* Universidade Federal de Santa Catarina – ufsc, Centro Tecnológico– Departamento de Engenharia Mecânica (Brasil).
SÍNTESE: Este artigo resulta das várias indagações que fazem parte de minha atuação na área científico-tecnológica. A pergunta-chave para iniciar o debate é: Afinal, o que é a «cts»? Um novo campo de estudos? Uma nova abordagem epistemológica ou o resgate dos valores humanos na difusão da cultura científica? Será que, contraditoriamente ao que pensamos ser uma educação «cts», estamos «academizando» em demasia estes estudos e, de forma similar à ciência convencional, deixando-os muito distantes da função educacional? Tal aspecto me preocupa principalmente em relação ao Ensino Médio que, por ser o espaço e o tempo da formação da personalidade juvenil, enfrenta ainda diversas dificuldades em relação à formação dos valores humanos. Com este dilema e com novas leituras, encontrei similaridade com minhas preocupações em Erich Fromm, para desvendar esta questão do dissociamento da cultura científica da cultura humanística. Além dele, alguns outros importantes autores me serviram de suporte para essas reflexões: Ellul, Mumford, Ortega y Gasset – mais recentemente, Barber, Diamond, De Masi, Herman, Klein entre outros. Para os meus propósitos de análise, fica evidente que difundir a cultura científica apartada da cultura humanística no Ensino Médio pouco contribui para o desenvolvimento pleno do ser humano. E a «cts» – da forma que a concebemos atualmente – poderia ser, sim, o elo entre estas duas culturas.
Palavras-chave: cultura científica; cultura humanística; ensino médio;«cts»
Cultura científica versus ciencias humanas, ¿la CTS es el puente entre las dos?
SÍNTESIS: Este artículo es el resultado de varias investigaciones realizadas en el curso de mis actividades en el área científico-tecnológica. La pregunta clave para iniciar el debate es: ¿qué es realmente la «cts»? ¿Un nuevo campo de estudios? ¿Un nuevo abordaje epistemológico, o el rescate del humanismo en la difusión de la cultura científica? ¿Será que, contrariamente a lo que pensamos de una educación «cts», «academizamos» esta materia, y de forma similar a la ciencia convencional nos distanciamos de la función educativa? Este aspecto me preocupa principalmente en relación a la Educación Secundaria, que constituye el espacio y el tiempo de la formación de la personalidad juvenil, pero que sin embargo enfrenta todavía dificultades varias en la formación de los valores humanos. Partiendo de esta premisa y de nuevas lecturas encontré entre mis preocupaciones y las de Erich Fromm varias similitudes, que me permiten una mayor comprensión de la disociación entre cultura científica y cultura humanística. Además de Fromm, otros importantes autores sirven como soporte en estas reflexiones: Ellul, Mumford, Ortega y Gasset –y más recientemente, Barber, Diamond, De Masi, Herman o Klein entre otros–. En mi análisis, es evidente que la enseñanza aislada durante la Enseñanza Secundaria de la cultura científica y las ciencias humanas, poco contribuye al desarrollo pleno del ser humano. Y la «cts» –como es concebida actualmente– puede ser efectivamente el puente entre estas dos culturas.
Palabras clave: cultura científica; cultura humanística; enseñanza secundaria;«cts».
Scientific culture versus human sciences, is CTS a bridge between the two of them?
Abstract: This article is the result of several investigations in the course of my activities in the science-technology area. The key question to start the debate is: What is really a cts? A new field of study? A new epistemological approach or the rescue of the humanism in the diffusion of scientific culture?
Could it be that, against to what we think of cts education, we make academic that matter and in a similar manner to conventional science we distance ourselves from the educational role? This aspect worries me mainly in relation to secondary education, which is the space and time for youth personality formation, but that however still faces several difficulties in the formation of human values. Based on this premise and new readings I found among my concerns and the ones of Erich Fromm several similarities that allow me a greater understanding of the dissociation between scientific and humanistic cultures. In addition to Fromm, other important authors serve as support in these reflections: Ellul, Mumford, Ortega y Gasset –and more recently, Barber, Diamond, De Masi, Herman o Klein amongst others. In my analysis it’s clear that teaching isolated during secondary education in the scientific culture and the human sciences contribute a little to the development of the complete human being. And the cts –as conceived today– may indeed be the bridge between these two cultures
Keywords: scientific culture; humanistic culture; secondary education; «cts».
Há muito tempo, procuro atuar em prol de uma educação que busca valores humanos indispensáveis para a efetivação de uma sociedade mais justa e igualitária. Com este propósito, na maioria das vezes, tenho me atido a relatar, academicamente, experiências, a criar conceitos, a expor ideias e, de modo «comportado», a propor alternativas para uma educação científica menos convencional e capaz de estabelecer uma relação verdadeiramente humana, mais efetiva e mais próxima à felicidade.
Confesso que, vendo os resultados concretos na educação, primordialmente no ensino básico, isto tem me parecido insuficiente, mesmo contando com excelentes aportes «cts» nas mais diferentes publicações. A demora em uma real abordagem relativa a estes conceitos e preocupações – refiro-me a uma aproximação mais contundente entre a cultura científica/tecnológica e a cultura humanística – levou-me a procurar novos aportes teóricos, o que me conduziu a alguns autores que, por sua ausência nas prateleiras dos mais vendidos atualmente, ou por dificuldades em encontrá-los pela antiguidade da publicação, raramente são trazidos para nossa reflexão .
Para os propósitos aqui definidos, o principal desses autores, sem dúvida, foi Erich Fromm (1982, 1968). Os demais – Mumford (1956), Ellul (1968) e Ortega y Gasset (1998), apesar de irrefutável importância –, ficaram mais diluídos nas minhas leituras, especificamente por colaborarem em grande parte na produção das assertivas ora apresentadas. Pela similaridade e proximidade da minha angústia com os tempos mais atuais, busco ainda em Barber (2008, 2005), Diamond (2006a-b), De Masi (2003), Herman (2001) e Klein (2008) reforços para tencionar as reflexões em torno da temática. Os posicionamentos de alguns outros estudiosos na área – ver site oei – também foram consultados e, quando citados, estão identificados na nota de rodapé. Na maioria das vezes, eles emprestaram mais suas ideias do que citações textuais. Ainda assim, considero que as suas referências são indispensáveis.
Na mescla dos autores supramencionados, é notório que alguns são novidades no «campo» «cts», sobretudo por procurar, em princípio, difundir a cultura científica como catalisadora de um interesse maior pelas questões tecnológicas por parte dos jovens do ensino médio. Talvez eles reforcem com mais contundência – e por isso embasam este estudo – a indissociabilidade explícita que deve haver entre a cultura científica e humanística para que, realmente, a meu ver, tratemos a ciência e a tecnologia de forma epistemologicamente correta.
Toda vez que me deparo com os mais variados posicionamentos relativos à produção científico-tecnológica, nas diferentes publicações – independentemente das áreas de especialidade – renovo minha concordância com Snow (1995) ao afirmar que, em se tratando do conhecimento, só chegaremos a uma harmonia quando unirmos a área humana com a científico-tecnológica ao tempo em que tivermos também clareza quanto à importância do ser em relação ao ter. Enquanto isso não acontecer, não passará de devaneio qualquer outra tentativa de imprimir uma reflexão mais aprofundada sobre o relacionamento harmônico entre ciência/tecnologia/sociedade, conhecido hoje como movimento «cts».
De minha parte, insisto que falar em cultura científica, cultura humanística, «cts» ou qualquer outro tema correlato, sem levar em consideração as diferenças fundamentais entre o ter e o ser, por extensão, a questão do consumo e do comportamento ideológico perante a utilização das tecnologias disponíveis, me parece querer escamotear um problema que é dotado de inúmeras variáveis, além das eminentemente técnicas.
A característica de irrelevar as inúmeras variáveis – notadamente as centradas no homem –, ao que indica, é reflexo da superlativa valorização que emprestamos à técnica em detrimento dos valores humanos. Já discuti questão semelhante, quando abordei o tema do ensino em engenharia, no meu livro Ciência, tecnologia e sociedade, (Bazzo, 2011). Sem dúvida, essa problemática pode ser deslocada e, com mais propriedade, incorporada às discussões da formação dos jovens na educação básica que tem, pelo menos, em tese, a possibilidade e a capacidade de contribuir para a construção da personalidade, da intelectualidade e da inteligência/sensibilidade, além da ética e da moral dos jovens estudantes.
Obviamente, a questão é fulcral, o que me faz reforçar o estabelecimento de uma defesa mais contundente da educação mais do que simplesmente o estabelecimento de um novo «campo de pesquisa» do dito «enfoque CTS». Isso não implica, entretanto, abandonar – muito pelo contrário –, a exploração das atualizadas reflexões epistemológicas da área, por certo indispensáveis para este intento. Apesar de certas correntes contrárias, que veem a ciência e a tecnologia como constructos humanos neutros, precisamos ter claro que elas foram, são e serão sempre influenciadas por normas e maquinações sociais e culturais, as quais têm como mira o poder político-econômico, seja para mantê-lo, seja para conquistá-lo.
Em curto prazo, a tendência da tecnologia, via alguns homens e mulheres já «formatados» será homogeneizar todos os processos pelos quais os seres humanos vivenciam. Em longo prazo, esses processos constituirão os homens e as mulheres, que responderão também de maneira padronizada. É isto mesmo? De certo modo, observamos um apagamento das diferenças culturais e científicas. Será a tecnologia a vilã?
De fato, a crença ora em vigor, difundida em especial pelos centros de excelência, tem contribuído significativamente para uma concepção que tende a arrasar certas culturas estabelecidas, mediante a usurpação dos valores humanos mais caros e o estímulo a um comportamento padrão: do lucro, do consumo, do ter, independentemente das questões de ordem humana. A seguir, os desdobramentos dessas provocações aqui iniciadas.
Tenho sido um pouco pessimista com a enormidade de cursos extemporâneos, que se aplicam e se multiplicam em diferentes setores da educação, buscando suprir a falta de reflexão que atinge nossos jovens que passam pelos bancos escolares. Esses cursos extemporâneos, como a grande maioria das «soluções» educacionais, atropelados pela dinâmica inconteste do desenvolvimento científico e tecnológico, buscam situações mágicas que, em grande parte, são apenas lenitivos que nos escondem a raiz do problema.
Tal atitude ou comportamento acaba, às vezes, sendo contraditório com nossa própria convicção epistemológica ao estarmos aumentando a «avalancha» de informações – já exaustivamente disponível nos aparatos mediáticos – em detrimento da capacidade de ler que se perde nas infindáveis possibilidades de entretenimentos telegráficos que afastam cada vez mais nossos estudantes da análise, da reflexão e do pensar. Pode ser utopia querer trazê-los para a cultura da leitura. Por outro lado, penso que as escolas, as burocracias educacionais e, mesmo nós, educadores, ao não realçarmos mais isso, estamos caindo numa malha que nos envolve e nos afasta definitivamente da busca das soluções das verdadeiras agruras do homem contemporâneo. Talvez aí se assente o distanciamento abissal entre a cultura científico/tecnológica e a cultura humana.
2.1 Não é da área!
Costuma-se dizer que a «área cts» pertence à educação científica e tecnológica e por isso seus conceitos, aprendizados e ensinamentos devem ser oriundos das ciências ditas «duras» para ela não se tornar apenas um discurso vazio da falta de pragmatismo de pensadores, digamos, um pouco afastados da realidade competitiva do mundo contemporâneo. Para mim, e de modo bastante categórico, é nisso que reside tal distanciamento entre a cultura humana e a tecnológica. Inclusive por parte daqueles que, com a melhor das intenções, estão trabalhando «cts» como se fosse apenas uma nova abordagem mais light, visando atender aos constantes apelos dos estudiosos que dizem que a tecnologia está se afastando dos valores humanos.
A questão é mais profunda. Não se trata apenas de adendos extemporâneos e sim de «mesclas» teóricas que são capazes de demonstrar, principalmente para aqueles que estão sendo educados no Ensino Médio, que a intersecção ciência, tecnologia e sociedade é «intestina», é indispensável e é urgente de ser implantada. Sobre essa complexa relação, Cerezo faz um alerta, nas páginas da oei, acerca do Ativismo cts, em El debate: es hora de pasar a la acción, assim como Mariano Gordillo , Carlos Osório , Pereira , também eu e outros que, prontamente com ele, concordamos e nos propusemos a colocar mais urgência nessa discussão e na necessidade de mais leituras críticas e multi-referenciais.
As questões que dizem respeito ao distanciamento da cultura científica da humanística remontam há muito tempo. No início do século xx, principalmente com o advento da I Guerra Mundial, os aparatos bélicos já eram completamente dependentes da evolução científica e tecnológica, o que fazia detonar um sentimento de confronto poder/felicidade entre aqueles humanistas, alijados do processo de desenvolvimento voraz do produzir/consumir/matar/vencer.
Autores que nem sequer «sonhavam» com a sigla «cts» já traziam esta preocupação, talvez com um pouco mais de amplitude do que se faz atualmente, fundamentados na proximidade mais acentuada das áreas do conhecimento que, ainda se mesclavam, pensando um pouco mais no homem do que na máquina também como fruto do avanço desenfreado da revolução industrial. Mumford, Ellul, Ortega y Gasset, todos eles mais próximos dessa discussão estabeleciam muito acentuadamente algumas questões que poderiam ser discutidas para minimizar o fosso que, mais tarde, na década de 50, Snow caracterizaria como sendo o distanciamento entre a área científico-tecnológica e a área humanística.
Mas, dentro da preocupação suscitada, considerado um «invasor» na seara «cts», naquela época ainda inóspita, Erich Fromm colocou o «dedo na ferida» e mostrou que as questões sociais e humanas dependem muito mais da variável Ser Humano do que da variável Máquina. Foram inúmeros tratados, que quando não focavam explicitamente o problema, ao menos tangenciavam as questões aqui discutidas. Dentre suas obras, destaco «Ter ou Ser?», editada no Brasil, em 1982, mas escrito originalmente, em 1976, nos eua. Nessa época, o movimento «cts» já se estabelecia embrionariamente em alguns países do mundo.
Esse livro(Ter ou Ser?), pela tese apresentada, possibilita que os alunos, principalmente do Ensino Médio, saibam da grande enrascada em que nos encontramos se não conseguirmos harmonizar o desenvolvimento científico/tecnológico com o desenvolvimento humano. Sua leitura remete-nos às mais variadas reflexões sobre a vida. Análise para ser feita desarmado de qualquer rejeição às ideias que podem bater de frente com nossas convicções mais profundas de que o desenvolvimento humano está atrelado ao desenvolvimento científico/tecnológico. Este livro – juntamente com a Revolução da Esperança (Fromm, 1968) – resenha e culmina – em parte é lógico – a vata obra de Fromm.
Polêmico, sem dúvida, como toda posição radical, mas, sobretudo pela sua interpretação pessoal do dogma cristão e do marxismo, aos quais despoja do caráter revolucionário e de doutrina social, Fromm quer estudar e entender as metas do indivíduo. Para atingir tais metas, ele propõe um programa de oito pontos através do qual postula um crescimento limitado e seletivo – aqui é impressionante a atualidade de tais metas, apesar de terem sido escritas em meados do século passado –, apenas para evitar o colapso econômico e como garantia das satisfações psíquicas e afetivas.
Evidentemente, como premissa ter-se-ia que frear a produção industrial tendente a um «fascismo tecnológico com a face sorridente», banimento da «economia de mercado» e restabelecer as possibilidades de iniciativa individual na vida, «e não nos negócios». Fromm é o primeiro a reconhecer as dificuldades do seu plano, «em vista do poder das empresas» e da «apatia e fragilidade de grandes segmentos da população» e do desenfreado apelo ao consumo. Ainda assim, ele apresenta os aspectos que a nova sociedade terá que solucionar de uma maneira ou outra. Tanto antes como agora, eles seguem sendo os mesmos, talvez, apenas com outra «roupagem». Então, vejamos:
Alguém poderia ver muita diferença com aquilo que exaustivamente estamos discutindo em relação à civilização contemporânea? Poderíamos resolver estas questões sem uma efetiva aproximação e entendimento da cultura científico/tecnológica e da cultura humanística? A «cts» da forma como vem sendo entendida e praticada dentro do campo educacional tem servido de «elo» para que isso efetivamente ocorra? São muitas as perguntas que se formulam, que se debatem, mas que raramente encontram reflexões na busca de resposta dentro do ensino e, de forma mais agravada, no Ensino Médio.
Com essas provocações, reforço a indicação da leitura, por ser indispensável, e ao mesmo tempo me dirijo mais especificamente ao professor que labuta na educação científico/tecnológica do Ensino Médio. Quase sempre, por tradição das profissões decorrentes da área e dos programas educacionais estabelecidos pelo poder hegemônico, ele deduz que as questões humanas podem ser dispensáveis – para quem pensa em formar continuadores do «progresso» atrelado apenas à produção em massa de bens tecnológicos, que parecem nos conduzir à resolução dos problemas sociais de um modo geral, o que conduziria à felicidade plena. No entanto, creio que, ao invés dessa transmissão linear e ingênua, o professor poderá incutir nos jovens outra «cultura», aqui chamamos de cultura da leitura. Esta poderá aproximar a cultura científico/tecnológica da cultura humanística.
Para concluir este primeiro raciocínio temporal, imerso nas breves reflexões derivadas das obras de Fromm, pode-se mostrar que tanto antes como agora, o ter vem suplantando o ser e, por consequência, a cultura científico/tecnológica tem sido a dominante em relação à cultura humanística.
Cursos extemporâneos e mudanças em grades curriculares não parecem ser a solução plausível. Aumento de carga horária nos já comprometidos tempos gastos para cumprir tarefas adestradoras, muito menos. Parece-me bastante pertinente, repetindo meu raciocínio anterior, recorrer à literatura de pensadores que veem o mundo de forma mais holística e que mostram que só uma equação n-dimensional pode modelar e resolver, ao menos em parte, problemas atuais da humanidade; e que para isso são necessários novos elementos nessa busca incessante por mais igualdade entre todos.
Num trabalho apresentado no COBENGE 2011 , evidenciamos a necessidade de motivar os alunos de engenharia – e agora utilizo a mesma razão para os estudantes do Ensino Médio – para uma formação mais sólida, reflexiva e humanística. Ressaltamos ainda que os subsídios para tal empreendimento poderiam ser encontrados na leitura de «novos» autores, às vezes ausentes dos estudos correntes da academia. A base para a nossa lógica vem calcada numa premissa recorrente: educar não é treinar, é construir. E a construção, por se renovar a cada instante, necessita de mais fundamentação do que aquela estritamente relativa à área de estudos.
Nessa atual percepção da sistemática de trabalharmos conteúdos que reúnam ciência, tecnologia e valores humanos, alguns novos autores que não transitam nas hostes da «cts», são de importância capital. Neste aspecto, o professor – novamente ele – tem que ter capacidade e discernimento para detectar quais são as variáveis que influenciam a compreensão da relação existente entre ciência tecnologia e sociedade.
Sou bastante radical em dizer que todas as variáveis que digam respeito à vida e ao homem estão atreladas a essa compreensão. Contudo, por não termos vida útil suficiente para trabalharmos com a totalidade delas, elegi algumas. Sendo o consumo desenfreado a principal incógnita para a aproximação entre as culturas profundamente calcadas entre o ser e o ter, me parece de importância capital pensar sobre o comportamento dos jovens, que estão sempre expostos a uma mídia comprometida com os preceitos do consumo. Vender a todo custo, eis a lógica da cultura do lucro – que poderia ser aqui confundida com a cultura tecnológica, por isso precisa ser estabelecida e cotidianamente renovada. Até aqui, os elementos colocados para discussão reforçam a complexidade dessa equação n-dimensional. Como estabelecer e renovar uma cultura tecnológica em prol do desenvolvimento humano?
Creio que a busca de respostas para essa questão poderia instigar os estudantes à curiosidade de aprender em várias fontes. Cientes de que a cultura estabelecida é rígida e a leitura passou a ser uma tarefa «assustadora» pelo «consumo» de tempo – numa sociedade cada vez mais comprometida com o pragmatismo (com os princípios da utilidade e do uso), ouso apostar na provocação através desta «ferramenta». Estabelecendo sempre a complexidade dos problemas multifacetados implicados na educação tecnológica, através de apontamentos reflexivos em sala de aula, devemos remeter os alunos aos livros , para que essas incógnitas comecem a ser conhecidas e decifradas.
O novo direcionamento cultural, proposto no item anterior, promoveu meu encontro com Benjamim Barber (2008). Ao tratar sobre o consumo, ele coloca como um tema central a questão das liberdades e do desenvolvimento sustentável. A linha mestra de seus textos nos leva a pensar na «embrulhada» em que a sociedade humana vem se metendo pela voracidade do consumo.
Num estudo sobre democracia e capitalismo – que indiretamente promovem o consumo exacerbado –, Barber mostra como o etos infantilista priva a sociedade de cidadãos responsáveis e substitui bens públicos por mercadorias privadas. A tradicional sociedade democrática liberal é colonizada por uma imposição do mercado; o espaço público é privatizado; a identidade é transformada em marca comercial; o nosso mundo, homogeneizado. A educação, por consequência, perpetua esse costume – enfatizando a cultura científico/tecnológica.
Barber argumenta que o consumismo se apresenta numa forma tardia do capitalismo, inicialmente um sistema de produção de bens úteis à população. O autor considera que a desigualdade global separou o planeta em dois tipos de potenciais consumidores: o pobre do país em desenvolvimento, com muitas necessidades, mas sem meios de satisfazê-las, e o rico do país desenvolvido, com muito dinheiro, mas sem ter por que gastar. Afirma ainda que o capitalismo atual não se baseia mais na produção de mercadorias, mas na de necessidades. E, quando pensamos primordialmente tratar sobre a tecnologia dentro da educação, o agente diretor básico do aprendizado, baseado nesse paradigma, é conduzido para a competitividade e a eficiência. No empreendimento hegemônico, portanto, as incógnitas da equação humana são abandonadas.
Os indícios trazidos por Barber nos inquietam e nos alertam mais ainda em relação à educação processada na educação e, em particular, no Ensino Médio. Não são poucas as perturbações, quando estamos discutindo tecnologia e desenvolvimento, que trazem à tona a questão da geração de necessidades. Isso está encravado nas nossas ansiedades, quando vemos o papel da tecnologia na sociedade. Até quando teremos matéria prima disponível para «tentarmos» um «desenvolvimento sustentável»? Cada vez nos convencemos mais – infelizmente – que, a continuar com o modelo de consumo atual, estaremos montando uma equação que não comportará uma solução com final feliz.
É Barber quem esclarece que, se os pobres não podem enriquecer o suficiente para se tornarem consumidores, então, os adultos do mundo em desenvolvimento – atualmente responsáveis por 60% do consumo mundial – terão que ser atraídos às compras. Induzi-los a permanecer infantis e impetuosos em seus gostos ajuda a assegurar que comprem os bens do mercado global destinados a jovens indolentes e prósperos.
De maneira profunda, Barber confronta as prováveis consequências para nossos filhos, nossa liberdade e nossa cidadania, mostra ainda como os cidadãos podem resistir e transcender à esquizofrenia cívica que o consumismo disseminou no ensino superior – que aqui estendo ao ensino médio.
A nova corrupção no ensino superior decorre de tratar os estudantes não como aprendizes autônomos, mas como consumidores livres e compradores ainda não comprometidos com marcas – clientes de serviços educacionais. (Barber, 2008, p.26)
Vendedores veem um mercado de bilhões por ano formado por subsistema particularmente atraente aos jovens – no caso de sua análise, os jovens norte-americanos, mas que expandimos ao «mundo globalizado» –, que ainda estão procurando marcas, que controlam uma extraordinária renda disponível e que tem influência de mercado sobre seus pais e outros adultos. Escolas, carentes de verbas de custeio, veem oportunidades de parceria como espaço para complementação de orçamento, livre das limitações impostas pela redução de recursos do Estado. E aos poucos vão se transformando também em sofisticados shopping centers.
Barber envolve a educação em todas as suas concepções que não apenas a formal, ao descrever os impactos que esse comportamento arrasta para a nossa civilização, criando a cultura em que o humanismo quase desaparece:
Também é mais fácil, num sentido genérico, assistir do que fazer; mais fácil assistir à tv, onde a imaginação é mais passiva, do que ler livros, onde a imaginação é mais ativa; mais fácil masturbar-se do que estabelecer relacionamentos dentro dos quais a sexualidade recíproca e a sensualidade interpessoal são componentes saudáveis; mais fácil manter um relacionamento sexual arbitrário e inconstante do que um relacionamento envolvendo compromisso. (Barber, 2008, p.106)
Em suma, é mais fácil ser criança do que adulto, é mais fácil brincar do que trabalhar, é mais fácil esquecer do que assumir responsabilidades. Exemplos disso são os programas de tevê que simulam tais comportamentos, nos deixando acantonados nas salas de aula, impotentes para refutar esses conceitos. Um caso típico é evidente quando nos reportamos aos reality shows – com destaque especial para o Brasil –, que espalham «facilidades», pregando a futilidade e a competição exacerbada, deixando os valores humanos cada vez mais à deriva e colocando a vida como uma mera questão de oportunidades criadas.
O que argumento aqui é que em cada caso o que é fácil também pode se revelar menos gratificante, inibindo, em vez de aumentar a felicidade. Essa é uma lição que apenas os adultos aprendem – depois de ajudados a crescer por pais, escolas, igreja, sociedade e principalmente pela educação. Sob a influência da cultura da infantilização, faz-se com que a lição pareça rígida e puritana, a preservação de pessoas, hostis à felicidade. É a substituição linear do ser pelo ter.
Nessa equação, outros fatos se distanciam das análises simplistas da educação científico-tecnológica – e em outras áreas também –, e então os modelos políticos/ideológicos de desenvolvimento humano tomam proporções que direcionam a lógica da maioria dos cursos que perpetuam esse estado de coisas. A cultura do capitalismo de consumo moderno descartou essa bagagem relacionada às questões humanas. Ou quando não o fez, utilizou-a como veículo de expansão de sua prática.
Barber afirma que, pela primeira vez na história, a sociedade sente que sua sobrevivência econômica exige uma espécie de regressão controlada, uma cultura que promova a puerilidade em vez do amadurecimento. A estratégia não representa uma campanha contra cultural para reconhecer que as características da infância podem ser fontes de virtudes – inocência, autenticidade, criatividade, espontaneidade, espírito brincalhão…
Ao contrário, é uma campanha para reprimir características da infância em favor de outras que tornam os adultos vulneráveis, manipuláveis, impulsivos e irracionais. Essa estratégia faz sentido comercial, uma vez que o mercado não infantiliza por amor ético a infância e as suas supostas virtudes, mas pela estratégia de vender bens desnecessários a pessoas cujo julgamento e gosto adultos são obstáculos ao consumo. Por outro lado, essa tática pode fazer pouco sentido ético em termos de civilização.
Essas crianças e também os jovens que buscam qualificação profissional – e isso ocorre com mais veemência no Ensino Médio –, serão o espelho das gerações futuras. É para elas que uma educação reflexiva e crítica devem ser direcionadas. Por isso, a educação científico/tecnológica não pode desprezar essas variáveis. A liberdade, o bem estar e a maturidade intelectual passam por ela. Barber diz que «Os cidadãos são adultos. Os consumidores são crianças [...] Os cidadãos adultos exercem o poder coletivo legítimo e gozam da verdadeira liberdade pública. Os consumidores exercem a escolha trivial e gozam da liberdade falsa».
Estamos ensinando jovens – eis aqui novamente o contexto do Ensino Médio – a serem consumidores, não cidadãos. Isso tolhe sua liberdade futura. Para vivermos livremente, necessitamos do conhecimento do mundo. As questões políticas, sociais, enfim, as humanas, não podem apenas tangenciar a educação. Elas são definidoras. Não podem ficar ausentes. Não educamos para o desenvolvimento tecnológico, mas para a civilidade.
A resistência a essas forças pode surgir de uma renovação do chamado cívico. O chamado cívico conclama uma sociedade capaz de atender generosamente às «necessidades irredutíveis» das crianças e dos jovens, no mundo, sem transformar adultos em crianças ou seduzir crianças ao consumismo em nome de uma capacitação vazia através de uma cultura da padronização. Barber ainda pontua que o chamado cívico assume o papel de Wendy – na luta com Peter Pan –, que reconhece os verdadeiros prazeres da infância e ajuda as crianças a serem crianças, preservando-as do fardo de um mundo adulto explorador e violento; que se recusa a «capacitá-las» – da mesma forma que podemos fazer com os jovens em busca de uma profissionalização –, retirando delas os brinquedos, os cadernos e os livros e substituindo-os por celulares, videogames e cartões de crédito; que se recusa a libertá-las dos pais e de outros guardiões a fim de atraí-las para o «flautista de Hamelin», que as leva ao precipício comercial do Shopping Center.
As crianças devem brincar, não pagar; agir, não assistir; aprender, não comprar. Até onde pode, o capitalismo deveria ajudar a proteger as fronteiras da infância e preservar a guarda de pais e cidadãos; do contrário, deveria sair do caminho. Nem tudo precisa ter um lucro, nem todo o mundo precisa ser um comprador – não o tempo todo. Nós professores não temos o aval das gerações futuras para perpetuar um modelo falido simplesmente delegando a outras entidades a responsabilidade sobre isso.
Pode-se argumentar que o processo já está pronto e que precisa acontecer na formação das crianças nos seus primeiros anos de vida. Não deixa de ter uma ponta de razão. No entanto, é na adolescência que esse comportamento se aguça e se estabelece. E continua sendo responsabilidade dos professores a conscientização sobre tais aspectos.
Hoje, nas condições de hiperconsumismo, o chamado cívico parecerá a muitas pessoas palavra vazia; e a cidadania global, um sonho utópico. Não temos uma fórmula para concretizá-los. Mas a realidade da interdependência os torna tanto necessários quanto, em longo prazo, inevitáveis. A única questão é se descobrimos ou inventamos e depois adotamos novas formas de governança cívica global que os custos do etos infantilista pedem gritando e que as crises do capitalismo de consumo autorizam; ou se primeiro pagamos um preço terrível pela puerilidade, pelo caos no mercado e pela liberdade privada insatisfatória.
Barber, e eu reforço aqui, diz que esse preço já está sendo pago por aqueles que menos têm condições de pagar: as crianças, que achamos que imitamos e capacitamos com nosso vício na cultura do infantilismo. Este é um ponto crítico ao qual nos trouxe a história do capitalismo e de seu etos justificador engenhoso e sempre em mutação. Essa é uma história que fazemos para nós mesmos, de forma que, como sempre, mesmo sob a dominação dura, mas sedutora do capitalismo triunfante, o destino dos cidadãos continue sob controle.
As colocações de Barber, das quais me aproximo com contundência, são inquietantes e reflexivas. Concordamos? Não importa essa questão agora. Elas nos ajudam na qualidade de educadores e aprendizes. E para isso precisamos estar cada vez mais conscientes de que a educação passa pelo conhecimento dos mais variados e profícuos pensamentos.
Passamos agora a outras incógnitas do sistema, sempre atreladas à nossa equação n-dimensional, quando ouvimos à exaustão que não é da competência da educação quando está falando de tecnologia a análise de tais variáveis. Somos seres ‘técnicos’ nesta sociedade e como tal deveríamos nos comportar. Não podemos nos responsabilizar por todos os problemas do mundo. Não deixa de ser uma verdade.
No entanto, mesmo que trabalhando aspectos técnicos, como poderemos solucionar essa intricada equação humana sem conhecer suas variáveis? Parece desproposital ficarmos apenas no acalanto egocêntrico de confundirmos desenvolvimento tecnológico com desenvolvimento humano. O primeiro, sem objetivar o segundo, parece ser completamente descabido. E nessa encruzilhada, conhecer os meandros do funcionamento do capitalismo é indispensável para entendermos as razões de tanto desenvolvimento científico/tecnológico e tão pouco desenvolvimento humano.
Naomi Klein (2008), num tratado sobre estratégias, golpes, manipulações e revoluções para a manutenção do capitalismo, nos ajuda a desvendar mais algumas questões que influenciam diretamente a percepção de que a tecnologia é dependente direta do poder da manipulação.
Mais algumas incógnitas a que nos referimos são desnudadas em Doutrina do Choque (Klein, 2008) com vistas ao sistema norte-americano, reino do capitalismo, no entanto facilmente estendido a outros países. Pode se observar que as outras incógnitas fazem parte fulcral de nossa estratégia paralela ao ensino formal de sala de aula. Suprindo-nos de novos argumentos, a autora destaca:
Este livro é uma contestação da suposição mais fundamental e acalentada da história oficial – a de que o triunfo do capitalismo desregulado nasceu da liberdade, de que mercados não regulados caminham passo a passo com a democracia. Pelo contrário, vou mostrar aqui que essa espécie fundamentalista de capitalismo foi parida pelas formas mais brutais de coerção infringidas tanto sobre o corpo político coletivo quanto sobre os incontáveis corpos individuais. (Klein, 2008, p. 28)
Klein pontua que a história do livre mercado contemporâneo – mais bem compreendida como a ascensão das corporações – foi escrita com choques. A aliança corporativa está perto de conquistar suas últimas fronteiras: as economias petrolíferas fechadas do mundo árabe, e setores das economias do Ocidente que foram longamente protegidos da lógica do lucro – inclusive a defesa civil e os exércitos crescentes. Na medida em que não há sequer necessidade de manter as aparências e de buscar o consentimento público, tanto no país quanto no exterior, para privatizar essas funções essenciais, o aumento dos níveis de violência, assim como desastres cada vez maiores, tornou-se imperativo para o alcance desse objetivo. O papel decisivo desempenhado por choques e crises foi eliminado dos registros oficiais acerca da ascensão do livre mercado. Assim, as medidas extremas exibidas no Iraque e em Nova Orleans são frequentemente confundidas com a incompetência ou com o conluio existentes nas malhas do poder – e a cultura dominante atual procura deixar essas questões cada vez mais afastadas da educação.
Klein nos acrescenta várias perguntas em busca de algumas respostas que juntamos a muitas que fazemos em sala de aula: o que o furacão Katrina de Nova Orleans tem a ver com as ditaduras da década de 1960 na América Latina? Qual a relação entre o tsunami na Ásia e o massacre da Praça da Paz Celestial na China? Afinal, existe uma conexão entre a Guerra do Iraque e a democracia acorrentada da África do Sul? A questão energética é técnica ou política? Não temos respostas, mas devemos refletir sobre isso. Klein reforça que a ligação é intestina. Sua tese é a de que todas as tragédias, naturais ou construídas, fazem parte do processo de ascensão do «capitalismo de desastre» – a forma atual que o sistema capitalista encontrou para se tornar hegemônico em lugares e situações em que até então ele não era.
Exemplos? Em Nova Orleans, após o furacão Katrina, a educação foi reformulada – as escolas públicas foram a partir de um «conselho» do economista Milton Friedman, privatizadas. Numa declaração surpreendente, a secretária de Estado Condoleezza Rice declarou o tsunami uma «oportunidade maravilhosa» para a política externa norte-americana. Sob a «doutrina do choque», o medo e o desespero se transformam em oportunidade de ganhar dinheiro. Das técnicas de tortura usadas pela cia à instalação de resorts de luxo na Tailândia devastada pelo tsunami, Naomi mostra a lógica perversa de um sistema orientado pela busca do lucro. Um sistema que não produz as tragédias naturais, mas que não tarda em incorporá-las em sua agenda de negócios criando uma cultura nefasta onde o que importa é apenas o lucro e a permanência no poder das grandes estruturas internacionais.
E nessa empreitada conjunta, inexoravelmente, podemos e devemos encontrar na educação, principalmente quando fala de ciência e tecnologia uma aliada indispensável para minimizar a cultura que se torna hegemônica na sociedade científico-tecnológica.
Ao trazer a este trabalho as considerações de diferentes autores, busquei desafiar aqueles que queriam entender a relação entre o desenvolvimento tecnológico com a crescente desigualdade social, aliado ao conhecimento da história não oficial, escrita nos porões do poder, que interfere no desenrolar das prioridades do mundo consumista e por extensão na educação nos diferentes níveis do aprendizado humano.
Certamente, concluir um artigo em que se fazem mais perguntas do que se oferecem respostas não é simples. No entanto, acredito que pode ser construtivo. Para isso, convido mais uma vez Barber (2005) que coloca a democracia como aliada na conquista dessas possibilidades. E o faz com sérias implicações da educação. Uma democracia calcada na instituição de valores padrões e normativos, em contextos diferentes em relação à religião, aos costumes e às formas de vidas das variadas civilizações, não deu e não dará certo. Diz ele que «a ignorância não produz por si mesma o terrorismo, mas dá lugar a muitas patologias que permitem o terrorismo crescer – incluindo pobreza, desemprego, fanatismo, ressentimentos, ódio aos “outros” e desejo de vingança».
Barber demonstra a relevância da Educação e corrobora meu propósito fundamental – quando afirmo que a «cts» pode ser o elo entre as culturas (científico/tecnológica e humana) tão dissociadas nos tempos atuais: «A convicção de que livros são mais poderosos do que balas constitui a premissa fundamental da democracia. Deveria ser também a premissa inicial na hora de preservar do terrorismo a democracia». Ele, como eu, chama à educação à cultura do livro. Cultura, que, repito, pode trazer de volta a reflexão sobre as inúmeras variáveis que aproximarão a cultura científico/tecnológica da cultura humanística.
Barber, mesmo sendo um norte-americano, ressalta que não é segredo nos Estados Unidos que o crime, as doenças e a patologia social estão intimamente associados com a ausência de educação. Um baixo nível educacional é o meio mais comum de indicar pobreza, problemas de saúde, elevada mortalidade, procriação descontrolada e quase todos os demais sinais de fracasso na sociedade.
Esses preceitos valem em qualquer país que abraça o capitalismo selvagem como meio de desenvolvimento. Por isso, parece-nos desproposital optarmos pela política linear de mais segurança privada, mais policiamento nas ruas enquanto seguimos desconhecendo as incógnitas de nossa equação de desenvolvimento e das culturas reinantes em todos os pontos do Planeta.
Precisamos entender o «volume de controle» para a solução de nossa equação. Ele é mais extenso do que apenas nações isoladas. Ele precisa abraçar todo o globo terrestre. As mazelas de um estado logo vão refletir nos outros, desestabilizando o todo. E a educação tem que estar presente nesse processo para nos livrar da «metástase», que pode ser fatal.
Projetar a tecnologia, muitas vezes para aumentar o poderio econômico, e, por consequência, o poderio bélico, evoca o velho mundo de nações soberanas; invocar o poder da educação crítica e não linear é o modo apropriado ao novo mundo de interdependência global. Essa é a globalização que precisamos e que passa longe das transações econômicas e tecnológicas que ao invés de libertar subjugam os países subdesenvolvidos impondo-lhes culturas que nada tem a ver com o seu comportamento social e humano.
No final, os povos só conseguem construir a democracia para eles próprios dentro de seus contextos e de uma educação voltada para isso.
Impô-la de fora, com a melhor das intenções – dentro do paradigma da dominação – é uma receita de fracasso. Ao mesmo tempo, não pode existir democracia num país sem que ela exista no vizinho, não pode existir no Norte sem que exista no Sul. Interdependência significa que a democracia deve funcionar para todos, ou então, com o tempo, ela acaba não funcionando para nenhum. Cultivar a democracia no interior de um país não dá certo, a menos que a democracia também regule as relações entre os países. Se o contrato social não puder ser estendido a todo planeta, seus termos provavelmente não serão capazes de garantir segurança e liberdade no interior dos países. (Barber, 2005, p. 228)
São muitas as incógnitas, mas podemos começar a desvendá-las! Diz um preceito antigo da engenharia – e aqui eu utilizo na minha condição de engenheiro – que mais importante que resolver um problema é identificá-lo. Portanto mãos à obra.
Na qualidade de educador, e pensando primordialmente na formação em nível médio, creio que a primeira grande tarefa é aumentar a formação educacional da população através não da constante monitoração quantitativa, mas sim pela democratização do acesso a escolas de qualidade.
Os pontos fortes na reviravolta – e aqui me refiro mais ao Brasil, meu país de origem – são o foco nas escolas, para que elas possam efetivamente ajudar as crianças e adolescentes a se constituírem como humanos e contribuir para um presente-futuro mais harmonioso e equilibrado entre todos os seres habitantes do Planeta.
Para isso, a necessidade de formação de professores em universidades e programas de pós-graduação para realmente atuarem na formação de jovens e não apenas de novos círculos de «pesquisa» dentro de seus grupos fechados. Enfim, encaminho a finalização, em resposta ao que discutimos neste artigo, afirmando: a «cts» será o elo efetivo entre a cultura científico/tecnológica e a humanística. Para tanto, precisaremos de pessoas trabalhando em prol dessa construção, de uma educação básica de alta qualidade, que dê uma base sólida para as etapas seguintes do aprendizado. Certamente, precisaremos de mais educadores que sejam pesquisadores, no sentido de serem leitores críticos, sensíveis à busca de solução dos problemas humanos, e menos de pesquisadores de laboratório e de atualizadores de bibliografias de uma área isolada do conhecimento, que escrevem com «letras frias» para serem lançadas no mundo das tecnologias digitais ou esquecidas em folhas de papel.
Barber, Benjamim R. (2008). Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Rio de Janeiro: Editora Record.
— (2005). O império do medo: guerra, terrorismo e democracia. Rio de Janeiro: Editora Record.
Bazzo, Walter Antonio (2011) Ciência, tecnologia e sociedade: e o contexto da educação tecnológica. 3 ed. Florianópolis: Editora ufsc.
De Masi, Domenico. (2003). Criatividade e grupos criativos. Rio de Janeiro: Sextante.
De Masi, Domenico & Pepe, Dunia (2003). As palavras no tempo. Vinte e seis vocábulos da Enciclopédie para o ano 2000. Rio de Janeiro: Editora José Olympio.
Diamond, Jared (2006a). Armas, germes e aço os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Editora Record.
— (2006b). Colapso, como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Editora Record.
Ellul, Jacques (1968). A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra Ltda.
Fromm, Erich (1982). Ter ou ser?4 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
— (1968). A revolução da esperança. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Herman, Arthur (2011). A idéia de decadência na história ocidental. Rio de Janeiro: Editora Record.
Klein, Naomi (2008). A doutrina do choque – a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
Mumford, Lewis (1959). A condição de homem, uma análise dos propósitos e fins do desenvolvimento humano. Rio de Janeiro: Editora Globo.
Ortega y Gasset, José. (1998). Meditación de la técnica y otros ensayos sobre ciencia y filosofía. Madrid: Revista de Occidente em Alianza Editorial.
Snow, Charles Percy (1995). As duas culturas e uma segunda leitura. São Paulo: edusp.
Sobre a questão da dificuldade e da necessidade de ter acesso aos teóricos da «cts» da metade do século xx ver artigo publicado em http://www.oei.es/divulgacioncientifica/opinion0032.htm
9 Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia - http://www.nepet.ufsc.br/artigos.php?p=0 com o título «Uma equação de várias incógnitas» de autoria de Walter Antonio Bazzo e Luiz Teixeira do Vale Pereira.
Ver página do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica – NEPET – na seção Muita leitura! Sempre (http://www.nepet.ufsc.br/leitura.php?p=0)