Número 69 Septiembre-Diciembre / Setembro-Dezembro 2015

Curso de especialização em gestão escolar: Uma experiência brasileira de formação continuada de diretores de escola

Celso Conti e Emília Freitas-de-Lima*

Síntese. Este artigo aborda o tema da formação continuada de diretores de escola brasileiros, analisada no contexto do esforço de redemocratização do país, em que se entrecruzam tendências de modernização, de matrizes teóricas e ideológicas distintas, mas que constroem uma aparente unidade de pauta em torno de temas comuns, como o aprimoramento do regime de colaboração entre os entes federativos e a democratização da gestão. Após descrever a estrutura administrativa e pedagógica e a organização do curso, analisa-o no que concerne a três aspectos: a elaboração de parcerias entre o Ministério da Educação, as Instituições Federais de Ensino Superior, os estados, os municípios e as entidades que congregam gestores educacionais; a equipe de formadores; e os cursistas. O primeiro aspecto é analisado de modo a contemplar separadamente: a) a parceria entre o Ministério da Educação e as Instituições Federais de Ensino Superior; b) a parceria das ifes com os estados, municípios e entidades que congregam gestores educacionais. Finalmente, tece considerações entrecruzando as duas tendências anunciadas.

Palavras-chave: formação de gestores; gestão escolar; políticas públicas educacionais

Curso de especialización en gestión escolar: una experiencia brasileña de formación continua de directores de escuela

Síntesis. Este artículo versa sobre la formación continua de directores de escuela brasileños, analizada en el contexto del esfuerzo de redemocratización del país, en el cual se entrecruzan  tendencias de modernización de matrices teóricas e ideológicas distintas, pero que conforman una aparente unidad de comportamiento en torno a temas comunes como el perfeccionamiento del régimen de colaboración entre los entes federativos y la democratización de la gestión. Tras describir la estructura administrativa y pedagógica y la organización del curso, lo analiza en sus tres aspectos: el trabajo de equipo entre el Ministerio de Educación y las Instituciones Federales de Enseñanza Superior, los estados, los municipios y las entidades que reúnen gestores educacionales; el equipo de formadores; y los asistentes a los cursos. El primer aspecto es analizado de modo a contemplar separadamente: a) el trabajo en equipo entre el Ministerio de Educación y las Instituciones Federales de Enseñanza Superior; b) el trabajo en equipo entre las ifes con los estados, municipios y entidades que reúnen gestores educacionales. Finalmente, presenta consideraciones entrecruzando las dos tendencias anunciadas.

Palabras clave: formación de gestores; gestión escolar; políticas públicas educacionales

School management specialization course: a brazilian experience on principals’ development

Abstract. This article addresses the issue of a specialization course designed to Brazilian school principals, analyzed in the context of the country’s democratization effort that entangles modernization trends, diverse theoretical and ideological matrices, however building an apparent unity on common themes, such as the improvement of collaborative arrangements between the federal entities and the management democratization. After describing the administrative and pedagogical structure and organization of the course, it will be analyzed referring to three aspects: the development of partnerships between the Ministry of Education, the Federal Institutions of Higher Education, states, municipalities and entities that congregate educational managers; the team of trainers; and course participants. The first aspect is analyzed in order to include separately: a) the partnership between the Ministry of Education and the Federal Institutions of Higher Education; b) the partnership of Federal Institutions of Higher Education with the states, municipalities and entities that congregate education managers. Finally, some considerations were drawn involving the two trends announced.

Keywords: principals’ development;  school management; educational public policies.

* Universidade Federal de São Carlos, Brasil.

1. A gestão da educação: necessidade de articulação e de democratização

Tomando por base a Constituição Federal de 1988 – cf88 (Brasil, 1988) Cury (2008, p. 1200) refere-se ao sistema federalista brasileiro como “federalismo cooperativo sob a denominação de regime de colaboração recíproca, descentralizado, com funções compartilhadas entre os entes federativos”, que confere autonomia aos sistemas de ensino, em obediência ao princípio da colaboração recíproca.  No entanto, de acordo com esse autor, tal federalismo ainda não nos teria proporcionado um verdadeiro Sistema Nacional de Educação, que supõe unidade e diversidade na coexistência de quatro elementos: conjunto organizado sob um ordenamento, com finalidade comum (valor), sob a figura de um direito, e ainda um protagonismo maior da União na Educação Básica e nas redes privadas de ensino. (Idem Ibidem, p. 1199).

Por conta da inexistência de um Sistema Nacional de Educação e da própria legislação, observa-se certa oscilação entre centralização e descentralização nas políticas públicas em educação no Brasil. Em decorrência disso, ora a ênfase recai nas políticas focais, ora se reforça o crescente protagonismo do Estado (Oliveira, 2009). Destas, têm sido priorizadas as políticas focais, seguindo a tendência verificada em muitos países latino-americanos marcadamente na década dos noventas do século passado, caracterizadas por desregulamentação, descentralização, racionalidade técnica gerencial, pautando-se nos princípios de eficácia e eficiência do sistema e apresentando cunho assistencial ou compensatório.

Em 2004 a política educacional brasileira é redesenhada pautando-se em indicadores de oferta, cobertura, rendimento e avaliação, a fim de melhor direcionar as ações governamentais. Exemplo disso é o Plano de Desenvolvimento da Educação – pde que reuniu vinte e nove ações existentes e criou outras dez, todas articuladas em cinco eixos: educação básica; educação superior; educação profissional, alfabetização e diversidade. Sua viabilização se daria pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação – pmctpe (Brasil, 2007), a ser implementado pelo Plano de Ações Articuladas par (Brasil, 2009), dividido em quatro áreas: gestão educacional, formação de professores e de profissionais de serviços e apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação e infraestrutura e recursos pedagógicos. Todas essas ações serviriam para que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, em regime de colaboração, direcionassem seus esforços para a melhoria da educação de maneira mais ordenada.

A criação de melhores condições de articulação entre as ações do próprio governo federal e suas ações e as dos demais entes federados teve como consequência a iniciativa de se promover as Conferências Nacionais de Educação – conae 2010 e 2014, cujo propósito era propor um novo Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014), voltado para a consolidação de um Sistema Nacional de Educação.

Com relação à democratização da gestão educacional, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, inciso VI, institui a “gestão democrática do ensino público” e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – ldben (Brasil, 1996), delega a cada sistema de ensino a definição das suas normas (art. 14). Estas deveriam traduzir o princípio de gestão democrática, considerando a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes, permitindo a articulação de cada sistema de ensino e de cada unidade escolar com as famílias e a comunidade (art. 12).  Caberia aos docentes um papel especial nessa tarefa (art. 13), de modo que cada escola fosse adquirindo progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira (art. 15). 

Quanto aos dois Planos Nacionais de Educação – pne 2001 e pne 2014, o segundo traz mais avanços que o primeiro. Ao remeter aos entes federados a regulamentação do princípio da gestão democrática, estabelece prazo máximo de dois anos (art. 9.º ) e condiciona a prioridade de repasses de recursos financeiros e técnicos da União ao disciplinamento da matéria por parte dos estados, municípios e distrito federal. O pne 2014 ainda amplia os canais de participação da sociedade na definição e implementação das políticas públicas, por meio de vários fóruns, e também a participação de vários agentes, incluindo a comunidade escolar e de entorno, no interior das unidades escolares, por meio de órgãos colegiados e da escolha dos gestores escolares.

Tendo por base o arcabouço legal e as políticas federais do setor educacional nas duas últimas décadas, podemos afirmar que houve avanços, mas que ainda persistem vários desafios.

Assim, ao tempo em que a cf88 deu ênfase a uma concepção de democracia baseada na participação popular, na descentralização de poder e de recursos, trazendo como uma das suas consequências o fortalecimento dos governos subnacionais em detrimento da capacidade de enfrentamento dos problemas nacionais por parte do governo federal (Oliveira, 2011), surgiram fragmentações e conflitos, resvalando muitas vezes em práticas clientelistas. Por isso mesmo, em razão de forças históricas, vemos atualmente um cenário educacional ainda marcado pela “fragmentação e/ou superposição de ações e programas e pela centralização das políticas de organização e gestão da Educação Básica no país” (Dourado, 2009, p. 374-375), o que aponta para a necessidade de “conexão entre os entes federados, a fim de [se] construir um sne que garanta diretrizes nacionais comuns, políticas articuladas e universais”. Outro ponto a destacar é que, apesar do mérito que tais esforços de articular melhor as políticas públicas na área da educação, de encontrar o sentido exato do protagonismo do governo federal e do Estado no ordenamento da educação, muitas medidas adotadas geram problemas. A regulação da autonomia dos estados, dos municípios e até mesmo das escolas, por exemplo, via controle dos resultados, pode produzir certo engessamento e, em alguma medida, um grau exagerado de responsabilização desses atores por uma realidade que tem a ver com fatores estruturais importantes. Além disso, esse tipo de controle pode gerar um vazio institucional, passível de ser ocupado por agentes privados – o chamado terceiro setor, por exemplo – invertendo a lógica de reforço da presença do Estado. Assim sendo, ao tempo em que há avanços quanto aos direitos e garantias estabelecidos na Constituição Federal, as ações são baseadas na competitividade , incentivada internacionalmente, dando espaço ao voluntarismo na educação, vista como compromisso de todos, e não como um direito público assegurado pela Constituição Federal.

As reformas educativas, como se viu, atribuíram importância às unidades escolares, buscando transformá -las em algo diferente de uma mera correia de transmissão das esferas administrativas centralizadas, aproximando-as da sociedade, em nome da transparência e do controle público.  De acordo com Ball (em Oliveira, 2011), o desempenho da escola passa a ser vinculado ao seu entorno – ator racional – e sua performance se dá por meio do  controle indireto ou a distância – prestação de contas, accountability e comparações.

2. AS UNIDADES ESCOLARES NO CENTRO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Desde o final da década de 1960, houve um esforço de estudo das chamadas “escolas eficazes” cuja performance era analisada a partir de fatores de êxito ou fracasso muito distintos, de natureza externa ou interna, até que na década dos oitentas do século passado ganha força uma “sociologia das organizações escolares”, vista como:

[...] uma das realidades mais interessantes da nova investigação em Ciências da Educação. Trata-se de procurar escapar ao vaivém tradicional de uma percepção micro e um olhar macro, privilegiando um nível meso de compreensão e de intervenção. As instituições escolares adquirem uma dimensão própria, enquanto espaço organizacional onde também se tomam importantes decisões educativas, curriculares e pedagógicas. (Nóvoa, 1999, p. 15)

Nos anos de 1980 e 1990 os estudos da escola também são marcados pela fase da excelência, devido à influência das ideias de mercado – prestação de serviços aos clientes, produtividade, eficiência, gestão estratégica, etc. (Idem Ibidem)

Numa ou noutra abordagem, a escola é concebida como:

uma territorialidade espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos atores educativos internos e externos; por isso, a sua análise só tem verdadeiro sentido se conseguir mobilizar todas as dimensões pessoais, simbólicas e políticas da vida escolar, não reduzindo o pensamento e a ação educativa a perspectivas técnicas, de gestão ou de eficácia, stricto sensu. (Idem Ibidem, p. 16)

Lima (2003, p. 93-95), na mesma direção, coloca, ao lado dos aspectos formais e legais da escola, enquanto organização, os “elementos arbitrários”: outros textos e regras, outras orientações e ações; ou seja, vê nela tanto elementos de estabilidade, próprios da burocracia, como da instabilidade, marcados positivamente por “infidelidades normativas” inerentes, em maior ou menor grau, a toda e qualquer organização.

Há, portanto, uma dupla face da organização-escola, sendo ela “simultaneamente, lócus de reprodução e lócus de produção de políticas, orientações e regras”; “objeto polifacetado e dinâmico”, permanente processo de criação/recriação; produção resultante da “ação política e administrativa”, não apenas das formulações jurídico-administrativas. Desse modo, “o conceito de ‘modelo organizacional de escola’ adotado não se restringe isoladamente aos conceitos de estrutura formal, de texto jurídico-normativo, de modelo de gestão, de organograma percepcionado, nem de coleção de representações simbólicas e subjetivas produzidas por distintos atores.” (Idem Ibidem, p. 95)

Esse novo olhar dirigido à escola fez vicejar um conjunto de perspectivas de análises a respeito dela, designado como paradigmas, imagens, metáforas, etc., apontando na direção de “uma focalização que privilegiasse o estudo da ação”, numa perspectiva sociológica capaz de integrar três níveis de análise – micro, meso e macro (Lima, 2003, p. 97).

Expressões do tipo “pedagogia centrada na escola”, “escola como unidade de gestão”, “gestão centrada na escola” revelam a unidade escolar como elemento-chave de inovação das políticas públicas, em consonância com dispositivos previstos na legislação brasileira, como é o caso da própria cf88 e da ldben.

Se os estudos sobre a organização-escola desvelam sua dupla face, marcada pela formalidade e informalidade, fidelidade e infidelidade normativas, cabe às políticas educativas valorizar o espaço de autonomia relativa das escolas, admitindo-se os “espaços vazios” produzidos pelo alívio das regras formuladas pelo poder central e, muitas vezes, alheias à realidade. Ao mesmo tempo, tais medidas não podem desconsiderar o risco do excesso de demandas que recaem sobre a escola quando ela se desvencilha do centralismo, podendo se apresentar um quadro em que o excesso de regras é substituído pelo excesso de cobranças, sufocando a sua capacidade inventiva, criativa, rumo às mudanças.

O desafio das políticas voltadas para as escolas tem a ver com a capacidade de conceder a elas um espaço de autonomia relativa, sem que nenhum excesso as situr como reféns de pressões que elas não conseguem enfrentar de maneira satisfatória. Conforme as políticas e os novos modelos de gestão propostos, a escola poderá ou não fazer frente, de maneira mais efetiva, à nova realidade social, bastante complexa.

No contexto apresentado nas seções anteriores insere-se o Curso objeto deste artigo, que passamos a apresentar.

3. O CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR

O Curso em tela vincula-se ao Programa Escola de Gestores da Educação Básica Pública – seb/mec, que abriga também o Curso de Especialização em Coordenação Pedagógica.  Integra um conjunto de ações voltadas para a formação de gestores educacionais – diretores de escola, coordenadores pedagógicos, conselheiros municipais de educação, entre outros – em todo o país, de iniciativa dos estados, municípios e governo federal. Sua criação está ligada: a) ao contexto educacional brasileiro da época, tributário das lutas em favor da redemocratização do país e da educação, num processo de articulação de várias entidades acadêmicas e sindicais, aglutinadas especialmente no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, cuja pauta previa a “formação inicial articulada à formação continuada, condições salariais condignas e planos de carreira” (Aguiar, 2009, p. 253); b) às bases legais e normativas relativas à educação, no país, com destaque para a ldben e o pne-2001, substituído pelo pne-2014; c) pelas diretrizes orientadoras das políticas públicas educativas no âmbito do governo federal, sobretudo a partir do Plano de Desenvolvimento da Educação – pde.

Segundo Aguiar (2011), o desempenho dos estudantes no Censo Escolar de 2004 e os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica – saeb – foram decisivos para a criação do curso, dada a necessidade percebida de formação dos gestores escolares, pelo Ministério da Educação, à época do ministro Tarso Genro – 2003-2005.

O processo de formulação do curso é inovador no sentido de que, conforme assinala a autora: “houve a intervenção de setores da sociedade civil organizada, o que lhe emprestou uma configuração singular no plano das políticas públicas em educação” (Idem Ibidem, p. 68).

Nessa perspectiva, o projeto piloto Escola de Gestores foi anunciado pelo governo como um importante programa federal sob a coordenação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (inep), com as participações da Secretaria de Educação Básica (seb), da Secretaria de Educação a Distância (seed) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (fnde) (Idem Ibidem, p. 69).

Iniciado como Curso de Extensão em Gestão Escolar, com carga horária de 100 horas, foi implementado pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – inep, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – puc/sp e com as Secretarias Estaduais de Educação (Gomes, Santos e Melo, 2009), e previa atender 400 gestores escolares, de cinco estados/municípios do Nordeste – Bahia, Ceará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte; um do Centro-Oeste – Mato Grosso; um do Sudeste – Espírito Santo; dois do Sul – Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e um do Norte –

Tocantins.

Em janeiro de 2006 o referido curso foi transferido do INEP para a Secretaria da Educação Básica – seb, a fim de “assegurar maior unidade dos programas direcionados à Educação Básica” (Aguiar, 2011, p. 70), de algum modo já antecipando o esforço do governo, no mandato do ministro da Educação Fernando Haddad – 2005 a 2011, de articular as ações, conforme o espírito que presidiu a proposta do pde, lançado no ano seguinte, ao qual o curso foi vinculado, como parte do pacote de ações previstas no PAR. O curso foi convertido, a partir de então, em Curso de Especialização em Gestão Escolar, com duração de 400 horas, na modalidade Educação a Distância – ead, tornando-se «a principal ação ministerial nesse campo » (Idem Ibidem, p. 70).

A proposta inicial de elaboração do curso:

foi submetida à apreciação de pesquisadores do Grupo de Trabalho (GT-5) Estado e Política Educacional, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e de várias universidades federais, em reunião promovida pela Secretaria de Educação Básica, no dia 8 de março de 2006, no Ministério da Educação (mec) (Idem Ibidem, p. 70).

A viabilidade do curso exigiu um grande esforço, de base social e política, que envolveu Secretarias Estaduais e Municipais de Educação; vários agentes importantes do campo educacional; além da Unesco. Uma vez implantado, as ofertas foram sendo feitas em todo o território nacional pelas Instituições Federais de Ensino Superior – ifes, numa escala cada vez mais abrangente.

Na ufscar foram concretizadas três ofertas do Curso de Especialização em Gestão Escolar, nos biênios 2009-2011, 2012-2013 e 2014-2015, para diretores em efetivo exercício da função de gestão escolar nas escolas públicas do estado de São Paulo1 . Nas duas primeiras edições foram organizados dez polos presenciais, que aglutinavam um conjunto grande de municípios, num total aproximado de 400 cursistas; já na última oferta o número de cursistas foi expandido para 600, distribuídos em 15 polos. A demanda geralmente é bem maior do que o número de vagas, e o critério básico de seleção é o Índice de Desenvolvimento da Educação – ideb2 , conforme orientação do mec.

3.1 Apresentação do Curso

O Programa Escola de Gestores da Educação Básica Pública, enquanto política pública da seb/mec inspirada no princípio constitucional do regime de colaboração,

surgiu da necessidade de construir processos de gestão escolar compatíveis com a proposta e a concepção da qualidade social da educação, baseada nos princípios da moderna administração pública e de modelos avançados de gerenciamento de instituições públicas de ensino, buscando, assim, qualificar os gestores das escolas da Educação Básica pública, a partir do oferecimento de cursos de formação a distância (Brasil, 2013a).

O Curso de Especialização em Gestão Escolar, vinculado a este Programa, é destinado aos gestores das escolas públicas de Educação Básica em efetivo exercício da função, e  tem por objetivos gerais: formar, em nível de especialização, gestores educacionais das escolas públicas da Educação Básica; contribuir para a qualificação do gestor escolar na perspectiva da gestão democrática e da efetivação do direito à educação escolar básica com qualidade social.

São três os eixos principais do curso: direito à educação e função social da escola básica; políticas de educação e gestão democrática da escola; projeto político-pedagógico e práticas democráticas da gestão escolar (Brasil, 2013b). Tais eixos são desdobrados num conjunto de sete “disciplinas” – salas-ambiente virtuais, compondo-se a estrutura curricular do curso como demonstrado a seguir (Brasil, 2013c): Introdução ao Ambiente Virtual (Plataforma Moodle) e ao Curso - 40 horas; Fundamentos do Direito à Educação - 60 horas; Políticas e Gestão na Educação - 60 horas; Planejamento e Práticas da Gestão Escolar - 60 horas; Tópicos Especiais - 30 horas; Oficinas Tecnológicas - 30 horas; Projeto Vivencial - 120 horas.

Cada ifes tem certo grau de autonomia para a organização das salas-ambiente. A sala-ambiente Projeto Vivencial desempenha função central, porque envolve todo o trabalho de intervenção do cursista na escola, inclusive com o objetivo de envolver a comunidade escolar nas ações propostas, sempre articuladas ao Projeto Político-Pedagógico – ppp – da unidade escolar e ao Trabalho de Conclusão de Curso – tcc, que o cursista tem de produzir como forma de registro de seu percurso acadêmico. Isso porque se busca uma forte interação entre Projeto Vivencial, ppp e tcc – todos eles sendo subsidiados teoricamente pelo conteúdo das demais salas-ambiente. Por essa razão, excepcionalmente, a sala de pv fica aberta durante todo o curso, pela sua própria natureza. Quanto à estrutura administrativa, compõe-se de uma coordenação nacional do Programa e de coordenadores-gerais dos cursos nas respectivas ifes.

A equipe de trabalho, nas ifes, é assim composta: coordenador e vice-coordenador gerais do curso, coordenador adjunto para cada sala-ambiente, professor pesquisador das salas-ambiente, tutor de turma presencial nos polos, supervisor geral da equipe de tutores, assistente administrativo, assistente técnico para a plataforma Moodle.

3.2 Análise do Curso

Esta seção é dedicada à análise do curso no que concerne a três aspectos: a elaboração de parcerias entre o mec, as ifes, os estados, os municípios e as entidades que congregam gestores educacionais; a equipe de formadores; e os cursistas. O primeiro contempla separadamente: a parceria entre o mec e as ifes; a parceria das ifes com os estado, municípios e entidades.

Parcerias entre o mec, as ifes, os Estados, os Municípios e as Entidades que Congregam Gestores Educacionais

Parceria entre mec e ifes

No cenário de desarticulação e falta de continuidade das políticas públicas em educação no Brasil, o Curso tem se constituído numa ação que apresenta alguns êxitos, nesse particular, ainda que tenha um tempo relativamente curto de existência. Não obstante, algumas dificuldades precisam ser assinaladas, relativas  à sua continuidade e estabilidade.

Um dos problemas tem sido a inconstância da equipe central responsável pelo Programa no mec, em decorrência, principalmente, de questões referentes a nomeações políticas, ao sabor das “necessidades”, governança e governabilidade. Desde o início o Programa sofreu muitas mudanças na equipe, o que dificulta a articulação com as universidades, produz alteração de estilo de gestão e, sobretudo, torna mais moroso o processo de avanços e aprimoramento das ações. Disputas político-partidárias também afetam o bom andamento do programa em todo o território nacional. Por exemplo, os estados de São Paulo e Minas Gerais, governados pelo maior partido de oposição ao governo federal, não firmaram convênio com o governo federal, de modo que nas duas primeiras edições do Curso, nesses estados, as escolas estaduais ficaram de fora, tendo participado como cursistas apenas os diretores das escolas municipais. Entraves burocrático-administrativos também têm dificultado a relação do mec com as ifes, principalmente quanto ao repasse de recursos financeiros. No início eram repassados os recursos totais, destinados a custeio e pagamento de pessoal. Os recursos iam para a Fundação de Apoio Institucional3 e esta os gerenciava, via contrato de prestação de serviços firmado com a ufscar. Depois, os recursos destinados ao pagamento de pessoal foram centralizados num órgão do governo denominado Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - fnde4 ; apenas o pessoal administrativo permaneceu sendo contratado pela fai – duas ou três pessoas. Tais mudanças tiveram efeito bastante positivo, aliviando o esforço gerencial do coordenador do curso.

Outra mudança importante foi feita na forma de repasse de recursos. As universidades foram então orientadas pelo mec a informar a demanda de recursos para o ano subsequente, em tempo hábil para que o repasse fosse feito junto com o orçamento geral da universidade. Isso aumentou a segurança quanto à previsibilidade da oferta do curso, mesmo não tendo resolvido a questão da disponibilidade de recursos, que depende sempre da situação geral das finanças públicas.

Outras dificuldades menores têm a ver com as normas estabelecidas pelo mec e pelas ifes, nem sempre compatíveis. As ifes, por gozarem de autonomia didático-pedagógica, por exemplo, estabelecem critérios para o funcionamento de cursos de especialização por vezes em desacordo com o modelo proposto pelo mec. Isso exige sempre negociações para que as ifes sejam respeitadas e, ao mesmo tempo, para que a proposta de curso do mec não seja desvirtuada.

Apesar dessas dificuldades, é incontestável a contribuição das ifes para o mec, na elaboração e na implementação de políticas públicas mais sólidas e de longo prazo, que deem base à formulação de políticas de Estado e não de governos .

Em sentido inverso, a ação do mec também produz efeitos muito positivos nas ifes. Assumir esse curso significou colocar a universidade em diálogo permanente com o mec, no campo das políticas públicas e da gestão educacional. Foi possível participar mais intensamente das ações de vários programas do ministério, como é o caso de três outros cursos que a mesma equipe de professores do Departamento de Educação – ded da ufscar assumiu. Os quatro cursos têm proporcionado um intenso trabalho coletivo dos docentes. O envolvimento de grande equipe de professores, estudantes de graduação e pós-graduação e profissionais da educação externos à ufscar tem favorecido a constituição de um núcleo de educação a distância na universidade, em articulação com a Universidade Aberta do Brasil – uab 5. Isso tem servido para a capacitação dos docentes quanto ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação em processos de ensino. Cresceu anualmente o número de outras atividades, articuladas aos cursos, no âmbito de um programa de extensão da ufscar, denominado Políticas Públicas em Gestão da Educação, o que tem possibilitado uma compreensão abrangente da gestão e das políticas públicas, sobretudo porque os diferentes professores e alunos, principalmente de pós-graduação, se envolvem nas diversas atividades, simultaneamente, facilitando a troca de informações, o aprendizado coletivo, etc. Ademais, as inúmeras atividades permitiram atingir um público expressivo de educadores envolvidos diretamente com unidades escolares ou com a gestão de sistemas e redes de ensino. Junto com isso vieram a pesquisa científica e a produção bibliográfica. Trabalhos de iniciação científica, de conclusão de curso de graduação e dissertações de mestrado foram desenvolvidos ao longo dos anos, gerando publicações em periódicos na área de Educação e de livros organizados pelos professores. Foram seis livros até o momento e outros dois estão sendo organizados, contando com textos produzidos por formadores do curso – professores da ufscar e profissionais externos, ligados a outras universidades ou redes/sistemas de ensino estadual e municipal –, por tutores e ex-cursistas – na maioria gestores educacionais e escolares. 

Parceria das ifes com os Estados, Municípios e Entidades que Congregam Gestores Educacionais

A parceria da ufscar com estados, municípios e algumas entidades, capitaneada inicialmente pelo mec, é uma modalidade relativamente nova de gestão das políticas públicas. Tal modelo nos instou a interagir intensamente com representantes dos dirigentes municipais e estaduais de ensino, diretamente ou por intermédio da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino – undime e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação – consed6 .

É muito difícil para a ufscar interagir, no estado de São Paulo, com o montante das escolas públicas localizadas em seus 645 municípios. Tal dificuldade aparece já na etapa de divulgação do curso, que deve ser o mais ampla possível. Servimo-nos, para isso, da ajuda do mec, que dispõe dos contatos de todos os municípios. Não obstante, a lista fornecida não é de todo eficaz, o que nos obriga a tentar outras formas de contado. Nesse sentido entram em cena a undime e o consed, que ajudam na comunicação com os estados e municípios, indicam a equipe técnica de formadores para o curso, em especial os tutores, e contribuem no processo de definição dos polos presenciais. Nem sempre tais entidades conseguem satisfazer à expectativa da universidade, em parte porque elas estão comprometidas com muitas outras ações do mec, cumprindo funções muito semelhantes, o que as sobrecarrega, principalmente considerando suas condições de funcionamento. Outra dificuldade tem a ver com as eleições para prefeitos e governador. Nesses momentos a linha política às vezes é outra, as equipes das secretarias municipais e estadual são renovadas, atravancando o bom andamento do curso. São situações que obrigam a coordenação a recomeçar quase todo o planejamento, despendendo de um esforço brutal.

A parceria das ifes com os estados, municípios e as referidas entidades envolve aprendizados mútuos. O curso permite uma interação intensa dos professores formadores com gestores de inúmeros municípios – de sistema e de unidades escolares – em todo o território do estado de São Paulo, o que gera uma relação de mão dupla, à medida que a universidade leva conhecimentos, por meio dos seus professores, e traz conhecimentos, aportados especialmente pelos diretores e diretoras de escola, que nos revelam realidades concretas, muito importantes para a reflexão e a produção do conhecimento acadêmico.

Adicionalmente, o curso leva os diretores a intervirem na realidade em que atuam, enfrentando problemas reais da unidade escolar ou elaborando o projeto político-pedagógico o mais democraticamente possível. Relatos demonstram a influência positiva dessas ações sobre a escola.  Muitos tccs, por exemplo, são elaborados a partir de intervenções concretas dos/as diretores/as em suas respectivas escolas, indicador importante em termos de impacto do curso na realidade do ensino público do estado de São Paulo.

As publicações, especialmente os livros, também revelam o potencial transformador dessa parceria, pois os textos escritos pelos profissionais das redes/sistemas de ensino registram ações acompanhadas de análises capazes de subsidiar outras ações concretas dos municípios, do estado, do próprio mec – no âmbito dos vários Programas – e, mais ainda, das escolas.

Outro ponto positivo tem a ver com a participação de ex-cursistas como formadores, o que estreita ainda mais as relações da ufscar – em especial do grupo de professores interessados nos temas da gestão e das políticas públicas em educação – com profissionais que atuam em diferentes sistemas/redes municipais de ensino e no sistema estadual de educação. Há vários casos de ex-cursistas que se tornaram professores e tutores do curso; isso gera uma rede de relações e de aprendizados mútuos, pela experiência acumulada e pela possibilidade de se ver os problemas de ângulos diferentes, interferindo positivamente no aprimoramento das ações.

Equipe de Formadores

As exigências legais (Brasil, 2006b) referentes ao perfil dos formadores por vezes geram dificuldades para a universidade quanto à composição do corpo docente. Isso porque a maioria dos docentes de ensino superior, principalmente da ufscar, nem sempre tem interesse ou disponibilidade, por conta de diversos fatores, como o valor pouco atrativo das bolsas e, principalmente, o tempo exigido pelo curso, dificultando o cumprimento das atribuições inerentes às suas funções de ensino, pesquisa, extensão e administração. Participar do curso significa, quase sempre, assumir uma atribuição a mais, num contexto de intensificação do trabalho nas universidades, em parte pela crescente exigência de produtividade, avaliada internamente – progressão funcional – e externamente – em especial pelas avaliações da pós-graduação. Diante de tal situação, é comum parte do corpo docente não ter vínculo formal prévio com a universidade, sendo contratado para atuar no curso apenas percebendo bolsa. Assim, uma parte de professores e tutores relaciona-se com o curso por meio de um vínculo precário, frágil.

Tal situação revela, no entanto, um lado positivo. Enquanto ocorre certa sinergia entre vários professores-pesquisadores da ufscar, e entre eles e os estudantes de pós-graduação, o mesmo se dá com os professores externos, via troca de conhecimentos, formativa para ambas as partes. Nesse processo também há uma articulação entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão, gerando avanço na produção de conhecimento nas áreas de política, gestão, currículo e na ead. Há, assim, uma dimensão formativa nesse processo de interação da equipe, em sua diversidade, e também na inserção direta na escola pública, sem contar as publicações anteriormente referidas.

Outro aspecto a considerar diz respeito ao fato de a relação pedagógica envolver diferentes tipos de saberes. Há certa dificuldade de diálogo entre o conhecimento acadêmico – dos professores da universidade, sobretudo – e o conhecimento não-acadêmico – dos cursistas. No caso concreto do Curso de Especialização em Gestão Escolar, aqui analisado, esse aspecto ganha relevo por várias rações. Primeiro, porque o curso prevê intervenção concreta na escola, e alguns professores não acompanham o dia-a-dia das escolas, o que dificulta a orientação das atividades de intervenção previstas no curso. Temos então que preservar, de um lado, o nível de titulação dos professores – mestres, doutores – e, de outro, garantir que eles tenham bom conhecimento da realidade das escolas em que atuam os cursistas, e nem sempre isso se equaciona da melhor forma.

Ainda por conta dos diferentes tipos de conhecimentos envolvidos, é gerada, principalmente por parte dos professores das universidades que atuam no curso, uma dificuldade de dosagem das expectativas acadêmicas que lançam quanto ao desempenho dos cursistas. Isso gera um tipo de exigência pautado em cânones acadêmicos, destoando do produto esperado. Uma das respostas a essa exigência por parte dos cursistas se dá, às vezes, por meio de recorrência a plágio na realização de textos, trazendo uma questão ética que constitui mais uma dificuldade a ser enfrentada pelo curso.

Destaca-se ainda a importância dos tutores locais cujo acolhimento, estímulo, acompanhamento aos cursistas é fundamental. Pelo lugar que ocupam, nas redes/sistemas de ensino municipais ou estadual, conhecem bem a realidade das escolas, o potencial e as dificuldades dos cursistas. Por isso representam um elo fundamental entre os cursistas e os professores, ainda que não tenham função pedagógica, no sentido de ensinar os conteúdos programáticos do curso. Esse papel dos tutores tem revelado, por vezes, seu lado frágil, principalmente em situações em que essa função é exercida sem o devido respaldo político e institucional das Secretarias Municipais de Educação responsáveis pelos polos presenciais. Daí a importância, novamente, da efetiva parceria entre a universidade, as Secretarias de Educação, a undime e o consed. Tudo tem que estar bem amarrado em termos políticos e institucionais, de modo que ninguém fique solto na rede de relações estabelecidas. Um tutor, mesmo bem intencionado e preparado para o exercício da função nem sempre dá conta do seu trabalho quando não tem o respaldo necessário.

Cursistas

Os cursistas, como estão no exercício efetivo da função de diretores escolares, e muitas vezes vivendo condições de trabalho muito adversas, dada a condição geral do ensino público no Brasil, encontram dificuldades para cumprir suas obrigações com o curso. Os cursistas dedicam-se ao curso sem muito apoio das Secretarias municipais e estadual, fazendo tudo às suas próprias expensas e se dedicando a ele em tempo extra às atividades cotidianas inerentes à função gestora. Nesse particular, ressalte-se que no Brasil foi promulgada recentemente uma lei, popularmente denominada “lei do piso” (Brasil, 2008), em que se prevê que um terço da jornada de trabalho dos profissionais da educação deva ser cumprida sem o contato direto com os alunos. Isso representa um ganho importante, inclusive em termos de tempo para a formação continuada, mas no caso dos diretores a lei é omissa, já que eles não estão em contato direto com as crianças, porque não exercem atividades didáticas. O seu tempo para a formação não pode, assim, ser reservado com base na referida lei .

A falta de tempo para se dedicar ao curso não explica tudo. Há, por exemplo, o fator formação inicial dos cursistas, pois muitos têm formação deficitária, feita em instituições majoritariamente privadas, sem compromisso com a qualidade de ensino, o que aumenta a dificuldade para acompanhar o curso, pelas suas exigências, tanto em termos de estudos teóricos como de atividades de intervenção na escola. No vasto portfolio de cursos à disposição dos diretores, alguns preferem optar por outros menos exigentes, e com retorno igual, por exemplo, em termos de ascensão na carreira. Ou seja, há um verdadeiro “mercado” de cursos no qual os diretores de escola se movimentam a partir de cálculos racionais que os levam a esta ou àquela escolha.

Há ainda fatores de ordem política a interferir na continuidade ou não no curso. Diretores são retirados das suas funções com muita frequência, por motivos político-administrativos por que passam os municípios ou o estado, ou por questões de perseguição político-partidárias, embora menos frequentes. Ao sair da função, nesses casos, o cursista perde a condição de atuar na unidade escolar, uma das exigências do curso, inviabilizando sua participação.

Outro dificultador está no fato de o diretor atuar meio isoladamente na escola, ao cumprir as atividades de intervenção propostas pelo curso. Por mais que ele tente envolver a comunidade escolar, com base no princípio da gestão democrática, há obstáculos importantes nessa direção, pois ele é visto como alguém que está fazendo um curso de especialização, com atividades a cumprir de pouco interesse para a escola. Essa situação varia de escola para escola. Quanto mais ela se envolve – e conta muito a capacidade do próprio diretor nessa tarefa – mais a intervenção do cursista é bem sucedida, com reflexo positivo na sua permanência no curso e vice-versa.

Há ainda o fato de que muitos cursistas estão na prática profissional há muito tempo, sem contato com a academia. Dizem eles que estão «enferrujados » , sem hábito de estudos e que «a prática emburrece » . São paradoxos que temos de enfrentar no curso. As dificuldades com as tecnologias de informação e comunicação, envolvidas na Educação a Distância também são muito presentes; há muitos cursistas, em especial aqueles de gerações mais velhas, com grande dificuldade de se familiarizar com essa modalidade de ensino.

Nas condições descritas, uma parte dos diretores das escolas públicas busca o curso e nele permanece porque é uma forma de progressão na carreira; porque há interesse em participar de um curso oferecido por uma instituição pública, de mais prestígio; porque é um curso do mec e, além disso, gratuito etc. Outra parte não se candidata ou, quando matriculada, desiste do curso, em quantidade que atinge percentuais em torno de 30 a 40 por cento, em média, no caso da ufscar, em cada edição do curso. Esse índice não é estranho, tendo em vista a realidade dos cursos a distancia no Brasil, mas ele poderia, houvesse melhores condições, ser bem reduzido.

Entre os cursistas que chegam ao fim, e recebem os certificados, é notório o grau de satisfação e orgulho de muitos deles. Reconhecem a boa formação obtida, seja por conta da equipe de formadores, seja pela intensa interação com os demais cursistas, também diretores de escolas públicas, que vivem problemas semelhantes e encontram soluções criativas para eles. As atividades de intervenção na escola proporcionadas pelo curso - especialmente aquelas relacionadas à construção ou reelaboração do projeto político-pedagógico – são enaltecidas, sobretudo porque são vistas como capazes de alavancar mudanças. A escola, assim, passa a ser vista ainda mais como unidade de gestão, como uma organização feita por agentes humanos capazes de ação transformadora.

4. Considerações finais

O período de transição democrática pós-ditadura civil-militar brasileira foi marcado, de um lado, por bandeiras dos movimentos sociais organizados nas décadas anteriores e, de outro, por um discurso modernizante internacional de cunho neoliberal. Tais marcas se encontram presentes até os dias atuais.

O discurso modernizante está expresso de forma sistemática no documento Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995), que preconizava a superação do suposto “gigantismo burocrático” dos traços patrimonialistas e clientelistas do Estado brasileiro, por meio de uma nova racionalidade administrativa. São enfatizados no documento aspectos como: ajuste fiscal, liberalização comercial, privatizações, publicização. Reduzindo seu papel de executor, o Estado aumenta seu papel de regulador, assegurando sua qualidade via controle social direto e participação da sociedade.

Os movimentos sociais, por sua vez, reivindicavam avanços de natureza democrática, que passavam pela justiça social, distribuição do poder, transparência na gestão pública entre outras.

Esse contexto de forte reivindicação de mudanças no país produz uma pauta aparentemente unitária, porém, com conotações diferentes, embora nem sempre facilmente perceptíveis. Isso se reflete em várias instâncias, incluindo-se as políticas públicas e, dentre elas o curso objeto de análise, em relação ao qual se destacam alguns aspectos nos quais é possível identificar a dupla face anteriormente indicada:

O curso representa uma iniciativa pioneira em termos de abrangência e de continuidade, além de significar um esforço do governo federal no sentido de reconhecer a escola como importante unidade de gestão, capaz de dar melhores repostas aos problemas educacionais. Isso de algum modo aponta para uma política de Estado, não só de governo, enfrentando a questão da fragmentação das políticas e do centralismo, já que há um compromisso de descentralização, por exemplo, na forma de operacionalização e na possibilidade de adequação da proposta pedagógica. Não obstante, há variáveis de natureza política, financeira e administrativa que dificultam a consolidação dessa iniciativa;

Em termos de formação, avançou-se em alguns pontos, como é o caso da chamada “lei do piso” que prevê na jornada de trabalho dos profissionais da educação um tempo para atividades não diretamente realizadas com os alunos, a serem destinadas à formação. Tal lei, no entanto, não tem favorecido os gestores escolares, cujo trabalho não envolve atividades diretas com os alunos. Assim sendo, participam do curso sem as condições necessárias de tempo e de recursos, assumindo individualmente o compromisso de sua formação continuada, querendo dar resposta, muitas vezes, às cobranças manifestas no discurso em prol da eficiência e da eficácia da escola, forçada a responder aos desafios da educação;

A legislação educacional do país consagra o princípio da gestão democrática do ensino público, abrindo espaço para a participação da sociedade na definição e implementação das políticas públicas e, no caso das unidades escolares, permite a participação dos educadores e da comunidade escolar nos processos de decisão. As políticas públicas seguem a mesma direção pautando-se na descentralização, na autonomia das escolas, porém, isso, no contexto atual, vem fortemente marcado pela nova forma de regulação centrada no produto e não no processo, gerando uma demanda interna, nas escolas, que lhes dificulta o efetivo gozo de autonomia. Assim, ao tempo em que se reforça a sua capacidade de construir seu próprio projeto político-pedagógico, nem sempre há condições reais para sua concretização.

Ainda que algum grau de ambivalência sempre esteja presente como manifestação dos vários projetos políticos em jogo, é preciso caminhar na direção da superação da fragmentação e da inconstância das políticas; da democratização que não seja atingida pelos efeitos negativos das novas formas de regulação pelo poder central; da formação continuada dos gestores escolares em bases que não os responsabilizem individualmente. Essas e outras conquistas análogas são imprescindíveis para prover respostas à melhoria efetiva da escola pública e aos anseios da sociedade civil que se esforça em democratizar-se plenamente.


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1  As ifes são responsáveis por oferecer o curso, prioritariamente, nos respectivos estados da federação onde elas estão localizadas, razão pela qual a ufscar oferece o curso apenas para o estado de São Paulo.

2 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (ideb) é utilizado para traçar metas de qualidade educacional para os sistemas e calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar e das médias de desempenho. Disponível em http://portal.inep.gov.br. Acesso em 24/07/15

3 A fai é uma entidade de direito privado sem fins lucrativos que apoia diretamente a ufscar na consecução de seus objetivos (o ensino, a pesquisa e a extensão). Disponível em http://www.fai.ufscar.br. Acesso em 23/07/15

4 O fnde é uma autarquia federal responsável pela execução de políticas educacionais do mec. Disponível em http://www.fnde.gov.br. Acesso em 23/07/15.

5 A uab é um programa oficial de ampliação e interiorização da oferta de cursos e programas de educação superior, por meio da educação a distância. Disponível em http://portal.mec.gov.br. Acesso em 23/07/15

6   A undime e o consed são entidades que congregam os dirigentes municipais e os dirigentes estaduais de educação, respectivamente, em todo o território nacional, e representam, nessa parceria, a sociedade civil organizada.

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