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A Revista Ibero-americana de Educação (rie) no seu afã por articular e animar espaços de análises, pesquisa, difusão e reflexão sobre a ação educativa na América Ibérica apresenta este monográfico dedicado ao tema da qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais. Este número pretende ser um instrumento a mais de apoio às Metas Educativas 2021, programa que tem entre seus objetivos alcançar a igualdade educativa e superar qualquer forma de discriminação na educação.
O construto de qualidade de vida é atualmente um potente organizador das políticas e das práticas em relação à deficiência praticamente no mundo inteiro. O modelo de qualidade de vida (Schalock e Verdugo, 2003) é uma alavanca importante para a mudança organizacional e social, ademais de ser um orientador substancial das práticas profissionais e dos programas de apoio às pessoas com necessidades especiais em todos os âmbitos. Em relação à educação, estes autores destacam que:
A educação vai mais além da instrução em sala de aula; implica uma série de possibilidades que superam as diretamente relacionadas com o contexto escolar... Por isso, é necessário, também, que a escola se centre nas múltiplas dimensões da vida de cada aluno. E que os êxitos e os fracassos, a planificação educativa e sua avaliação, respondam às necessidades e aos desejos dos alunos nestas dimensões. (Schalock e Verdugo, 2003, p.72)
A proposta obteve um número elevado de artigos de grande qualidade procedentes de diferentes países, nos quais se constatam os desafios, conquistas, avanços e experiências da região.
Dado que o volume tem um limite de artigos, foram selecionados doze trabalhos agrupados em diferentes seções.
• Aquisição de autonomia, autodeterminação e relações sociais na etapa educativa.
• Formação superior e universidade.
• Formação profissional e inserção das pessoas com necessidades especiais no trabalho.
• Papel das famílias na qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual.
Quanto ao primeiro bloco, compõe-se de dois estudos e duas experiências. No primeiro artigo, «O papel do contexto educativo na autodeterminação » , de Carmen Veja García, María Gómez Vela, Ramón Fernández Pulido e Marta Badia Corbella, analisa-se o efeito de diferentes variáveis individuais (gênero, idade, etc.) e contextuais (tipo de escolarização, programa educativo) na autodeterminação de alunos com deficiência intelectual em processo de transição à vida adulta. Os autores discutem a influência do contexto na autodeterminação dos alunos que nele se encontram.
No artigo de Joan Jordi Muntaner Guasp, «Qualidade de vida na escola inclusiva » , apresenta-se um sistema de avaliação do processo educativo, o iaqv (Instrument d’Avaluació de Qualitat de Vida), desenvolvido na Universidade das Ilhas Baleares, com o objetivo de orientar e ajudar os centros escolares a se aproximarem às propostas da educação inclusiva, a partir das dimensões do conceito de qualidade de vida. Um referente teórico claro e preciso sobre o significado e o processo a seguir para implantar um modelo de escola inclusiva, incorporando o conceito de qualidade de vida como base para alcançar a qualidade da educação.
A seguir, a experiência chilena «Desenvolvimento de habilidade para a vida: promoção da autodeterminação em jovens com necessidades especiais » , de Marisol Marfull-Jensen, Tara D. Flanagan e Carlos Ossa Cornejo, descreve o desenvolvimento de oficinas com jovens entre 8 e 14 anos
A experiência «Sentidos: um projeto de educação social no âmbito da deficiência mental » , de Sofia Veiga e Eunice Ferreira e Sara Quintas, encerra este primeiro bloco, apresentando um projeto que tem como finalidade o fomento de uma intervenção psicossocial, ajustada às necessidades do cidadão com deficiência intelectual, com vistas a seu desenvolvimento global e à melhoria de sua qualidade de vida. O projeto elaborado, desenvolvido e com avaliação contínua, obteve resultados significativos em Portugal.
A seguir, a seção de educação superior está composta por três artigos que ressaltam a importância de continuar trabalhando na eliminação de barreiras de acesso e de participação, como também na criação de condições adequadas para responder satisfatoriamente às necessidades educativas de todos os estudantes.
No texto de Marcela Salinas Alarcón, María-Rosa Lisse, Daniela Medrano Polizzi, María-Solegad Zuzulich Pavez e Ena-María Hojas Loret, «A inclusão na educação superior: a voz de estudantes chilenos com necessidades especiais » apresentam-se os resultados de um estudo sobre as experiências de estudantes com deficiências e as principais condições que facilitam ou obstaculizam o processo de inclusão na educação superior. Entre os resultados, como facilitadores do quefazer universitário dos alunos, destacam-se as influências sociais significativas e, entre os obstaculizadores, a falta de formação de docentes em temáticas de necessidades especiais, inclusão e adaptações curriculares.
No artigo «A inclusão em instituições ibero-americanas de educação superior. Boas práticas para o acesso e para a permanência de estudantes com necessidades especiais » , de Miren Fernández de Álava , Aleix Barrera-Corominas e Anna Díaz-Vicario, identificam-se estratégias para o acesso e a permanência de estudantes com necessidades especiais em educação superior e se apresentam boas práticas no âmbito ibero-americano, cuja seleção está fundamentada na resposta que dão às necessidades e aos direitos destas pessoas. As boas práticas selecionadas, ademais de produzirem um maior conhecimento sobre o tema objeto de estudo, implementam medidas de adequação dos espaços, de assessoramento e atenção, e de formação específica, como base para a não exclusão e o pleno desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais.
Finalmente, neste bloco, inclui-se o artigo «Planos de ação tutorial para estudantes com necessidades especiais: uma proposta para melhorar a qualidade formativa nas universidades espanholas » , de Joaquín Gairín Sallán, José Luis Muñoz Moreno, Anabel Galán Mañas, Josep Mª Sanahuja Gavaldà e Montserrat Fernández Rodríguez. O grupo de autores apresenta uma proposta para elaborar de plano de ação tutorial para estudantes universitários com necessidades especiais. O texto analisa as atuações tutoriais realizadas pelos serviços de atenção ao estudante com necessidades especiais de quarenta universidades espanholas, considerando, sobretudo, os momentos-chave na trajetória do estudante, que se vinculam com a promoção, a acolhida, a permanência e o egresso. Ademais, o artigo inclui uma proposta validade de plano de ação tutorial que fixa seus destinatários prioritários, orientações e recomendações segundo a tipologia da deficiência que o estudante possa apresentar, atuações gerais de orientação, diferentes formatos e modalidades de ação tutorial, momentos-chave e sua organização nas fases de motivação, sensibilização, planificação, execução, avaliação e institucionalização.
Finalizada a seção de formação universitária, apresenta-se o bloco vinculado à formação de emprego. Dentro das diferentes dimensões da qualidade de vida, destaca-se o papel que ocupou, no volume, a inserção das pessoas com necessidades especiais, no trabalho. A revista desejou somar-se às iniciativas realizadas no âmbito da declaração do ano de 2013 como Ano Ibero-americano para a Inclusão no Mercado de Trabalho das Pessoas com Necessidades Especiais.
Conforme mostra esta declaração, no Relatório mundial sobre a deficiência da Organização Mundial da Saúde do ano de 2011, estima-se que 15% da população mundial, isto é, um bilhão de pessoas, vivem com algum tipo de deficiência, e aproximadamente 90 milhões destas vivem na América Latina. Em muitos de nossos países as pessoas com deficiência vivem em condições de extrema pobreza, com acesso limitado a serviços públicos como a educação e a saúde, e em situações de marginação social, o que determina a elevada taxa de desemprego que mantêm. A inclusão, no trabalho, das pessoas com necessidades especiais não só garante sua integração social e assegura sua qualidade de vida, como também implica a extensão de efeitos positivos no econômico e no social a toda a comunidade, já que permite aproveitar um valioso capital humano, fomenta a coesão social e reativa a economia dos países.
Tradicionalmente, a formação profissional das pessoas com necessidades especiais foi um tema muito esquecido, mas, hoje, é necessário seu desenvolvimento a fim de que elas possam:
• Levar a cabo um emprego útil e/ou uma atividade digna.
• Alcançar autonomia pessoal, independência e status de adulto.
• Desenvolver relações sociais e participar na vida da comunidade.
Neste campo, a experiência «Dez anos de formação para o emprego de pessoas com deficiência intelectual na universidade: balanço e perspectivas » , de Dolores Izuzquiza Gasset, Inmaculada Egido Gálvez e Rosario Cerrillo Martín apresenta o Programa Promentor, pioneiro nas universidades espanholas que tem como fim a formação para a inclusão no trabalho de jovens com deficiência intelectual. Após uma década de atividade, Promentor, que foi objeto de avaliação e pesquisa sistemática, conseguiu que mais de uma centena de jovens se encontrem trabalhando em empregos normalizados. As perspectivas para o futuro apontam, portanto, a seguir aperfeiçoando o modelo desenvolvido, aproveitando também as possibilidades que a experiência adquirida oferece para levar a cabo outro tipo de ações de mais amplo alcance, encaminhadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual.
«Projeto ágora : o desafio da inclusão no trabalho » , da Fundação once América Latina (foal), apresenta as aulas de gestão ocupacional da região que incentivam a inserção no mundo do trabalho e eleva a qualidade de vida das pessoas com deficiência visual a uma questão de direitos humanos. Cada beneficiário realiza uma entrevista pessoal na qual se identificam capacidades e atitudes para o emprego; conta com seu próprio itinerário de empregabilidade – cuja finalidade é o acesso a um posto de trabalho –, no qual se podem incluir ações de capacitação, formação para o emprego ou apoio para o projeto de um plano de negócios. As conquistas alcançadas pela experiência durante o período 2006-2013 são muito importantes: realizaram-se 37.269 ações de orientação no trabalho e 22.379 ações de capacitação ocupacional; as intermediações no trabalho geraram 5.769 inclusões no trabalho e 1.755 ações de apoio ao estabelecimento de empreendimentos.
Finalmente, apresenta-se o quarto bloco do volume, focalizado no papel das famílias de pessoas com deficiência intelectual no qual se incluem três estudos.
No artigo «Qualidade de vida e autodeterminação em pessoas com necessidades especiais. Valorização dos pais » , Araceli Arellano e Feli Peralta apresentam um estudo com uma mostra de pais e mães de Navarra (Espanha) aos que se aplicou uma entrevista semiestruturada, com a finalidade de avaliar de forma objetiva a qualidade de vida de seus filhos. O texto descreve algumas de suas preocupações, especialmente sobre a autodeterminação. Os dados obtidos indicam que os pais apreciam um nível aceitável de bem-estar geral em seus filhos, ademais de se sentirem satisfeitos com os avanços pessoais e sociais alcançados. Não obstante, também identificam obstáculos tais como a falta de serviços para promover a participação social, o custo emocional e econômico da deficiência, ou a escassez de oportunidades.
O artigo «Qualidade de vida: avaliação e transtornos do espectro do autismo » , de José Luis Cuesta Gómez, Claudia Grau Rubio e María Fernández Hawrylak, mostra os resultados de uma pesquisa desenvolvida pela Associação Autismo Burgos, que reflete as dificuldades para medir a qualidade de vida das pessoas com tea. Essas limitações levam a associação a elaborar um guia de indicadores de qualidade de vida, em colaboração com os pais. O guia apresenta um conjunto de indicadores, tanto pessoais como da família, agrupados em oito dimensões: bem-estar físico, bem-estar emocional, bem-estar material, relações interpessoais, desenvolvimento pessoal, inclusão social, autodeterminação e direitos.
Encerra-se a seção com o artigo de Isabel Maria Moreira Pinto, Celmira Macedo e Paulo C. Dias, «Qualidade de vida de famílias com necessidades especiais » , realizado na região norte do Brasil, no qual se analisa a qualidade de vida dos pais das crianças com necessidades educativas especiais através da aplicação de dois instrumentos: o Questionário de qualidade de vida da família (Hoffman, Marquis, Poston, Summers e Turnbull, 2006) e a Pesquisa do questionário de desenvolvimento emocional para adultos – versão reduzida (Bisquerra e Pérez, 2007). Estes mostram diferenças quanto à qualidade de vida em função, entre outros fatores, do gênero e do tipo de necessidades educativas das crianças. Ademais, verifica-se uma relação positiva e forte entre a qualidade de vida e as competências emocionais, o que pode dar pistas para futuras intervenções.
O volume conclui com o artigo «Projeto, aplicação e avaliação de um programa de educação para a morte, dirigido a pessoas adultas com deficiência intelectual » , de Pablo Rodríguez Herrero, Dolores Izuzquiza Gasset e Agustín de La Herrán Gascón. Os autores mostram os resultados de uma pesquisa que avalia um Programa de Educação para a Morte, projetado para pessoas adultas com deficiência intelectual, com o propósito de melhorar sua qualidade vida.
Esperamos que este monográfico da Revista Ibero-americana da Educação seja de interesse e utilidade para seus leitores e contribua para dar um passo mais a favor da melhoria da qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais na região. Agradecemos a todas as pessoas que contribuíram para a sua realização e que compartilharam seus conhecimentos e suas experiências com toda a comunidade ibero-americana.
Javier Tamarit e Laura Hernández
ReferÊncias
Schalock, R. L. y Verdugo, M. A. (2003). Calidad de vida. Manual para profesionales de la educación, salud y servicios sociales. Madrid: Alianza.