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 ISSN: 1022-6508

Está en: OEI - Revista Iberoamericana de Educación - Número 48

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 Número 48: Septiembre-Diciembre / Setembro-Dezembro 2008

Políticas de educación en tiempos de globalización / Políticas de educação em tempos de globalização

  Índice número 48 

Gestão do pedagógico e os processos de formação de professores: uma reflexão sobre o lugar dos estágios e práticas educativas em cursos de licenciatura

Liliana Soares Ferreira *

Viviane Ache Cancian **

* Doutora em Educação, professora do Programa de pós-graduação em Educação e do Departamento de Administração Escolar do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (ufsm), Brasil.
** Doutora em Educação, Professora do Departamento de Metodologia do Ensino do Centro de Educação da ufsm.

SÍNTESE: O artigo esboça uma sistematização de nossas práticas como professoras de cursos de licenciatura, como pesquisadoras sobre os processos formativos de professoras e professores e como orientadoras de práticas de estágio e intervenção nas escolas. Como sistematização, apresenta referências sobre os processos pelos quais os professores se tornam professores, e sobre a escola como espaço-tempo privilegiado para que estes processos aconteçam. Há muito tempo, a preocupação com a educação continuada do profissional da educação tem sido objeto de reflexão e estudo. Acreditamos que, a partir de um investimento sério neste processo, obter-se-á a qualificação das práticas educativas, afinal, a professora / o professor é um dos sujeitos da aula. Como sujeito, cabe-lhe apresentar a proposta de trabalho, as orientações, enfim, entender o processo e realizar a gestão do pedagógico na aula. Desta forma, sua capacidade de interpretar, de atribuir sentidos, é fundamental e será mais ou menos eficiente conforme estiver atento ao que acontece ao seu redor. Projetos de educação continuada pressupõem, portanto, acesso a conhecimentos variados, desde informações acerca da práxis pedagógica, quanto acerca da educação e de entendimentos sobre os demais sujeitos. Estes pressupostos relacionados à história da educação no país e aos conhecimentos de didática constituem referências para refletir sobre a relação entre a gestão do pedagógico, a professora / o professor, seus processos de educação continuada e a produção da aula.

Palavras-chave: gestão do pedagógico; aula; professores; prática pedagógica.

SÍNTESIS: El artículo presenta una pequeña sistematización de nuestras prácticas como profesores en los cursos de licenciatura, como investigadores sobre los procesos formativos de profesores y como orientadores de prácticas e intervención en las escuelas. Como sistematización, presenta referencias sobre los procesos por los cuales los docentes se convierten en tales, y sobre la escuela como espacio-tiempo privilegiado para que estos procesos ocurran. Desde hace tiempo, la preocupación por la formación continua del profesional de la educación es objeto de reflexión y estudio. Creemos que, a partir de una inversión seria en este proceso, se obtendrá la calidad de la actividad educativa, ya que el profesor es uno de los sujetos de la clase. Como sujeto, es a quien le compete presentar las propuestas de trabajo, las orientaciones, por lo tanto, comprender el proceso y realizar la gestión de lo pedagógico en el aula. De esta forma, su capacidad para interpretar, atribuir sentidos, es fundamental y será más o menos eficiente siempre que esté atento a lo que ocurre a su alrededor. Proyectos de formación continua presuponen, por lo tanto, acceso a conocimientos variados, desde informaciones acerca de la praxis pedagógica, como de la educación y la comprensión sobre los demás sujetos. Estos presupuestos relacionados a la historia de la educación en el país y a los conocimientos de didáctica constituyen una referencia para la reflexión sobre la relación entre la gestión de lo pedagógico, el profesor, sus procesos de formación continua y la producción de la clase.

Palabras clave: gestión de lo pedagógico; clase; profesores; práctica pedagógica.

ABSTRACT: This article presents a small systematization of our practices as teachers in undergraduate classes, as researchers on the training processes of teachers, and as beacons for practices and interventions in schools. As systematization, the article presents references on the processes by which teachers become teachers, and on school as the privileged space-time region in which these processes occur. For a long time, continuing studies for professionals in the area of education has been object of study and reflection. We believe that, taking serious research on this process as a starting point, we will obtain quality in educative activities, since the teacher is one of the subjects of the class. As subject, is him o her who is responsible for the work proposals, the guidelines, and therefore, responsible for understanding the process and for managing pedagogic matters in the classroom. In this way, his o her capacity to interpret, to confer meaning, is fundamental and he or she will be more or less efficient, provided he or she is always conscious of what is going on around him or her. Projects concerning continuing studies assume, therefore, that there will be access to a variety of knowledge, from information about pedagogical practice, to information about education and comprehension of other subjects. These assumptions related to the history of education in the country, and related to the knowledge of didactics, constitute a reference for the reflection on the relationship between pedagogy management, the teacher, his o her process of continuing studies and classroom production.

Key words: pedagogy management; teachers; pedagogical practice.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva sistematizar observações, análises e entendimentos de nossa prática como professoras de cursos de licenciatura, atuando nas áreas de gestão da educação, acompanhamento e avaliação dos Estágios Supervisionados, Práticas Pedagógicas, Intervenções, ou seja, nas atividades de conhecimento e inserção de acadêmicas e acadêmicos nas instituições de educação formal e informal. No Brasil, os cursos de licenciatura, na forma como se organizam, contêm etapas de inserção dos estudantes, futuros professores, nas escolas, com o intuito de vivenciarem experiências da profissão. Nosso trabalho como professoras de futuros professores está relacionado com estes momentos de inserção. Desta experiência, vão surgindo demandas de compreensão de como estes estudantes elaboram sua profissionalidade e chegam a se tornar professoras e professores. Para atender a estas demandas, temos nos dedicado a estudar autores e obras referentes às questões e participado de todas as oportunidades de reflexão e entendimento que têm surgido, além de estarmos realizando pesquisa, atividades de extensão e aulas referentes à gestão e às práticas pedagógicas dos professores. Este esforço de compreensão tem sido gerador de novas indagações em um processo contínuo de educação de nossa condição de professoras de professores. Trata-se de uma espécie de meta-educação a constituir nosso cotidiano, tanto na universidade como para além dela, na interação com escolas, professores dos sistemas municipais e estaduais de educação e nos eventos dos quais participamos.

Na elaboração da sistematização inicial que ora apresentamos, partimos da noção de que toda professora ou professor é um sujeito, porque está dotado de uma historicidade e de uma subjetividade, elaboradas em decorrência dos processos sócio-culturais vivenciados, e das escolhas que vão fazendo ao longo de sua trajetória. Nas palavras de Charlot, um sujeito é um ser humano, um ser social, um ser singular e como tal "age no e sobre o mundo; encontra a questão do saber como a necessidade de aprender e como presença no mundo de objetos, de pessoas e de lugares portadores do saber; produz-se ele mesmo, e é produzido, através da educação" (Charlot, 2000, p. 33). Deste modo, no espaço-tempo da escola, age de acordo com a) o grau de autonomia que sua condição de sujeito lhe permite; b) o grau de resistência que entende ser necessário para enfrentar as relações de poder; c) os seus conhecimentos, elaborados a partir dos estudos acadêmicos, das leituras, da convivência e do contínuo aprender dentro da escola; d) o seu desejo de produzir conhecimento. Amalgamados, estes fatores, atribuem-lhes um lugar no espaço-tempo escolar, de onde advêm forças, interesses e desejos de exercer e vivenciar ou não sua profissionalidade. Entendemos a profissionalidade dos professores como uma elaboração social organizadora do seu fazer pedagógico: desde a sua condição de profissional (e não vocacionado, ou alguém que, não conseguindo se dedicar à profissão desejada acabou professora, professor) até a sua condição de sujeito, com relações e implicações no seu coletivo e, sobretudo, na sua condição de ser humano.

Entendendo os professores como sujeitos, podemos pensar em seu trabalho, que é produzir conhecimentos em interação com outros sujeitos, os estudantes. Esta interação, naturalmente, é eivada de relações de poderes, de saberes diversos, de desejos, de faltas, e, por isto mesmo, complexa, embora dinâmica e reveladora da humanidade, da cultura, das características presentes e caracterizadoras de quaisquer grupos.

Tal trabalho, dada a sua elaboração, precisa ser aprendido, não é natural. A aprendizagem, necessariamente mediada por outros sujeitos, acontece em ambientes acadêmicos, mas se consubstancia na escola, no cotidiano, nos diálogos, nos planejamentos, constituindo os processos de gestão do pedagógico.

Entendemos por gestão pedagógica toda ação-reflexão em torno dos processos de uma aula, envolvendo os sujeitos da aula: professores, estudantes, gestores, comunidade. Sabe-se que todos chegam à escola com saberes. A reflexão e o trabalho com estes saberes constituem o modo como o conhecimento vai se produzindo. E este modo só acontece na linguagem, entendida como o ambiente no qual o conhecimento se produz (Gadamer, 1988). Portanto, a interação, na maior parte das vezes, sob a forma de aula, este espaço-tempo rico em interlocução de saberes (Marques, 1995, 1996), permite que os sujeitos, com base nos saberes que trazem consigo, produzam conhecimentos.

A prática pedagógica, a nosso ver, é essencialmente dialógica e entendemos diálogo, não como o confronto, nem como o monólogo dos professores com raríssimas interferências dos estudantes, ao responderem a questões. Diálogo é o falar de si e sobre si, a prática da palavra que se apresenta e é ouvida, da linguagem que aproxima, afasta, age como mediadora, como possibilidade de reflexão, de oportunidade para o dizer e o escutar, em ambiente eivado de humanidade. Assim, são processos dos quais todos participam, mas espera-se que a professora/o professor seja um articulador, tendo em vista que seu trabalho é a produção do conhecimento no espaço-tempo da aula. É este o seu compromisso como um dos sujeitos da produção do conhecimento, tendo os estudantes, como os demais sujeitos. Portanto, o enfoque em gestão do pedagógico neste artigo está centrado na idéia de ser a professora/o professor sujeito de seu trabalho, capaz de constituir e envidar esforços de educação continuada e permanente e, deste modo, realizar a gestão do pedagógico, evidenciando sua profissionalidade.

Do mesmo modo, entendemos, com Lima, que o estágio é "um campo de conhecimento a ser investigado, e não como prática apenas" (2002, p. 246), com base em situações de pesquisa, aprofundamento e reflexão coletiva. Tal concepção permite que se entenda o estágio como um "campo de investigação e produção de conhecimento" (Lima, 2002, p. 246), renovando a prática tradicional de estágio, entendido somente como ação prática dos futuros professores.

É neste contexto de argumentos que apresentamos nossas elaborações sobre a prática de estágios e os processos continuados da educação de professores. Para tanto, dividimos o artigo em duas partes inter-relacionadas: uma abordagem sobre a experiência no acompanhamento e avaliação de estágios e a relação desta etapa de educação dos professores com os processos de educação continuada e permanente.

2. Uma contextualização necessária

Como professoras do Ensino Superior, como mulheres e, sobretudo, como sujeitos em nossa práxis cotidiana, participamos, contribuímos e trabalhamos com base na leitura que fazemos do mundo. Esta leitura é perpassada pelo modo como vamos nos inserindo socialmente, considerando que, indubitavelmente, há uma lógica neoliberal e oriunda da globalização a organizar nosso cotidiano. Por esta lógica, sobretudo a partir das imposições dos organismos internacionais, a educação passa a ser organizada e gestada de modo a compatibilizar-se com a economia, entendendo-se haver uma implicação entre o que se produz na escola e os trabalhadores que se formam ao concluírem, principalmente, o Ensino Fundamental. Este nível de ensino tornou-se o locus prioritário de formação de mão-de-obra, para repor os mercados de trabalho, de modo mais ágil e barato, garantindo assim, aos capitalistas, maiores ganhos. Nesta relação, configura-se a afirmação de Charlot: a educação é "pensada em termos de custo/benefício, dependendo, portanto, como qualquer outro capital e qualquer outra mercadoria, do mercado" (2005, p. 142). Se os estudantes egressos dos cursos de licenciatura atuarem na Educação Básica, terão o Ensino Fundamental como um dos níveis nos quais podem vir a praticar sua profissão. É necessário que conheçam estas exigências e saibam como, através da gestão do pedagógico, podem fazer frente aos imperativos do capital, produzindo aulas pensadas mais com base nos sujeitos de um futuro trabalho do que em meras mãos-de-obra.

O papel do Estado, neste contexto, tem sido decisivo. Com o avanço do neoliberalismo, tornou-se um Estado mínimo, por excelência, saindo da condição de único provedor para apresentar-se como regulador. As políticas sociais e, entre estas, as da educação, quando não relegadas ao descaso, são organizadas para levar adiante as exigências neoliberais, cumprindo tão-somente os ditames do capital, fazendo se perceber que "A educação é, então, concebida como ajuda social, e não mais como direito humano e projeto de dimensão universal e cidadã" (Charlot, 2005, p.143). Existe, ainda, um clamor por educação de qualidade e para todos, embora suplantado pela inércia estatal e escamoteado através do desvio da atenção popular quando se percebe grandes doações e investimentos na infra-estrutura da escola. É alentador perceber que, mesmo assim, a escola pública resiste, seja com base em um projeto pedagógico elaborado no coletivo da comunidade, seja (e este é nosso maior desejo) na ação profissional dos professores, entendidos como sujeitos, gestores do pedagógico e cidadãos.

Vislumbra-se como possibilidade a inserção cada vez mais intensa na cultura local, para reforçá-la, tornando-a, paulatinamente, o lugar da resistência, da manutenção de uma identificação dos sujeitos com o social. Parece-nos que esta é a demanda imediata da educação: inserir-se o mais possível na cultura de sua comunidade, constituindo-se em resistência às imposições capitalistas. Isto demanda profissionais capazes de, através da gestão do pedagógico, promover aula e produção do conhecimento, de modo a enraizar os sujeitos, ofertar-lhes sentidos de vida social, com base, inicialmente, na cultura onde vivem. Esta segurança advém, segundo Sacristán, de uma educação que privilegie "a crítica construtiva do conhecimento e a crítica ao conhecimento discriminador e ocultador dos sujeitos, culturas e discursos esquecidos" (Sacristán, 1996, p. 49).

Paralelamente, enfatizar a descentralização e a autonomia da escola, incentivando ação para além das políticas impositivas e restritivas em educação, no país, parece ser uma alternativa. Descentralizar significa, conforme Pereira, permitir que aconteça a gestão democrática e, em função desta, a autonomia escolar:

Por autonomia escolar, entende-se o reconhecimento ou a construção de uma identidade institucional; em outras palavras, é a capacidade de elaborar e executar um projeto educacional único, referido a uma clientela específica, pautado na participação de todos os atores e direcionado para objetivos que têm significado para a comunidade (Pereira, 2005, p. 147).

Ao mesmo tempo entendemos que a democratização deve acontecer em todos os níveis do sistema educacional, incluindo-se o nível da produção do conhecimento em aula: "A democratização do saber deve se revelar, então, como objetivo último da escola pública, na educação da classe trabalhadora (agora, freqüentando-a em maior número) com uma sólida base científica, formação crítica de cidadania e solidariedade de classe social". (Cortella, 2006, p. 15) E estes fatores são resultantes do trabalho dos professores na gestão do pedagógico. Este movimento, acredita-se, diferentemente da lógica como tem sido realizado, iniciar-se-ia com os professores como sujeitos da gestão do pedagógico, no coletivo de seus pares, tomando a escola e a comunidade, ampliando-se para o município e visando a atingir o Estado. E não o contrário, como tem sido praticado, acabando por reduzir os professores a cumpridores de ordens baixadas do Estado. Transformar-se-iam os professores, "dadores de aula", em produtores de aula, em um projeto de identificação como profissionais, gestores do pedagógico, mas, acima de tudo, sujeitos e cidadãos que produzem sentidos: "Somos, antes de mais nada, construtores de sentido, porque, fundamentalmente, somos construtores de nós mesmos, a partir de uma evolução natural" (Cortella, 2006, p. 32).

3. Os estágios e as práticas educativas na graduação como vivências, sentidos e significados primeiros da gestão do pedagógico

Ao traçarmos considerações acerca dos estágios, faremos um recorte, focalizando a Orientação de Estágio Supervisionado em duas Universidades, uma pública e outra comunitária. Deste modo, pretendemos relatar experiências vividas durante a prática de Orientação do estágio, como parte dos processos educativos para a ação como professora/professor em cursos de licenciaturas. Estes estágios ou práticas educativas, não raramente, realizam-se, ainda, somente no final do Curso, acontecendo em contextos de anos iniciais do Ensino Fundamental, na Educação Infantil e no Ensino Médio - habilitação curso Normal.

A proposta de orientação centra-se na tentativa de realizar uma interlocução teórico/prática com vistas à ação profissional de professores e professoras. No entanto, observamos que, muitas vezes, essa interlocução apresentou-se comprometida, pois as práticas de estágio, de intervenção na realidade, estão arraigadas em práticas tradicionais e sem reflexões teóricas substanciais. As reflexões permanecem no senso comum, no ativismo e no espontaneísmo. Tal situação é paradoxal, se for considerada que integra o processo de formação do profissional, formação entendida, com Moita, como "acção vital de construção de si próprio" (1995, p. 114). Nesta mesma perspectiva, a autora afirma que a formação de professores é "Processo em que cada pessoa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se a mesma ao longo de sua história, se forma, transforma, em interacção" (1995, p. 115). Com isto, ao refletir, ao continuamente buscar superar práticas tradicionais, os professores, por força da reflexão própria de um trabalho pedagógico, poderiam continuar este processo dialético de manter sua identidade pessoal, o que são ao longo de sua historicidade, mas, também, recompor sua identidade profissional, tornando-se cada vez mais professores, apropriando-se dos saberes da profissão. Este processo de constituição da identidade é complexo, como ratifica Pimenta (1999):

Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão, da revisão constante dos signos sociais da profissão, da revisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Constrói-se também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente em seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como a partir de sua rede de relações com outros professores, nas escolas, nos sindicatos e em outros agrupamentos.

Entretanto, nossa experiência tem revelado o contrário: os novos professores, no final da licenciatura, não raramente já evidenciam uma estabilização, sem resistências ao tradicional. É como se acontecesse uma desmemorização do que produziram no curso de licenciatura e sucumbissem aos ambientes excessivamente rotineiros que caracterizam o cotidiano de muitas escolas, repetindo um movimento de resistência passiva. Neste movimento, só é possível reconstruir em contínuo a gestão do pedagógico se me for apresentada uma receita, pois, do contrário, sinto-me inoperante para agir neste afã. Esta opção, como dissemos, encontrada em muitas situações, nos remete a refletir: o que contribui para a manutenção de um habitus (Bourdieu, 1989), sem questioná-lo, mesmo durante a inserção no, espera-se, "novo" do ingresso na profissão?

Paralelamente à resistência a não repetir, observou-se, tanto na universidade pública como na comunitária, estudantes (estagiárias / estagiários) que apresentam uma dificuldade muito grande em pensar as diferentes áreas do conhecimento e, ao mesmo tempo, os planejamentos que realizam ainda se centram em apenas duas áreas: Matemática e Língua Portuguesa e numa perspectiva de quantidade, em detrimento da qualidade; de reprodução, em detrimento da construção/produção do conhecimento. Sem falar na dificuldade de pensar o social e no quanto este está presente nas diferentes realidades. Isto pressupõe estabelecer uma diferenciação entre informação e saber, que, segundo Charlot, implica em entender que "a informação se torna um saber quando traz consigo um sentido, quanto estabelece um sentido de relação com o mundo, de relação com os outros, de relação consigo mesmo (2005, p. 31). A informação é entendida, neste mundo globalizado, como mercadoria, marcada pela superfluidade, enquanto o conhecimento (aqui entendido como a elaboração do saber na linguagem) é de caráter humano e humanizador, promove os sujeitos a sujeitos que se entendem sociais e cidadãos. É pelo conhecer que os seres humanos passam a participar mais ativamente dos seus grupos.

Durante o estágio ou prática educativa, ao serem indagados acerca de os planejamentos estarem desarticulados, centrados no livro didático e nas folhas mimeografadas com, por exemplo, quarenta exercícios soltos e mecânicos, em muitos momentos, os professores alegaram ser exigências das professoras-regentes (que são as professoras responsáveis pelas turmas nas quais são realizados os estágios ou práticas educativas). Compreende-se que, por ser a primeira inserção das acadêmicas / dos acadêmicos, sua primeira intervenção no campo escolar, e por estarem inseguros, "colam-se" aos discursos de algumas regentes a fim de justificar suas ações. Por outro lado, revela o não-alcance daquilo que julgamos necessário ao egresso das licenciaturas: a constituição de sua profissionalidade, evidenciada na gestão do pedagógico, uma ação-reflexão individual, porém, elaborada e consensuada no coletivo. Vale dizer: observa-se que não se autorizam ser sujeitos da prática pedagógica, gestá-la com base na elaboração de aportes teórico-metodológicos (sistematizados a partir dos conhecimentos produzidos no curso de licenciatura) de acordo com as reflexões coletivas das quais participa cotidianamente e com a cultura onde se insere a comunidade escolar.

Ao serem indagados sobre tal situação, em seus discursos, expressam saberem o que não é mais possível fazer no campo educacional, a necessidade de coerência, de um aporte teórico-metodológico, e que, no entanto, não sabem como fazer diferente. Alegam ainda, que, durante o curso, criticaram práticas e hoje acabam reproduzindo-as. E com isso vivenciamos, nesse processo, momentos de muitas dúvidas e angústias, momentos de total desconforto e confronto com os não-saberes, que emergem nos desafios da prática.

Tal processo de intervenção na realidade através dos estágios não gera indagações só para as acadêmicas, mas indaga também a professora / o professor que orienta. É o momento de repensar o curso todo, o processo formativo, o currículo, muitas vezes fragmentado, que, conseqüentemente, gera futuras práticas pedagógicas fragmentadas. A orientação e as exigências feitas aos estudantes e o confronto com as propostas de algumas escolas que alegam pensar e acreditar diferentemente da Universidade, nos remetem a um processo reflexivo e crítico sobre o contexto educacional, nos perguntando sobre quais os fins educacionais na Universidade. É o momento de pensar o processo de constituição dos professores, qual processo educativo? Segundo Alarcão e Tavares, para esta sociedade, faz-se necessário preparar as pessoas para o incerto, para a mutação, ou seja, para "a abertura e o desenvolvimento de capacidades essenciais para compreender situações e resolver problemas a partir de reconfigurações de saberes adquiridos que, por sua vez, criam novos saberes e novas formas de comunicar [...]" (Alarcão e Tavares, 2001). E ainda, "implica novas formas de trabalhar em equipe, de assumir riscos, de ser pró-ativo, de utilizar as novas ferramentas tecnológicas, de identificar necessidades próprias de formação e possibilidades de complemento de formação" (Alarcão, 2001, p. 103). Educar, portanto, para o incerto, demanda a compreensão de uma formação contínua, permanente, uma aprendizagem constante.

Tal entendimento supera a idéia de que o sujeito, uma vez considerado pronto para a ação profissional, estaria apto para atuar na sua profissão, a ser professor, a ser um profissional acabado que, durante anos, trabalha da mesma forma, com os mesmos cadernos amarelados, as mesmas bibliografias, a mesma metodologia. Esta é uma espécie de rotinização tão presente ainda hoje na realidade educacional brasileira. Por isto, concordamos com Veiga, quando afirma:

A formação de profissionais da educação é um processo e, portanto, não deve ser tomada como algo pronto, acabado, nem construído isoladamente. Assim, pensar a proposta de formação de profissionais da educação é concebê-la no plano de suas relações com a sociedade, considerando também outros aspectos, como função social do professor, magistério como profissão, organização do trabalho pedagógico e curricular, desafios e limites enfrentados, além de possibilidades aventadas (1997, p. 14).

Portanto, não só um processo que se dá na graduação, mas, principalmente, um processo de educação permanente e continuada.

Sendo assim, ao trazer aqui o entendimento da graduação e, em decorrência, dos estágios e práticas educativas, como processo educativo inicial e continuado, frisamos a necessidade de superar a fragmentação da ação pedagógica, pois todo processo educativo na escola está associado à ação, à discussão no campo da prática pedagógica, ao trabalho pedagógico. Ou seja, ao trabalhar o momento da formação/ação não se pode esquecer que este acontece com base nas ações refletidas pelos professores e que "na análise do processo de formação desse profissional, há que se considerar que ele ocorre no contexto de uma determinada forma de organização do trabalho pedagógico que, antes de ter uma origem em si mesma, preserva nexos muito fortes com a organização mais ampla" (Veiga, 1997, p. 38).

Sendo assim, os professores necessitam conhecer mais do que algumas técnicas. É preciso que os professores aprendam a refletir sobre a sua prática, valendo-se do aprendido em seu processo educativo acadêmico. Faz-se mister ter clareza do que é a reconstrução do movimento constante dentro da escola, ou seja, pensar o presente, o que já se faz, o que se consegue dar conta, os sucessos, as qualidades, juntamente com o que não se dá conta, as limitações, os fracassos, os tropeços. Vai-se estabelecendo assim, segundo Pimenta & Lima, uma "formação identitária dos professores", cuja essência é constituir-se em "uma elaboração simultaneamente epistemológica e profissional, realizando-se no campo teórico do conhecimento e no âmbito da prática social" (Pimenta e Lima, 2004, p. 13), pela qual acontece a transformação da gestão do pedagógico, decorrente da ampliação das capacidades hermenêuticas, crítico-reflexiva e de ação no trabalho (Marques, 1996), de modo que os profissionais passem a participar, a produzir e se comprometer com a educação. Tudo isso à luz do passado com vistas ao futuro, projetando um futuro.

A interlocução entre todos os sujeitos envolvidos e o conhecimento que se gesta nestas práticas possibilitarão espaços de discussões sobre os fundamentos, as concepções teórico/conceituais e metodológicas que orientam a formação/ação dos sujeitos implicados nas diferentes culturas e realidades educacionais.

4. Processos de educação continuada e permanente

Consideramos ainda pertinente, destacar que o processo educativo dos profissionais da educação começa na academia, porém precisa ter continuidade durante a prática pedagógica no espaço-tempo da escola.

Na academia, acontece nos cursos de licenciatura, pressupondo os conhecimentos teóricos estudados e a sistematização de práticas vivenciadas. Este processo acontece em meio ao contexto anteriormente vivenciado, ou seja, como diz Lima, está imerso nas lutas por melhores condições de trabalho em uma sociedade capitalista com tendências neoliberais:

A luta por um estágio melhor elaborado não está desvinculada da luta pela melhoria dos cursos de formação de professores, pela valorização do magistério e por uma escola de ensino fundamental e médio mais democrática e eficiente. A luta por uma sociedade mais humana e mais justa e inclusiva é o desafio da ética e compromisso do educador dos cursos de formação (Lima, 2002, p. 252).

Esta luta se inicia nos cursos de licenciatura e se prolifera pela escola, tornando-se cotidiana. Entretanto, pensamos que, se por um lado, como temos defendido, esta ação no cotidiano escolar é fundamental na constituição dos professores, por outro, cabe o cuidado para não se cometer o pragmatismo exagerado, quase tecnocrático, como em outras fases da educação (o movimento escolanovista, na década de 1920, no Brasil, por exemplo). A ação prática precisa estar apoiada em um projeto pedagógico e este, do mesmo modo, consubstancia-se na prática. Nesta práxis, o caminhar juntos do conhecimento das teorias e dos fundamentos da educação e da ação cotidiana na escola é o locus para a constituição dos professores. Estes aspectos constituem o que denominamos gestão do pedagógico: conhecer e poder agir pedagogicamente no sentido de realizar o trabalho do profissional da educação que consiste em produzir conhecimentos no espaço-tempo da aula.

Acreditamos que os processos educativos para professores são amplos, complexos e deveriam acontecer amalgamando a reflexão e a ação, a ponto de evidenciarem-se como práxis. Deste modo, superariam a preocupação com o discurso ideológico do desenvolvimento individual de competências para apresentarem-se como oportunidades de enriquecimento da gestão do pedagógico, iniciando-se com a elaboração de um projeto pedagógico individual tido como base para os projetos pedagógicos institucionais. Não há um fim e um começo. Há elaborações dialeticamente estruturadas, que ora se apresentam como conquistas, ora precisam ser conquistadas, em um movimento de contradição contínua a impulsionar os professores e seus grupos de trabalhos, na busca de sentirem-se, cada vez mais, como profissionais. Este é o aspecto humanizador e belo do ser professora / professor: o movimento de instabilidade e conseqüente busca de estabilização cotidiana quanto à práxis pedagógica.

Defendemos, também, a necessidade de o processo formativo dos professores acontecer na e a partir da escola, pois este é o espaço-tempo da produção do trabalho, da profissionalidade e da gestão do pedagógico e da aula. Sendo assim, será eminentemente social, porque

Cada professor, os coletivos de profissionais carregam cada dia para a escola uma imagem de educador que não inventam, nem aprenderam apenas nos cursos de formação e treinamento. É sua imagem social, é seu papel cultural, são formas de se relacionar como adultos com crianças, adolescentes ou jovens. São aprendizados feitos em outros papéis sociais [...] (Arroyo, 1999, p. 154).

Dada esta complexidade, concordamos com Kuenzer, quando afirma que entender a relação entre as mudanças sociais e os processos de educação exige dos profissionais, pesquisadores e pedagogos:

[...] traduzir o novo processo pedagógico em curso, elucidar a quem ele serve, explicitar suas contradições e, com base nas condições concretas dadas, promover as necessárias articulações para construir, coletivamente, alternativas que ponham a educação a serviço do desenvolvimento de relações verdadeiramente democráticas (1999, p. 166).

E este trabalho de entendimento acontece para além dos cursos de graduação, expandindo-se em processos de educação continuada e permanente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As leituras, os estudos, a participação em projetos de pesquisa e nossa experiência como professoras de licenciatura, até agora elaborados, nos subsidiam para pensar que precisamos superar a racionalidade técnica, muitas vezes, orientadora dos processos educativos dos professores, para que se possa superar o paradoxo de, nos cursos de licenciatura, ofertarem-se processos educativos assentados em uma visão abrangente do fenômeno educacional, muitas vezes, a partir de fragmentos teóricos apresentados sem uma conexão entre si, um tecnicismo evidente na valorização exagerada das metodologias e dos fundamentos, quando o anseio é de constituição de professores reflexivos, pesquisadores, capazes de elaborar condições para a gestão do pedagógico. Acreditamos ser esta a possibilidade, se quisermos revolucionar a escola, tornando-a cada vez mais um locus de produção do conhecimento.

Propomos, nesta perspectiva, pensar em educação continuada e permanente dos professores como processo coletivo capaz de possibilitar que os professores reafirmem sua profissionalidade e a evidenciem na gestão do pedagógico. Neste afã, este processo acontecerá com vistas à produção de conhecimentos, que são mais do que o simples domínio da área de trabalho, implicam na análise, implicam reflexão, síntese dos mundos da experiência e da ciência. Agindo assim, vão-se configurando as condições para que se constituam profissionais capazes da gestão do pedagógico, tornando-se cada vez mais, evidentemente, sujeitos de seu trabalho.

Bibliografia

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