Neste volume reunem-se diversas contribuições acerca do tema da cultura científica. Desde aproximações conceituais, estudos de caso e propostas de experimentação, medições sobre o tema, assim como a apresentação de alguns elementos da experiência iberoamericana promovida pela OEI sobre o tema da cultura científica nos últimos anos. Trata-se, portanto, de um monográfico intenso, não só quanto ao tratamento dos temas ao redor da cultura científica, como variado em suas contribuições.
Do ponto de vista da ampliação de ideias e da reflexão sobre a dimensão conceitual, vários trabalhos constituem importantes contribuições. Por um lado, o trabalho de Javier Gómez Ferri, «Cultura: seus significados e diferentes modelos de cultura científica e técnica», abre a discussão sobre um tema que, por seu caráter polissêmico e próximo a outros campos do conhecimento, como a divulgaçao e a alfabetizaçao científicas, por citar somente dois, requer esclarecimento conceitual. Neste sentido, o artigo traça, brevemente, a procedência do tema, assinalando os pontos e aproximações comuns hoje em dia, e especialmente as implicações da cultura científica em relação com as questões educativas, políticas e sociais. Deste modo, o autor consegue identificar três modelos básicos de cultura científica, certamente emparentados com o próprio conceito de «cultura» no sentido geral; trata-se dos modelos canônicos, descritivos e contextuais.
Também nesta via conceitual, a contribuição de José A. López Cerezo e Noemí Sanz Merino: «Cultura científica para a educação do século XXI», propõe-se fundamentar o que significa uma cultura científica capaz de enfrentar os desafios do processo educativo em uma sociedade como a atual, atravessada por uma economia baseada no conhecimento e ao mesmo tempo surcada pelo risco tecnocientífico. Neste sentido, os autores destacam que os estudos em Ciência, Tecnologia e Sociedade oferecem perspectivas para se refletir sobre a cultura científica no âmbito educativo, bem seja porque tais estudos proporcionam as ferramentas conceituais para se entender a dinâmica da própria produção do conhecimento; bem porque, com eles, é possível aprender a partir da dinâmica da participação social em questões tecnocienfíficas.
Ao mesmo tempo, a referência ao tema educativo a partir dos enfoques cts faz parte da preocupação de Walter Antonio Bazzo. Trata-se do artigo: «Cultura científica versus humanística: a CTS é o elo?» Neste caso, o tema da cultura científica constitui um modo de refletir sobre a sociedade moderna, especialmente sobre os alcances de uma sociedade baseada no consumo, que, mediante um modelo educativo, domestica as pessoas e constrange a sua capacidade de ser responsável no mundo em que vivemos. O autor percorre perspectivas conceituais de pensadores menos vinculados à tradição cts, como é o caso de Erich Fromm, para assinalar as coincidência de suas ideias em relação às preocupaçaos de um mundo fortemente marcado pela ciência e pela tecnologia. Aponta-nos também outros autores mais recentes, como Benjamim Barber, que põem o dedo na chaga sobre a crise do mundo mercantilista moderno; crise que poderia ser paliada com a perspectiva de uma aproximação entre cultura cientifica e humanística, graças à contribuição dos estudos cts.
Nesta mesma linha de objetos de intervenção, como o tema educativo na ciência, Esperanza Asencio Cabot, com seu trabalho: «Uma alternativa didática para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem da ciência», aponta-nos rotas possíveis. A cultura científica escolar é um espaço de crise, os sintomas que temos dela refletem a apatia dos escolares perante o tema e o pouco interesse em prosseguir estudos científicos, apesar de viverem rodeados de um mundo demarcado pela ciência e pela tecnologia. A esse respeito, a autora nos mostra que outra forma de encarar a ciência na educação é possível. Para isso propõe-se demonstrar as bondades de um modelo didático baseado na dinamização. Dinamização essa que, como ela mesma esclarece, constitui um enfoque integral e sistêmico do processo de aprendizagem, relacionado com o funcionamento dos métodos, formas, meios e processos de avaliação, os quais potenciam a aprendizagem autônoma e autorregulada, tendo em mira a particularidade de cada aluno e especialmente os contextos de atuação.
Na linha das questões didáticas, como parte da preocupação pela cultura científica escolar, o artigo de Luciano Levin, Claudia Beatriz Arango e Mirian Elisabet Almirón, «Da mesa do laboratório ao celulóide. O cinema no ensino da ciência», oferece-nos recursos importantes. No seu trabalho, destaca-se o papel que o cinema pode ter, especialmente o cinema de ficção científica, para o ensino de uma ciência novedosa e com maior motivação. Mediante o cinema é possível situar os temas científicos nos contextos sociais, materiais e políticos. Os autores propõem esta estratégia sob o nome de «protótipo diegético».
Outro tipo de contribuições no monográfico se orientam mais aos estudos de caso, sem que por isso se possa dizer que não contenham uma perspectiva conceitual. Pelo contrário, é justamente aqui onde o conceitual se articula com uma práxis específica, como no trabalho de Omar Cantillo-Barraza, Mariana Sanmartino, Jorge Chica Vasco e Omar Triana Chávez: «Com vista ao desenvolvimento de uma cultura científica local a fim de enfrentar a problemática da Doença de Chagas». Resultados preliminares de uma experiência com jovens da região colombiana do Caribe. Resultados preliminares de uma experiência com jovens da região caribenha colombiana. Estamos aqui para entender um fenômeno que parecia localizado na linguagem da saúde e da doença, mas agora se enriquece graças a outros recursos conceituais. Neste sentido, os autores destacam a importância da participação comunitária e do afiançamento de uma cultura científica ao redor da problemática da Doença de Chagas, tendo como referentes as crianças da educação de nível médio de uma região colombiana como mediadores do contexto social.
Também nesta linha de casos, em que se articula o conceitual em contextos situados, encontra-se o trabalho de Myriam García Rodríguez. «A dimensão social da cultura científica, um caso exemplar: Justus von Liebig». A autora propõe uma análise baseada na reconstrução de processos históricos para identificar as variáveis sociais, políticas e econômicas que permitem entender a relação entre ciência e cultura, tanto na dimensão pessoal como institucional. A partir do trabalho de von Liebig, ela nos mostra como os indivíduos podem aprender a se relacionar com a ciência e a tecnologia em contextos sociais. Com este caso de história da ciência, a autora nos propõe lições e considerações para a construção da cultura científica.
Na linha das medições, dentro do monográfico sobre cultura científica, contamos com duas importantes contribuições. Por um lado, a de Patrick de Miranda Antonioli, Alvaro Chrispino, Ángel Vázquez Alonso e Maria Antonia Manassero Mas: «Avaliação das atitudes das duas culturas em relação à aprendizagem da ciência». Neste caso, verificam-se os resultados obtidos a partir de uma avaliação das atitudes de aprendizagem da ciência por parte de estudantes universitários e professores, com o apoio do «Questionário de opiniões sobre a ciência, a tecnologia e a sociedade cocts». Mediante o questionário é possível identificar e compreender aspectos essenciais da cultura científica e humanista dos entrevistados, assim como identificar estratégias e vias possíveis que favoreçam uma aprendizagem de maior qualidade sobre a ciência e os cursos científicos.
Também a respeito das medições, encontra-se a apresentação que nos faz Carmelo Polino: «A ciência na sala de aula e o interesse pelos cursos científico-tecnológicos, uma análise das expectativas dos alunos de nível médio na América ibérica». O trabalho, além de nos apresentar uma síntese dos resultados de aplicação de uma pesquisa iberoamericana sobre a percepção que os estudantes têm sobre as profissões científicas, ao final de seus estudos de nível médio, propõe-nos também pontos de discussão para enfrentar de forma coordenada os problemas da qualidade educativa e de políticas de promoção dos cursos científicos, ademais de outros temas de interesse relacionados com a cultura científica dos jovens. Tais considerações resultam muito oportunas, já que os resultados da pesquisa assinalam que, em uma proporção muito significativa, os estudantes não têm uma ideia clara de que a ciência possa ser uma profissão a escolher.
Para finalizar esta apresentação do monográfico, temos que nos referir a outra contribuição. Trata-se do artigo: «Uma rede para a inovação: Comunidade de Educadores Iberoamericanos para a Cultura Científica», de Mariano Martín Gordillo e Carlos Osorio. No texto, apresenta-se o projeto iberoamericano que deu origem à construção desta comunidade de educadores. O artigo nos mostra os antecedentes, o desenvolvimento dos materiais de divulgação e de trabalho em sala de aula, assim como algumas estatíticas e reflexões sobre as experiências dos docentes nesse processo.