Número 55 Enero-Abril / Janeiro-Abril 2011

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A inteligência moral num processo de (des)construção dos projectos de liderança(s). Entre o pensar e o agir como gestão estratégica

Sílvia Carvalho *
Nuno Silva Fraga **

* Presidente do Conselho Executivo de uma Escola Básica e Secundária, Portugal.
** Centro de Ciências Sociais, Departamento de Ciências da Educação da Universidade da Madeira, Portugal.

Síntese: Os estudos produzidos nos níveis nacional e internacional no âmbito da investigação científica da Liderança e da sua relação com a Ética, entendida esta como a fundamentação teórica da Moral, apontam, na sua generalidade, para a emergência da necessidade do reforço do seu envolvimento na (re)contribuição da sustentabilidade do desempenho eficaz das organizações educativas.
Na senda dos problemas que afectam as organizações educativas, designadamente aqueles que elegem as pessoas como objecto central e em que se coloca(m) em discussão e em causa as formas de actuação e a sua relação com os resultados produzidos, assiste-se também ao surgimento de vários contributos científicos da História, da Sociologia e da Filosofia que, confinadas aos seus campos de investigação, reconhecem a necessidade de uma reflexão mais holística e, consequentemente, de um envolvimento interdisciplinar efectivo na (des)construção e no (re)desenho da(s) liderança(s) em acção.
Assumimos o princípio da gestão estratégica das organizações aplicado à escola, em particular, como recurso necessário à transformação, mudança e inovação do espaço educativo. Em síntese, pretende-se que esta reflexão possa participar do aprofundamento do conhecimento nos domínios associados às problemáticas que o justificam, tendo como pano de fundo a inteligência moral, enquanto espaço de eficácia sustentável das lideranças escolares.
Palavras-chave: inteligência moral; liderança(s); projecto educativo; gestão estratégica.
La inteligencia moral en un proceso de (des)construcción de los proyectos de liderazgo(s). Entre el pensar y el actuar como gestión estratégica
Síntese: Los estudios producidos a nivel nacional e internacional, en el ámbito de la investigación científica del liderazgo y de su relación con la ética -entendida como la fundamentación teórica de la moral- apuntan hacia la necesidad urgente de reforzar su participación para una mayor sustentabilidad en la actividad de las organizaciones educativas.
En relación a los problemas que afectan a las organizaciones educativas, ponemos nuestra atención sobre aquellos en los que el objeto central lo constituyen las personas, o en los que se debate e investiga las formas de actuación y su relación con los resultados  producidos. Asistimos también al surgimiento de contribuciones científicas de la Historia, la Sociología o la Filosofía, que desde sus campos de investigación reconocen la necesidad de una reflexión más holística, por consiguiente de un envolvimiento interdisciplinar efectivo en la (de)construcción y en el (re)diseño del (los) liderazgo(s) en acción.
Asumimos los principios de la gestión estratégica de las organizaciones aplicados a la escuela, en particular como recurso necesario en la transformación, cambio e innovación del espacio educativo. En síntesis, se pretende que esta reflexión pueda colaborar para profundizar en el conocimiento de los dominios asociados a las problemáticas que lo justifican. Tomamos como base la inteligencia moral, como espacio de eficacia y sustentabilidad de los liderazgos escolares.
Palavras-chave: inteligencia moral, liderazgo, proyecto educativo, gestión estratégica.
The moral intelligence in a process of (de)construction of leadership projects. Between thinking and performing as strategic management
ABSTRACT: The studies produced in a national and international level, in the field of leadership scientific research and its relationship with ethics – understood as the theoretical foundation of the moral– points toward the urgent need of reinforcing its participation for a greater sustainability in the educational organizations activities.
In relation to the problems that affect educational organizations, we offer our attention to those in which the main subject are the people, or in which are discussed and investigated the forms of performing and its relationship with the results produced. We also attend to the emergence of scientific contributions of History, Sociology or Philosophy, which since their research fields recognize the need of an holistic meditation, as a result of an effective interdisciplinary envelopment in the (de) construction and in the (re)design of the leadership in action.
We assume the principles of the strategic management of the organizations applied to schools, in particular as a necessary resourse in the transformation, change and innovation of the educational space. In synthesis, is intended this reflection to collaborate to deepen in the knowledge of the associated domains to the problems that warrant them. We take as basis the moral intelligence, as an efficiency and sustainable area of school leaderships.
Keywords: moral intelligence, leadership, educative project, strategic management.

1.      Inteligência moral e liderança(s): para um alinhamento conceptual

Tanto as questões da liderança como da ética (entendida como reflexão teórica da moral) não são questões novas e menos inovadora é a questão da correlação entre elas. O que é novo é o olhar com que o homem actual (re)descobre essas (co)relações para fazer face às profundas e repentinas modificações das circunstâncias históricas, sociais, políticas, económicas, culturais e educativas em que se encontra inserido. A consciência aguda de que se está perante uma situação nova da vida humana tem levado muitos autores a percorrer o caminho do – conhece-te a ti mesmo –, apontado pelo sábio Sólon e que conduz o ser humano à reflexão introspectiva para melhor agir: se te conheceres melhor, agirás melhor.

Já os gregos se interrogavam sobre o que consistiria a verdadeira virtude dos humanos ou sobre o que consistiria o bem. A resposta a estas questões surge já nos poemas Homéricos (séc. ix a.C.), onde se afirma que o bem é toda acção que defende a própria comunidade e a virtude (areté) é toda capacidade plenamente desenvolvida, toda a exce­lência, que permite, a quem a possui, destacar-se em algo relativamente aos outros. Aqui, emergem três conceitos basilares – Bem, Virtude, Comunidade – que se assumirão como peças nucleares das primeiras teorias éticas gregas e que se manterão como pedras basilares de qualquer sistema ético futuro.

A vivência em comunidade designou-se, na Grécia Antiga, por ethos, o que conduz à designação dos valores que fundamentam a vida comunitária. Os valores são qualidades que nos permitem adjectivar a realidade e como tal são indispensáveis para uma vida humana, que é sempre social e institucionalmente integrada. Na obra de Sartre, «O Ser e o Nada», podemos constatar que o ser humano se descobre no interior de um mundo já constituído, que é um mundo de valores que só tem sentido porque quem dá sentido aos despertadores, aos letreiros ou às ordens dos chefes é o próprio ser humano (Sartre, 1993, p. 67). Desta forma, pode-se dizer que o conceito de chefe inclui em si mesmo uma hierarquização axiológica.

Ao reflectir sobre a sua existência, o ser humano reconhece-a como uma preocupação, um desafio, um projecto que exige a procura de um sentido. Na voz do filósofo Sartre (s/d, p. 243) «o homem será antes de mais o que tiver projectado ser»; ou seja, o homem vai-se fazendo através das suas escolhas, mediante o exercício da sua liberdade e por isso mesmo tem a capacidade de inventar novos mundos e criar mundos possíveis. Lennick e Kiel (2009), reforçam esta ideia sublinhando a necessidade inata do ser humano de procurar um sentido para a sua vida e que percorrer esse caminho o conduz a um propósito de vida acompa­nhado do consequente estabelecimento de objectivos. Desta forma, constata-se que a vida humana é, na sua essência, vida projectiva porque o ser humano é um ser que recorda o passado para agir no presente, tendo em vista o futuro. Como diz Mosterín (1987, p. 52) «viver racionalmente é viver em função das metas mais longínquas e importantes, é clarificar o que queremos e agir, de forma a obtê-lo na maior medida possível», neste sentido «só é racional o caminho que nos conduz precisamente aonde queremos ir».

Acerca desta problemática, é interessante analisar que, igualmente, no mundo organizacional também o líder é apresentado como «alguém com qualidades excepcionais, capaz de conduzir o grupo de seus seguidores a atingir determinados objectivos previamente estipulados por ele» (Correia, 2009, p. 137). O exercício da liderança é em si mesmo projectivo uma vez que para ser sustentável tem de envolver o futuro e o passado «como recurso valioso, renovável e recombinável» (Hargraeves e Fink, 2007, p. 276).

Segundo Hargreaves e Fink (2007, pp. 32-33), «tanto a liderança como a melhoria sustentável partem de um forte e inabalável sentido de propósito moral. O significado essencial de sustentar consiste em segurar; aguentar o peso de; ser capaz de suportar (a tensão, o sofrimento e sentimentos semelhantes) sem entrar em colapso».

Para um líder, os princípios devem ser verdades fundamentais que sustentam a sua acção tal como raízes de uma árvore ou alicerces de um edifício, mantendo-o inabalável. «As convicções firmes são o segredo da sobrevivência às privações; podemos ter o espírito cheio, mesmo quando temos o estômago vazio» (Hargreaves e Fink, 2007, p. 33). Uma liderança com princípios (ética) é uma liderança tendente a permanecer e por isso mesmo sustentável. A sustentabilidade, quer como conceito, quer como prática, tem, por definição, uma natureza moral (Hargreaves e Fink, 2007, p. 32). E, «embora seja uma ideia tão simples, uma voz moral tem o potencial de revolucionar a liderança escolar» (Sergiovanni, 2004, p.91).

No nível das organizações educativas, Michael Fullan (citado por Hargreaves e Fink, 2007, p. 31) define a sustentabilidade como «a capacidade de um sistema para se envolver nos aspectos complexos de um aperfeiçoamento contínuo, consistente, com valores humanos profundos». Conclui-se que a humanização não é um dado, mas sim uma tarefa que exige um processo de consciencialização e de sabedoria prática para nos relacionarmos com os outros uma vez que «ser-se humano consiste principalmente em ter relações com outros seres humanos» (Savater, 1997, p. 57).

Neste sentido, reforçamos o alerta: um sistema que peca por uma centralização curricular e administrativa em demasia é, inúmeras vezes e de forma oculta, motor de uma desresponsabilização dos actores que nos centros educativos deveriam assumir uma atitude mais reflexiva e crítica em prol de uma territorialização e do arrogar de uma autonomia que não pode ser eternamente tida em conta como decreto onírico e impraticável, por excesso de controlo burocrático estatal (Fraga, 2009).

Robert Marzano (citado por Trigo e Costa, 2008, p. 568) destaca como um dos princípios essenciais de uma liderança eficaz para a mudança os «comportamentos específicos que melhoram os relacionamentos interpessoais», enfatizando precisamente a importância do «factor humano» e das relações positivas assentes em valores como dados caracterizadores de uma boa liderança.

Hodiernamente, as lideranças querem-se mais informais, mais flexíveis, mais abertas em termos comunicativos e disponíveis em termos emocionais. A este respeito, Daniel Goleman defende o conceito de liderança primal dizendo que «o papel emocional do líder é primal – isto é, vem em primeiro lugar – em dois sentidos. É o primeiro acto da liderança e, ao mesmo tempo, é o mais importante» (Goleman, Boyatzis e McKee, 2002, p. 25). A ressonância diz o autor, é a chave da liderança primal uma vez que líderes ressonantes cuidam das relações humanas gerando nas suas organizações climas de entusiasmo, flexibilidade, inovação e compromisso; «o entusiasmo e a paixão espalham-se facilmente, dando mais energia aos que dirigem» (Goleman e outros, 2002, p.268).

Apela-se a um modelo de liderança integrador; aquela que «[...] convém particularmente aos dirigentes do sector público, que não detêm o controlo total sobre a implementação das políticas e dos programas, pois operam em contextos e ambientes organizacionais, frequentemente determinados por factores externos (políticos)» (Carapeto e Fonseca, 2006, p. 84), tal como sucede ao microcosmo social, a escola, delimitada na sua acção por princípios de uma centralização desconcentrada da administração educacional.

No entanto, o mundo humano concreto não é só emotivo, ele é também racional. O ser humano possui uma racionalidade prática (age de forma ética e responsável) que exige a definição e a eleição de uma escala de valores que viabilizem a vivência em comunidades onde cada ser humano se sinta respeitado na sua diferença, livre e seguro. Nesta lógica, Sergiovanni 2004, p. 51) refere que «uma teoria para a liderança escolar deve ser sensível à totalidade da natureza da racionalidade humana» e, como tal, «baseada em ligações morais». E isto porque a autonomia e a liberdade projectiva estão na base das mais belas e altruístas realizações humanas, assim como das mais hodiendas, destruidoras e egocêntricas. Como referem Goleman e outros (2002, p. 66), «[...] as emoções negativas podem ser quase irresistíveis».

Lennick e Kiel (2009, p. 40) dizem-nos que para além da inteligência cognitiva (qi) e da inteligência técnica, competências basilares para o exercício da liderança, são as competências moral e emocional que se assumem como capacidades diferenciadoras, armas secretas para o desempenho duradouro em termos pessoais e organizacionais. E isto porque segundo estes autores «a inteligência moral é a capacidade mental de determinar de que forma os princípios humanos universais devem ser aplicados aos nossos valores, objectivos e acções». [...] a inteligência moral é a capacidade de diferenciar o bem do mal, tal como os princípios universais os definem. Os princípios universais são as crenças acerca da conduta humana que são comuns a todas as culturas do mundo» (2009, p. 27).

No entanto, Boyatzis, no prefácio do livro Inteligência moral diz-nos que o desafio fundamental desta própria inteligência «não reside em distinguir o bem do mal, mas sim em agir versus saber» (Lennick e Kiel, 2009, p. 17).

A liderança moral tem por base um perfil muito evoluído em termos humanos, assenta em convicções muito próprias e traduz uma forma de actuação fundada num propósito de vida com sentido e significado, tanto para si como para os outros. Este é um tipo de liderança que, pelo cuidado que revela para com os outros, é inspirador de diálogos de sensibilidade e confiança promotores do fluir axiológico no contexto organizacional que se quer eficaz e sustentável.

A este respeito, Goleman e outros (2007, p. 56) dizem-nos que «o sociólogo Max Weber já mostrou há mais de um século que as instituições duradouras sobrevivem porque cultivam qualidades de liderança no conjunto do sistema e não devido ao carisma de um só líder». Sergiovanni (2004, p. 73), acrescenta que «[...] as instituições são empreendimentos mais bem sucedidos porque mantêm a integridade e o carácter próprio, tendo propósitos, estruturas e formas de agir únicas».

Desta forma, tal como afirmam Lennick e Kiel (2009, p. 159) «[...] enquanto líderes temos a responsabilidade de usar a nossa inteligência moral para garantir que as pessoas e os grupos que lideramos ajam em consonância com os princípios de integridade, responsabilidade, compaixão e perdão».

Enquanto líderes, somos assistidos pela influência e pelo poder de que podemos dispor para comunicar a importância das aptidões morais às organizações às quais pertencemos». Para Savater (2000, p. 81), «responsabilidade é saber que cada um dos meus actos vai me constituindo, vai me definindo, vai me inventando».

A liderança actual não pode, à semelhança do que aconteceu nalguns períodos da história, continuar fechada sobre si própria. Exige-se-lhe, hoje, que garanta uma relação aberta à intervenção pluridisciplinar e interdisciplinar, possibilitando a participação de vários actores, agentes capazes de promover interacções e transições no seio das organizações educativas, às quais não pode estar dissociado o papel da inteligência moral nas suas múltiplas especificidades e no seu contributo para a sustentabilidade do desempenho organizacional.

Como refere Lipovetsky (1994, p. 235), «[...] somos, por toda a parte, testemunhas de uma reactualização da preocupação ética, de uma revivescência das problemáticas e «terapêuticas» morais. As grandes proclamações moralistas apagam-se, a ética regressa, a religião da obrigação esvaziou-se de substância, mas, mais do que nunca, o «complemento da alma» está na ordem do dia. «O século xxi será ético ou não existirá».

Estas constatações deixam em aberto a emergência de um compromisso efectivo sobre a necessidade de uma maior acutilância reflexiva, complementada pela materialização de projectos em que a Liderança e a Ética em parceria com outras áreas disciplinares legitimem e consolidem níveis de reflexividade e operatividade mais consentâneos com a possibilidade de um desenvolvimento epistemologicamente mais coerente com o quadro em que se insere a problemática da eficácia das organizações educativas do nosso espaço e do nosso tempo.

Este movimento de mudança constitui um marco da hodiernidade e implica a inovação autêntica e não a repetição de algo que o tempo travestiu, pelo que «é improvável que se progrida muito na melhoria das escolas ao longo do tempo a não ser que aceitemos que a liderança para a organização escolar deva ser diferente e que devemos começar a inventar a nossa própria prática» (Sergiovanni, 2004, p. 11). É crucial «desenvolver as nossas próprias teorias e práticas - teorias e práticas que deverão emergir das escolas e que sejam centrais à natureza das próprias escolas e dos tipos de pessoas que serve» (Sergiovanni, 2004, p. 9).

Parafraseando Edgar Morin (1999, p. 35), «o inesperado surpreende-nos, porque nos instalámos com demasiada segurança nas nossas teorias e nas nossas ideias e estas não têm nenhuma estrutura para acolher o novo. Ora o novo brota sem cessar». Assim sendo, «chegou a hora de reconhecer abertamente o contributo da inteligência moral para a liderança eficaz e para a sustentabilidade» (Lennick e Kiel, 2009, p. 44).

Neste quadro, aos líderes exige-se coerentemente mudança na postura e renovação do conhecimento próprio face aos desafios que uma nova compreensão do tempo e a emergência dos acontecimentos impõem.

As evidências decorrentes da mudança no quadro das novas exigências sociais, tornaram incontornável o papel e a acção da liderança, promovendo, com a comunidade educativa, a reflexão e o debate de problemáticas, que, implicando o interesse e a identidade colectiva, preparam-se e fundam-se na perspectiva de um futuro incerto e, por isso, mais exigente no âmbito da competência para a tomada de decisões.

Considerar o passado a partir de uma óptica retrospectiva, reflectir sobre o presente e perspectivar o futuro a partir de experiências educativas em que escola e agentes educativos e sociais se aliem, designadamente nas áreas da Liderança e da Ética, parece-nos, pela pertinência da visão, altamente favorável à promoção de uma liderança que no (des)construir para (re)desenhar o seu projecto de actuação integre as dimensões científica, técnica e ética.

A contemporaneidade, síntese de espaço, tempo e homem deste século xxi, ao emergir como teia complexa de irregularidades e imprevisibilidades é indutora de reflexão, geradora de mobilização, envolvimento, implicação e auto-implicação, concorrendo para a qualidade e a relevância do (re)desenhar dos projectos da liderança, para a transformação emancipatória de novas perspectivas e leituras conducentes à realização pessoal e profissional das sempre aprendentes pessoas.

1.1    Liderar estrategicamente nas organizações escolares: entre o pensar e o agir.

Urge, neste entendimento, desenvolver princípios inerentes à gestão da mudança que conduzam as escolas a uma aprendizagem organizacional que as façam enquadrar o seu Projecto num ambiente que se revê instável e mutante.

Entendamos gestão estratégica como «[...] um processo global que visa a eficácia, integrando o planeamento estratégico (mais preocupado com a eficiência) e outros sistemas de gestão, responsabilizando ao mesmo tempo todos os gestores de linha pelo desenvolvimento e implementação estratégica; ela é um processo contínuo de decisão que determina a performance da organização, tendo em conta as oportunidades e ameaças com que esta se confronta no seu próprio ambiente, mas também forças e fraquezas da própria organização» (Estêvão, 1999, p. 5).

É evidente que esta aproximação a um conceito/princípio que prevalece na lógica dos sistemas abertos apela a um pensar da acção pedagógica e educativa norteada pela qualidade; pela busca incessante de modelos, métodos e técnicas de ensino e de liderança que não remediando aquilo a que chamam de mudança, possam, concretamente, quebrar com comodismos, com apadrinhamentos, com hipocrisias, com escadotes herméticos.

Aquilo que se respira na escola jamais deveria ser tóxico! Enquanto organização hierarquicamente estruturada, é compreensível os prejuízos que a dor de cabeça provoca num corpo que aspira libertar-se. Libertar-se ou buscar novas formas de ser e de estar numa comunidade que necessita de uma acção mais localizada, mais territorializada, mais descentralizada de um poder que peca por agir homogeneamente em estruturas que, lidando com a diferença, são especiais, culturalmente ricas e socialmente distintas e que necessitam de vias próprias para trilharem o seu projecto. Este facto, pela sua importância práxica, reivindica novas estratégias de acção, geradoras da necessidade de novos projectos de liderança educativa.

Quebradas as fronteiras de uma burocracia maligna, há que se investir na participação de todos aqueles que compõem o campo educativo. Não nos esqueçamos que «um dos objectivos da gestão da qualidade total é a implementação de um sistema de gestão descentralizado e participativo, que apela à criatividade das pessoas e a redes informais e favorece, assim, estratégias emergentes» (Carapeto e Fonseca, 2006, p. 163). É na expectativa desta possibilidade que se impõe novas formas de reflexão conducentes a novas formas de actuação, em síntese, uma nova matriz social e organizacional que exija da escola uma dimensão múltipla de formação e educação, que só a complementaridade de paradigmas, fundadora de novos perfis de liderança educativa, detentores de competências para a efectiva intervenção crítica, reflexiva e cívica, poderão promover.

Estamos cada vez mais perante a necessidade de um líder, cuja inteligência moral que o caracterize, (des)construa práticas enraizadas nefastas para a dinâmica inovadora na escola. Precisamos de líderes capazes de abrir canais saudáveis de comunicação (Fraga, 2008) com o intuito de alinhar a escola com processos inerentes à democracia participativa, factor fulcral a uma imagem organizacional de escola como Cultura (Costa, 1996). Este tem sido o discurso que a grande maioria dos docentes inscritos em programas de formação superior tem vindo a veicular, o que demonstra uma preocupação com as questões da liderança e em particular com os seus efeitos na planificação, desenvolvimento e práxis dos processos de gestão da mudança e da inovação nas escolas (Fraga e outros, 2008).

1.2    Liderar no new public management

A modernização e a inovação da Administração Pública trouxeram ao debate hodierno um corolário que define que «[...] existe a consciência de que os cidadãos podem contribuir para uma administração pública mais receptiva e amiga do cidadão muito antes do fim da cadeia, quando a política é implementada e eles adquirem o mero papel de consumidores. Isto pode ser conseguido juntando os direitos cívicos de participação ao modelo do new public management, para que os cidadãos possam intervir antes e durante o procedimento administrativo de implementação de cada política pública» (Carapeto e Fonseca, 2006, p. 22).

Questionamos este facto se aplicado à administração e gestão das escolas, tendo por base o discurso da democratização escolar, da descentralização do sistema e da utópica autonomia das escolas em Portugal, uma vez que o factor ideológico da política educativa e curricular do Estado numa superintendência Governo – Cidadão colocaria em risco o eterno colorir partidário, a eterna marca, mesmo que desconexa e ineficiente, que os sucessivos Governos tendem em deixar no panorama educativo.

O papel do líder da escola transforma-se. Deixa de ser a aplicação quase que acéfala de princípios e directrizes oriundos de um taylorismo encravado nos tempos, para se assumir como um agente inspirador e proactivo, capaz de alinhar a acção da escola mediante um Projecto Educativo motivador1, estimulante e promotor da mudança.

Torna-se preponderante liderar a escola por intermédio de três questões-chave no âmbito da aplicação da gestão estratégica, ou seja, o Projecto Educativo, enquanto símbolo máximo de autonomia e como espaço identitário, tem que dar resposta a:

O ruído é imenso; diversificado; tentador; por vezes demasiadamente colegial... cabe a cada escola assumir-se como verdadeiro espaço de emancipação. A escola, pelo seu Projecto Educativo e em particular pela Área de Projecto, é capaz de potenciar o emparelhamento de perspectivas que quebram com o paradigma de uma interpretação monocromática do currículo, dos valores e da acção.

A aceitação da diferença é, por si só, um princípio estratégico na lógica do alinhamento da escola com os demais sistemas que a circunscrevem.

A Escola tem que agir forçosamente em torno de mudanças significativas e o seu espaço autonómico, consubstanciado pelo Projecto Educativo, atribui-lhe uma ferramenta necessária para essa transformação. Há, no entanto, que saber discernir o caminho a partir de duas vias distintas. A escolha do caminho (via), deve, a posteriori, ser um vector para a planificação e o desenvolvimento curricular.

Reconhece-se que o Projecto, assente numa via inovadora que premia uma mudança de atitude face à escola e à comunidade educativa em geral, não está correlacionado com concepções de educação e formação que se coadunam com a uniformização, ou tão-pouco com a padronização e que se «esgotam na instrução e na acumulação de conhecimentos» (Cortesão e outros, 2002, p. 23).

Aqueles que pavoneiam o seu ofício certamente nunca abraçaram a sua visão, a sua missão e dificilmente veiculam valores democráticos e ligados à ética, como a integridade, a honestidade, a probidade e a imparcialidade. São os valores que definem a identidade do grupo e por conseguinte da escola. «São crenças profundamente enraizadas que influenciam as atitudes, as acções, as escolhas que se fazem e as decisões que se tomam. [...] Os valores respondem às seguintes perguntas: o que nos rege?; quais os princípios que orientam a nossa actividade?» (Carapeto e Fonseca, 2006, p. 99).

Por sua vez, esta mudança está associada «ao reconhecimento da importância do envolvimento de alunos e professores nos processos de construção de saberes significativos e funcionais», bem como «ao reconhecimento de que a qualidade do ensino e a capacidade de corresponder aos problemas do dia-a-dia passa pelo envolvimento das escolas e dos seus agentes» (Ibid.).

Percebemos por que razão Broch e Cros (1991) se referem ao Projecto como uma boa dose de utopia e de organização. A utopia será para nós o sorriso; a organização, a acção sobre as palavras que o definem. Importa navegarmos nestas duas dimensões que, por falta de cooperação, facilmente degeneram.

Assim, apesar das potencialidade do trabalho de projecto, não nos deixemos, uma vez mais, petrificar pelas premissas milagrosas que apresenta. O desejo de mudança faz parte do processo de desenvolvimento estratégico da acção da escola, mas não é o seu fim.

Tenhamos consciência de que «por mais centralizado que seja o sistema educativo e fechado o currículo prescrito, o professor nunca é um mero consumidor deste. Incumbido de levar à prática umas intenções educativas definidas antes e acima dele, o professor é sempre um agente modelador destas» (Carvalho e Diogo, 2001, p. 47).

Não confundamos Projecto Educativo de Escola com Projecto Educativo Politizado para a Escola ou com um pseudo Projecto Educativo Partidarizado para a Escola. As especificidades do microcosmo escolar não poderão ser escadotes estandardizados, convenientes ou hermeticamente deliberados numa pedagogia típica das arenas políticas. Se a tendência actual é evocar a heterogeneidade como factor primeiro de resolução de conflitos inerentes ao estilo burocrata da administração educacional e da gestão curricular, por que motivos contrapor com homogeneidades a promoção das identidades regionais e locais?

Saibamos e queiramos, portanto, ser agentes da mudança!

Bibliografia

Broch, Marc-Henry e Cros, Françoise (1991). Comment faire un project d’établissement? Lyon: Chronique Sociale.
Carapeto, Carlos e Fonseca, Fátima (2006). Administração pública. Modernização, qualidade e inovação. Lisboa: Edições Sílabo.
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Fraga, Nuno (2008b). «Dinâmicas no microcosmo social: o eclipse identitário», in Christine Escallier e Nelson Veríssimo (org.), Educação e Cultura. Funchal: Grafimadeira, pp. 281-290.
Fraga, Nuno (2009). A dimensão europeia da educação. (Des)construções ao nível do Projecto Educativo e do Currículo do Ensino Secundário. Um estudo de caso múltiplo. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade da Madeira. Funchal: Universidade da Madeira (policopiado).
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Lennick, Doug e Kiel, Fred (2009). Inteligência moral. Lisboa: Editorial Presença
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Sergiovanni, Thomas J. (2004). Novos caminhos para a liderança escolar. Porto: Edições Asa
Trigo, João Ribeiro e Costa, Jorge Adelino. Liderança nas organizações educativas: a direcção por valores. Acedido a 26 de Abril, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n61/v16n61a05.pdf>.

1 «Defendemos que a construção do Projecto Educativo de Escola não deve emaranhar-se em longos discursos, em floreados que facilmente aceleram o mofo num documento que é demasiado vital para a dinâmica assertiva da escola consigo e com o meio que a envolve» (FRAGA, 2009, p. 144).

 

 

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