|
Amélia de Jesus G. Marchão*
Ana Cristina Presumido Fitas**
* Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal
** Educadora de Infância em exercício no jardim de infância “O Despertar”, Campo Maior, Portugal
SÍNTESE: Este estudo leva-nos a reconhecer a importância da avaliação no contexto da educação pré-escolar e a encará-la num sentido contextual e sistémico.
Quando se considera a criança como um ‘ser competente’, torna-se necessário aceitar a sua participação e capacidade de decidir, nomeadamente quando se trata de avaliar o seu percurso e as suas aprendizagens. Nesse sentido, o/ educador/a de infância deve promover práticas alternativas de avaliação das aprendizagens das crianças, surgindo o portefólio como um instrumento que promove a comunicação, a curiosidade, a partilha e a utilização do pensamento para atribuir significados.
O portefólio apresenta-se como um instrumento de avaliação inovador e a sua construção é amplamente participada e valorizada pelas crianças e também pelas famílias, assumindo o educador um papel de orientador do processo construtivo e formativo em que a criança é a protagonista.
Palavras-chave: educação pré-escolar; currículo; avaliação; portefólio.
SÍNTESIS: Este estudio busca el reconocimiento de la importancia de la evaluación en el contexto de la educación pre-escolar, y su comprensión en un sentido contextual y sistémico.
Si se considera al niño como un «ser competente» se hace necesario aceptar su participación y su capacidad de decidir, especialmente cuando se trata de evaluar su recorrido académico y sus aprendizajes. En este sentido, el educador/ora de la infancia debe promover prácticas alternativas de evaluación del aprendizaje infantil. El portafolio surge como un instrumento que promueve la comunicación, la curiosidad, el acto de compartir y la utilización del pensamiento para atribuir significados.
Así, el portafolio aparece como un instrumento de evaluación innovador, construido con la amplia participación y valoración de los niños, y también de las familias. El educador asume el papel de orientador del proceso constructivo e informativo, durante el cuál el niño es el protagonista.
Palabras clave: Educación pre-escolar, currículo, evaluación, portafolio.
ABSTRACT: This study leads us to recognize the importance of evaluation in preschool education and to envisage it in a systematic and contextual sense.
When we consider the child as a ‘competent person’ becomes necessary to accept their participation and ability to decide, especially when it concerns to evaluation of their journey and their learning. In this sense, the preschool teacher should promote alternative practices of evaluation for the child’s apprenticeship. The portfolio appears as an instrument that promotes communication, curiosity, sharing and the use of thought to assign meanings.
The portfolio presents itself as an innovative instrument of evaluation and its construction is widely participated and appreciated by the children and their families, whereas the educator assumes a role of guiding of the constructive and formative process in which the child is the protagonist.
Keywords: preschool education; curriculum; portfolio
O presente artigo é resultado de um trajeto de investigação realizado durante o ano letivo 2012-2013, sob o lema da investigação-ação num contexto de educação pré-escolar tutelado pelo Ministério da Educação e Ciência.
Os objetivos principais desta investigação foi reconhecer a avaliação na educação pré-escolar e encará-la num sentido contextual e sistémico, pois quando se considera a criança como um ‘ser competente’, torna-se necessário aceitar a sua participação e capacidade de decidir, nomeadamente quando se trata de avaliar o seu percurso e as suas aprendizagens. Nesse sentido, o/a educador/a de infância deve promover práticas alternativas de avaliação das aprendizagens das crianças, surgindo o portefólio como um instrumento que promove a comunicação, a curiosidade, a partilha e a utilização do pensamento para atribuir significados. O portefólio apresenta-se, nesse sentido, como um instrumento de avaliação inovador e a sua construção deve ser amplamente participada e valorizada pelas crianças e também pelas famílias, assumindo o/a educador/a um papel de orientador/a do processo construtivo e formativo em que a criança é a protagonista.
Estruturamos este artigo em três partes fundamentais: definição do quadro conceptual sobre a avaliação em contexto pré-escolar, destacando, em particular, o portefólio como prática de avaliação alternativa; definição do quadro metodológico da investigação; e discussão dos resultados e principais conclusões.
Na educação pré-escolar o currículo deve atender particularmente aos interesses, às necessidades e às identidades das crianças e deve proporcionar-lhes experiências positivas para o seu desenvolvimento global, respeitando as caraterísticas e capacidades individuais através de múltiplas linguagens e estimulando a sua curiosidade e pensamento crítico (Marchão, 2010; 2012). Através do currículo, importa, então, proporcionar a cada criança oportunidades para a construção e o desenvolvimento da sua autonomia, da sua socialização, do seu desenvolvimento intelectual, ao mesmo tempo, importa promover a sua integração social e a sua predisposição positiva para o ingresso na escolaridade obrigatória.
Em Portugal, a(s) concepção(ões) de currículo prevalecente(s) na educação pré-escolar é(são) suficientemente lata(s), e integram finalidades/objetivos, modo de ensino ou estratégias, conteúdos de aprendizagem e avaliação. Como salienta Gaspar (1990, citado por Marchão, 2012, p. 39) «[…] são, […], elementos que podem fazer parte de um currículo em Educação Pré-escolar, dependendo dos pressupostos de que partimos para o seu planeamento” e, também, como refere Zabalza (2000, p. 30) “a avaliação, quando se faz bem, é o principal mecanismo de que dispõem os profissionais para levar a bom porto o seu trabalho».
Assumindo o processo de avaliação como integrante e indissociável da construção e desenvolvimento do currículo, e porque a avaliação é, neste nível educativo, um processo que deve estar presente, é indiscutível assumi-la não só para identificar o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, mas também para melhorar e adequar a prática pedagógica e o seu contexto. Nesse sentido, além do processo de avaliação ser, em si, importante, e tendo como principal finalidade a melhoria da qualidade das aprendizagens de cada criança e do grupo, esta cumpre o papel de não incidir apenas nos resultados, mas, sobretudo, numa perspetiva alternativa ecológica (Formosinho, 2002).
Na educação pré-escolar deve ser feita a avaliação individual e coletiva das crianças porque ambas se completam, e assumindo uma dimensão marcadamente formativa deve desenvolver-se através de um processo contínuo e interpretativo em que a criança é a protagonista no desenvolvimento da sua aprendizagem o que lhe permite ir tomando consciência do que já consegue fazer, das dificuldades que ainda tem e de como as vai ultrapassando. Torna-se, por isso, um processo integrado em que se desenvolvem estratégias responsivas às caraterísticas de cada criança e do grupo, o que só é possível através de um procedimento de observação contínua dos progressos das crianças e de um ajuste contínuo da planificação e da ação educativa.
Na perspetiva de Fisher (2004, p. 25), «a avaliação formativa é um processo de parceria, onde devem estar envolvidos todos os que conhecem a criança».Nesse sentido, para além do/a educador/a, ainda intervêm na avaliação, as crianças (considerando que a avaliação é uma atividade educativa), a equipa educativa, os encarregados da educação (através da troca de opiniões sobre a criança e dos outros contextos onde a mesma também se integra), o Departamento da Educação Pré-escolar do Agrupamento de Escolas (onde se partilham e discutem ideias e concepções entre os /as educadores/as de infância) e os/as docentes da educação especial quando assim for necessário).
Dado que a avaliação da criança não pode-se fazer de forma descontextualizada, no nível das finalidades, ainda se chama a atenção para a necessidade de avaliar também o ambiente educativo, pois este é o contexto de aprendizagem da criança.
No que concerne aos princípios que a avaliação deve seguir, salientam-se: o caráter holístico e contextualizado do processo de desenvolvimento e de aprendizagem; a coerência entre os processos de avaliação e os princípios subjacentes à organização e à gestão curricular definidos nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar; a necessidade de se utilizar diferentes técnicas e instrumentos de observação e de registo; o caráter formativo; a necessidade de valorizar os progressos das crianças; e a necessidade de promover a igualdade de oportunidades e a equidade.
Baseadas na observação e no registo, as técnicas e instrumentos de avaliação podem ser diversificados: entrevistas, narrativas, fotografias, gravações áudio e vídeo, registos de autoavaliação, questionários à criança, aos pais e a outros parceiros, portefólios construídos com as crianças. O que importa «é ver a criança sob vários ângulos de modo a acompanhar a evolução das suas aprendizagens […]» (Circular n.º 4 /dgidc/dsdc/2011).
Quando se considera a criança como um ‘ser competente’ torna-se necessário aceitar a sua participação e capacidade de decidir, nomeadamente quando se trata de avaliar o seu percurso e as suas aprendizagens. Nesse sentido, o/a educador/a de infância deve promover práticas alternativas de avaliação das aprendizagens das crianças, surgindo o portefólio como um desafiante e inovador instrumento de aprendizagem e de avaliação.
O portefólio começou a ser disseminado no campo pedagógico no final dos anos oitentas e início dos anos noventas nos Estados Unidos e vem sendo referido como uma das mais recentes contribuições para a avaliação em educação pré-escolar (Parente, 2004, entre outros). Hoje, utilizado no contexto da educação pré-escolar, e inscrito no contexto da avaliação alternativa, o portefólio é definido como uma pasta pessoal, que reúne um conjunto de elementos produzidos e escolhidos pelas crianças de forma organizada e planeada, capazes de demonstrar as etapas do seu percurso ao longo de um determinado período de tempo, com um propósito determinado. Deste modo, afigura-se como um instrumento de trabalho e de avaliação em desenvolvimento constante e sempre em construção, que merece uma atenção particular dos/as educadores/as de infância e que encerra dois objetivos principais: incluir a criança no processo de aprendizagem e integrar a avaliação no processo de aprendizagem.
É necessário considerar a avaliação por meio do portefólio , através de uma visão construtivista ou socioconstrutivista. É importante que a criança participe da construção do portefólio com autonomia, com a intenção do sentido de autoavaliação em que reconheça, nas suas produções, a sua aprendizagem, refletindo sobre as mesmas. Essas atitudes, de cidadania crítica, fundamentam a sua autonomia e reflexão, quer no nível cognitivo, metacognitivo, quer afetivo e, como diz Marchão (2012, p. 19), «a educação formal das crianças no jardim de infância e na escola não pode […] abster-se, no âmbito de uma formação global e harmoniosa, de criar oportunidades para que, desde cedo, a criança possa aprender a pensar de forma crítica».
O portefólio é, pois, um instrumento que realça a importância da participação da criança no nível da escolha, da decisão e da construção e afirmação do seu pensamento crítico. Enfatiza o papel da criança enquanto participante ativa no processo de avaliação, e permite-lhe selecionar trabalhos e atividades às quais atribui um significado, cria-lhe oportunidades para justificar e valorizar as suas escolhas/produções, permite-lhe refletir e tomar consciência sobre as suas conquistas e progressos.
A estrutura e a aparência de um portefólio podem ser muito variadas e deriva dos objetivos e das metas educacionais que contemplam. Independentemente da estrutura adotada, é imperioso que o/a educador/a conceba uma forma de recolher, organizar e armazenar a informação para as diferentes partes do portefólio, de modo que reúna as diversas informações, represente os conhecimentos, as competências e as realizações, adequadamente documentados em todas as áreas de conteúdo (área de formação pessoal e social, área de expressão e comunicação e os respetivos domínios e área do conhecimento do mundo), permitindo que estas sejam articuladas, tentando responder à construção do saber de modo integrado e assegurando à criança o direito de tomar decisões e de se envolver no processo de construção e de manutenção do portefólio.
A forma de guardar e dispor os materiais antes do início do processo de recolha requer tempo e exige a orientação do/a educador/a, no sentido de assegurar que estes sejam arquivados de forma organizada e por categorias, devidamente datados e colocados em sequência temporal e de forma a promover reflexões, análises e avaliações contínuas das crianças/com as crianças. Estes intentos garantem a dinâmica do portefólio, a sua organização, funcionalidade e flexibilidade e revelam o dia-a-dia e o processo de ensino e aprendizagem das crianças. É, sobretudo, importante assegurar a sua fácil utilização quer pelas próprias crianças, pelos pais, quer pelo/a educador/a.
É importante entender que a utilização do portefólio enquanto instrumento de avaliação oferece um grande desafio, na medida em que é algo que é feito pela criança e não para a criança.
A investigação que se desenvolveu inscreve-se num quadro qualitativo, fundamentalmente descritivo e interpretativo alicerçado num dispositivo reflexivo forte, considerando a necessidade de aprender e partilhar conhecimento sobre o currículo em educação pré-escolar e, em particular, sobre a avaliação das crianças através do portefólio. Como salienta Vilelas (2009, p. 105) a «investigação qualitativa é uma forma de estudo da sociedade que se centra no modo como as pessoas interpretam e dão sentido às suas experiências e ao mundo em que elas vivem», pelo que no estudo foi considerado um jardim de infância e uma sala de atividades, em particular, a educadora de infância, o grupo de crianças e os pais como a «sociedade em estudo».
Em termos procedimentais, o estudo desenvolveu-se sob a signa da investigação-ação (ia), envolvendo os participantes na tomada de decisões (incluindo a própria investigadora que também aí assumia funções como educadora de infância estagiária), pois, como diz Máximo-Esteves (2008, p. 42), a «comunicação crítica entre os vários participantes é necessária para garantir a credibilidade da investigação, configurando uma zona de interpretação comum, onde é possível o cruzamento dos diferentes pontos de vista» e onde também é necessário «que se cultive uma série de atitudes, como o rigor, a organização e a persistência, e se possua um conjunto de competências para planear, observar, analisar, verificar, […]» (op cit., p. 41) e produzir conhecimento sobre os processos de ensinar e de aprender.
O desenvolvimento sistemático de tais atitudes e competências num dado contexto educativo ou de ensino, através de procedimentos metodológicos e colaborativos, pode ser designado como investigação-ação (ia), pois, no entender de Máximo-Esteves (op. cit.), a IA é uma investigação sistemática do quotidiano da sala de atividades conduzida pelas pessoas que aí estão diretamente envolvidas e que desempenham um duplo papel – o de investigador e o de participante.
Como o próprio nome indica – ia –, esta forma de investigar integra um plano de investigação e um plano de ação, sustentado por um conjunto de normas e métodos e é, como nos diz Sousa (2005), uma estratégia metodológica de estudo que pode ser desenvolvida por um investigador ou por um educador/professor sobre a ação pedagógica desempenhada por si e com as suas crianças/alunos. O mesmo autor ainda salienta que a IA pode ser usada ou aplicada a qualquer situação da sala de atividades ou do jardim de infância/escola.
Lewin (1974), citado por Afonso (2005, p. 75), define a ia «como um processo em espiral com três fases: planeamento, acção e uma fase de pesquisa de factos sobre os resultados da acção» ou seja, forma-se assim, uma espiral de relações entre a prática, a observação e a teoria. Por sua vez, para Alarcão e Tavares (2003), a ia consiste numa metodologia que se desenvolve segundo quatro fases: planificação, ação, observação e reflexão. Sugerem que primeiramente se identifique o problema que se quer solucionar, seguindo-se a fase em que se procede à implementação do plano e só posteriormente, o tratamento através da observação, finalizando com uma reflexão.
Nas ideias ora apresentadas, reconhecemos que o desenvolvimento deste processo foi ocorrendo no espaço da sala de atividades em estudo, não em três ou quatro momentos, mas sim, em cinco momentos: recolha de dados, planificação, ação, observação e reflexão. Da expressão dos autores citados, entre outros, somos levados a inferir que a grande finalidade desta metodologia é a reflexão sobre a ação a partir da própria, depreendendo daí que o projeto investigativo se reveste de importância na medida em que se exige conhecer e avaliar a situação para, posteriormente, a «remodelar» com inovação e com o intuito de dar resposta aos problemas e interrogações que se levantam nas práticas educacionais.
Na senda das ideias de Máximo-Esteves (2008), para desenvolver um projeto de IA é necessário estabelecer os propósitos selecionados para a investigação – neste estudo correspondem à necessidade de construir conhecimento sobre o currículo na Educação Pré-escolar, sobre os seus modos de gestão pela educadora, especificamente no que se refere à prática da avaliação das crianças, e à escolha do portefólio como instrumento de avaliação. É necessário estabelecer os tópicos que provêm das observações que o/a educador/a efetua no contexto, dos dilemas que a prática lhe coloca e da sua vontade para melhorar o ensino e a sua satisfação profissional – neste estudo –: querer compreender o modo de trabalho pedagógico da educadora para lhe poder dar continuidade, querer conhecer os procedimentos de avaliação utilizados pela educadora, querer implementar a prática do portefólio para concretizar a avaliação das crianças e querer contribuir para refletir e implementar esta prática considerando nela as competências das crianças. É necessário formular as questões, ou seja o ponto de partida para conduzir a investigação.
Assim, com o propósito de orientar o trabalho empírico revelou-se oportuno considerar questões de orientação e realização, bem como objetivos que se pretenderam alcançar. No contexto deste artigo, quer quanto às questões, quer quanto aos objetivos, foram selecionados de um conjunto mais vasto e tendo em atenção que, por motivos de espaço, apenas apresentamos a discussão e a apresentação dos dados referidos à construção/avaliação dos portefólios e dos dados/opiniões das crianças resultantes da entrevista que com elas foi realizada.
Como adianta Máximo-Esteves (2008, p. 80), as questões de orientação e realização possibilitam «focar os tópicos e antever um conjunto de decisões relativamente aos caminhos a percorrer». Estas questões devem ser conduzidas para a ação, na medida em que permitem a ocorrência de todas as oportunidades e sejam norteadas para uma resposta de carácter descritivo e interpretativo (Fisher, 2001; Hubbard E Power, 1993, citados por Máximo-Esteves, 2008).
Considerámos, então, as seguintes questões:
As questões de investigação formuladas e centradas no desenvolvimento da prática, em concreto na organização e desenvolvimento do currículo, com enfoque nos procedimentos de avaliação das crianças, foram o caminho para alcançar os objetivos traçados:
Neste percurso de ia, recorremos, essencialmente, à observação do tipo participante e sistemática, registando dados em notas de campo. Também recorremos à observação documental dos registos fotográficos e das produções das crianças.
Não menosprezando os contributos que o uso dos inquéritos por questionário nos podiam trazer, optámos por usar a entrevista como meio mais adequado aos objetivos da investigação e, assim, foi construído um guião de entrevista, do tipo semiestruturado, a realizar com as crianças. A opção pelo uso deste instrumento de recolha de dados alicerçou-se no reconhecimento da criança como ser competente e com direito a participar na construção do conhecimento sobre a própria infância e na aceitação do uso da narrativa do eu da criança, da sua voz sobre si mesma.
A dimensão da investigação que desenvolvemos e os seus principais objetivos remeteram-nos para o processo de construção de portefólios de avaliação produzidos pelas crianças. Para a sua concretização, dadas as limitações impostas pelo fator tempo para este estudo como elemento restrito para a realização de um portefólio por criança, optou-se por selecionar, aleatoriamente, nove crianças para realizá-los, respectivamente.
Com o propósito de alcançar os objetivos de aprendizagem e, tendo em conta as limitações antes apontadas, foi necessário ponderar as estratégias em duas fases distintas: numa primeira fase, considerar a necessidade de contribuir para que as crianças começassem a utilizar o seu pensamento como atribuidor de sentidos, o que facilita a construção do seu pensamento crítico e, nesta situação específica, promovendo a participação das crianças na sua própria avaliação; numa segunda fase, considerar, no que diz respeito ao processo de construção dos portefólios, o melhor timing para a sua concretização. Do ponto de vista educativo-pedagógico, tentou-se minimizar o sentimento de incapacidade de uma resposta que deveria ser mais fidedigna, assegurando a inclusão e a igualdade de oportunidades para todas as crianças, tentando acautelar que aquelas que não foram selecionadas não se sentissem colocadas à margem.
Vale ressaltar que, na base da sustentação e organização da prática pedagógica, concentrou-se a atenção, primeiramente, no desenvolvimento de aprendizagens individual e socialmente vivenciadas e construídas e para isso organizou-se o ambiente de aprendizagem alicerçado em concepções de natureza socioconstrutivista, permitindo que as crianças se tornassem ativas e autónomas na construção do conhecimento. As aprendizagens significativas premiaram as crianças em oportunidades para aprender a fazer e para aprender a pensar.
Dentre estes momentos de aprendizagens significativas e a concorrer para o uso do pensamento como atribuidor de sentidos, salientou-se o incentivo constante: ao envolvimento das crianças nas várias atividades, incentivando comportamentos em autonomia na sua realização; ao trabalho de grupo e à partilha; à estimulação das crianças para resolverem os seus problemas e para apreciarem as suas realizações e progressos e os dos outros colegas do grupo; à estimulação das capacidades do pensamento crítico das crianças, incentivando-as a comunicar as suas ideias e a formularem hipóteses; à interpretação, à análise e à avaliação por parte das crianças.
Tais oportunidades estenderam-se a todo o grupo, premiando as crianças em oportunidades para aprender a fazer e para aprender a pensar, tendo em vista o seu desenvolvimento global e harmonioso.
Para a construção do portefólio foi preciso focalizar a atenção de forma individualizada em cada criança. Foi necessário trabalhar com as crianças para que as mesmas compreendessem o que é um portefólio, percebessem o que delas se esperava, ajudá-las a refletir e a tomar decisões de forma a selecionar documentos (trabalhos realizados).
Considerando que a definição do processo da construção dos portefólios inclui a sua própria organização, às crianças se lhes solicitou dar opinião e a participar na sua organização e a selecionar os seus conteúdos, sendo este um processo primordial.
Os portefólios construídos com as crianças apresentaram a forma de uma pasta construída em cartolina, sendo a sua cor escolhida pelas crianças, e em cuja capa se escreveu «O meu portefólio».
Cada portefólio organizou-se através de seções. Cada uma delas iniciou-se com uma folha de apresentação que anunciou o respetivo conteúdo. A saber: identificação da criança; os meus trabalhos (desenhos/atividades/experiências/visitas de estudo); as minhas pinturas; registos fotográficos; algumas histórias…; poemas; adivinhas; lengalengas; cd/dvd.
Dentro da variedade de formatos de documentação utilizada, a construção dos portefólios envolveu, ainda, outros procedimentos adicionais que concorreram para melhor documentar o percurso de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, enriquecendo o portefólio: um cd com a história do percurso das crianças/grupo personalizado, através de uma montagem de fotografias; vídeos com registo das crianças em atividade; e músicas infantis educativas exploradas na sala de atividades.
Durante o processo, todas as crianças cooperaram com os seus contributos sobre como devia e podia ser feita a realização do portefólio. No âmbito de tais momentos de aprendizagens significativas, que se construíram pouco a pouco e ao longo do ano letivo, as crianças assumiram-se como colaboradoras e responderam positivamente ao desafio do processo da construção dos seus portefólios. Importa mencionar o seu poder seletivo, de análise e reflexão sobre os trabalhos a incluir no portefólio. Durante todo o percurso de construção e organização dos portefólios, as crianças foram implicadas e envolvidas ativamente no processo, e levadas a selecionar amostras de trabalhos, refletir sobre essas escolhas e encorajadas a encontrar formas de manter os trabalhos organizados.
Conscientes de que a criança é um ser ativo e construtor de conhecimento, importou estar despertos enquanto mediadores entre o que as crianças escolheram e o que realmente devia constar do portefólio. Não podemos, porém, deixar de assinalar que no âmbito da seleção dos trabalhos pelas crianças, embora, por vezes, estes não fossem considerados pelos adultos como os mais relevantes das suas aprendizagens e progressos, os seus motivos e razões foram valorizados pela coerência, o que levou a aceitar a sua escolha. Desta forma, o questionamento sobre as suas escolhas revelou-se pertinente, visto que as crianças foram estimuladas a aprender a pensar de forma crítica, bem como a usar as suas estruturas cognitivas e as suas competências linguísticas, avaliando os seus próprios «documentos».
Para valorizar as opiniões das crianças sobre o portefólio e sobre o processo da sua construção, foram realizadas entrevistas às crianças, depois de os mesmos estarem concluídos. Ao questionarmos as crianças sobre o que é um portefólio e analisando as suas respostas, constatámos que as suas opiniões são semelhantes. De uma forma geral, elas consideraram o portefólio como um livro que integrava os seus trabalhos mais importantes realizados ao longo do ano letivo.
No que se refere à organização dos portefólios das crianças, tentando aferir se este foi de fácil ou de difícil organização, subsiste a presença de opiniões divergentes. Seis crianças mencionam a facilidade que sentiram ao organizarem os seus portefólios, e a organização do portefólio foi assumida pelas restantes crianças como um processo mais complexo. Veja-se, a título de exemplo:
Foi fácil… porque é os meus trabalhos e como eles são importantes para mim… eu gostei de ser eu a escolher sozinho e a organizar… está mesmo como eu imaginei (criança com cinco anos e do género masculino).
Foi difícil porque eu não sabia quais é que havia de escolher muito bem e tive de pensar e estar muito concentrada porque eu gosto muito de trabalhar (criança com cinco anos e do género feminino).
As suas opiniões são muito expressivas, levando-nos a analisar que a organização do portefólio representa para as crianças, em geral, um processo singular que requer concentração, compromisso e responsabilidade. Conseguimos avaliar que as crianças se sentiram reconhecidas e valorizadas por serem elas a escolher os seus trabalhos e a organizarem o seu portefólio.
Uma das razões principais apontada pelas crianças para fundamentarem o que mais gostaram de fazer no portefólio foi a oportunidade que tiveram na escolha livre dos seus trabalhos. As outras razões apontadas são a pintura dos pés e a construção partilhada do portefólio.
Gostei de trabalhar contigo e ser eu a escolher os meus trabalhos sem seres tu a escolher (sorriu)… e gostei muito de pintar os pés (riu) (criança com cinco anos e do género feminino).
Quando lhes foi perguntado sobre a sua avaliação sobre o que já eram capazes de fazer e sobre o que ainda não eram capazes de fazer, as crianças esboçaram um olhar intenso de análise e reflexão sobre as suas produções e demonstraram-se conscientes, revelando compreensão dos próprios progressos e dificuldades, asseverando:
A coisa que ainda não sou capaz de fazer muito bem é as pernas dos bonecos… faço sempre uma perna mais pequenina e bicuda… e ainda não sou capaz de fazer muito bem pássaros… é difícil fazer as asas (criança com cinco anos e do género masculino).
Já sei desenhar bonecos a jogar à bola e antes não conseguia… agora já sei fazer uma coisa muita importante é fazer o nome e a data… estou de parabéns (criança com cinco anos e do género masculino).
No que às dificuldades diz respeito, apenas uma das crianças afirma: «Eu já sei fazer tudo não tenho nada mal feito» (criança com três anos do género masculino). Se, por um lado, a forma como a criança respondeu, constitui uma leitura das suas produções de forma crítica, simultaneamente, exprime-se a sua dificuldade na aceitação e/ou na tomada de consciência das próprias dificuldades. A criança ainda não possui maturidade suficiente que permita lidar com essa situação, podendo a mesma ser entendida como uma caraterística própria desta faixa etária.
A elaboração do portefólio é considerada por todas as crianças como sendo um processo que apreciam com muito entusiasmo, dedicação e orgulho, mostrando fascínio por participarem do seu processo de construção. «Sim foi interessante e gostei muito… porque sempre vi a Fátima a arrumar os meus desenhos no dossiê e agora fui eu que fiz o meu portefólio» (criança com quatro anos e do género masculino).
O portefólio, sendo um instrumento de trabalho e de avaliação construído pela própria criança, assume uma valorização por parte de si mesmo como protagonista da sua própria história, e é especialmente, apreciado por si, como algo de muito precioso, tornando-se por isso motivo de orgulho e de incentivo à sua autoestima. Sendo assim, todas as crianças mostraram interesse em mostrar o produto do seu trabalho às suas famílias e amigos, para que todos tivessem oportunidade de reconhecer e contemplar o valor do seu trabalho. Eis alguns exemplos dos seus discursos:
Vou mostrar à minha irmã… e também à mãe… ao pai… aos primos e aos meus amigos porque eu já sei que eles vão dizer que estava bonito e vão ficar contentes com os meus trabalhos porque fiz as coisas muito bem… gostava de mostrar à minha professora da escola nova para ela ver como se faz para fazer igual depois (criança com cinco anos e do género feminino).
Vou mostrar à minha avó… ao avô… ao meu pai e à minha mãe e … a mais ninguém para não o estragarem (criança com três anos e do género masculino).
Assim, e nesta perspetiva, pudemos considerar que as crianças assumiram o portefólio como seu, demonstrando capacidades para apreciarem os trabalhos realizados.
A existência de uma prática de avaliação sistemática e diária, assim como o elevado nível de conhecimento que a especificidade da função educativa na educação pré-escolar exige, levou-nos a refletir sobre os desafios e as oportunidades que a avaliação coloca neste nível educativo.
No trabalho de campo, o portefólio enquanto instrumento de trabalho e avaliação, sendo uma novidade para as crianças, representou um verdadeiro desafio a ser vencido. No meio de sorrisos, olhos brilhantes, boa disposição e compromisso, processos como observar, registar, organizar, sistematizar, refletir e avaliar exigiram um esforço conjunto e permitiram experiências de aprendizagens significativas para todos os que vivenciaram e se envolveram no processo de construção e implementação dos portefólios. A construção do portefólio revelou ser um processo dinâmico e interativo, constituindo-se num significativo processo para a permuta de conhecimentos e para o estabelecimento de compromisso quanto a uma ação mais consciente que levou a educadora/investigadora a envolver-se de forma mais intencional na ação educativa e implicou a criança na análise das suas experiências de aprendizagem e no próprio processo de avaliação.
Poderemos arrematar, ainda, de forma singela, que a forma organizada e sistemática dos portefólios é um aspeto decisivo e fundamental para um admirável meio de avaliação de competências, valores, comportamentos e atitudes conquistadas pelas crianças ao longo de um determinado período de tempo. Outra conclusão curiosa e interessante, que poderemos identificar neste estudo, é o entendimento do portefólio como meio facilitador de transição entre o jardim de infância e o 1.º ciclo, e até mesmo, entre os três anos de frequência do jardim de infância. No que concerne à organização deste instrumento de trabalho e avaliação, concluímos que a partir dos três anos de idade com a orientação do educador, as crianças poderão começar a construir e a organizar o seu portefólio, sempre adaptado, como é evidente, à sua faixa etária, às suas caraterísticas e ao seu desenvolvimento.
Embora se constate que o portefólio é um instrumento que requer muita disponibilidade por parte do/a educador/a para a sua organização e construção, apesar de ser um instrumento de fácil consulta, aos/às educadores/as, enquanto mediadores/as entre a criança e o saber, compete-lhes ter uma atitude na procura de proporcionar ambientes educativos favorecedores da construção de aprendizagens autónomas e significativas que permitam às crianças desenvolverem competências de aprender a aprender, assim como de começarem a olhar, de forma crítica, a avaliação na educação pré-escolar.
Ao encontrarmos novas soluções pedagógicas como a construção de um portefólio, é possível, avaliar as crianças de forma mais coerente e apropriada, na necessidade de olhar com um sentido positivo para a ação pedagógica e garantir, dessa forma, a promoção do desenvolvimento harmonioso, equilibrado e global de cada criança, bem como de todos os parceiros educativos, no desejo de uma educação pré-escolar de qualidade.
Afonso, N. (2005). Investigação Naturalista em Educação - Um guia prático e crítico. Porto: Asa.
Alarcão, I. E Tavares, J. (2003). Supervisão da prática pedagógica. Uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina.
Fisher, J. (2004). «A relação entre o planeamento e a avaliação». In: Siraj-Blatchford, I. (Org.). (2004). Manual de Desenvolvimento Curricular para a Educação de Infância. Lisboa: Texto Editora. (pp. 21-40).
Formosinho, J. (2002). «A avaliação alternativa na educação de infância». In Formosinho, J. (Org.). (2002). A supervisão na formação dos professores I. Porto: Porto Editora. (p. 144 – p. 165).
Marchão, A. (2010). (Re)Construir a prática pedagógica e criar oportunidades para pensar. Aveiro: Universidade de Aveiro (tese de doutoramento).
Marchão, A. (2012). No jardim de infância e na escola do 1.º ciclo do Ensino Básico – Gerir o currículo e criar oportunidades para construir o pensamento crítico. Lisboa: Edições Colibri.
Marques. R. (1993). A escola e os pais como colaborar? Lisboa: Texto Editora.
Máximo-Esteves, L. (2008). Visão Panorâmica da Investigação-Acção. Porto: Porto Editora.
Moreno, I. (2010). Elaboração de portefólios: pequenos passos rumo à formação pessoal e social. Lisboa, apei, Cadernos de Educação de Infância, n.º 89 Abr/2010. (pp. 38-40).
Parente, A. (2004). A construção de práticas alternativas de avaliação na pedagogia da infância: sete jornadas de aprendizagem. Braga: Universidade do Minho (Tese de Doutoramento).
Sarmento, T. (1992). As práticas de envolvimento de pais em Jardins-de-Infância, Um Estudo de caso. cefope, Braga: Universidade do Minho.
Sousa, A. (2005). Investigação em educação. Lisboa: Livros Horizonte.
Vilelas, J. (2009). Investigação. O processo de construção do conhecimento. Lisboa: Edições Sílabo.
Zabalza, M. (2000). «Evaluación en Educación Infantil » . Porto: Perspectivar Educação, n. 6. (p.30-35).
Circular n.º 4/dgidc/dsdc/2011: Avaliação na Educação Pré-escolar.