Número Mayo-Agosto / Maio-Agosto 2012

Índice

O uso do jornal impresso na educação básica: resultados de uma década de pesquisas no Brasil

Dilmeire Sant`Anna Ramos Vosgerau
Rafaela Bortolin Pinheiro?

* Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (pucpr).
** Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (pucpr) e mestranda em Educação pela mesma universidade.

SI?NTESE: O presente estudo se caracteriza por ser uma pesquisa do tipo estado do conhecimento (ou estado da arte), sobre o uso do jornal impresso na escola, tendo como objetivo geral realizar um levantamento da produção sobre o tema no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Para conduzir a pesquisa foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: indicar as tendências investigativas sobre o assunto no Brasil, examinar as características dessas pesquisas e verificar se os estudos relacionam o uso de jornais na escola com a formação e/ou com o trabalho docente. Após a análise de 73 publicações (61 dissertações, duas dissertações profissionais e sete teses), foi possível constatar que a produção brasileira é instável, está concentrada nas regiões Sul e Sudeste, aborda o uso pedagógico do jornal em contextos variados, apresenta as possibilidades deste recurso em diferentes disciplinas, relaciona os benefícios destas atividades como formas de incentivo à leitura, à escrita e à cidadania entre os alunos, mas, na maioria dos casos, não manifesta preocupação com a formação e atuação dos professores.
Palavras-chave: Jornal impresso; mídia impressa; formação do professor; sala de aula; estado da arte.
Uso de periódico impreso en la educación básica: resultados de una década de investigación en Brasil
SI?NTESIS: Este artículo se caracteriza por ser una investigación del tipo «estado de conocimiento» (o «estado del arte») sobre el uso del periódico impreso y su objetivo general es realizar un estudio de la producción sobre el tema del Banco de Tesis de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Los objetivos específicos son los siguientes: indicar las tendencias de las investigaciones sobre el tema en Brasil, examinar las características de la investigación y comprobar si los estudios relacionan el uso de periódicos en la escuela con formación y/o la enseñanza. Tras el análisis de 73 publicaciones (61 disertaciones, dos disertaciones profesional y 10 tesis), se determinó que la producción de Brasil es inestable, se concentra en el Sur y Sudeste, analiza el uso pedagógico del periódico en varios contextos, presenta las posibilidades de diarios en las diferentes disciplinas, enumera los beneficios de estas actividades como una manera de fomentar la lectura, la escritura y la ciudadanía entre los estudiantes, pero, en la mayoría de los casos, no se preocupa por la formación y desempeño de los docentes.
Palabras clave: diarios; periódicos; formación del profesorado; aula; estado del arte.
Use of printred newspaper in basic education: results of a decade of research in Brazil
aBSTRACT: This study is characterized as a «state of knowledge» research (or «state of art») about the use of printed newspaper in school and its general objective is to perform a survey on the production of this subject at the Bank of Theses of the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). The specific objectives are: to indicate the trends of investigation about this subject in Brazil, to examine the characteristics of that research and verify if the studies relate the use of newspapers in school with teachers training and/or work. After the analysis of 73 publications (61 dissertations, two professional dissertation and ten theses), it was possible to determine that Brazil’s production is unstable, it is concentrated in the South and Southeast, discusses the pedagogical use of the newspaper in various contexts, presents the possibilities of this resource in different disciplines, lists the benefits of those activities as ways to encourage reading, writing and citizenship among students, but, in most cases, it isn’t concerned with the training and performance of teachers.
Keywords: newspaper; printed media; teacher education; classroom; state of art.

1 Introdução

O uso do jornal na escola tem sido defendido por alguns pesquisadores brasileiros desde a década de 1970 (Anhussi, 2009), e as discussões giram em torno a como este tipo de mídia impressa pode ser um recurso de incentivo à leitura, à escrita e ao desenvolvimento do espírito crítico e da cidadania, principalmente entre os alunos, de maneira que eles sejam formados como leitores conscientes de seu papel na sociedade. Com isso, espera-se que esses estudantes sejam capazes de manter uma relação mais aprofundada com os meios de comunicação, deixando de lado um perfil passivo e conformado e exercendo uma postura questionadora, crítica e criteriosa.

Surge uma série de projetos de uso do jornal em sala de aula, vistos como potencializadores do processo de ensino-aprendizagem, desenvolvidos por empresas jornalísticas, por iniciativa dos professores ou de membros da equipe pedagógica ou pela inserção de trechos de reportagens, charges, fotos e outros recursos jornalísticos em livros didáticos (Rodrigues, 2006).

Além dos benefícios para os alunos, há os benefícios deste tipo de projeto para os professores, que tendem a desenvolver seus processos de leitura e escrita, com o intuito de acompanhar as novas exigências dos alunos. É justamente nesse ponto que muitos docentes acabam se distanciando do uso do jornal em sala de aula já que, sem uma correta capacitação para a inserção desta mídia no contexto das aulas, eles podem se sentir desmotivados ou desenvolver atividades aquém de seu potencial.

Levando em consideração essas questões, o presente estudo se caracteriza por ser uma pesquisa sobre o estado da arte a respeito do uso do jornal impresso em sala de aula, visando realizar um levantamento da produção sobre o tema no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), indicando suas tendências investigativas, as características das pesquisas e como elas denotam preocupação com a preparação docente para o uso do mencionado recurso em sala de aula.

2 Jornais impressos na escola: limites e benefícios

Atualmente, o uso do jornal na escola pode abranger iniciativas de criação de um jornal escolar (geralmente apresentadas pelos professores ou pela equipe pedagógica da escola), inclusão de textos jornalísticos em livros didáticos ou a partir de projetos elaborados e mantidos por empresas jornalísticas.

Como aponta Caldas (2006), hoje, a maior parte dos projetos brasileiros de mídia na escola deriva da atuação de empresas de comunicação que enviam, sem custos, exemplares de suas edições para as instituições de ensino. Em alguns casos, também são oferecidos cursos de formação para os professores. 

Combinando uma linguagem simples e direta e a publicação de assuntos recentes e atualizados, os jornais impressos tendem a ser usados na escola como um recurso a mais para ampliar as possibilidades de ensino à disposição do professor e, consequentemente, uma alternativa para potencializar a aprendizagem dos alunos.

Com métodos peculiares, que variam conforme o tipo de publicação utilizada, as características das turmas, os objetivos e a forma de trabalho do docente, as atividades com jornais impressos, em geral, intentam ampliar – ou, pelo menos, incentivar – o hábito de leitura em crianças e jovens a partir da utilização de matérias, fotos e recursos jornalísticos como elementos de complementação das aulas.

Entre os benefícios de sua utilização na escola, o jornal se revela atraente por possibilitar o contato com informações contextualizadas, abrindo espaço para que as aulas sejam mais dinâmicas e capazes de tornar os conteúdos escolares mais relevantes para a formação crítica dos alunos. Nessa perspectiva, Faria (2003, p.11) aponta que «levar jornais/revistas para a sala de aula é trazer o mundo para dentro da escola. (...) Jornais e revistas são, portanto, mediadores entre a escola e o mundo » .

Dessa forma, os jornais se tornam alternativas eficientes para que se forme uma ligação entre a escola, suas práticas e os conteúdos, e o dia a dia de alunos e professores, com os principais fatos que ocorreram em sua cidade, em seu país ou em outras localidades. A partir disso, os limites físicos da escola podem ser transpostos e outras formas de expressão, com outros discursos e opiniões, são apresentados, lidos e analisados.

É importante notar que a mídia impressa não é um suporte que pretende substituir o uso dos livros didáticos ou o papel dos professores no ensino-aprendizagem, senão complementá-los a partir da possibilidade de as atividades escolares se focarem em fatos atuais.

Para Anhussi (2009), os jornais são uma alternativa na escola pela sua instantaneidade, já que as notícias veiculadas nas publicações diárias dizem respeito a fatos variados do dia anterior, enquanto os livros didáticos, em geral, demoram mais de um ano entre a elaboração, a publicação e o uso nas instituições de ensino.

Outra vantagem são as possibilidades de incentivo à autonomia e ao desenvolvimento da cidadania entre os sujeitos. Como indica Faria (2003, p.11), «se a leitura do jornal for bem conduzida, ela prepara leitores experientes e críticos para desempenhar bem seu papel na sociedade » .

Isso porque, ao lidarem com o que aconteceu no dia anterior, com a análise de especialistas dentro das matérias jornalísticas, alunos e professores têm informações sobre o que acontece, onde, como e o porquê de determinadas situações, entrando em contato com o mundo e sentindo-se estimulados a debater, a formar suas opiniões e, a partir da leitura crítica e consciente, exercitar sua cidadania.

Apesar desses benefícios, a utilização do jornal em sala de aula também recebe críticas, principalmente em relação à manipulação das informações publicadas e aos perigos da falta de formação de alunos e professores para uma leitura crítica deste tipo de mídia, o que poderia influenciar na formação de um público altamente manipulável e sem capacidade de formar sua própria opinião.

Por isso, Faria (2003, p.13) declara que os projetos de uso do jornal devem ir além da mera leitura das matérias, e seu primeiro objetivo deve ser «ensinar o aluno a se situar no caos desse excesso de informação (tanto no que diz respeito a fatos históricos importantes como aos fatos miúdos do quotidiano). É ensiná-lo a selecionar os fatos, organizando-os, analisando-os, criticando-os » .

Nesse uso do jornal, observa-se como a atuação dos professores não pode ser ignorada nas propostas de sua utilização, já que eles catalisam e potencializam os resultados dessas atividades entre os alunos. Como comenta Molina (1992), ao se incentivar a leitura entre os estudantes, outros objetivos são diretamente atingidos, como a melhora da condição de leitor do professor na medida de sua necessidade de se preparar e acompanhar seus alunos, mudando a relação professor-aluno de uma tendência unilateral para uma ação compartilhada durante as aulas.

Assim, o uso do jornal não é importante apenas para os alunos, mas funciona, também, para que o professor desenvolva suas habilidades de leitura, torne-se mais crítico e consciente e, em longo prazo, possa questionar as informações publicadas, comparando as abordagens de veículos diferentes e desenvolvendo ideias, opiniões e representações próprias, tornando-se mais autônomo e exigente quanto à qualidade das informações com as quais tem contato.

3 Metodologia

Zuffo (2011, p.51), em sua pesquisa do tipo estado da arte sobre a formação dos professores para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (tic), declara que, ao elaborar um estudo deste tipo, o pesquisador produz um mapeamento da produção a respeito do tema escolhido, o que permite «detectar avanços e repetições do objeto de estudo em questão, bem como verificar os delineamentos mais específicos que caracterizem opções metodológicas e teóricas, as quais descrevem os rumos que o conhecimento vem tomando »

Esta perspectiva do estado da arte como forma de não apenas conhecer, mas também analisar as produções e fazer do estudo uma forma de identificar lacunas e trazer novas sugestões de abordagens é defendida por Mira (2011), que realizou um estudo tipo estado da arte sobre o estágio em Gestão Escolar no curso de Pedagogia entre os anos de 1999 e 2008.

Em sua pesquisa, a autora explica que, ao mapear as produções científicas publicadas em um determinado período, o pesquisador ajuda a delinear um panorama de como está a pesquisa já sistematizada, como também indica «caminhos para o desenvolvimento de outras propostas de investigação que possibilitem o aprofundamento e/ou a originalidade no trato de um determinado objeto de estudo » (Mira, 2011, p.47).

Os documentos são analisados sob duas perspectivas: quanto ao conteúdo e quanto à metodologia. O conteúdo se refere aos temas de investigação e aos resultados que têm sido discutidos nas pesquisas, baseando-se nos estudos de Vermelho e Areu (2005). Para a análise da metodologia, foram utilizados os estudos de Romanowski e Ens (2006), Picheth (2007), Zuffo (2011) e Mira (2011), que apresentam indicadores metodológicos empregados em diferentes pesquisas educacionais. Já o encaminhamento desta pesquisa se realiza a partir de Zuffo (2011), que descreve detalhadamente em sua dissertação os passos para realização de uma pesquisa do tipo Estado da Arte.

A metodologia foi desenvolvida a partir de onze etapas. Foram elas:

4 O perfil das publicações analisadas

A partir das análises dos textos localizados nesta pesquisa, foi possível identificar 61 dissertações, duas dissertações profissionais e sete teses. A grande diferença da produção científica no formato de dissertações em relação a teses se dá pelo fato de que as universidades brasileiras oferecem o dobro ou mais de vagas para Mestrado do que para o Doutorado. As duas dissertações profissionais foram produzidas no ano de 2010, ano em que a Coordenação de Ensino Superior - capes estimulou a criação dos Mestrados Profissionais no Brasil para estimular a formação continuada de professores da Educação Básica.

Para identificar onde esses estudos foram produzidos, optou-se por selecionar os estados onde estão as universidades nas quais as pesquisas foram apresentadas, de forma a verificar em que regiões do Brasil as pesquisas sobre o tema estão mais desenvolvidas.

Identificou-se a concentração das pesquisas no estado de São Paulo, com 28 entre os 73 estudos analisados (38%) produzidos em universidades paulistas. Sete pesquisas foram apresentadas no Rio Grande do Sul, oito, em Minas Gerais, quatro, em Santa Catarina, seis, no Paraná, e cinco, no Rio de Janeiro, mostrando que outros estados, mesmo com números menos expressivos, também mantêm pesquisas sobre o tema. Os estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Ceará e Alagoas, com uma produção analisada em cada um, também estão representados nesta lista, o que demonstra que o interesse por pesquisar sobre o uso de jornais em sala de aula não se restringe a algumas cidades ou estados em especial, mas se manifesta, mesmo que timidamente, em diferentes regiões do Brasil, havendo ainda amplo espaço de desenvolvimento.

A produção está concentrada nas regiões Sul e Sudeste, demonstrando que a apesar da mídia impressa estar no contexto social há longo tempo, suas notícias não chegam tão facilmente à sala de aula. Em 10 anos, nenhum estado da região Norte apresentou pesquisas sobre o tema e apenas quatro da região Nordeste foram representados, o que mostra que os estudos sobre o jornal como recurso pedagógico ainda precisa se fortalecer e atingir outras partes do Brasil. Assim como nos estudos de Vermelho e Areu (2005), na região Sul e Sudeste concentra-se a produção científica nesta área.

Como um dos objetivos deste estudo era verificar se as pesquisas analisadas relacionavam o uso de jornais em sala de aula com a formação ou o trabalho docente, foi indicado o número de resumos nos quais houve a preocupação com o papel do professor nessas atividades. Verificou-se que 30 produções tinham professores como participantes ou citavam os docentes como parte do processo de implementação de um projeto de utilização do jornal na escola. Em relação aos outros 43 estudos, não foram identificadas referências claras a este respeito e os docentes não foram citados ao longo do resumo.

A princípio, a diferença entre as duas situações é pequena, mas levanta uma preocupação a respeito de como o uso do jornal é implementado nas escolas no Brasil. Levando em conta que mais da metade das produções sequer citam o professor em seu processo de análise, resultados e conclusões, fica a dúvida de como as propostas podem ser proveitosas para a escola se não debaterem a forma como os projetos devem envolver o professor. Se, na maioria dos casos, o docente é o responsável por trazer o jornal para a sala de aula e incentivar os alunos a terem contato com uma fonte de informação que não é o livro didático, é natural que ele seja um elemento-chave para que os jornais (e quaisquer outros materiais) sejam bem utilizados na escola.

Com a proposta de analisar as concepções de professores sobre o uso do jornal em sala de aula, Anhussi (2009) corrobora essa visão ao afirmar que é necessário discutir o uso de jornais (impressos e digitais) como um elemento da prática docente de leitura e escrita. Assim, para que as metas dos programas de incentivo ao uso de jornal em sala de aula sejam atingidas e realmente sejam formados leitores mais críticos e conscientes, será preciso levar em conta a relevância da atuação do professor como forma de viabilizar esses objetivos. Ainda segundo Anhussi (2009, p. 52), «para se ter um uso pedagógico crítico das informações jornalísticas na educação é necessário pensar tanto na formação inicial do professor, como na formação continuada desse profissional que muitas vezes enfrenta dificuldades devido às lacunas em seu processo de formação » .

Por isso, é importante que os docentes façam parte dos estudos desenvolvidos sobre o uso do jornal na escola – mesmo não como participantes, eles devem fazer parte das propostas e observações apresentadas nas conclusões –, um modo de tornar as pesquisas mais alinhadas com as demandas da escola e aumentar a relevância de estudos que contribuam para contornar lacunas na formação docente e definir estratégias para potencializar a atuação dos professores em projetos que envolvam mídias impressas em sala de aula.

Nesse sentido, as opções de capacitação que contemplem possibilidades, benefícios e limites do uso de jornal na escola são imprescindíveis para que os professores conheçam as características desse tipo de mídia, passem a identificá-la como potencial suporte de complementação das aulas e, a partir dessa aproximação, fiquem seguros para investir em atividades com jornais em suas aulas.

Essa preocupação se torna ainda mais importante quando se analisa que, como indicam Viana e Silva (2000, p. 89), «sem uma proposta de utilização de periódicos, sem material em mãos, sem incentivo da coordenação escolar nem momentos de discussão para se estabelecer um plano de trabalho com o jornal em sala de aula, o professor sente-se inseguro no uso desse material que poderia, na prática, constituir uma fonte revitalizadora do conteúdo curricular » .

Por isso, o sucesso dos projetos de incentivo ao uso do jornal na escola tem ligação direta com a eficiência, por capacitarem os professores, tanto na formação inicial quanto na continuada, para que eles não só tenham contato com veículos de mídia impressa, mas percebam as possibilidades de trabalho com esses recursos, se interessem em ampliar sua rotina de leitura e em valorizar o contato com livros, jornais, revistas e outros veículos de comunicação, desenvolvam a leitura crítica e acreditem nos benefícios que esse tipo de mídia traz para as aulas, para o desenvolvimento dos alunos e para seu próprio desenvolvimento.

Além da relação estabelecida com a formação e o trabalho docente, foi analisada a frequência de publicação sobre o tema, comparando o número de produções em cada ano analisado (de 2001 a 2010). A partir da observação dos resultados obtidos na etapa de seleção pelo resumo, é possível verificar que, ao longo da última década, não houve um aumento significativo no número de produções sobre o tema.

Os dados apresentados pelo Gráfico 11 revelam que a produção sobre o uso do jornal em sala de aula é instável e não apresenta um padrão de crescimento ou retração. Comparando 2001 e 2010, o primeiro e o último ano analisados, nota-se que a produção subiu de cinco para 11 títulos, um aumento absoluto de 45%. Porém, neste ínterim, a variação no número de pesquisas é grande e vai de três títulos, em 2003 e 2004, a 15 títulos em 2006.

Também merece destaque o número absoluto reduzido de produções. Em 2003 e 2004, por exemplo, foram apenas três publicações sobre o tema em todo o Brasil, um índice baixo e que põe em dúvida se os estudos sobre as potencialidades do jornal na escola não se restringem a núcleos específicos de produção, deixando a produção aquém do que seria necessário para lançar novas possibilidades de abordagem e fortalecer essa área de pesquisa nas universidades brasileiras.

5 O que revelam as produções analisadas

A partir da análise das produções, foi possível perceber algumas características relevantes das pesquisas e definir algumas considerações quanto aos temas, objetivos e resultados dos estudos.

Destaca-se a diferença de contextos nos quais são produzidas as pesquisas, apresentando características variadas quanto à escolha dos participantes e aos locais de coleta de dados, mas com foco comum nos benefícios do uso da mídia impressa na escola. Um exemplo disto é a variedade de sujeitos escolhidos. De crianças nas séries iniciais do Ensino Fundamental a alunos jovens e adultos matriculados na eja, passando por estudos em turmas de Ensino Médio regular, foi possível verificar a diversidade de participantes de pesquisa escolhidos, o que comprova que o uso de jornais na escola é uma proposta cuja implementação vem sendo investigada em contextos distintos e variados. Essa observação é corroborada pela variedade de espaços onde essas pesquisas se desenvolvem. Entre os 73 textos analisados na presente investigação, foram encontradas produções que tinham como contexto escolas públicas, outras, que envolviam professores e alunos de escolas particulares e, em número reduzido, comparando os resultados nos dois tipos de instituição, com destaque para as produções de Ijuim (2002), Leão (2003) e Theodorio (2003), que comparam o uso de jornais em escolas públicas e particulares, concluindo que a mídia impressa pode ser usada em qualquer tipo de instituição de ensino com resultados semelhantes.

É relevante enfatizar que esses estudos não se restringem a escolas que, normalmente, têm acesso mais facilitado a edições de jornais, como instituições localizadas em grandes cidades, mas também investigam as possibilidades da mídia impressa em escolas rurais e, inclusive, em cidades onde não há pontos de venda de jornais. É o caso de Torquato (2002), que descreve o processo de produção e leitura de um jornal infantil em uma escola da zona rural de Jaú, no estado de São Paulo. Com perspectiva semelhante, Laube (2006) desenvolve sua pesquisa em uma escola na zona rural do município de Gaspar, em Santa Catarina, onde não havia bancas de jornal diário e o único veículo impresso da cidade era uma publicação impressa editada pela paróquia local. Ainda há o estudo de Gehrke (2010), que propõe o uso do jornal para a alfabetização de trabalhadores itinerantes do campo, como intuito de uma formação crítica social, pelo uso do jornal Sem Terra do Movimento dos Trabalhadores Rurais.

Quanto ao objeto de estudo, os textos se dividem, de maneira equilibrada, entre três perspectivas. Algumas pesquisas se concentram em projetos de uso de jornal na escola desenvolvidos por empresas jornalísticas, como Bahia (2005), que investiga a proposta do programa A Tarde na Escola, desenvolvida pelo jornal baiano A Tarde; Bonomo (2007), que pesquisa sobre a possibilidade de o jornal impresso ser um recurso pedagógico de apoio ao exercício da cidadania a partir do JC na Escola, um projeto do Jornal da Cidade de Bauru; e Baroni (2005), que compara três programas de jornal na escola (promovidos pelo americano The New York Times, o espanhol La Voz de Galicia e o brasileiro Folha de S. Paulo).

Outros estudos focam sua investigação nos benefícios do jornal escolar produzido pelos alunos, como Augé (2008), que pesquisa sobre o desenvolvimento do jornal escolar em aulas de Língua Portuguesa, para desenvolver entre os alunos o gosto pela leitura e pela escrita; e Mendonça (2007), que utiliza esse recurso nas aulas de Química e conclui que a atividade lúdica foi importante para despertar o interesse pelos conceitos químicos.

Em outras investigações, o objeto de estudo é a utilização do texto jornalístico – ou recortes dele – nos livros didáticos. É o caso de Bueno (2002), que pesquisa sobre a forma de apresentação dos gêneros da mídia impressa nos livros didáticos, os tipos de atividades didáticas propostas a partir deles e as implicações dessas atividades para o ensino de leitura.

Quanto às metas estabelecidas pelos estudos, igualmente foi possível identificar a variedade de objetivos. Alguns estudos, como Bahia (2005) e Bonomo (2007), relacionam o papel importante da utilização da mídia impressa como forma de despertar a cidadania entre os participantes das atividades. Na maioria das pesquisas, porém, a preocupação está em investigar, identificar e analisar como o uso de jornais em sala de aula pode ser um incentivo ao desenvolvimento dos processos de leitura e escrita (inclusive de alfabetização) e à formação de um leitor mais crítico e consciente. Nesse aspecto, destacamos Barros (2004), que questiona a visão de que a notícia é um texto neutro e imparcial, e propõe um estudo sobre a leitura da argumentatividade no gênero notícia de jornal como objeto de ensino e de aprendizagem em sala de aula, o que potencializaria a leitura crítica do texto noticioso, já que permitiria a professores e alunos compreenderem a intencionalidade que se esconde nas entrelinhas da argumentação.

Com isso, ficou evidente a associação que os pesquisadores fazem entre o uso do jornal e o incentivo à leitura na escola. E esse processo não se limita à leitura de gêneros textuais mais comuns, como matérias jornalísticas e anúncios publicitários, mas à leitura e à interpretação de dados provenientes de gráficos, como investigam Costa (2006) e Duarte (2008); à possibilidade de utilização de charges na escola, objeto de estudo de Dagostim (2009); à proposta de atividades com textos do gênero Carta do Leitor, pesquisadas por Carvalho (2006); a práticas de produção textual de artigos jornalísticos, como propõe Maieski (2005); e à utilização de textos do colunista José Simão, na Folha de S. Paulo, como alternativas para o ensino da gramática contextualizada, ou práticas de leitura e produção textual com o uso do gênero crônica jornalística opinativa, como propõe Benassi (2008).

Da mesma forma, várias pesquisas associam o uso do jornal a elementos que não fazem parte do currículo escolar, mas que igualmente trouxeram benefícios para o processo de ensino e aprendizagem. Destaque para Oliveira (2008), que realizou um estudo sobre a leitura do fotojornalismo na escola básica a partir das atividades de leitura e produção de fotografias jornalísticas, uma habilidade que ainda é pouco desenvolvida nas escolas.

Por isso, a partir da análise das publicações, pode-se perceber que os jornais têm múltiplas possibilidades de trabalho, o que rende espaço em várias disciplinas, como Matemática (Terra, 2009); Física (Melo, 2006); Geografia (Leão, 2003); Química (Mendonça, 2007); Língua Estrangeira (Moreira, 2001); e, com maior incidência, Língua Portuguesa (Aguilera, 2006; Augé, 2008).

Talvez em decorrência da multiplicidade de temas abordados, também é perceptível a variedade de resultados obtidos e como, de maneira geral, todos trazem uma perspectiva positiva do uso de jornais na escola. Em nenhum dos artigos analisados, os resultados ou conclusões mostraram que o uso da mídia impressa era prejudicial para alunos e professores ou não deveria, de forma alguma, ser incentivado na escola. Pelo contrário, as análises rendem panoramas otimistas dessas ações, sempre embasados em dados que comprovam os benefícios deste tipo de atividade. 

Um ponto importante é que, ao comparar situações de utilização do jornal em sala de aula no Brasil e em Portugal, Pastorello (2008) levanta a questão de se, por terem acesso facilitado ao meio de comunicação jornal – já que, em Lisboa, há várias publicações gratuitas distribuídas nas ruas –, os portugueses teriam uma facilidade maior de aceitação das aulas com jornal. Esse questionamento inspirou uma reflexão no presente estudo e instigou uma dúvida a respeito da diferença que este contato mais frequente fora do ambiente escolar com a mídia impressa pode gerar nos resultados dos projetos de inserção do jornal na escola. Ao comparar as características dessas iniciativas em países diferentes, a autora agrega elementos que fortalecem a análise e validam a importância do estudo deste tema.

Outra consideração importante é que, mesmo não sendo a totalidade das pesquisas, pouco mais de 45% dos estudos demonstram preocupação em incluir os professores em suas análises, vinculando as vantagens do uso do jornal na escola à formação e atuação do professor. Essa característica foi especialmente relevante ao se verificar que vários estudos visavam contribuir para contornar possíveis lacunas na formação docente para a utilização da mídia na escola, além de oferecerem subsídios para auxiliar os professores na definição de estratégias de uso do jornal.

Nessa perspectiva, destacamos o trabalho de Rodrigues (2006), que desenvolve um estudo com o objetivo de analisar como a formação continuada influencia na utilização do jornal na prática pedagógica do professor. O resultado aponta ser possível formar professores para o uso do jornal como recurso didático em sala de aula. Para tanto, segundo o autor, é preciso uma formação continuada que aprimore o docente na linguagem da mídia impressa, dê suporte ao educador em seus momentos de dúvida e crie ambientes para trocas de experiências a respeito dessa prática com seus pares.

Por fim, destacamos a preocupação das pesquisas em trazer sugestões para tornar as atividades com uso de mídia impressa cada vez mais alinhadas com as necessidades da escola. Além dos resultados e de toda argumentação a partir da análise, vários pesquisadores incluíram propostas para viabilizar a utilização do jornal em sala de aula, lançando novas possibilidades de trabalho com a mídia, que podem, em longo prazo, colaborar para expandir os benefícios deste tipo de suporte como forma de complementação das aulas, ampliando o número e a diversidade dos estudos propostos a respeito deste tema.

6 Considerações finais

A partir da análise das produções localizadas sobre o uso do jornal impresso em sala de aula, foi possível verificar como as pesquisas ressaltam os benefícios da utilização deste tipo de mídia na escola, principalmente no que concerne ao incentivo da leitura e da escrita, à formação de leitores mais críticos e de sujeitos mais conscientes de seu papel na sociedade.

Mesmo com esses avanços, ainda é preciso que as produções se concentrem de maneira mais aprofundada na capacitação oferecida ao professor para trabalhar com o jornal em suas aulas, levando em conta a importância da atuação deste profissional como forma de viabilizar um trabalho proveitoso, que consiga atingir seus objetivos e render benefícios para todos os participantes.

Nesse sentido, também é importante que graduandos e graduados em múltiplas licenciaturas sejam envolvidos neste trabalho, já que a análise demonstrou que os jornais não são usados somente nas aulas de Português e Redação, como defende o senso comum, mas por várias outras disciplinas, como Matemática, Física, Química e Língua Estrangeira Moderna. Por isso, todos os projetos de uso da mídia impressa na escola devem passar necessariamente por propostas de formação que consigam trazer as potencialidades do jornal em cada disciplina, atendendo às expectativas dos docentes e deixando-os seguros e confiantes nas possibilidades oferecidas por este recurso.

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Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (pucpr).

Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (pucpr) e mestranda em Educação pela mesma universidade.

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