Número 65 mayo-agosto / maio-agosto 2014

A colaboração na formação continuada de professores: o projeto M-learning

Mônica Cristina Garbin *
Marta Fernandes Garcia *
Sérgio Ferreira do Amaral **
Dirceu da Silva ***

* Doutoranda da Universidade Estadual de Campinas, Brasil.
** Professor Livre-Docente da Universidade Estadual de Campinas, Brasil.
*** Professor Associado da Universidade Estadual de Campinas, Brasil.

Síntese: O artigo apresenta os principais resultados do projeto «M- learning: Uma Implantação Inovadora», desenvolvido pelo Laboratório de Inovação Tecnológica aplicado à Educação - lantec/unicamp. O projeto teve por objetivo desenvolver um ambiente colaborativo de aprendizagem para professores de matemática do ensino fundamental que lecionam em escolas cujo ideb é inferior ou igual a 4. Um questionário semiestruturado foi aplicado para avaliar a percepção dos professores-alunos sobre a contribuição do curso para o desenvolvimento de processos colaborativos entre os participantes e para a produção de conhecimentos que subsidiassem transformações qualitativas em suas práticas escolares. Participaram da pesquisa 123 sujeitos de diferentes regiões do Brasil. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo e análise descritiva. Os resultados mostram que, ao longo do curso, os professores intensificaram a interação com os pares, evoluíram no domínio dos recursos tecnológicos e em seu uso e compartilhamento com colegas de profissão, como possibilidade de construírem novos modos de ensinar e aprender matemática na escola.
Palavras-chave: aprendizagem colaborativa; ambientes virtuais colaborativos; formação de professores.
La colaboración en la Formación Continua de profesores: el proyecto M-Learning
Síntesis: El artículo presenta los principales resultados del proyecto «M-Learning: Una implantación innovadora» , desarrollado por el Laboratorio de Innovación Tecnológica Aplicado a la Educación lantec/unicamp. Éste proyecto ha tenido como objetivo desarrollar un ambiente colaborativo de aprendizaje para los profesores de matemáticas de enseñanza obligatoria, pertenecientes a centros educativos con un Índice de Desarrollo de la Educación Básica (ideb) inferior o igual a 4. Se ha realizado un cuestionario semi-estructurado para evaluar la percepción de los profesores-alumnos sobre la contribución del curso para el desarrollo de procesos colaborativos entre los participantes. Se buscaba asimismo la producción de conocimientos que puedan transformar cualitativamente las prácticas escolares de los profesores. Han participado en la investigación 123 individuos de diferentes regiones de Brasil. Los datos recogidos han sido sometidos a un análisis descriptivo y de contenido. Los resultados han mostrado que a lo largo del curso, los profesores han intensificado su interacción con sus compañeros, mejorando en el dominio de los recursos tecnológicos y en su uso e intercambio con los colegas de profesión. De esta forma se ha posibilitado la creación de nuevas modalidades de enseñanza y de aprendizaje de las matemáticas en la escuela.
Palabras clave: Aprendizaje colaborativo, ambientes virtuales colaborativos, formación de profesores.
Collaboration in the continuing teachers education: the M-learning project
Abstract: This paper shows the main results of the project «M- learning: An Innovative Implementation» , developed by the Education-applied Technological Innovation Laboratory – lantec/unicamp. The project had the objective of developing a collaborative learning environment for elementary school  mathematics teachers working in schools with a Basic Education Development Index (ideb) of 4 or lower. A semi-structured questionnaire was used to assess the learning teachers’ perception of the course’s contribution to the development of collaborative processes among the participants and to the production of knowledge than can subsidize qualitative changes in their school practices. A total of 123 subjects, from different regions of Brazil, took part in this study. The data were subjected to content analysis and descriptive analysis. The results showed that, throughout the course, the teachers intensified their cooperation with their peers, improved their mastery of technological resources, and increased their use and sharing of these resources with their colleagues as means of building new ways of teaching and learning mathematics in school.
Keywords: Collaborative learning. Virtual collaborative environments. Teachers education.

1. Introdução

A grande maioria dos programas educacionais brasileiros não consegue formar na perspectiva de transformar qualitativamente as práticas escolares, porque estão fundamentados em concepções que fazem alusão ao paradigma da racionalidade técnica, (Megid Neto, Jacobucci & Jacobucc., 2007). Trata-se, muitas vezes, de programas criados de maneira distante da realidade escolar, o que pode desencadear uma resistência, por parte dos professores, aos saberes que são produzidos pela universidade. Ao julgarem que os conhecimentos acadêmicos pouco ou nada contribuem para o seu trabalho docente diário, os professores rejeitam as propostas didáticas, curriculares e teóricas que recebem da comunidade acadêmica.

O distanciamento entre universidade e escola se materializa na desconsideração da diversidade cultural e da complexidade das práticas de sala de aula. Como uma saída para esse impasse Fiorentini (2012) e Megid Neto et al (2007) apontam a necessidade de a universidade atuar como parceira e colaboradora nos processos de formação, investindo na capacidade dos professores de pesquisarem e gerarem conhecimento entre os seus pares, educadores e demais atores escolares para enfrentar questões e desafios que emergem de sua própria prática. Neste sentido, o Laboratório de Inovação Tecnológica aplicado na Educação (lantec) da Universidade Estadual de Campinas criou o projeto «M-learning: Uma Implantação Inovadora» (2011-2013), pertencente ao Programa Observatório da Educação, cuja agência financiadora é a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), com o objetivo de criar um design de um ambiente educacional colaborativo aliado a recursos tecnológicos para o desenvolvimento de um programa de formação continuada a distância para professores de Matemática do ensino fundamental que trabalham em escolas, cujo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (ideb) é menor ou igual ao índice nacional (nota 4).

O programa denominado «Utilização de Objetos de Aprendizagem em Sala de Aula Mediatizado pelas Tecnologias Digitais” 2 contou com um grupo de discussão em rede social e um portal para compartilhamento de conteúdos. O estudo perdurou de 2011 a 2013 com a participação de 4 pesquisadores de pós-graduação e 6 alunos de graduação.

O interesse em trabalhar com objetos de aprendizagem de forma colaborativa deve-se ao fato de se tratarem de «ferramentas interativas baseadas na web que apoiam o aprendizado de conceitos específicos, incrementando, ampliando, ou guiando o processo cognitivo dos aprendizes» (Amiel, Orey & West, 2011, p. 114). Assim, como recurso didático interativo, poderia contribuir significativamente para o processo de ensino-aprendizagem de Matemática dos alunos do ensino fundamental.

Vários questionários foram aplicados ao longo do curso com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento, a interação dos alunos e o uso dos recursos tecnológicos. Neste artigo, interessa-nos refletir especificamente sobre a percepção dos professores-alunos sobre a contribuição do curso para o desenvolvimento de processos colaborativos entre os participantes e para a produção de conhecimentos, utilizando recursos tecnológicos que subsidiem as transformações qualitativas desejadas em suas práticas escolares.

2. Pressupostos teóricos e metodológicos do projeto M-learning

É comum identificarmos nas escolas a individualização no trabalho do professor e a fragmentação dos conhecimentos em decorrência da forma disciplinar com que são tratados. Diante disso, muitos pesquisadores argumentam a favor do trabalho interdisciplinar nas escolas como modo de garantir a interrelação das disciplinas e das áreas do conhecimento, no intuito de aprendê-las em sua complexidade, preparando profissionais e cidadãos para um mundo em permanente mudança.

Levando em consideração essas questões, o Laboratório de Inovação Tecnológica aplicado à Educação, da Faculdade de Educação da Unicamp, ofereceu o curso «Utilização de Objetos de Aprendizagem em Sala de Aula Mediatizado pelas Tecnologias Digitais» para professores de Matemática que lecionam em escolas brasileiras, que possuem o ideb inferior ou igual a 4, adotando uma metodologia colaborativa para a produção de conhecimento entre professores, como modo de viabilizar oportunidades de discutir, investigar e criar estratégias para o enfrentamento de problemas e desafios vividos pelos professores em sua prática escolar. Ao se utilizar o ideb igual ou menor a 4 como um dos principais critérios de seleção, tinha-se como objetivo selecionar professores que lecionavam em escolas cuja prática de ensino-aprendizagem necessitava de novas perspectivas metodológicas para efetivar  melhorias na qualidade do ensino.

O curso teve como pressuposto teórico/metodológico os princípios da colaboração nos ambientes virtuais. De acordo com Coll e Monereo (2010), nos últimos cinco anos há um grande interesse em produção de conhecimento no campo da aprendizagem em grupos colaborativos, resultando num campo de pesquisa denominado Aprendizagem Colaborativa Apoiada por Computador - Computer Supported Collaborative Learning (cscl). Esta área de estudo apresenta pesquisas que comprovam que espaços virtuais colaborativos podem acarretar resultados de aprendizagem próximos aos alcançados em contextos presenciais, já que proporcionam aos envolvidos mais oportunidades de participação ativa e de discussões reflexivas (Coll, Bustos e Engel, 2010). No entanto, é insuficiente colocar um estudante dentro de um ambiente CSCL para que ele inicie a colaboração. É preciso, sobretudo, que se criem estruturas e organizações para que isso aconteça (Kumar, Gress, Hadwin e Winne, 2010).

Para a criação do ambiente de aprendizagem do curso, foram observadas as indagações propostas por Behar (2009): quais teorias de aprendizagem serão usadas? Qual é o perfil do público-alvo? Quais são os objetivos do programa? Quais serão os trabalhos dos alunos (tempo/espaço)? Que recursos digitais serão usados para trabalhar os conteúdos? Quais atividades serão realizadas? Quais serão os tipos de interações entre os participantes? Que avaliações serão privilegiadas? O que motivará os alunos? Para a autora, é fundamental responder a essas questões antes de escolher e organizar o ava (Ambiente Virtual de Aprendizagem). Em outras palavras, a etapa de escolha de um ambiente virtual de aprendizagem deve ser feita de acordo com o tipo de proposta pedagógica que se deseja desenvolver, e, então, faz-se possível tomar decisões de caráter tecnológico.

É viável pensar a aprendizagem colaborativa a partir da teoria sociocultural de Vygotsky, para quem «a colaboração entre pares durante a aprendizagem pode ajudar a desenvolver estratégias e habilidades gerais de solução de problemas através da internalização do processo cognitivo implícito na interação e na comunicação» (Vygotsky, 1998, p. 17). Desta forma, a colaboração estimula a aprendizagem e pressupõe o desenvolvimento de um trabalho de parceria, visando um objetivo comum, algo que não poderia ser produzido de maneira individual (Garbin, 2011). A colaboração depende do estabelecimento de uma linguagem e de significados comuns entre os sujeitos no que se refere à tarefa a ser realizada e de uma meta que envolva todos os participantes implicados no processo.

Ao adotar a metodologia colaborativa para os processos de ensino e aprendizagem em ambientes virtuais, levou-se em consideração determinadas categorias de atividades e concepções que promovem o trabalho coletivo. Foram elas:

3. A estrutura do programa de formação

O curso «Utilização de Objetos de Aprendizagem em Sala de Aula Mediatizado pelas Tecnologias Digitais» teve inicio em outubro de 2011. Foram selecionados 250 professores, e desses, 225 efetivaram a matrícula. Os estudantes foram selecionados por meio de um questionário que buscava identificar se os candidatos cumpriam os critérios de seleção: atuar como professor de Matemática da rede pública de ensino brasileiro; ministrar aulas no ensino fundamental (do primeiro ao nono ano); a escola onde leciona deveria ter ideb igual ou inferior a 4; o professor selecionado deveria ter segundo grau completo ou graduação; e, finalmente, comprovação de vínculo com a escola cujo o índice era baixo. Ao final, os selecionados precisavam comprovar esses itens através do envio de documentos.

O questionário inicial de seleção também coletou informações relativas à experiência do candidato com a educação a distância e com o manejo de tecnologias em geral. O objetivo desta etapa era investigar que dificuldades relacionadas a esses aspectos os candidatos enfrentaram em sua trajetória, de forma que o curso oferecido pelo lantec pudesse contemplar as demandas relatadas. A partir daí, a organização do curso bem como do próprio Ambiente virtual de aprendizagem (ava), contemplaram as dificuldades relatadas pelos alunos. Assim, foram definidas as ferramentas a serem usadas na plataforma, dando-se preferência por aquelas que privilegiassem espaços para a inserção de informações pessoais, para troca entre os estudantes e para a realização de aprendizagem individual e em grupo:

Para a confecção do design do ava também foi observado os entraves apontados pelos estudantes no questionário de seleção, optando-se, assim, por uma interface simples e  com pouco conteúdo (Figura 1), a fim de evitar que o estudante se perdesse ao tentar encontrar uma informação sobre o andamento do curso.

Após a definição e a organização do ava e da seleção dos estudantes, optou-se pela divisão dos selecionados em grupos de 50 alunos, cada qual sob a orientação de um tutor, bolsistas do curso de Matemática e Pedagogia da unicamp, que tinha como função orientar seus estudantes no desenvolvimento das atividades. Para retirar as dúvidas acadêmicas, existia a figura dos professores coordenadores, neste caso, os pesquisadores do programa de pós-graduação. Já em turmas, os estudantes ainda foram separados em grupos de trabalho menores, com até 10 integrantes. O processo seletivo reservava 50 vagas para cada região brasileira, no entanto, como a região Norte não recebeu um número suficiente de inscrições que atendessem ao perfil, essas vagas foram divididas entre as regiões Nordeste e Centro-oeste.

O curso foi organizado em 6 módulos com duração entre 1 e 2 meses. Cada um deles era composto por atividades realizadas semanalmente ou quinzenalmente, de acordo com a profundidade e a exigência do tema tratado. Além disso, as atividades eram realizadas em grupos e, por vezes, individualmente, sendo priorizado o trabalho coletivo nos diferentes espaços de realização de tarefas do ava. Já os conteúdos do programa de formação estavam organizados em: Módulo 1 – Introdução ao ava; Módulo 2 – Introdução à tecnologia na Educação; Módulo 3 – Educação e Mediação Interativa; Módulo 4 – Troca de experiências em vídeo; Módulo 5 – Introdução da Linguagem digital interativa na educação e Produção e utilização de objetos de aprendizagem em sala de aula; Módulo 6 – Projeto prático. Com esta organização e estes conteúdos, buscava-se propor, aos professores em formação, novas metodologias com o uso de tecnologias e inseri-los em discussões e reflexões sobre suas práticas, com a intenção de contribuir para as mudanças que se faziam necessárias para a melhoria da qualidade da ação pedagógica que desenvolvem nas escolas. 

4. Método

Ao final do último módulo, os alunos foram convidados a responder um questionário de avaliação do curso, especificamente sobre a sua contribuição para o desenvolvimento de processos colaborativos entre os participantes, para o seu desenvolvimento profissional e para a produção de conhecimentos que subsidiassem transformações qualitativas em suas práticas cotidianas na escola. O questionário semiestruturado é composto por 25 questões, sendo 15 fechadas e 10 abertas.

Para o tratamento dos dados provenientes das questões fechadas foi utilizado o software estatístico SPSS 15.0 (Statistical Package for Social Sciences), procedendo-se à análise descritiva do perfil dos respondentes e à análise de frequência de alternativas das respostas. Já para a análise das questões abertas, foram seguidos os passos propostos por Bardin (2006), que prevê 3 etapas a serem seguidas para a análise de conteúdo em dados de cunho qualitativo: a) Preparação das informações; b) Categorização ou classificação das unidades em categorias; c) Descrição e Interpretação.

5. Resultados e discussão

Sobre a caracterização dos participantes da pesquisa, 123 sujeitos responderam o questionário, livremente, sendo a grande maioria do sexo feminino (78,9%), pertencente à faixa etária entre 41-50 anos (37,4%) e oriundos da região sul (27,6%). As tabelas 1 e 2 apontam, respectivamente, a distribuição dos sujeitos por faixa etária e região.

Um dado relevante da pesquisa aponta que 92,7% dos sujeitos compartilharam algum conteúdo do curso com os colegas da escola onde trabalham, indicando que um dos principais objetivos do projeto foi alcançado em larga escala, uma vez que se desejava que os conhecimentos construídos fossem compartilhados e discutidos no interior da escola com os demais membros, com vistas a mudanças de postura no exercício da docência.

A contribuição do curso para a prática dos professores-alunos é percebida quando 95,9% dos sujeitos relataram acreditar que o curso contribuiu para o seu desenvolvimento profissional. Sobre esse aspecto, os participantes afirmaram que, através do curso, foi possível buscar possibilidades de inovação nas aulas de Matemática e perceberam uma leve mudança em sua prática de ensino bem como de outros membros da escola onde atuam, evidenciando, assim, alguma mudança no processo de ensino-aprendizagem na comunidade escolar da qual fazem parte.

Aqui na minha escola temos o Projeto «Além das Palavras’’, e sou coordenadora desse projeto, meu trabalho é auxiliar o professor em sua prática pedagógica na disciplina de matemática e com esse curso eu pude socializar minhas experiências, ajudar ainda mais os professores com os recursos tecnológicos (Relato de aluna da região Centro-oeste).

Sobre a avaliação do conteúdo do curso pelos alunos, a maioria (50,4%) elegeu o Módulo 5 – Objetos de Aprendizagem como o mais interessante, indicando que a temática escolhida para o desenvolvimento do curso foi pertinente e atraente aos professores de Matemática da Educação Básica que participaram da pesquisa. Já o módulo em que os alunos sentiram maior dificuldade foi o Módulo 4 – Troca de experiências em vídeo (39, 8%), o que pode indicar que os professores de Matemática têm pouca experiência com vídeos e/ou que fazem pouco uso desse recurso em sala de aula.

Um dos principais critérios elegidos para selecionar os professores foi o ideb das escolas onde atuam, pois almejava-se que o curso contribuísse para a melhoria da prática dos professores e, consequentemente, para a melhoria da educação das escolas onde lecionam. Desejava-se, com o curso, o aumento do ideb dessas instituições. Quando questionados se houve alguma melhora nos índices da escola onde trabalham de 2011 para 2012, considerando as avaliações de desempenho oficiais (ex: Prova Brasil e ideb), 51,2% dos sujeitos responderam que sim, como evidenciado por uma aluna da região Sul do país: «Estou feliz com o resultado da minha escola! De 2,5 subiu para 4.3, sendo que a previsão era de 3,4 e, para 2015 a previsão seria de 4,2. Devo estar mesmo agradecida a Deus, a vitória é muito grande”.

O relato acima demonstra a preocupação dos professores com a qualidade da educação das instituições onde desempenham sua função docente. Há o desejo de que a escola consiga bons resultados em avaliações governamentais. A busca desses profissionais por um programa de formação continuada, que lhes proporcionem conhecer diferentes teorias e modos de ensinar, comprova a vontade que possuem de engendrar processos de mudanças e melhorias em suas próprias práticas pedagógicas.

Os sujeitos avaliaram positivamente a experiência de ter se relacionado com pessoas de diferentes lugares do Brasil. Grande parte (78%) classificou essa experiência como muito boa, 14,6% como boa, 6,5% como regular e 0,8% como ruim. Desta forma, para 92,6% dos professores-alunos, o curso proporcionou bons momentos e espaços para trocas entre diferentes sujeitos de diversos lugares. Uma das questões abertas também buscou compreender o que foi mais marcante para os alunos na experiência de se relacionar com pessoas de diferentes lugares do Brasil. As respostas foram diversificadas, no entanto, grande parte apontou um elemento em comum, declarando que, embora estivessem em diferentes estados do Brasil, os problemas que enfrentavam na educação é compartilhado por todos. Além desse, outro ponto recorrente nas respostas foi a possibilidade de se relacionar com pessoas de contextos bastante diferentes e lidar com as variadas ideias e divergências de opiniões. É interessante verificar o relato de um aluno do Sul do país:

O que mais marcou foi a dificuldade de fazer um trabalho em grupo com pessoas de diferentes lugares do Brasil e online. Mas até isso consegui levar de aprendizado para sala de aula. Quando pedia para os alunos fazerem um trabalho em grupo e surgiu desavenças, eu ficava muito chateado e achava um absurdo. Agora entendo que para eles também é difícil, mesmo estando juntos.

Ainda sobre a questão de estudar com pessoas de diferentes lugares do Brasil, uma aluna da região sudeste relatou que o mais marcante foi a necessidade de confiar no desconhecido e de aprender a organizar tarefas e fazê-las em grupo, confiando no trabalho do outro sem nem mesmo conhecê-lo pessoalmente. Mesmo com as dificuldades e desafios relatados, foi notável o engajamento de todos no trabalho coletivo e nas possibilidades de resolução de problemas: «quando eu apresentava alguma dificuldade era só postar e lá vinha um monte de sugestões, contribuições» (Relato de aluno da região Norte).

É interessante observar que 100% dos participantes da pesquisa concordaram que o curso criou estratégias e proporcionou ferramentas que possibilitaram a interação entre os participantes. E, sobre o modo como a tecnologia ajudou na colaboração e interação durante o curso, foi possível classificar as respostas em 3 tipos: a maioria dos alunos afirmou que a tecnologia aproximou os participantes, levando-os a esquecerem que estavam distantes geograficamente; outros consideraram que através da tecnologia foi possível estabelecer novas conexões sociais, criando momento de trocas e novos conhecimentos; e, um terceiro grupo declarou que a tecnologia pôde ajudar na flexibilização do tempo em relação às atividades e mesmo à comunicação.

A tecnologia através dos mecanismos de e-mail, fóruns e do próprio ambiente de aprendizagem aproxima as pessoas que vivem nas mais diferentes realidades, além de facilitar as trocas de experiência. Outro ponto positivo é a flexibilidade de horário e de comunicação. Também estimular a participação e favorecer a autonomia na aprendizagem (Relato de aluno da região Nordeste).

Quando questionados sobre o que foi mais marcante no curso, os participantes relataram diferentes aspectos: a colaboração entre pessoas desconhecidas; o trabalho em grupo com diferentes personalidades; a descoberta dos objetos de aprendizagem, em especial, o aprendizado das cruzadinhas, uma das ferramentas apresentadas no módulo 5.

O que mais me marcou foi ter aprendido mexer com geogebra, cruzadinha achava que nunca conseguira dominar essa ferramenta e nem mesmo criar um blog. O qual os meus colegas tem usado muito e achado bacana. Fui referencia no meu colégio para outros professores na reunião pedagogica no mês de julho. Imagina, nunca sonhei com isso. Fico feliz por estar colaborando (Relato de aluna da região Sul).

Sobre o que foi mais marcante nos trabalhos realizados no fórum, nota-se que as respostas da grande maioria dos alunos aproximaram-se do relato da aluna da região Nordeste: «As dicas dadas por todos, tanta coisa que não conhecia, tantas possibilidades de aprender e pôr em prática, fiquei entusiasmada para conferir quase tudo, ainda estou estudando e pesquisando sites, blogs e tudo mais sugerido”. Ou ainda o relato de outra estudante da região Sul:

As discussões no fórum foram um momento de intensa troca de experiências, de socialização de blogs. Muitas aulas eu preparei utilizando blog indicado pelos colegas. Também me atentei para algumas questões postas em sala de aula, com colocações feitas por colegas durante o fórum.

As discussões realizadas no fórum, de fato, se constituíram num momento e espaço de maior partilha de experiências dentro do curso, local onde a colaboração se efetivou com maior intensidade, o que pode ser observado quando os sujeitos indicam o fórum como a ferramenta mais utilizada para a comunicação com os colegas do curso. A tabela 3 apresenta a lista das ferramentas mais utilizadas para interação e diálogo entre aluno-aluno e aluno-formador.

       

Por último, ao serem indagados se passaram a utilizar ferramentas tecnológicas na sala de aula com os alunos após iniciarem o curso, a grande maioria dos sujeitos respondeu que sim (95,1%), declarando ter introduzido objetos de aprendizagem em suas aulas, como pode ser observado na resposta de um aluno da região nordeste: «Já havia usado o Geogebra, mas o curso possibilitou conhecer novas utilidades do software. Vídeo aula também passei a usar após melhorar os conhecimentos com o curso. As cruzadinhas ajudam bastante a fixar determinados conteúdos”.

Durante a análise, notou-se que o objeto de aprendizagem mais citado pelos professores respondentes foi a cruzadinha, seguido do blog, vídeo e lousa digital. Assim, a partir das respostas dos alunos é possível afirmar que grande parte deles passou a utilizar em sua sala de aula, seja com maior ou menor intensidade, os conhecimentos desenvolvidos no curso, apontando que essa experiência de formação contribuiu para introduzir mudanças, ainda que incipientes, no modo de ensinar e aprender matemática e, consequentemente, no papel do professor e na concepção que possuem sobre a natureza da atividade matemática na escola.

6. Considerações finais

O texto buscou evidenciar a importância da colaboração e da constituição de espaços na formação continuada de professores em que ela possa se desenvolver. Entendemos que ela seja necessária por proporcionar grandes oportunidades de participação ativa e de discussões reflexivas entre os alunos (Coll, Bustos et al., 2010).  Por esta razão, foi adotada no curso «Utilização de Objetos de Aprendizagem em Sala de Aula Mediatizado pelas Tecnologias Digitais» uma metodologia colaborativa de ensino e aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento profissional dos professores em formação por meio da colaboração e da aprendizagem e utilização de objetos de aprendizagem em sala de aula.

O curso também se constituiu em uma oportunidade de investigação coletiva sobre a prática educacional. Diferentes professores de várias regiões do Brasil, pesquisadores da pós-graduação e professores-tutores formaram uma comunidade crítica e colaborativa preocupada com a problematização do cotidiano escolar e voltada para desenvolver novos modos de ensinar e aprender Matemática. Assim, acreditamos que este programa de formação se aproximou de uma concepção de formação que se realiza não apenas para os professores, mas com eles, na perspectiva de que juntos, comunidade profissional e acadêmica, aprenderam, investigaram, refletiram e criaram novas concepções de realizar o ensino a partir do uso de ferramentas tecnológicas interativas nas práticas cotidianas de sala de aula.  

Acreditamos na necessidade da criação de novas propostas de formação continuada de professores que considerem as práticas e os saberes desenvolvidos pelos docentes e que problematizem os desafios, as dúvidas e inquietações que eles trazem e que exigem a nossa escuta atenta, como condição para que se desenvolvam processos formativos coerentes com suas necessidades e que possam efetivamente contribuir para mudanças qualitativas nas práticas cotidianas de sala de aula.

Referências

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1 Este projeto contou com o financiamento da Capes por intermédio do Programa Observatório da Educação. Processo nº 93/capes/inep de 2010.

2 O curso em questão faz parte do estudo de doutorado de Mônica Cristina Garbin, bolsista da capes entre os anos de 2011 e 2013.

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