| Aprender a ler e  compreensão do texto: processos cognitivos e estratégias de ensino Susana Gonçalves  *   Síntese: Este artigo  tem por objectivo identificar os processos cognitivos que intervêm no acto de  leitura e na compreensão do texto e extrapolar da investigação algumas  estratégias para o ensino da leitura e compreensão de texto, aplicáveis ao  ensino básico. Depois de identificar as diferenças entre bons leitores e  leitores principiantes e de apresentar algumas práticas comuns aos professores  eficazes no ensino da leitura, serão apresentadas estratégias práticas que  podem ser ensinadas às crianças para melhorarem o nível de compreensão do texto  escrito.  Palavras chave:  cognição; compreensão da leitura; significado; ensino da leitura.   SÍNTESIS: El artículo tiene por objeto  identificar los procesos cognitivos que intervienen en el acto de la lectura y  en la comprensión del texto y   extrapolar, de la investigación, algunas estrategias para la enseñanza  de la lectura y la comprensión de texto, aplicables a la enseñanza básica.  Después de identificar las diferencias entre buenos lectores y lectores  principiantes y de presentar algunas prácticas comunes a los profesores,  eficaces en la enseñanza de la lectura, se presenta una serie de estra-tegias  prácticas que pueden ser enseñadas a los niños para mejorar el nivel de comprensión  del texto escrito.  Palabras clave: cognición; comprensión de la lectura;  significado; enseñanza de la lectura.   abstract: The goal of this paper is to identify the  cognitive processes that take place in the act of reading and in the  comprehension of a text, and to extrapolate from this research some strategies  for teaching how to read and how to comprehend a text, that can be applied to  elementary education. After identifying the difference between skillful and  beginner readers, and after presenting some practices that are common to all  the teachers who are successful in teaching how to read, some practical  strategies will be presented. These strategies can be taught to kids in order  to improve their level of text comprehension.  Key words:  cognition; reading comprehension; meaning; teaching to read.  1.         Introdução A leitura põe em  jogo duas actividades cognitivas: a identificação dos signos que compõem a  linguagem escrita (esta actividade pressupõe que o leitor faça a  correspondência entre grafemas e fonemas) e a compreensão do significado da  linguagem escrita (o que pressupõe um acto de interpretação por parte do  leitor). É nesta segunda componente do processo de leitura que nos vamos centrar,  mantendo em mente, todavia, a ideia de que a compreensão de um texto depende  sempre da descodificação da escrita, ou seja, de saber ler no sentido  literal.   Se nos centramos  na compreensão da leitura é porque atendemos a uma outra evidência sobre o acto  de ler que nem sempre mereceu o devido reconhecimento: não basta aprender a  ler, é necessário aprender com o que se lê: necessário interpretar os conteúdos  e atribuir-lhes significado, para que a leitura, enquanto exercício de  inteligência, cumpra o seu papel. Ora, esta interpretação não é um acto  mecânico de juntar letras e formar palavras, mas um verdadeiro diálogo do  leitor com o autor, em que aquele co-participa na produção de sentido do texto.  A compreensão e a  proficiência na leitura evoluem ao longo do desenvolvimento da criança e  relacionam-se com a compreensão de outras informações que a criança obtém  através de outros sistemas de comunicação além da escrita. A compreensão da  informação linguística depende do desenvolvimento das capacidades cognitivas  para seleccionar, processar e (re)organizar informações, mas depende igualmente  do nível dos conhecimentos prévios em relação à língua e aos conteúdos  abordados no texto.  Investigações  baseadas nas perspectivas cognitivista e desenvolvimental permitiram demonstrar  que dois dos factores mais determinantes para explicar as diferenças entre os  leitores principiantes e os leitores experientes, no que respeita ao grau de  compreensão do texto lido, são o conhecimento prévio (que, naturalmente, vai  aumentando com a idade) e as estratégias de compreensão pelas quais o leitor  opta durante o acto de leitura (também estas relacionadas com a idade). Apesar  da correlação com o nível etário, tanto o conhecimento prévio quanto as  estratégias de compreensão podem ser melhoradas pela via do ensino. O professor  pode contribuir para tornar a criança um leitor apto e, mais do que isso, um  amante da leitura. Muitos o têm conseguido. A arte e o engenho, embora dependam  dos seus recursos e da sua criatividade pessoais, incluem também uma grande  dose de pequenos segredos técnicos que outros podem pôr em prática.   2.         A leitura como construção do  significado do texto Algumas  perspectivas sobre a formação e a evolução do conhecimento adoptam o conceito  de esquema cognitivo para explicar como é que organizamos mentalmente as  informações que recolhemos da nossa experiência. A metáfora adoptada por estas  teorias pode servir-nos para percebermos porque é que os conhecimentos prévios  do leitor são um elemento determinante para o grau de compreensão daquilo que  ele lê.  De acordo com  estas perspectivas (cujas fontes históricas se centram nas obras de Barttlet e  Piaget), o conhecimento organiza-se em esquemas cognitivos que nos permitem  descrever e explicar o mundo. São os esquemas aquilo que nos permite reconhecer  estímulos, estabelecer conexões entre eles e tomar decisões acerca do que fazer  na sua presença.   Estes esquemas  podem estar adormecidos ou activados, quer dizer, podemos requisitá-los apenas  quando os necessitamos e para tal basta ir ao grande armazém que é a memória.  Este armazém tem uma secção de arquivo (memória de longo prazo) e uma secção  activa (memória de trabalho): identificar objectos, reconhecer problemas, tomar  decisões, executar actos, pressupõe trazer da memória de longo prazo para a  memória de trabalho todos os conhecimentos relevantes (conectados) para a  questão com que nos confrontamos. Cumprida a missão, estes conhecimentos  regressam ao arquivo, muitas vezes modificados, devido às novas aquisições  derivadas da experiência e da reflexão.   Compreender um  texto consiste num processo gradual durante o qual o leitor procura uma  configuração de esquemas que representem adequadamente cada uma das passagens  que vai lendo. Estas passagens sugerem ao leitor interpretações possíveis que  vão sendo avaliadas e reavaliadas em função das frases seguintes, até que uma  interpretação consistente seja, por fim, encontrada (Rumelhart, 1980). À medida  que o leitor lê, são trazidos à consciência (à memória de trabalho) os  conhecimentos do repertório de informação do sujeito que são relevantes para  entender o que está escrito e para fazer o trabalho de interpretação: construir  um significado para o texto. O acto de interpretação corresponde à procura de  uma «formulação coerente» do conteúdo do texto, sendo que esta coerência é  obtida a partir de correspondências entre dados presentes na mensagem e dados  presentes na memória, nos esquemas (Anderson, 1978).  Compreender a  linguagem (oral ou escrita) implica descodificar uma mensagem de um modo activo.  Não se trata de integrar mecanicamente a mensagem do autor nos esquemas  preexistentes, acrescentando-lhes qualquer coisa. Trata-se, pelo contrário, de  um processo em que é feita uma associação entre o texto percepcionado e os  esquemas (conhecimento prévio) que o sujeito traz à leitura. Os esquemas que  são invocados dependem do contexto de interpretação, um contexto onde se inclui  a situação física e social do sujeito, o nível de atenção, o ponto de vista e  restrições motivacionais, emocionais e cognitivas (Winograd, 1977; Haberlandt,  1982). Daí que o mesmo texto, quando lido em diferentes ocasiões, em diferentes estados de espírito, resulte em aprendizagens e significados diferentes.  Quantas vezes não tivemos já esta experiência, ao ler pela segunda vez um livro  (ao rever um filme, ao conversar de novo com alguém) de sentir que só agora  compreendemos verdadeiramente o significado das palavras... Da mesma forma, o  mesmo texto, lido por pessoas diferentes resulta em diferentes interpretações,  já que as grelhas de leitura, podendo partilhar elementos comuns, são distintas  de sujeito para sujeito. O significado das novas informações não está no texto,  mas na interacção com as informações relevantes já existentes na memória. Ou  seja, aquilo que aprendemos devemo-lo ao que já sabemos.   Quanto mais  soubermos (quanto mais relevantes forem os nossos conhecimentos para  integrarmos novas informações) mais aprenderemos e mais depressa o poderemos  fazer. Este mecanismo, que explica a assimilação do conhecimento, explica,  também, segundo Ausubel (et al., 1978), a relação entre a memória e a  aprendizagem humana. Segundo este autor, os significados das coisas surgem  sempre que se formam estas ligações significativas entre a informação nova  (aquilo que se leu) e a pré-existente (aquilo que já se sabia). A aprendizagem  dá-se nesse momento, quando a informação nova é assimilada à estrutura  existente, ficando ancorada em ideias de suporte no mesmo domínio de  conhecimento!(1) Esta  interacção entre texto e estrutura cognitiva faz também com que o leitor  recorde do texto elementos que aí não estavam presentes. Embora isto possa  parecer surpreendente, diversos estudos o demonstraram empiricamente (cf., Le  Ny, 1989).(2)   Devido a esta  dimensão ideossincrática, alguns autores defendem que o texto não possui  significado interno (e. g., Collins et al., 1980; Spiro, 1980;  Ausubel et al., 1978; Noizet, 1980): o significado é construído pelo  receptor, quando compreende (interpreta) uma mensagem. Numa mensagem nunca  estão explicitadas todas as ideias do autor. Este tem intenções acerca das  quais o leitor tem que fazer algumas inferências, baseando-se no seu  conhecimento prévio. Este processo «inferencial» ajuda o leitor a clarificar  detalhes não mencionados no texto, lendo nas entrelinhas.  3.         Conhecimento prévio e compreensão da  leitura Vários estudos  (cf., Anderson, 1978; Causinille-Marméche e Mathieu, 1988; Dole et al.,  1991) mostram que a diferença entre bons e maus leitores não  resulta de diferentes capacidades de processamento da informação, mas de  diferenças na qualidade e organização dos conhecimentos prévios e nos processos  cognitivos e metacognitivos postos em jogo durante a leitura. Da análise das  diferenças entre os dois tipos de leitores, sintetizadas no quadro 1, podemos  concluir que os conhecimentos do leitor e a forma como estes estão organizados  têm uma importância fundamental para a compreensão da leitura. Podemos ainda  rever aquelas velhas crenças que nos dizem que os leitores são bons ou maus  devido às suas capacidades ou aptidões cognitivas. Com efeito, a investigação  mostra que esta não é a norma. Indivíduos com capacidades idênticas podem ler  de modo qualitativamente diferente, consoante aquilo que já sabem de antemão e  o modo como sabem. 
              
                | Bons leitores | Maus leitores |  
                | Classificam e organizam com eficácia os diferentes tipos de problemas que lhes são colocados pelo texto; percebem que estes problemas têm diferentes níveis de abstracção. | Possuem quadros de representação do texto demasiado gerais, o que lhes dificulta a percepção da especificidade dos diferentes detalhes do texto. |  
                | Optam por critérios mais estáveis e coerentes de selecção dos detalhes pertinentes. | Seleccionam traços de superfície do texto, muitas vezes apenas aqueles que são explicitamente apresentados no texto. |  
                | Alcançam um nível de compreensão mais aprofundado e específico, relativamente ao domínio conceptual de que trata o texto. | Muitas vezes consideram como relevantes e pertinentes aspectos que efectivamente não o são, confundindo, por exemplo, conteúdos de um dado domínio com outros que não são específicos do domínio conceptual em questão. |  
                | Dominam com maior qualidade e em maior quantidade os conceitos específicos de uma dada área de conhecimento. | Dominam de uma forma inexacta e em menor quantidade conceitos específicos de uma dada área de conhecimento. |  
                | Estabelecem relações adequadas (de ordem, dependência, causalidade...) entre conceitos específicos de um dado domínio. | Mostram dificuldade em estabelecer relações adequadas entre conceitos, confundindo as suas ligações de ordem, dependência, causalidade... |   Quadro 1  Diferenças no conhecimento prévio entre bons e maus leitores  A maior  capacidade de compreensão dos especialistas na leitura deriva do acesso a um  corpo de conhecimentos relevantes e facilmente activados, os quais permitem um  tratamento mais aprofundado e pertinente do enunciado. Quanto mais pertinentes  e melhor organizados forem os conhecimentos prévios do leitor, tanto os  conhecimentos gerais como aqueles que se referem ao domínio de conteúdo  concreto abordado pelo texto, melhor será o seu desempenho na leitura e  interpretação, melhor será a assimilação/aprendizagem dos conteúdos e melhor  será, por conseguinte, a eficácia dos processos cognitivos em tarefas idênticas  posteriores.  Apesar de tudo, a  relação entre os conhecimentos prévios do leitor e a compreensão não é linear.  O conhecimento pode existir mas não ser activado durante a leitura, pode estar  fragmentado e por isso ser aplicado com incorrecções, pode ser incompatível com  a informação presente no texto que está a ser lido e por isso poderá levar o  leitor a desvalorizar ou a deturpar o que lê (Dole et al., 1991). Além  disso, há que valorizar também o papel de outro factor destacado pela  investigação como sendo distintivo entre leitores: as estratégias cognitivas.  4.         As estratégias de compreensão da  leitura O leitor é um  agente activo, capaz de construir e reconstruir o significado do texto à medida  que o lê, através da integração das novas informações com os conhecimentos  prévios a elas relacionados, do ajustamento das suas expectativas e da  aplicação de estratégias flexíveis que regulam a compreensão do texto através  dum controlo consciente do acto de leitura. Estas estratégias são o segundo  grande factor em que se diferenciam os bons e maus leitores. A  literatura tem salientado as seguintes: determinar as ideias principais do texto;  sumariar a informação contida no texto; efectuar inferências sobre o texto;  gerar questões sobre os conteúdos do texto; por fim, monitorar a compreensão  (estratégia habitualmente designada por metacognição).  4.1       Reconhecer e determinar as ideias principais  A capacidade de  separar os aspectos essenciais dos detalhes é um dos factores que diferenciam  os leitores na sua eficácia e está muito associado à compreensão do texto e à  sua recordação posterior. Aquilo que o leitor considera mais importante assume  maior relevo no acto de leitura e por isso é mais facilmente memorizado. Como  já referimos, os leitores mais eficazes têm maior capacidade de destrinçar e  seleccionar os elementos importantes do texto e por isso aquilo que guardam na  memória resulta de um trabalho selectivo em que o «trigo» já está separado do  «joio». Por isso, os elementos mais importantes ficam menos sujeitos ao  esquecimento. Os bons leitores procuram avaliar o texto a partir de várias  frentes, incluindo o seu conhecimento sobre o autor (tendências, intenções,  objectivos...) e usam o seu conhecimento da estrutura do texto para identificar  e organizar a informação.  Durante a  leitura, estes leitores envolvem-se activamente num trabalho de pesquisa,  durante o qual reflectem acerca das ideias encontradas no texto e da sua  importância relativa. Esta pesquisa faz com que a leitura seja uma actividade  selectiva. Estes leitores não se restringem a seguir o percurso linear do  texto. Lêem e relêem algumas passagens, dão saltos para trás, a fim de comparar  algumas passagens com outras já lidas anteriormente e de clarificar ideias.  Certos trechos considerados importantes, contraditórios ou pouco claros são  mantidos presentes na memória de trabalho, de modo a clarificá-los à medida que  novas passagens, com eles relacionadas, vão sendo lidas.  No final da  leitura, os bons leitores têm consciência de até que ponto conseguiram obter um  quadro de representação coeso sobre o texto, ou seja, até que ponto  compreenderam as suas ideias principais e, caso verifiquem que não  compreenderam, ou que existem lacunas, empenham-se de novo na leitura do texto  para clarificar o seu significado.  Por fim, os bons  leitores são mais capazes de determinar as ideias importantes do texto, não  apenas em função das intenções do autor, mas igualmente em função dos seus  próprios objectivos de leitura, tendo o discernimento para perceber quais as  partes do texto que se relacionam com esses objectivos.  A identificação  das ideias principais é também influenciada por elementos próprios do texto,  como o tipo de vocabulário usado pelo autor, a quantidade de pormenores de  apoio às ideias principais ou a presença de tópicos específicos sobre essas  ideias (Andre, 1987; Goetz e Armbruster, 1980). Há aqui uma pista interessante  do ponto de vista educativo, quanto à redacção de textos didácticos, de modo a  evitar alguns erros usuais. É frequente, por exemplo, vermos textos de manuais  escolares dirigidos a crianças redigidos com vocabulário demasiado complexo,  pouco frequente na linguagem de uso corrente ou pouco compatível com o nível de  desenvolvimento e capacidade de abstracção linguística dos seus destinatários.   4.2       Sumariar a informação  Trata-se de uma  actividade mais geral que a anterior. A sumariação implica que o leitor  sintetize grandes unidades de texto, condensando as ideias principais e  recriando um novo texto coeso e coerente com o original. A função desta  estratégia é clarificar as ideias principais do texto e as suas interacções.  A sumariação  implica o recurso a operações cognitivas como: seleccionar umas informações e  anular outras; condensar algumas informações e substituí-las por conceitos mais  gerais e inclusivos; integrar as informações seleccionadas numa representação  coerente, compreensível e resumida do texto original (Dole et al.,  1991). Ora, estas operações estão altamente relacionadas com o nível de  desenvolvimento do leitor. Os estudos (cf., Gagné, 1985; Dole et al.,  1991) mostram que embora quase todas as crianças consigam sintetizar a  estrutura principal de narrativas simples, as mais novas têm desempenhos fracos  na sumariação de texto complexos sobre as mesmas narrativas.  A sumariação  relaciona também a estrutura do texto com o conhecimento prévio: os textos bem  estruturados e que descrevem acontecimentos familiares ao leitor têm maiores  probabilidades de serem compreendidos, sintetizados e memorizados.  O treino da  sumariação é uma actividade eficaz, pois permite ao aluno reconhecer a  estrutura do texto, favorecendo a memorização de passagens importantes, uma  melhor compreensão das relações de subordinação entre ideias e melhor  capacidade de detectar as palavras-chave do texto (Oakhill e Garnham, 1988;  Andre, 1987; Gagné, 1985).  4.3       Efectuar inferências sobre o texto  Muitos autores  defendem que esta estratégia é o centro vital da compreensão. Ela está presente  na leitura de quaisquer textos, dos mais simples aos mais complexos, tanto em  adultos como em crianças.   A inferência permite chegar a uma compreensão mais  aprofundada do que a mera compreensão literal do texto. Compreender um texto  implica inferir sobre o que se lê (título, tema, objectivos, enquadramento do  texto...), a partir daquilo que se sabe (Anderson e Pearson, 1985; Dole et  al., 1991; Andre, 1991; Gagné, 1981). A inferência permite dar coerência ao  que se lê, extrair novas informações a partir do que está escrito, evocar  informações que devem ser adicionadas ao texto e completá-lo (Van de Velve,  1989).   Ao ler num jornal  um artigo de opinião, fazemos inferências acerca das razões pelas quais o autor  escreveu o artigo, porque o publicou naquele jornal e não noutro, porque  defendeu certos argumentos, porque evocou uns factos e deixou outros omissos...  Fazemos tais inferências a partir de conhecimentos e crenças que entendemos  serem relevantes (p. ex., aquilo que sabemos acerca do autor, do jornal e do  tema abordado).   Estes  conhecimentos são filtrados pelos valores, opiniões e emoções: ao ler podemos  sentir-nos irritados, revoltados, divertidos, comovidos, apaziguados,...  Sabe-se que os bons leitores avaliam e respondem afectivamente àquilo que lêem,  de um modo tanto mais intenso quanto maior o seu interesse sobre o assunto lido  (Pressley et al., 1997). Ou seja, fazem uma leitura emocionalmente  activa na qual não se limitam a memorizar automaticamente a informação, mas antes  a interpelam a partir de uma posição crítica.  4.4       Gerar questões sobre o texto  Trata-se de um  procedimento relacionado com a inferência e que, como noutras estratégias,  também distingue os leitores mais e menos proficientes. Os resultados da  investigação mostram que a capacidade de colocar questões pertinentes sobre os  conteúdos do texto permite ao leitor aprofundar a compreensão sobre esses  conteúdos. Na sua maioria, estes estudos (citados por Andre, 1987; Dole et  al., 1991; Oakhill e Garnham, 1988) salientaram as seguintes implicações  para o ensino da leitura:           Treinar os alunos a responderem  questões sobre o texto permite-lhes compreender informações sobre histórias a  serem apresentadas posteriormente, já sem necessidade de recorrer a questões  auxiliares como as que foram utilizadas num treino inicial.           Se os alunos forem ajudados a produzir  as suas próprias questões isso os ajudará a melhorar a compreensão do texto.  4.5       Monitorar a compreensão (metacognição)  A metacognição é  a capacidade de estar consciente dos próprios processos de pensamento: é o  pensar sobre o pensar, a auto-avaliação que nos permite dizer «estou a  compreender». Durante a leitura, a metacognição inclui duas componentes  distintas:           Estar consciente da qualidade e do grau  de compreensão – esta componente implica que o leitor seja capaz de detectar  incongruências no texto e de se implicar activamente na resolução deste  problema. Os leitores mais novos, tal como os menos proficientes, têm mais  dificuldade em detectar e resolver estas incongruências. Contudo, na maioria  dos casos, as incongruências são detectadas quando o conhecimento prévio é  insuficiente para se compreender o que se lê («Não percebo. Isto é novo, está  relacionado com quê?») ou quando contradiz aquilo que se lê («Isto vai contra o  que eu sei acerca deste assunto!»).          Saber o que fazer e como fazer quando  se descobrem falhas na compreensão – este é um aspecto capital no  desenvolvimento da mestria na leitura e uma das diferenças mais acentuadas  entre leitores de baixo e de alto nível de mestria.  Seguindo a  síntese apresentada por Dole et al. (1991) podemos dizer que os bons  leitores são mais capazes de: gerir a energia e o tempo que gastam para  resolver problemas de leitura; utilizar os recursos disponíveis (por exemplo, repetir  a leitura de uma passagem anterior para compreender melhor outra que se segue);  e adaptar as estratégias que utilizam, de um modo flexível, às diferentes  circunstâncias.  Em contrapartida,  e de acordo com Garner (1988), verifica-se que os leitores mais novos ou  inexperientes têm pouca consciência da necessidade de encontrar sentido para o  texto; encaram a leitura mais como um processo de decomposição do que de  atribuição ou procura de significado; têm dificuldade em identificar os  momentos em que não estão a perceber o texto; e têm dificuldade em encontrar  estratégias compensatórias (tal como reler o texto, estudar com mais detalhe os  segmentos difíceis ou sumariar) quando não compreendem o que lêem.  Estas diferenças  metacognitivas entre leitores dão-nos um indicativo sobre algumas sugestões  práticas para o ensino da leitura, que se podem traduzir numa ideia básica: se  o aluno aprender a conversar consigo próprio acerca do que leu e compreendeu e  se, adicionalmente, lhe forem dadas instruções sobre como agir quando verifica  que não compreende, ele poderá tornar-se mais consciente do seu estilo de  leitura, da sua eficácia e das alternativas para melhorar a compreensão.   5.         Aplicações ao ensino: uma síntese A perspectiva que  acabámos de apresentar permite-nos identificar alguns princípios orientadores  para o ensino destas competências:           Os alunos são agentes activos da sua  aprendizagem, são capazes de construir significado e de auto-regular os  ensinamentos adquiridos na escola. Os professores, por seu lado, são agentes  mediadores desta aprendizagem, mais do que os transmissores de saber estático:  eles podem apoiar o aluno, tanto na construção dos significados quanto no  desenvolvimento de estratégias que facilitem a leitura e a sua compreensão.           A leitura é um processo de  especialização gradual. O seu objectivo é a construção de significado,  independentemente da idade e da capacidade do leitor. O que varia entre os  diferentes leitores é o grau de sofisticação na capacidade de leitura e a maior  ou menor necessidade de apoio por parte do professor (Dole et al.,  1991).           Tal como o bom leitor tem em mente uma  ideia acerca da forma como construir o significado do texto, o professor também  tem alguma ideia acerca de como apoiar o aluno nesse trabalho. O professor pode  alterar as suas acções, consoante os objectivos, exigências dos textos e  tarefas de leitura, respostas dos alunos e contingências situacionais do ensino  (Dole et al., 1991).           A leitura e o ensino da leitura são  actividades interactivas, envolvendo o professor, o aluno e os colegas. As suas  interacções contínuas em sala de aula interferem com a construção de  significado do texto (Dole et al., 1991).           A estrutura do texto é um elemento  essencial. Um discurso conexo, coerente e bem estruturado é mais fácil de ser  compreendido e de ser recordado do que um conjunto de frases desconexas ou mal  estruturadas. Por outro lado, o texto é tanto mais compreensível quanto mais  congruente for com os conhecimentos e expectativas do leitor. Por esta razão,  os conteúdos a transmitir devem ser integrados em textos (e contextos)  interessantes e significativos para o aluno.           Os elementos do texto vistos como mais  importantes são melhor recordados. Para que o aluno identifique as ideias  principais com facilidade, o professor pode orientá-lo, ensinando fórmulas de  apoio à leitura, como: sublinhados, tomar notas, fazer esquemas e sumários,  organizar mapas de conceitos ou relacionar as ideias do texto com ideias afins.           As estratégias de leitura são  adaptáveis e intencionais, podendo ser aperfeiçoadas em função do leitor, dos  textos e dos contextos (Dole et al., 1991). A inferência é uma das  estratégias que mais determina o grau de compreensão da leitura. Para  desenvolver esta competência, o professor pode ensinar que ler não é apenas  pronunciar bem as palavras, é também detectar o seu valor semântico (Anderson,  1980). Ensinar o aluno a fazer perguntas pertinentes acerca de textos difíceis  é outra estratégia que poderá ser desenvolvida com a ajuda do professor  (Collins et al., 1980; Oakhill e Garnham, 1988) e que aumentará a  competência inferencial.           Quanto melhores forem as capacidades  metacognitivas e a auto-regulação, melhor será a capacidade do aluno para  avaliar as suas produções, identificar estratégias de leitura úteis e saber  quando deixam de o ser. O professor pode informar o aluno sobre como e quando  utilizar estas estratégias, viabilizando a sua transferência a situações novas.  O treino metacognitivo poderá ajudar o aluno a examinar os seus processos  internos de compreensão durante a leitura.  Pressley (1996, in Pressley et  al., 1997) efectuou um levantamento das actividades desenvolvidas para  ensinar a literacia, por educadores de infância e professores do 1.º, do 2.º e  do 5.º ano do ensino básico e de educação especial, considerados muito  competentes pelos seus supervisores. As suas opções dão-nos pistas  interessantes sobre os melhores métodos para ajudar o aluno a compreender  significativamente a leitura e mostram que é importante ter em conta o contexto  de aprendizagem em sala de aula (organização do espaço e do tempo, gestão da  turma, formação de grupos, tipo de tarefas, clima na sala de aula, etc.). Como  é fácil de ver, os professores eficazes cujo trabalho é referido nas sinopses  abaixo valorizam estes factores.  6.         Conclusões O ensino da  compreensão da leitura tem um valor formativo no âmbito do desenvolvimento  pessoal e social dos alunos, desde as primeiras etapas de iniciação à leitura.  A língua escrita é um veículo de comunicação sociocultural que difunde valores,  ideologias, conhecimentos sobre o mundo. Através da leitura, o nosso campo de  experiências (fonte de conhecimento e desenvolvimento) amplifica-se muito para  lá das fronteiras da experiência directa.  Se os benefícios  da leitura são evidentes para a maioria dos leitores experientes, que vêem  nessa actividade um modo de comunicar e aprender, o mesmo não se pode dizer das  crianças, no início da aprendizagem da leitura. A proximidade funcional entre a  língua escrita e a oral não é evidente para uma criança no início da vida  escolar. Aparentemente, a leitura tem muito pouco a ver com o ser criança3. Claro que os argumentos apresentados são facciosos e facilmente  contestáveis. Mas, se essa contestação for fácil e imediata no plano de um  discurso, será ela assim tão facilmente interiorizada e aceite pelas crianças?  A resposta é sim, mas devagarinho (e estrategicamente!). A leitura pode  tornar-se uma das actividades mais gratificantes para a criança (muitos casos  de leitores compulsivos com 6, 8 ou 10 anos o comprovam) mas tal só acontece  quando a criança percebe (e para tal precisa de ajuda) que a leitura pode  ajudá-la a cumprir objectivos cognitivos, lúdicos, afectivos e sociais).  Enquanto a  criança não aprender a decifrar os códigos da linguagem escrita, o conhecimento  que esta encerra permanecerá um mistério inacessível. Infelizmente, o ensino da  leitura foi durante séculos concebido como o ensino da descodificação dos  componentes formais da língua (sintaxe, fonética, léxico) para acesso à  mensagem literal (muitas vezes nem isso). Esquecia-se que a linguagem tem  outras dimensões: a pragmática (relacionada com os objectivos e os contextos do  sujeito) e a semântica (relacionada com os significados). Gostar de ler  pressupõe saber ler formalmente, saber ler significativamente e saber ler de  modo contextualizado e pessoal.  A escola é o  grande iniciador à leitura para a maioria das crianças. Deverá, por isso,  garantir que esta actividade seja aprendida num registo de forte significação  pessoal. Para isso, a leitura não pode ser apresentada como uma actividade  mecânica, mas como uma actividade construtiva e empenhada do aluno, como algo a  ser compreendido por referência àquilo que a criança já sabe e àquilo que quer  saber para alcançar os seus objectivos. Só quando a criança conseguir  estabelecer estes vínculos e perceber o valor e utilidade instrumental da  leitura é que poderá empenhar-se na leitura de modo tão completo que assegure  que o acto de ler é um verdadeiro acto de aprendizagem.  Bibliografia Anderson, R. C. (1978): «Schema-Directed Processes  in Language Comprehension», in A. Lesgold,  J. Pellegrino, S. Fokkema e R. Glaser (eds.): Cognitive Psychology and Instrution.  Nova York:  Plenum Press, pp. 67-82.  Anderson,  R. C. e Pearson, P. 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              Internacionais,
            Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), Portugal. 1 O mais interessante deste processo de aprendizagem é que a assimilação de
              novas informações, as ligações significativas entre o novo e o velho saber, tanto contribuem
              para a retenção da informação relevante como para o esquecimento da que é irrelevante.
              Enquanto algumas informações são integradas na estrutura de conhecimentos, nos
              esquemas cognitivos, outras são banidas. As informações pouco inclusivas (ilustrações,
              pormenores, a forma literal do texto), depois de cumprirem a sua missão (contribuir para
              formar conceitos gerais...) são esquecidas, subordinando-se a uma ideia mais inclusiva.
              Isto acontece devido a uma espécie de economia cognitiva que resulta das limitações da
            nossa capacidade de memória. É mais fácil memorizar um conceito abstracto do que osexemplos a ele associados. Não havendo espaço na memória para todas as informações
            lidas, permanecem apenas as que o leitor considere relevantes. Compreende-se, assim,
            porque é que, com o passar do tempo, um texto deixa da ser recordado na forma literal,
            mesmo quando o conteúdo é conservado.  2 A ideia de que a informação interiorizada e organizada previamente afecta
              o processamento cognitivo da informação posterior não é recente. Já no início dos anos
              trinta, Bartlett se referiu à natureza construtiva da memória, tendo verificado, a partir dos
              seus estudos sobre a recordação de textos lidos que aquilo que é recordado pelos sujeitos
              se relaciona com os seus conhecimentos prévios e interesses pessoais. Bartlett constatou
              que, ao mesmo tempo que as pessoas «recordam» uns elementos do texto (no caso destas
              investigações, tratava-se de narrativas de histórias tradicionais) e esquecem outros,
              também «recordam» elementos que não constavam no texto original. 3 Ler pode ser uma actividade enfadonha para uma criança, devido aos
            obstáculos à compreensão:  • O texto escrito não usa os mesmos vocábulos, regras e organização  gramatical que o texto falado. • O autor não está presente, pelo que é difícil perceber (no nível concreto com
              que a criança funciona) que houve alguém que escreveu o texto e que esse
              alguém tem objectivos, valores e intenções, que permanecem por detrás
            do que escreveu.  • Ao contrário do que acontece no diálogo, o texto não responde directamente  às dúvidas, não diz por outras palavras, não explica de novo, não considera
              o estilo de aprendizagem do leitor, não evita palavras difíceis, não explica
              as que trazem dúvidas.  • Um texto escrito não tem vertente afectiva evidente. Quando nos aborrece
              podemos pô-lo de lado. Fecha-se o livro, põe-se na prateleira e estamos
            certos de que não reivinda a nossa atenção.  • Os livros falam de coisas que podemos desconhecer, que não nos interessam,
              que já sabemos, com as quais discordamos – e não se interessam pelo que
            pensamos acerca do que dizem.  • Os livros obrigam a estar parados fisicamente, e logo fazem isso à criança,
              que tanto gosta de explorar o mundo através das suas correrias...         |