclusão que o ensino noturno provoca, pois o aluno
que o freqüenta recebe ensino defasado em relação
ao oferecido nos cursos diurnos.
A escola noturna como instituição não se refere
ao seu aluno como trabalhador. E, quando faz referência a
essa condição de trabalhador, fá-lo de certa
forma paternalista ou autoritária, pois pretende se justificar
uma diferença de tratamento quanto à seleção
de conteúdos e à avaliação ou à
carga horária em relação aos cursos diurnos.
Esses argumentos costumam vir acompanhados de justificativas como:
o aluno vem cansado, ou não tem interesse ou ainda não
tem responsabilidade (atrasos, faltas, desistências).
Evidentes defasagens ou falta de base em conteúdos já
estudados e supostamente aprendidos em séries anteriores
são justificadas porque os alunos, em grande parte das vezes,
sustentam-se a si próprios, quando não, são
"arrimo de família". Esses alunos, se reprovados
ou desistentes, matriculam-se novamente no ano seguinte recomeçando
o ciclo vicioso.
Essa defasagem provoca dificuldades ainda maiores para o prosseguimento
de estudos universitários ou técnicos, ou ainda, para
melhorar sua posição na empresa em que trabalha.
No entanto, se um dos motivos da opção por classes
noturnas é que esses jovens precisam trabalhar em tempo integral,
isso não quer dizer que todos os alunos do ensino médio
noturno sejam trabalhadores com empregos fixos. Esta afirmação
pode conduzir a erros, pois a escolha por estudar à noite
pode ser motivada por outros aspectos que não o trabalho.
Entre esses motivos, podem-se citar:
A idade. Muitos dos alunos tiveram de interromper os estudos
quando não tinham a idade própria para este nível
de ensino, ou por terem tido reprovações sucessivas.
A inexistência de cursos de ensino médio
diurno, o que acontece em muitos pequenos municípios do
Brasil.
A procura de emprego para auxiliar na manutenção
da família.
A necessidade de auxiliar em trabalhos domésticos.
A busca pela convivência com iguais.
A busca pelas possíveis "facilidades"
oferecidas nos cursos noturnos.
Por todos esses motivos, para eles está claro que "conseguir
concluir o ensino médio" será uma credencial
importante perante o mundo em que vivem, uma vez que, grande parte
deles, são oriundos de famílias com baixo nível
de escolarização, o que os faz querer fugir do ciclo
vicioso que a falta de escolarização impõe.
O ensino médio, portanto, é um momento de muita importância
no processo de escolarização, para aqueles estudantes
que conseguem chegar até esta etapa.
Em quase todos os municípios brasileiros há escolas
públicas noturnas. E se não há, os alunos são
conduzidos a escolas nos municípios vizinhos, na maioria
das vezes em transporte público. Mas mesmo com essas facilidades,
ainda há, conforme dados do IBGE, muitos jovens fora da escola.
A população jovem do país é de 28,8
milhões1, o que corresponde a 20% da população
brasileira. Em 2006, havia 8.906.820 matriculados no ensino médio
sendo que destes em torno de 40% estão em classes noturnas.
Outro fato a ressaltar é que, em classes de ensino médio
noturno, convivem alunos na faixa etária jovem, adequada
para cursar este nível de ensino; e alunos já mais
amadurecidos, em busca de novas oportunidades. Essas faixas etárias
possuem diferentes perspectivas e percepções a respeito
das condições de ensino-aprendizagem a serem realizadas.
Esses aspectos devem ser compreendidos por outros agentes envolvidos
no processo pedagógico neste nível de ensino.
Quem são eles, já que o ensino médio noturno,
não "se faz" só de alunos? Responder a esta
questão é falar de professores e da infra-estrutura
das escolas. Quem são os professores que atuam em classes
de ensino médio noturno? Por exigência da legislação,
grande parte deles possui titulação adequada, que
é Licenciatura Plena em sua área de atuação,
para exercerem atividades pedagógicas nas escolas. Registre-se,
que há alguns Estados brasileiros onde todos os professores
possuem essa titulação.
Esses professores geralmente lecionam também durante o dia,
pois os contratos de trabalho são de 40 horas semanais, e,
em alguns casos, 60 horas semanais, pois os índices salariais
não são coerentes com o trabalho realizado. Quando
chegam à escola, à noite, já estão,
em muitos casos, no seu terceiro turno de trabalho diário.
Cansados, enfrentam classes numerosas e heterogêneas, e dificuldades
de infra-estrutura.
Outra dificuldade encontrada por esses professores é que
os conteúdos a serem desenvolvidos são os mesmos dos
cursos diurnos. Não é levado em consideração,
pela estruturação dos cursos, que os interesses dos
alunos do noturno sejam diferentes daqueles do diurno e, portanto,
a forma de trabalhar os conteúdos também deve ser
diferente.
A metodologia empregada por esses professores deve perpassar não
somente a seleção de conteúdos, mas deve ser
precedida pela justificativa da escolha desses conteúdos.
Deve permitir também o preparo para a sua utilização
em sala de aula. Deve ser ainda considerada a avaliação
contínua dos procedimentos utilizados, tais como: técnicas,
recursos, interações, atividades em classe extraclasse,
pois estas, por sua vez, prolongam a aula do professor. Outro fator
importante a ser levado em consideração é o
registro do que ocorre para que estes momentos pedagógicos
não sejam apenas fatos isolados, mas elos de uma corrente
que possibilitará a construção continua do
conhecimento.
No entanto, por falta de tempo, ou até mesmo por desconhecimento
das atividades dos alunos e de suas expectativas, esses conteúdos
são trabalhados da mesma forma que nos cursos diurnos. São
colocados os mesmos tipos de exercícios, e são utilizados
os mesmos livros didáticos, textos ou apostilas que nada
trazem para o atendimento das necessidades desses estudantes. Isso
provoca desinteresse e incentiva a conversa entre os alunos, não
motivando situações de aprendizagem significativas.
Por tudo o que foi dito, como deve se sentir o professor ao trabalhar
em escolas noturnas? Qual seu envolvimento com os alunos? E como
são as interações que deve ter com eles acerca
dos conteúdos a serem estudados? Estará mesmo comprometido
com tudo isso?
Para tentar responder tais questionamentos, baseio-me em Carvalho
(1998) que diz:
Até que ponto lecionar à noite significa o empenho
em trabalhar para a construção da cidadania do aluno,
para a explicitação da inter-relação
entre o saber produzido na academia e o produzido na indústria,
na oficina, na loja, na lavoura? É comum, no entanto, pela
rotina já estabelecida das salas de aula, que nem o realmente
acadêmico chegue até a sala de aula, há o
refugio dos livros didáticos, onde a simplificação
atropela a compreensão dos conceitos. (Carvalho, 1998,
p. 80).
A autora prossegue, dizendo que o desconhecimento, por parte dos
professores, das situações cotidianas vividas pelos
alunos do ensino noturno, deixa de estabelecer a ponte entre o conhecimento
sistematizado da Escola e o conhecimento do cotidiano impregnado
do senso comum produzido pelo trabalho. (Carvalho, 1998, p. 81).
Os professores, porém, quase sempre taxados como os culpados
pelo fracasso dos alunos, são também vítimas
da estrutura organizacional que inclui os cursos de ensino médio
noturno, dentro da qual têm que realizar seu trabalho.
E, assim:
[...] ao enumerar as fragilidades que encontram no aluno trabalhador
que tem, sob sua responsabilidade, nas condições
de trabalho que dispõem para sua prática docente,
no serviço, muitas vezes autoritário e omisso dos
especialistas e do sistema de ensino dentro dos quais têm
de se mover, os professores conduzem suas análises na direção
também de sua própria fragilidade ante um problema
complexo e de fortes implicações sociais. (Pucci,
1994, p. 185).
É necessário lembrar, então, que o ensino
noturno, com seus alunos e professores, está inserido num
contexto no qual os comprometimentos pelos possíveis fracassos
fogem da responsabilidade única e exclusiva do professor.
É preciso que as necessidades e as expectativas dos estudantes
dos cursos noturnos sejam atendidas.
Este é o desafio do profissional da educação
que atua hoje nestes cursos. E também é o desafio
das autoridades responsáveis pelo ensino no país.
Neste contexto, qual é a Escola que recebe estes alunos
e possui em seu grupo de colaboradores esses professores?
A escola noturna que recebe esses alunos, sejam eles trabalhadores
empregados ou não, e que possui entre seus funcionários,
professores que, como os alunos, vêm de uma segunda ou terceira
jornada de trabalho, é uma escola que, em grande parte das
vezes, ressalta as diferenças sociais existentes. Quando
os alunos ingressam nas escolas, são tachados por uma série
de preconceitos e relegados a serem atingidos por praticas pedagógicas
que cada vez mais os fazem sentir as desigualdades sociais a que
são submetidos. Essas desigualdades, ao longo do tempo, têm
consagrado a falta de oportunidades de acesso a níveis melhores
de ensino e de oportunidades de trabalho que os esperam ao término
do processo de escolarização.
Será essa a escola de ensino médio noturno que se
quer para os jovens que dela necessitam?
Parece-me que o objetivo primeiro não é esse, uma
vez que a escola que queremos e que devemos oferecer a estes estudantes
consiste num ambiente de incentivos (Rodrigues et al., 2003), de
desafios, de construção de conhecimentos, de transformações;
enfim, um local onde possa haver debate acerca de questões
sociais e culturais, em que a comunidade escolar possa refletir
e escolher os princípios e valores que devem ser vivenciados,
em que se permita aplicar um projeto pedagógico que possa
ser vivido e construído por todos. A escola que queremos
é um lugar onde todos e cada um possa refletir e discutir,
bem como construir relações sociais emancipatórias
em que haja possibilidade da criação e da recriação
do fazer pedagógico de professores e alunos.
Além de todas estas possibilidades é preciso não
esquecer que talvez mais do que os alunos da escola diurna, os alunos
da escola noturna precisam também ser integrados na "era
da comunicação e da informação",
pois, como diz Carvalho (1998), a apropriação do saber
científico e tecnológico presente no moderno processo
produtivo deve, necessariamente, integrar o currículo escolar
e o fazer dos professores, contribuindo para a própria transformação
da escola em um local de trabalho.
Desta forma, é preciso também oferecer ao aluno das
escolas noturnas o acesso às novas tecnologias2 como ferramenta
de apoio à aprendizagem e também como inclusão
digital tão necessária no mundo do trabalho.
De outra forma, a Lei que rege este nível de ensino pressupõe,
conforme entendimento de Kuenzer (2001), que o compromisso da escola
com os jovens é o de lhes proporcionar educação
para que possam participar política e produtivamente no mundo
das relações sociais concretas, utilizando-se do comportamento
ético e do compromisso político, conquistando autonomia
tanto intelectual quanto moral.
Esta, por conseqüência, é a pergunta que paira:
estão as escolas oferecendo aos seus alunos a possibilidade
de adquirirem estas habilidades?
Para que os estudantes de cursos médios noturnos possam
adquirir estas habilidades, as escolas deverão possibilitar-lhes
através de seus projetos político-pedagógicos,
oportunidades de, ao longo da vida escolar, aprenderem permanentemente;
refletirem criticamente; agirem com responsabilidade individual
e social; participarem do trabalho e da vida coletiva; serem solidários;
poderem acompanhar, vivenciando as mudanças sociais; e enfrentarem
problemas novos, construindo soluções originais com
agilidade e rapidez, a partir da utilização metodologicamente
adequada dos conhecimentos adquiridos, científicos ou tecnológicos.
Não parece, todavia, que isso venha acontecendo; como já
foi dito anteriormente, as escolas, além de receberem alunos
com características peculiares, se entrincheiram dentro de
medidas e padrões que nada dizem a esses alunos.
Quanto ao uso de novas tecnologias, é pouco provável
que as escolas de ensino médio da rede pública possam
oferecer este recurso a seus alunos, uma vez que: a) os programas
do governo federal que "dizem" oferecer laboratórios
de informática para as escolas, raramente "têm
dado certo", e as escolas que são contempladas com esses
projetos, raramente recebem a maquinaria prometida; b) outras escolas
que, por recursos próprios ou dos Círculos de Pais
e Mestres conseguem montar seus laboratórios, costumam mantê-los
muitas vezes trancados "à chave" por medo de violência
ou de roubo; c) quando as escolas possuem laboratório de
informática, são os professores que têm dificuldades
ou medo de utilizar estes equipamentos.
Assim sendo, a inclusão digital ou o acesso às novas
mídias, que poderia também auxiliar os alunos no seu
trabalho como "trabalhadores diurnos" fica prejudicado.
Outro assunto, já abordado anteriormente, é o que
se refere aos conhecimentos científicos. Em virtude dos currículos
defasados, os alunos das escolas noturnas muitas vezes deixam de
construir conhecimentos que lhes abririam portas importantes na
seqüência dos estudos e na ascensão profissional.
4. CONCLUSÕES
A questão fundamental a ser respondida agora é esta:
quais são as condições para que, dentro do
processo ensino-aprendizagem, o aluno da escola noturna esteja em
busca de trabalho, iniciando-se nele ou já inserido no seu
universo, e possa construir sua aprendizagem com significado e para
que essa aprendizagem seja a base para sua vida, seja ingressando
no ensino superior ou permanecendo no mesmo nível?
Creio que os segmentos da escola pública necessitam ser
revistos como um todo: currículo, infra-estrutura, corpo
docente, alunos e as necessidades de cada um desses segmentos, pois
não são ações isoladas ou grupos de
pessoas (sejam professores, pais ou autoridades) com boa vontade
que conseguirão realizar todas as modificações
que esta escola necessita. É preciso, pois:
Reestruturar a legislação que rege o ensino
médio, separando as leis que regem cursos diurnos daquelas
que regem cursos noturnos.
É urgente que as escolas conheçam melhor
os profissionais que nelas atuam, oferecendo-lhes melhores possibilidades
de trabalho.
A administração, seja de âmbito federal
ou estadual, deve também fornecer às escolas noturnas,
além de legislação própria, equipamentos
e infra-estrutura de prédios e instalações.
Os órgãos administrativos devem repensar
as situações de trabalho e salário dos profissionais
da educação.
A escola, por sua vez, como instituição,
deve oferecer aos alunos: currículo, carga horária
e avaliações adequadas à sua situação.
Os professores necessitam melhores condições
de trabalho, para que possam também enxergar seus alunos
de forma diversificada e com isso auxiliá-los na construção
significativa de conhecimentos, proporcionando, assim, promoção,
permanência e não evasão e repetência.
Creio, portanto, que se cada um dos segmentos envolvidos na criação,
administração, e manutenção das escolas
noturnas se propuser a refletir, reavaliar e transformar muitas
das atividades e atitudes que hoje ocorrem nas escolas noturnas
de nível médio, com certeza haverá alunos e
professores melhores e mais felizes.
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