Número 67 Enero-Abril / Janeiro-Abril 2015

Cultura organizacional de boas escolas: O sentido e as práticas de lideranças

Maria Lopes *

* Investigadora Pós-doutoramento pela Universidade do Minho. Professora adjunta na eseag, grupo Lusófona, Lisboa (Portugal)

Síntese: A temática do presente artigo insere-se no âmbito da «Cultura organizacional de boas escolas: o sentido e as práticas de lideranças». O objetivo principal é analisar o sentido e as práticas subjacentes ao exercício das lideranças no contexto das «boas escolas». O quadro teórico centra-se em três linhas orientadoras: i) cultura organizacional de escola; ii) conceção de «boas escolas» e iii) lógica das lideranças na escola democrática. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, de carácter fenomenológico e de incidência descritiva e interpretativa, que integra instrumentação de natureza quantitativa consubstanciada na aplicação do questionário. Os procedimentos metodológicos recaíram sob o estudo de casos múltiplos. Pôde-se objetivar, identificar e caracterizar as especificidades intrínsecas de três escolas do 2.º e 3.º Ciclo do Ensino Básico, através da aplicação da seguinte instrumentação: i) fonte documental; ii) entrevistas dirigidas aos diretores de escola e iii) questionários dirigidos aos professores. A análise dos resultados aponta para o exercício da liderança democrática participada, sedimentada por uma cultura organizacional incrustada nos valores para uma cidadania democrática. A investigação realizada permitiu, também, a construção das dimensões da liderança no contexto das «boas escolas».
Palavras-chave: cultura organizacional de escola | «boas escolas» | escolas democráticas e liderança escolar.
La cultura organizativa de los buenos colegios: el sentido y las prácticas de liderazgo
Síntesis: La temática del presente artículo se inserta en el ámbito de la «cultura organizativa de los buenos colegios: el sentido y las prácticas de liderazgo». El objetivo principal es analizar el sentido y las prácticas subyacentes al ejercicio de los liderazgos en el contexto de los «buenos colegios». El cuadro teórico se centra en tres líneas orientadoras: i) cultura organizativa del colegio; ii) concepción de «buenos colegios» y iii) la lógica de los liderazgos en la escuela democrática. Se trata de un estudio de naturaleza cualitativa, de carácter fenomenológico, e incidencia consubstanciada en la aplicación del test. Los procedimientos metodológicos recaen en el estudio de casos múltiples. Se pueden objetivar, identificar y caracterizar las especificidades intrínsecas de tres colegios de 2º y 3º Ciclo de la Enseñanza Básica, a través de la aplicación de los siguientes instrumentos: i) fuente documental; ii) entrevistas dirigidas a los directores de la escuela y iii) test dirigidos a los profesores. El análisis de los resultados apunta hacia el ejercicio del liderazgo democrático participativo, sedimentado por una cultura organizativa incrustada en los valores de una ciudadanía democrática. La investigación realizada ha permitido también la construcción de las dimensiones del liderazgo en el contexto de los «buenos colegios». 
Palabras clave: Cultura organizativa del colegio | «buenos colegios»| colegios democráticos y liderazgo escolar. 
Organizational culture of good schools: the meaning and practices of leadership
Abstract: The theme of this article is inserted in the scope of «organizational culture of good schools: the meaning and practices of leadership». Its main purpose is to analyze the meaning and the practices underlying the exercise of leadership in the context of «good schools». The theoretical frame focuses on three oriented lines: i) school organizational culture; ii) conception of «good schools»; iii) leadership logic in democratic schools. This is a qualitative study, with both a phenomenological character and a descriptive and interpretative incidence that incorporates quantitative instrumentation implied in the application of the questionnaire. The methodological procedures relapsed upon the study of multiple cases. Intrinsic specificities of three secondary schools were objectified, identified and characterized through the application of the following instrumentation: i) documentary source; ii) interviews destined to school headmasters and iii) questionnaires destined to teachers. The result analysis points out the practice of imparted democratic leadership strengthened by an organizational culture inlaid in the values for a democratic citizenship. The performed investigation also allowed the building of leadership dimensions in the scope of «good schools».
Keywords: school organizational culture | good schools | democratic schools and school leadership.

1. Introdução

O presente artigo intitula-se «cultura organizacional de boas escolas: o sentido e as práticas de lideranças» e tem como objetivo norteador analisar o sentido e as práticas de lideranças no contexto das «boas escolas».

Ora, a linha motivadora na incursão desta pesquisa centra-se especificamente no interesse pela temática descrita, a qual envolve um imensurável desafio pela complexidade e pertinência que a problemática encerra. 

Se por um lado, o estudo da cultura em contexto escolar desperta e aguça a curiosidade investigativa, por outro lado, a questão das «boas escolas» é sem dúvida relevante no campo investigativo, perspetiva um outro modo de pensar a escola, num entrecruzar de uma outra gramática da escola, num quadro epistemológico que evidência o sentido e as práticas das lideranças exercidas sob os princípios da democracia, perspetivando-se como a chave da mudança e da inovação da escola na contemporaneidade.

Considera-se a temática especialmente pertinente no contexto educativo contemporâneo, dado que a par do fenómeno da massificação e da globalização urge a necessidade de se (re)pensar a escola em que as lideranças se constituem como fator dinamizador da cultura organizacional de «boas escolas» uma escola em que todos têm o direito de aprender e as mesmas oportunidades de sucesso educativo. 

Abraçar esta pesquisa constitui um desafio incomensurável, concretizável na curiosidade epistemológica inerente ao desenho teórico-metodológico que ela requer. Define-se «como uma ´aventura` concertada de interesse, entusiasmo e até ´devoção`» (tuckman, 2012, p.37), num processo efetivo de busca de contributos válidos cientificamente em torno da problemática investigativa, que se consubstancia na construção das dimensões da liderança em contexto das «boas escolas».

2. Referencial teórico

Como afirma canário (2005) «não é possível adivinhar nem prever o futuro da escola, mas é possível problematizá-lo. (…) é nesta perspectiva que pode ser fecundo e pertinente imaginar uma ´outra´ escola, a partir de uma crítica ao que existe» (p.87). A partir desta evidência ressalta-se o (re)pensar de uma outra escola sob o prisma da globalização face aos dilemas e desafios da contemporaneidade, considerando as lideranças a chave da mudança e da inovação na construção de uma «boa escola». A análise crítica centra-se no descobrir de novos caminhos e no resgatar do sentido epistemológico da função da escola como espaço de possibilidades para todos no respeito pela diversidade humana e na difusão de valores universais.

Na verdade, na escola do terceiro milénio a ideia de crise persiste, repercutindo-se no funcionamento organizativo da escola e evidenciando-se claramente nas políticas educativas. Neste contexto há a realçar diversos estudos (canário, 2002; lima, 2006; geraldo barroso, 2008; teodoro, 2009) que fundamentam de modo pertinente a crise da escola. O seu contributo é imprescindível para uma visão compreensível sobre a problemática aqui abordada. A centralidade destes estudos desoculta o paradoxo vivido pela escola: se por um lado, a escola está na base do desenvolvimento da sociedade do conhecimento, por outro, não responde à sua missão. Neste contexto, joão barroso (2009) enfatiza a questão, recorrendo à metáfora das escolas que não faziam diferença, mas que afinal até fazem:

A valorização da influência dos factores externos (nomeadamente socioculturais) nos resultados escolares dos alunos, a opção por um modelo uniforme de escolarização (´escola única´) como forma de combater as desigualdades e a primazia dada aos objectivos de alargamento quantitativo do sistema levaram a considerar que ´as escolas não faziam a diferença´ e que o essencial da mudança se jogava ao nível do macro-sistema, através da relação entre inputs e outputs. A constatação de que, afinal, ´as escolas fazem toda a diferença´ leva a colocar a ênfase das políticas na diversificação de cada escola e nas condições para a sua diferenciação, em função de projectos e do reforço da sua autonomia. (p. 10)

Se, por um lado, a escola vive num contexto de crise, por outro, não pode ficar ancorada a essa crise, cabe-lhe enfrentá-la e se (re)construir como «boa escola». De facto, o mundo está em mudança. Logo, a escola também está em mudança. Vivem-se tempos de uma imparável cultura de mudança. Por conseguinte, subjaz à escola o questionamento sobre a direcionalidade a dar à (re)construção da sua cultura organizacional para responder eficientemente à sua missão, a qual como sublinha nóvoa deve centrar-se fundamentalmente na aprendizagem dos alunos (pereira e vieira, 2006) e «contribuir para o melhoramento da sociedade através da formação de cidadãos críticos, responsáveis e honrados» (guerra, 2000, p. 7).

Julga-se, pois, imperioso, que a escola apreenda os valores humanos universais construídos e defendidos na contextualização da escola para todos, numa sociedade cada vez mais multifacetada pela diferenciação humana nas suas múltiplas dimensões: culturais, étnicas, sociais, económicas, religiosas, de género, idade, condição física e intelectual. É neste cenário que o aprender juntos corporiza o pilar principal da inovação e da mudança a preconizar na e pela escola.

As «boas escolas» são pensadas e geridas como organizações assentes em princípios democráticos e inclusivos (alarcão, 2001; apple e beane, 2000). Portanto, detêm um papel determinante na construção da sociedade do século xxi, em que a educação assume a dimensão suprema do conhecimento, sustentando o crescimento económico, político, cultural e social. Exige-se-lhe o erigir de novas perspetivas de sucesso, a fim de responder às necessidades dos cidadãos na contemporaneidade.

Esta perspetiva, reflete a grande questão que é saber viver juntos, assumindo como realidade e não como utopia a escola para todos, onde todos aprendem juntos, aprendem a estar e aprendem a ser, aceitando e respeitando as diferenças na aldeia da diversidade, a qual, através de uma multiplicidade de perspetivas curriculares, promove o sucesso integral de todos os alunos (delors, 2005).

Os princípios e práticas das «boas escolas» surgem em paralelo com o movimento neoconservador das «escolas eficazes». Contudo, estas últimas centram-se nos resultados cognitivos dos alunos, preparando-os para virem a funcionar como mão-de-obra qualificada ao serviço dos gestores da presente globalização económica. Se não for este o princípio que gera a equidade entre os seres humanos, então, depreende-se a premente necessidade de (re)pensar a escola.

Uma «boa escola» que eduque no sentido de formar cidadãos críticos, reflexivos e capazes de contrariar os desígnios neoliberais e instaurar em seu lugar uma sociedade democrática, norteada pelos valores da igualdade de participação, da equidade social, da cooperação, da cidadania e da inclusão (bolívar, 2003). Uma escola que perfilhe valores democráticos na construção da educação, que exprima uma experiência partilhada em conjunto sob o erigir da escola nova, no seio de uma sociedade que defende e preconiza ideais democráticos (dewey, 2007). Uma escola que fomente uma praxis cooperativa fundada em ideias e técnicas inovadoras (freinet, 1996) e que desenvolva eticamente a lógica da visão emancipadora, fundada na lógica dialógica, como um excelente instrumento para a construção da cidadania e da educação como praxis libertadora (freire, 2008).

Na sua essência, a ideia de «boas escolas» é entendida em três sentidos:

  1. Escola democrática e inclusiva (alarcão, 2001; apple e beane, 2000);
  2. Liderança escolar democrática, participativa de cariz transformacional, e sustentável (apple e beane, 2000; bolívar, 2001, 2003; hargreaves e fink, 2007);
  3. Escola como organização que aprende (alarcão, 2001; guerra, 2000). 

A partir deste prisma, a liderança a exercer nas «boas escolas» perspetiva-se democrática e participativamente (apple e beane, 2000), de cariz transformacional (bass, 1985; bass e avolio, 1994) e sustentável (hargreaves e fink, 2007). Emerge, deste modo, conforme indicia antunes (2002), «uma das formas de superação do carácter centralizador, hierárquico e autoritário que a escola vem assumindo ao longo dos anos» (p.131). Trata-se, pois, de um movimento orientado – como acrescenta o mesmo autor – para «a melhoria da qualidade do ensino» (p.134).

Propugna-se, desta forma, por um currículo democrático. Postula-se, em consequência, o direito de toda a comunidade educativa em participar na tomada de decisões, quer no que se refere a questões administrativas, quer no que concerne à conceção das políticas educativas, proporcionando a todos os alunos experiências democráticas centradas na colaboração e na cooperação (apple e beane, 2000).

Neste cenário, consideram-se as lideranças como linha de ação prioritária na promoção da cultura organizacional em contexto escolar (torres, 2008a, 2008b), fator determinante do sucesso educativo.

Sublinha-se, no contexto em análise, a urgência em (re)pensar a escola, ou seja de (re)construir a «boa escola». No pensamento e no discurso, este diserato é fácil de equacionar. Porém, como asseveram hargreaves e fink (2007) «em educação, a mudança é fácil de propor, difícil de implementar e extraordinariamente difícil de sustentar» (p. 11), ou como sustenta apple e beane (2000), «na verdade, não há vitórias fáceis» (p.9).

3. Desenho metodológico

3.1 Natureza do estudo

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, de carácter fenomenológico e de incidência descritiva e interpretativa, integrando, porém, instrumentação de natureza quantitativa consubstanciada na aplicação do questionário, para uma melhor compreensão da problemática em estudo.

Relativamente à estratégia de pesquisa, a escolha incidiu sob os princípios metodológicos estabelecidos para o estudo de casos múltiplos (yin, 2005), uma vez que se objetivou analisar profundamente, com o máximo de rigor possível as especificidades intrínsecas de três escolas portuguesas do 2º e 3º ciclo do ensino básico na região de lisboa, no nível da cultura organizacional, especificamente, o sentido e as práticas das lideranças ai exercidas. 

Por sua vez, a opção dos instrumentos utilizados recaiu sob: análise documental (relatório de avaliação externa das escolas (raee); projeto de intervenção dos diretores de escola (pid); projeto educativo (pe) e regulamento interno (ri)), realização de entrevistas semiestruturadas e em profundidade aos três diretores das escolas e na aplicação do questionário aos professores. Foram administrados 240 questionários, rececionados 174, onze não estavam completamente preenchidos, consideraram-se 163 como válidos para análise. 

No que concerne ao tratamento da informação empírica, destaca-se: a análise do corpus documental realizada com o apoio do software webqda e a análise do questionário através da estatística descritiva com o apoio do software spss .

A utilização de fontes múltiplas de evidência permitiu a triangulação de dados e a consequente validade do constructo e confiabilidade dos dados obtidos, explanada na discussão dos resultados

3.2 Problema de investigação

Considerou-se em primeiro lugar a questão da investigação que serviu de ponto de partida à formulação do problema de investigação. Na figura 1 apresenta-se a pergunta de partida enquadrada na temática, orientando os propósitos da pesquisa e o que se pretende compreender, fundamentada no quadro teórico de referência. 

Delinearam-se três linhas de análise que procuram relacionar o problema aqui explanado com a perspetiva da teoria crítica no quadro das «boas escolas».

A saber:

  1. Uma análise em torno da problemática da cultura organizacional de «boas escolas»,cujoquadro analítico se fundamenta no paradigma da sociologia das organizações educativas. Partindo de uma visão da mudança na escola (sebarroja, 2001), a qual reflete o fenómeno de globalização e intrínseco a este, a diversidade cultural, privilegia-se uma reflexão crítica, assente numa abordagem sociológica da escola como organização educativa, tendo como plataforma a construção da cultura organizacional de escola num tempo e num espaço que se quer democrático, refletindo os princípios da escola cidadã, na contemporaneidade.
  2. A conceção de «boas escolas», assente no paradigma das escolas democráticas (apple e beane, 2000). Esta análise julga-se de todo pertinente no contexto educativo contemporâneo, dado que, a par do fenómeno da massificação e da globalização, impera a necessidade de (re) pensar a escola no sentido de dar resposta às necessidades de todos os alunos, pondo em causa a matriz da escola tradicional, que tem como objetivo ensinar a muitos como se fosse a um só (barroso, 1995) para um outro olhar sobre as práticas e propósitos educativos assentes numa pedagogia diferenciada, contemplando as diferenças de cada indivíduo como fator de enriquecimento do conhecimento, onde o aprender juntos é o objetivo primordial de uma «escola de todos e para todos» (césar, 2003, p. 119), este é o grande desafio que a escola tem de vencer, ou seja, (re) construir-se como «boa escola» em que todos têm o direito de aprender e as mesmas oportunidades de sucesso educativo.
  3. Uma abordagem das estratégias de lideranças no contexto da cultura organizacional de «boas escolas», cujo enfoque recai sob a liderança democrática, participativa de cariz transformacional (bass, 1985; bass e avolio, 1994) e sob a liderança sustentável (hargreaves e fink, 2007). Objetiva-se compreender o sentido e as práticas das lideranças como marco dinamizador das políticas educativas inerentes à construção de «boas escolas», logo aos desafios e dilemas da escola do século xxi, na defesa e propagação dos valores humanos centrados nos ideais democráticos, numa relação estreita com uma aprendizagem de e para todos os alunos, na defesa da igualdade e do direito à educação, na era da globalização. Num caminhar para uma nova conceção de liderança escolar num entrecruzar com as políticas educativas europeias que primam pelo sucesso na educação num contexto multicultural e no respeito pela diversidade humana.

De acordo com o estado da arte sublinha-se que a construção de uma «boa escola», entendida como uma escola democrática, está significativamente dependente do estilo de lideranças exercido. Uma liderança centrada na aprendizagem do aluno, do professor e da própria escola como organização – uma liderança centrada em e para a aprendizagem (bolívar, 2010).

4. Apresentação e discussão dos resultados

A análise qualitativa dos dados que abrangeu todo o corpus de dados codificado (os documentos e as entrevistas aos diretores) permitiu identificar a relação que abrange no seu todo as categorias de análise, através de dois indicadores: i) liderança democrática participada e ii) práticas promotoras da cidadania democrática, que se repetem implícita e explicitamente na triangulação da informação. No quadro1, apresentam-se os indicadores elos de relações entre as categorias de análise.

A análise dos dados obtidos através da aplicação do questionário aos professores sobre a liderança exercida nas escolas estudadas permitiu criar seis indicadores, que se interligam no funcionamento organizacional da escola: 

A análise dos resultados ao corpus documental e a análise dos resultados pela aplicação do questionário permitiu a construção das dimensões da liderança exercida em contexto das escolas objeto de estudo (cf. Figura 2), consideradas essenciais à discussão dos resultados e no concretizar da resposta à questão de investigação «como são exercidas as lideranças na construção das «boas escolas»?».

4.1 Liderança democrática participada

A análise dos dados aponta para uma liderança «democracia participada» em que as qualidades do líder (diretor) se definem no âmbito de uma «cultura democrática participativa». O papel do líder é considerado fundamental na estrutura organizacional da escola, em que a visão e estratégia se consolidam num envolver da comunidade educativa, estabelecendo uma comunicação «aberta», respeitando e considerando as experiências dos docentes, aquando da distribuição de tarefas. O líder (diretor) atribui uma importância fundamental às lideranças intermédias, no que respeita ao «processo educativo», mas também, na «aproximação com as famílias», na relação que estabelece com os alunos, assim como na implementação das linhas orientadoras do pe e do ri. 

As lideranças são consideradas, ainda, um fator-chave no funcionamento e organização da escola, com destaque para as ações desempenhadas pelas lideranças intermédias na melhoria da escola, incidindo esta nas aprendizagens dos alunos, objetivando o sucesso educativo, numa escola que aprende, alicerçada em valores democráticos e na cultura da colaboração, em que os professores têm um papel fundamental na reestruturação da organização da escola e na qualidade das aprendizagens (bolívar, 2003 e sergiovanni, 2004).

4.2 Práticas promotoras da cidadania democrática

As práticas de lideranças sedimentam-se num quadro de valores para uma cidadania democrática, no concretizar da escola inclusiva atendendo às necessidades e interesses de todos os alunos. Assinala-se a construção, participação e implementação de projetos que envolvem protocolos e parcerias, que contemplam todos os alunos no concretizar de um currículo flexível que se sustenta nos recursos da comunidade escolar e do meio envolvente, ressaltando a cultura e o património do conselho. 

As escolas estudadas consideram-se escolas de referência para a inclusão, incluem alunos de diferentes etnias, de diversos países, com problemas de aprendizagem, com necessidades educativas especiais, alunos com défice visual e com autismo, numa escola de todos e para todos. Destaca-se o trabalho colaborativo entre os professores do ensino regular e a equipa de apoios educativos, no preconizar de práticas assentes numa filosofia diferenciadora de carácter inclusivo. Assinala-se, também, a presença de professores tutores, designados pelo diretor, no acompanhamento dos alunos no que se reporta a apoios educativos e a modalidades de educação especial.

A análise dos resultados permite aferir que o papel do líder se fundamenta em três princípios: i) promover a democracia; partilhar responsabilidades com a comunidade educativa e promover a diversidade no ensino e na aprendizagem (bolívar, 1997; 2003; sergiovanni, 2004; hargreaves e fink, 2007).

4.3 Cultura de escola

A cultura de escola está incrustada no sentido e nas práticas de lideranças, reflete os valores de equidade e justiça, numa escola marcada pela diversidade. Procura formar todos os alunos para uma cidadania democrática, que se concretize efetivamente numa participação ativa na escola e na integração plena na sociedade. Infere-se que nos valores preconizados reside o respeito pelas raízes culturais de cada aluno, numa interacção real com «os valores que a escola elege e que pretende que marquem a sua cultura» (santos et al., 2009, p.21).

4.4 Cultura de colaboração 

O diretor tem um papel determinante no envolvimento da comunidade educativa na vida da escola, instituindo uma «cultura de participação», reflexo do «saber ouvir» e do «corresponsabilizar» na construção e implementação de projetos, mais especificamente, do pe. O que sustenta o papel chave dos líderes considerado pela ocde (2009), que se resume, no estabelecimento de uma estreita relação com pais/família/comunidade.

Ressalta-se o trabalho colaborativo entre os membros da equipa educativa, especificamente, o acompanhamento da prática letiva em sala de aula referido como «catalisador mais sólido de resultados»; como promotor de «saberes e culturas», de uma flexibilidade construtiva de ouvir e compreender e no cooperar das práticas, reflexo de relações transdisciplinares que asseguram a qualidade científica e pedagógica.

4.5 Diferenciação curricular inclusiva

Destaca-se a importância do currículo formal e alude-se aos normativos na implementação do mesmo, afirma-se que o currículo formal constitui a linha mestra de ação dos professores (sousa, 2007). A par do currículo formal, evidencia-se a importância de um currículo flexível, salienta-se a diferenciação curricular inclusiva e assinala-se, neste contexto, a inclusão dos alunos em sala de aula, alunos com dificuldades de aprendizagem e com necessidades educativas especiais. Pode-se desta forma inferir que existe um equilíbrio entre o currículo formal, definido no nível central, e a diferenciação curricular inclusiva, no nível de cada escola (roldão, 1999), contemplando as particularidades de cada aluno, na aquisição de competências e na partilha de saberes em contexto de sala de aula.

4.6 Sucesso educativo

Evidencia-se a valorização do mérito académico e do mérito cívico dos alunos, a par da gestão flexível do currículo, o que sustenta o sucesso educativo. Ressalta-se a obtenção de bons resultados no nível da avaliação externa e assinala-se neste ponto, o facto de se tratar de escolas inclusivas com resultados bons em nível nacional. Salienta-se a implementação de ações que viabilizam a abrangência do currículo a par da valorização dos saberes e das aprendizagens de todos os alunos. O que sustenta a perspetiva de sapon-shevin (2007) englobar as diferenças de cada aluno como parte integrante do currículo e respeitar essas diferenças através do programa da escola.

Assinala-se o facto de as escolas estarem bem organizadas no nível dos processos educativos, o que influi nos bons resultados educativos obtidos, apontam-se como fatores determinantes: «tradição de grande empenhamento»; a «abertura a métodos diversificados», a «gestão dos núcleos disciplinares» e a «gestão dos currículos», aliada à estabilização do corpo docente, à experiência dos docentes e à vontade em melhorar as suas práticas didáticas.

5. Considerações finais 

A discussão dos resultados evidencia em cada dimensão um domínio (cf. Quadro 2) que permite analisar e descrever o sentido e as práticas das lideranças numa interligação dinâmica, tendo como ponto de partida e como ponto de chegada o estilo de liderança democrático participado, sedimentado num quadro de valores para uma cidadania democrática e incrustado na cultura organizacional da escola que espelha o envolvimento da comunidade educativa no desenvolvimento de práticas diferenciadoras de carácter inclusivo, que se concretizam na flexibilização do currículo, perspetivando o sucesso de todos os alunos, valorizando o mérito académico e cívico no processo ensino-aprendizagem.

As conclusões deste estudo sugerem que as lideranças escolares constituem um constructo decisivo no funcionamento organizacional das «boas escolas», contudo, neste estudo, a estratégia investigativa centrou-se nos estudos de casos múltiplos, não deixando lugar a generalizações.

Por se considerar a temática atual, julga-se pertinente, numa investigação futura, elaborar uma teoria sobre as lideranças escolares no contexto das «boas escolas», atendendo à realidade das escolas portuguesas. Em síntese, o balanço analítico dos processos e resultados fundamentam a proposição das seguintes hipóteses de investigação futura:  

A proposta, ora apresentada, recai sobre a teoria fundamentada que «visa descrever problemas presentes em contextos sociais definidos, assim como a maneira de as pessoas os enfrentarem […]. O objectivo é chegar a uma teoria explicativa dos fenómenos sociais» (fortin, 2009, p. 37). A priori, as questões de investigação traçadas entendem-se como momentos de construção teórica, nota-se, que no decorrer do estudo outras questões e hipóteses são possíveis de serem formuladas, a par da colheita e análise de dados, num processo simultâneo, dinâmico e sistemático no qual a teoria vai emergindo fundamentada nos dados.

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Temática desenvolvida pela autora, no âmbito da sua tese de doutoramento, defendida em abril de 2013 na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Lisboa, sob a orientação do professor doutor Jorge Serrano.

WebQDA – software de apoio à análise qualitativa (Neri de Souza, Costa e Moreira, 2011).

SPSS® programa usado para a realização de análise estatística.

 

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