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Graças aos movimentos feministas, a partir dos anos sessentas, produzse uma mudança excepcional no acesso das mulheres à educação, junto a mudanças legislativas que propiciam a equiparação de direitos entre homens e mulheres. Reivindicase a análise e a crítica dos saberes e a revisão dos códigos de gênero que instituições como a educativa transmitem, reproduzindo relações de dominação.
Superada a imposição da tutela sobre as mulheres, as ideologias sexuais seguirão camuflando como determinismo natural ou escolha particular, o que é consequência de uma ordem social que permanece vigente. Antes era imposta, agora, consentida. O acesso à educação e aos espaços anteriormente vetados não evita a divisão sexual, criando, no interior das instituições, hierarquias e novos pares de oposição homólogos que substituem as divisões tradicionais em termos de saber, poder e relações entre sexos. Muitos séculos de relações assimétricas ficaram gravados no adn das instituições educativas, que, mais do que nunca, requerem uma análise crítica e a revisão de conteúdos e de formas escolares para que se possa contribuir para o estabelecimento de uma verdadeira igualdade.
Neste monográfico, oferecemos uma amostra deste conhecimento produzido a partir de uma perspectiva crítica, que nos permite questionar a construção sexuada que continua em vigor nas instituições educativas, desde o nível infantil à Universidade, que debilita as aspirações das meninas e produz meninos também inadaptados.
No primeiro artigo, vemos como as mulheres são excluídas do saber, do conhecimento e da cultura, como expõe Pilar Ballarín, sendo a Universidade um espaço privilegiado de reprodução da sociedade patriarcal, apesar das profundas transformações que ela viveu no último século. A excelência, a violência cotidiana e a cumplicidade coletiva nos mostram como as mulheres têm ocupado cada vez mais espaço, mas ainda não o habitam:
Habitar os espaços de construção do saber é algo mais do que chegar a eles e incorporarse à criação do conhecimento, requisito indispensável para estar presente. No entanto, habitálos requer tornálos próprios, vivêlos, sentindo que faz parte essencial da sua vida, que nas suas próprias mãos está dirigilos e transformálos e para isso se necessita poder (Ballarín, 2010).
Também, para Florentina Preciado, Karla Kral e María Guadalupe Álvarez, na Universidade, as mulheres estão «Navegando entre dois mares». Neste caso, no contexto dos estudos de engenharia, a discriminação e a violência simbólica fazem parte de uma cultura projetada para eles e num clima institucional de gênero desigual. As mulheres navegam entre dois mares, quando se posicionam como «um dos homens», para manejar a violência simbólica imposta sobre elas, por parte de companheiros e docentes, enquanto constroem identidades femininas alternativas, como mulheres, com projeção de futuro.
A seguir, Carmen Rodríguez e Nieves Blanco apresentam uma pesquisa de atualidade nos últimos tempos, devido à proliferação de relatórios internacionais, sobre as diferenças de rendimento escolar entre alunos e alunas. Os melhores resultados educativos que elas obtêm, estão sendo utilizados para que, em muitos países, surja um ensino segregado, demandado por setores conservadores e fundamentado na crença de diferenças sexuais no processo de aprendizagem. Contrariamente a esta tese e à tese tradicional de uma maior submissão das meninas na ordem escolar, a pesquisa realizada com alunos de Ensino Fundamental, na Espanha, mostra como as alunas têm mais êxito, porque sentem uma maior atração em relação ao projeto de vida que a escola pode lhes proporcionar, perante as experiências próximas de outras mulheres. Contam com o apoio de pessoaschave, mães e companheiras, nos estudos, enquanto alguns rapazes, pressionados pela cultura hegemônica masculina mostram uma atitude negativa nas aulas e se negam a serem considerados «caxias» para não serem rechaçados pelos colegas.
Enrique Díez, na sua revisão sobre o estudo da masculinidade, coincide quanto à incompatibilidade entre ser um aluno brilhante e o modelo masculino hegemônico que se lhes exige aos rapazes. Sua atitude ante o trabalho escolar e a aprendizagem os prejudica. Este modelo de masculinidade hegemônico se relaciona com a força física, o desapego acadêmico, a indiferença emocional e a obrigatoriedade heterossexual como aspecto central na configuração da personalidade, assim como o afã de controle e a competitividade.
Chama a atenção como nos estudos das masculinidades se pluralize desde o início sobre as diferentes maneiras de se construir a experiência escolar dos varões, enquanto as mulheres recebem um tratamento mais homogeneizado, e como há pouca literatura sobre as feminidades. De rendimento escolar fala também o macroestudo levado a cabo pela unesco e analisado por Rubén Alberto Cervini, Nora Davi e Sílvia Queiroz sobre as diferenças em Matemática e Leitura na América Latina. Eles estudam o nível socioeconômico do alunado e da escola e sua interação com a desigualdade entre gêneros. Entre outras questões, observam como as meninas estão mais afetadas em seus rendimentos pelas condições socioeconômicas do que os meninos, propondo que o gênero se inclua na agenda política dos países da América Latina.
É um lugar comum nas pesquisas de índole mais qualitativo, quando se chega a compreender como se desenvolve a experiência de meninas e meninos na vida escolar, as contradições entre a reprodução de padrões culturais estereotipados e a conformação de identidades femininas definidas na resistência e na ruptura.
Nesta linha, produzse também a pesquisa de Marina Tomasini, que nos mostra como se estabelecem as relações sexuais de poder na escola com a exigência de diferentes estéticas e na regulação e controle do corpo em estudantes mulheres, por parte dos iguais e dos agentes educativos. Práticas que constrangem as meninas, mas que, ao mesmo tempo, levamnas à romper com as imposições tradicionais.
A pesquisa de Denise Regina e Bruna Bertuol redunda nos aspectos mais conservadores reproduzidos na pedagogia de gênero em educação infantil, e a partir daí ela exige uma formação do professorado em gênero. Em seu artigo: «Estás sempre chorando, tu és de açúcar?», ela analisa as práticas docentes relacionadas com padres heteronormativos e com condutas e discursos sexistas em uma cultura que se reproduz acriticamente e com a qual se constroem as identidades de gênero hegemônico.
Finalmente, fechando o monográfico, Paulo Dias, Irene Cadina e José A. García, de uma perspectiva mais descritiva, analisam as relações de gênero e a violência entre adolescentes portugueses, concluindo com uma clara diferença entre a forma de violência exercida e sofrida principalmente pelos meninos, enquanto elas, as meninas, mostram um comportamento mais social e assertivo. A violência escolar não se pode analisar sem se levar em consideração o sexo de quem a pratica e as diferentes estratégias que se utilizam, construídas a partir dessa educação diferenciada.
Com estes artigos apresentamos um monográfico no qual nos posicionamos do ponto de vista da crítica das desigualdades entre os sexos, por ser homem ou mulher, e diferente às escolhas sexuais. Não se trata de nomear meninos e meninas ou de incluir as mulheres ou seus modelos sociais de vida, mas sim de mirar com uma perspectiva crítica as relações sociais de dominação que constituem a ordem mundial. Tudo isso sem partir de zero, sem deixar de lado o conhecimento elaborado pela crítica feminista, carregado de rigor e construído durante muito tempo, para tirar a razão daqueles que pensam que os estudos de gênero são uma questão ideológica e não uma questão de Ciência e justiça.
Carmen Rodríguez Martínez
Facultad de Ciencias de la Educación, Universidad de Málaga