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Joselaine Andréia de Godoy Stênico, Joyce Mary Adam, Marcela Soares Polato Paes*
Síntese. Este artigo discute o processo de democratização da gestão educacional no Brasil, abordando o processo histórico, legislações e documentos que consolidam as políticas públicas que regulamentam a sua implantação. Dedica-se, ainda, a analisar o papel do gestor escolar sob o contexto da gestão democrática que procura promover a descentralização no âmbito escolar nas práticas de organização e planejamento. Perante essas questões, este estudo se concretiza a partir de uma abordagem qualitativa, norteado pela pesquisa bibliográfica e pela análise documental. Entre os principais resultados obtidos, constatou-se que a gestão democrática e a participação no cotidiano da escola e nos seus processos de gestão não são fatos consolidados, mas um horizonte a ser perseguido continuamente. A busca do ideal democrático na escola advém de um caminho mais amplo, que é o da democratização da sociedade brasileira. Trata-se, portanto, de um processo que se desenvolve mediante avanços e retrocessos, visando o alcance de uma modelo educacional de caráter crítico, emancipatório e efetivamente comprometido com a melhoria da qualidade da educação.
Palavras-chave: gestão democrática; participação; projeto político pedagógico; gestor educacional.
Políticas de descentralización de la gestión escolar en Brasil
Síntesis. Este artículo pone en cuestión el proceso de democratización de la gestión educativa en Brasil, al abordar el desarrollo histórico, las legislaciones y los documentos que consolidan las políticas públicas que regulan su implantación. Trata también de analizar el papel del gestor escolar bajo el contexto de la gestión democrática, que busca promover la descentralización en el marco escolar de las prácticas de organización y planeamiento. Frente a esas cuestiones, este estudio se concretiza a partir de un abordaje cualitativo, conducido por la investigación bibliográfica y por el análisis documental. Entre los principales resultados obtenidos, se constató que la gestión democrática y la participación en el cotidiano de la escuela y en sus procesos de gestión no son hechos consolidados, sino un horizonte a ser perseguido continuamente. La búsqueda del ideal democrático en la escuela resulta de un camino más amplio, a la par de la democratización de la sociedad brasileña. Se trata, por lo tanto, de un proceso que se desarrolla mediante avances y retrocesos, con el fin de alcanzar un modelo educativo de carácter crítico, emancipatorio y efectivamente comprometido con la mejora de la calidad de la educación.
Palabras clave: gestión democrática; participación; proyecto político pedagógico; gestor educativo.
The decentralization of school management policies in Brazil
Abstract. This paper discusses the process of democratization of education management in Brazil, addressing the historical process, laws and documents that consolidate public policies governing its implementation. Dedicated also to examine the role of the school management in the context of democratic management that seek to promote decentralization in schools in organizational practices and planning. Faced with these issues, this study is realized from a qualitative approach, guided by the literature and the documentary analysis. Among the main results, it was found that the democratic management and participation in the school daily and its management processes is not fact already established, but a horizon to be pursued continuously. The pursuit of the democratic ideal in school comes from a wider path, which is the democratization of Brazilian society. It is, therefore, a process that develops through advances and retreats, aimed at achieving an educational model of critical character, emancipatory and effectively committed to improving the quality of education.
Keywords: democratic management; participation; pedagogical political project; educational manager.
* Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Campus Rio Claro, Departamento de Educação, Brasil.
A gestão democrática da educação no Brasil tem sido alvo de grandes debates desde a década de 1990 quando foi implantada como uma política pública por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995).
Nesse período, a sociedade brasileira vivenciava profundas mudanças econômicas, culturais, sociais e políticas, pois, recém-saída de uma ditadura militar de mais de duas décadas, agora buscava espaço no processo de mundialização do capital.
No intuito de inserir o país na nova ordem do capital internacional, Carvalho (1999) afirma que havia necessidade de uma reformulação do papel do Estado na economia, textualmente a autora explica:
Ao assumir o governo […] o presidente […] passa a desenvolver uma política de corte neoliberal com prioridade absoluta para o mercado, enquanto orientação e caminho para uma nova integração econômica internacional e modernidade institucional. Tal política tem como eixo a diminuição do papel do Estado, na perspectiva de um Estado mínimo, dentro das orientações dos centros hegemônicos para o ajuste dos países periféricos. Assume, como diretrizes gerais de atuação de governo, estratégias básicas da agenda de Washington: abertura comercial; reforma administrativa, patrimonial e fiscal do Estado; programa de privatizações; renegociação da dívida externa; liberalização dos preços; desregulamentação salarial; redução dos gastos públicos (Carvalho, 1999, p.210).
A implantação dessas reformas na nova ordem econômica, pressionada pelo receituário neoliberal e imposta pelas instituições financeiras internacionais refletiu no campo educacional a tal ponto que a própria educação passou a ter conotação dentro de uma lógica econômica, capaz de favorecer o desenvolvimento e o crescimento econômico.
Desse modo, as reformas educacionais empreendidas nesse período deveriam ser condizentes com as mudanças políticas e econômicas para inserir o Brasil no contexto da globalização.
Nesse processo de reorganização do Estado e construção da democracia brasileira, uma série de obrigações foi transferida às escolas públicas, favorecidas pela descentralização administrativa, pela gestão democrática e pela autonomia escolar. Essa herança permanece em pleno vigor, configurando-se como objeto de discussões, reflexões e debates.
Nessa perspectiva, este estudo tem como objetivo principal analisar os dispositivos legais da gestão escolar no contexto da sociedade brasileira. De modo particular, tem como finalidade apresentar o percurso histórico e uma análise das legislações e os normativos legais acerca da gestão escolar, bem como refletir sobre as possíveis práticas e ações empreendidas no cotidiano escolar que condizem com a democratização da escola.
Para concretizar esses propósitos, organizamos o texto da seguinte maneira:
Em um primeiro momento, apresentamos a trajetória da gestão educacional no Brasil, enquanto processo histórico, bem como a substituição da expressão «administração escolar» para a denominação «gestão escolar», investigando, sobretudo, as implicações da mudança dessa terminologia nas práticas de organização e planejamento de ações comprometidas com a democratização da escola pública.
Em seguida, expomos e analisamos a fundamentação legal em que a gestão escolar democrática brasileira está ancorada, apresentando os processos de reestruturação da gestão pedagógica.
O debate avança, então, para alguns instrumentos que viabilizam a gestão democrática na educação: o projeto político pedagógico e a participação da comunidade em geral, especialmente, apresentando a escola como espaço de participação e a figura do gestor escolar como o grande articulador na direção de atender a cultura escolar.
A última parte deste artigo é reservada para a análise do Plano Nacional de Educação e as discussões mais recentes sobre a gestão democrática educacional no contexto da sociedade brasileira.
Para viabilizar o desenvolvimento deste estudo e atender os objetivos propostos, considerou-se adequado a realização de uma pesquisa qualitativa, utilizando como instrumentos de coleta de dados a pesquisa bibliográfica e a análise documental.
Vale ressaltar que a pesquisa qualitativa, de acordo com Bogdan e Biklen (1994) está relacionada à compreensão de uma determinada situação ou visão do mundo com maior foco no processo do que nos resultados, de modo que os dados recolhidos não são analisados individualmente, mas sim, interrelacionados.
Este trabalho pauta-se, também, em ações que evidenciam a prática da pesquisa bibliográfica, buscando o levantamento da literatura que discute temáticas relacionadas, especialmente, à gestão democrática e à participação. Paro (1999 e 2001), Libâneo (2008), Pateman (1992) e outros.
As contribuições de teóricos que debatem o campo educacional voltadas para a gestão escolar, atestam fatos históricos e práticas relevantes no que se refere aos aspectos democráticos no âmbito escolar, inclusive na própria figura do gestor que, se articulado com a equipe pedagógica e a comunidade, contribui para a possibilidade de vivência e aprendizado da democracia.
Complementarmente, foi realizada uma análise documental das legislações que regem o Brasil e a educação nacional, especialmente, a Constituição Federal Brasileira de 1988, a Lei nº 9.394/1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional conhecida como ldben ou simplesmente ldb e, ainda, a Lei nº 13.005/2014 que aprova o Plano Nacional de Educação.
De 1964 a 1985, o Brasil foi assolado pela Ditadura Militar, por um poder que não foi legitimado pelo povo, uma imposição injusta perante uma nação que estava construindo seu processo democrático.
Nesse contexto, todos os aspectos relacionados à cultura, à política, e à educação foram ignorados, não havia perspectiva de construção de um processo democrático, pois eram os governantes que estabeleciam como guiar a vida e vivenciá-la na sociedade.
Com o fim da Ditadura Militar, diversos setores da sociedade passaram a reivindicar mais abertura democrática e, nesse processo de mudanças significativas, o campo educacional também pleiteou ações comprometidas com a democratização da escola pública.
O contexto socioeconômico e político da década dos oitentas enfatizaram a transformação na área da educação com a democratização do ensino e da escola, buscando garantir uma gestão democrática condizente com o momento político do país, procurando promover certa flexibilização no âmbito escolar e incentivando maior participação do coletivo.
Desse modo, a concepção de educação democrática, amplamente discutida e defendida pelo campo teórico na atualidade no Brasil, nasceu de um processo protagonizado por vários movimentos que se afirmaram com a crise do governo militar intensificado nos anos 80.
O primeiro movimento em prol de uma educação democrática foi no âmbito da Constituinte e, posteriormente, na elaboração de um capítulo de educação na Constituição. Em seguida surgem a Lei de Diretrizes e Bases (ldb) e o Plano Nacional da Educação (pne) para resguardar os princípios constitucionais.
Como se pode observar, a temática «gestão democrática do ensino» é uma discussão relativamente recente na sociedade brasileira. De acordo com Paro (1999), a introdução do conceito «gestão escolar» surge com a crítica ao caráter conservador e autoritário da administração nos anos de 1970 e 1980, assim como, com o compromisso de transformação social e a democratização do ensino e da escola.
Lück (2006) explica que a expressão «administração escolar» compreende as atividades de planejamento, organização, direção, coordenação e controle, ao passo que o termo «gestão escolar» envolve essas atividades, mas incorpora também certa dose de filosofia e política, uma relação interativa entre ambas.
A autora ressalta ainda que a gestão não deprecia a administração, apenas supera as limitações de enfoque reduzido, simplificado e dicotomizado na tentativa de atender uma realidade mais complexa e dinâmica.
Complementarmente, Andrade (2004) afirma que a substituição do termo administração escolar por gestão escolar, além da questão semântica, revela aspectos, representa uma mudança radical de postura e um novo paradigma de encaminhamento das questões escolares, fundamentados nos princípios de participação, autonomia, autocontrole e responsabilidade.
De acordo com Buss (2008), o termo «gestão» tem origem no latim «gerere», que significa fazer, exercer, executar e administrar, desse modo, no âmbito educacional, assume-se o conceito de gestão como forma de governo da educação, entendida, sobretudo, como evolução do ato de administrar que busca por trabalho coletivo, abolindo o trabalho individual.
Menezes e Santos (2002), por sua vez, explicam que a gestão escolar tem como principal objetivo promover a articulação de todas as condições materiais e humanas necessárias para garantir o avanço dos processos socioeducativos, orientados para a promoção efetiva da aprendizagem dos alunos.
Desse modo, a terminologia «gestão escolar democrática» acompanhou as mudanças que ocorreram com a abertura política que englobaram, especialmente, a promoção de novos conceitos, autonomia escolar e participação da sociedade.
Vale ressaltar, ainda, que o Art. 206.º da Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece no inciso VI que o ensino deve ser ministrado baseando-se no princípio da gestão democrática do ensino público, na forma da lei.
O Art. 3.º da LDB no inciso VIII reafirma o que propôs a Constituição e acrescenta, ainda, que a gestão democrática se dará na forma da Lei e da legislação dos sistemas de ensino.
Complementarmente, o Art. 14.º e incisos I e II da ldb estabelecem que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática, considerando a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, bem como a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares.
Desse modo, portanto, a Lei, ao determinar que compete aos sistemas de ensino estabelecer os parâmetros para a gestão democrática, implica, também, que a concepção de gestão democrática de um município pode não ser a mesma de outro.
Nesse sentido, Paro (1999) alerta que a Lei renunciou a regulamentar o princípio de gestão democrática de forma mais precisa, suprimindo avanços importantes da gestão escolar ao atribuir aos Estados e Municípios a decisão sobre importantes aspectos da gestão, contudo houve grande avanço em relação aos aspectos educacionais ao se romper com o modelo centralizador e autoritário que vinha sendo implantado nas instituições educacionais, com base no paradigma da «administração escolar».
Silva (2006), por sua vez, explica que os princípios que regem a gestão democrática expressos na LDB trazem inovações na concepção da gestão do processo de ensino, sobretudo, porque presume a superação da cisão que havia entre elaboração e execução, bem como estabeleceu a participação da sociedade e da comunidade escolar nos processos de gestão.
No imtuito de viabilizar os princípios da gestão democrática da educação, é inegável a importância do projeto pedagógico, esse por último, quando é elaborado e/ou construído com a participação dos atores escolares, com a comunidade e com os conselhos, ganha um viés político, daí o chamado Projeto Político Pedagógico (ppp).
De acordo com Veiga (2004), o ppp…
[…] busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. Na dimensão pedagógica reside à possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade (Veiga, 2004, p.13).
Esse processo de construção do PPP representa, portanto, o fortalecimento da democratização do processo pedagógico na busca da efetivação de um compromisso coletivo com resultados educacionais cada vez mais significativos (Lück, 2006).
Desse modo, a relação entre gestão escolar democrática e o PPP, não se resume apenas ao processo de administração de um estabelecimento de ensino, mas sim a como criar um projeto de vida para uma unidade escolar.
De acordo com Paro (1999), a gestão escolar não se ocupa do esforço despendido por pessoas isoladamente, mas do esforço humano coletivo. Portanto, a gestão educacional é uma ação em prol de todos e não apenas de algum grupo de professores, partidos ou sindicatos. O que se pretende é atender ao coletivo que está inserido na unidade escolar.
Luckesi (2007, p.33) explica que «uma escola é o que são seus gestores, os seus educadores, os pais dos estudantes e a comunidade. A ‘cara da escola’ decorre da ação conjunta de todos esses elementos». Ao passo que Canário (2007) afirma que a escola é como uma organização viva, plural e com múltiplos agentes, que constantemente se modifica, se altera e se constrói.
Assim, ao considerar esses aspectos, a escola torna-se um espaço social que atende a um coletivo local onde há diversidade, diferença e caos. Vale ressaltar que o caos, nesse caso, não deve ser entendido como algo negativo, porque a confusão e a desordem trazem as diferenças, por conseguinte, as contradições fazem parte desse coletivo.
De tais apontamentos resulta a importância de se tomar o coletivo como alicerce sobre o qual a gestão deverá se consolidar, a fim de promover uma intensa participação dos agentes envolvidos em todo o processo educacional e implantar uma gestão compartilhada da educação.
Além disso, resulta desse processo também, a possibilidade de oferecimento de uma educação de qualidade, cujo compromisso resida na efetiva melhoria das condições de ensino na sociedade atual, realizado por meio da integração dos agentes envolvidos no processo educativo.
A escola como espaço social tem como objetivo e plataforma garantir o processo educacional, antes mesmo de qualquer configuração capitalista com viés voltado para a aprendizagem e o mercado de trabalho. A finalidade política e pedagógica da escola é, sobretudo, ensinar ao sujeito a viver em sociedade.
Nota-se, portanto, que a gestão escolar não está desvinculada do processo coletivo, inclusive, não se limita à sua dimensão política, pois envolve a articulação direta dessa com as práticas de participação social, seu aspecto a priori é o de gerir de forma democrática.
A Constituição de 1988 afirma que o modo de conduzir as vidas dos cidadãos brasileiros é por meio da democracia, portanto, pelo poder do povo. Uma vez que a escola é uma instituição social e se essa sociedade optou pelo poder do povo, a escola tem que ser guiada e gerida pelo povo.
Nos estabelecimentos de ensino, o «povo» são os atores escolares, professores, diretores, merendeiras, auxiliares de serviços gerais, pais que matriculam os alunos, os próprios alunos, ou seja, são todos aqueles cercados dentro e fora da escola.
Paro (2001) explica que o primeiro passo para a tomada de decisões concretas referente à implantação de um modelo de gestão educacional de caráter democrático é viabilizar um projeto de democratização e tomada de consciência nas relações humanas no interior da escola.
Portanto, quanto a recorrer à gestão escolar, remete-se a um processo de gerir um espaço social e coletivo que não cabe apenas ao diretor da escola, mas sim a uma equipe gestora em prol de um objetivo, e esse propósito está relacionado à cultura da escola.
Hora (2007, p. 49) assevera que a possibilidade da ação administrativa nas decisões do processo educativo a partir de uma construção coletiva, «resultará na democratização das relações que se desenvolvem na escola, contribuindo para o aperfeiçoamento adiministrativo-pedagógico».
Nesse mesmo contexto, Pateman (1992) afirma que a teoria da democracia se constrói ancorada na afirmação de que os indivíduos e as instituições não são considerados isoladamente, o elemento fundamental nessa relação é a participação.
Desse modo, a gestão democrática revela a necessidade de se pensar uma escola que considere a participação de todos os envolvidos e não somente na figura do gestor.
Tendo em vista que os próprios mecanismos e agentes do sistema democrático, especialmente, as eleições, os partidos, o Congresso e os políticos apresentam uma imagem desgastada e parecem ter perdido a credibilidade perante os cidadãos, as possibilidades efetivas de participação restringem-se, muitas vezes, ao incentivo de participação nas eleições e no cumprimento de deveres, tomados, em última instância, como exercício da cidadania.
Entretanto, a participação deve ocorrer em outros espaços, como aponta Pateman (1992), para quem:
[…] a participação é bem mais que um complemento protetor de uma série de arranjos institucionais: ela também provoca um efeito psicológico sobre os que participam, assegurando uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro delas (Pateman, 1992, p. 35).
Segundo Pateman (1992), a democracia brasileira, a partir do fim da Ditadura Militar em 1985 e da promulgação da Constituição Federal de 1988 evoca o ideal da consolidação de processos mais participativos e transparentes.
Assim, em face dessas considerações, insere-se que, instituir uma cultura democrática, que contemple a participação como um de seus pilares, implica promover o exercício democrático em todos os âmbitos da sociedade, propiciando aos envolvidos experienciar processos que os permitam compreender de fato o que significa vivenciar a democracia.
Sendo assim, a democracia e o exercício da cidadania, que devem pautar os objetivos educacionais no que tange à implantação de um modelo democrático de educação, transcendem os processos eleitorais e passam a determinar todas as relações que envolvem os indivíduos, a sociedade civil e o Estado no que diz respeito ao bem comum.
Assim, para Pateman (1992), a participação é mais do que uma estratégia, é uma atitude que expressa compromisso e mobilização e contribui com a consolidação da democracia por meio da vivência democrática.
Resulta, portanto, dessas concepções da autora, que pensar um modelo de gestão democrática para a educação significa considerar a formação para a cidadania e o protagonismo, bem como a importância da implantação de mecanismos que possam possibilitar a efetiva participação em seus mecanismos de gestão. De outro modo, falar em gestão democrática seria negar a sua efetivação, algo que lhe é intrínseco, peculiar e essencial.
Pateman (1992) apresenta ainda uma reflexão sobre o lugar ocupado pela participação, conforme as diversas concepções de democracia. A autora salienta que as teorias de democracia mais atuais conferem um papel menor à participação, que se resume em garantir o funcionamento da máquina eleitoral sem considerá-la como um dos pilares de uma sociedade democrática.
Essa concepção se coaduna com as perspectivas de teóricos clássicos da democracia, tal como Rousseau (1980), por exemplo, que considerava a máxima participação dos cidadãos indispensáveis para a existência de uma efetiva democracia.
A autora destaca que há uma preocupação em relação à ampla participação popular, justificada sob o argumento de que uma efetiva participação da população poderia ameaçar o sistema político e conduzir a sociedade a sistemas de governos autoritários e, portanto, o ideal de participação máxima como requisito para uma democracia deve ser combatido, conforme a concepção de teorias mais atuais sobre democracia.
Diante disso, fica claro que há concepções de democracia que não consideram o ideal de participação como a máxima para sua consolidação.
Da mesma maneira, embora seja comum a existência de distintas abordagens das temáticas cidadania e participação, bem como a importância da consolidação de um modelo de gestão democrática corroborado com a legislação educacional atual, isto não significa, em grande medida, que se realize na prática a promoção da efetiva participação dos agentes envolvidos.
Muitas vezes, a colaboração popular no processo educacional ocorre de maneira residual, cabendo-lhe uma atuação em segundo plano, tal como interessar os dirigentes responsáveis pelas ações e políticas públicas desenvolvidas.
Nesse sentido, a gestão democrática assume uma aparência dissimulada, onde gestores utilizam o mecanismo democrático para legitimar decisões autocráticas, evidenciando a influência de uma cultura prevalente no período da ditadura.
Nessa perspectiva, para a implantação efetiva de um modelo de gestão democrática na educação, caberia a promoção de processos mais participativos e a tomada de consciência dos entraves que permeiam a educação de modo que:
(…) a principal função da participação na teoria da democracia participativa é, portanto, educativa: educativa no mais amplo sentido da palavra, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e procedimentos democráticos (Pateman, 1992, p. 60-61).
Assim, Pateman (1992) explica que a participação é fundamental na democracia, pois representa a possibilidade de escolha daqueles que tomam as decisões, além disso, tem função de proteção do indivíduo contra decisões arbitrárias dos líderes e, ainda, proteção de interesses privados.
Para a autora, a gestão democrática requer uma sociedade participativa, sendo, portanto, necessário o fomento de uma «cultura» de participação a partir dos próprios espaços de trabalho.
Para isso, é de grande relevância a construção do ppp com a participação de todos os atores envolvidos no processo educacional a fim de se estabelecer o objetivo do ensino, voltado para a formação para a cidadania e a consolidação de uma gestão compartilhada da educação.
Cabe, neste sentido, fomentar uma proposta de educação comprometida com a cidadania, tomada, conforme Covre (1991), como a transformação do indivíduo no sentido de sua constituição como sujeito capaz de pensar criticamente e de refletir sobre si mesmo, ou seja, como «[…] aquele que conseguiu produzir subjetividades, um sentimento de existir, que, então, é muito mais que um indivíduo» (Covre, 1991, p. 162).
A autora salienta ainda que o cidadão é aquele que «[…] pode ter uma identidade, mas não pode estar preso a ela, ou seja, ser essa identidade» (Covre, 1991, p. 163). Sendo assim, o «ser cidadão» implica na responsabilidade com o outro e sua relação com o meio social no qual se insere e se relaciona no âmbito educacional, por meio da participação ativa na gestão compartilhada da educação.
Dessa forma, Libanêo (2008, p. 294) explica que a «organização e gestão da escola correspondem, portanto, à necessidade de a instituição escolar dispor das condições e dos meios para a realização de seus objetivos específicos».
Nesse âmbito, o papel do gestor é de grande importância para a efetivação deste modelo de gestão. O gestor educacional, na perspectiva de Libâneo, deve ser o grande articulador na direção de atender a cultura que a escola construiu junto ao ppp. O diretor não deve ser um comandante, mas um colaborador, a fim de que esses sujeitos façam parte da equipe pedagógica.
Andrade (2004) afirma que a função primordial do gestor educacional é transformar o discurso em ação, fazendo com que a escola opere com eficiência. A eficácia da gestão depende, em grande parte, do exercício de liderança.
Desse modo, cabe ao gestor promover a conscientização e a integração dos demais agentes ao processo de gestão, possibilitando reflexões e processos de tomada de decisões realizadas conjunta e harmoniosamente.
Paro (2001, p.07), por sua vez, salienta que «toda vez que se fala em gestão democrática, parece ser utopia, coisa que não existe, mas não quer dizer que não possa vir a existir», haja vista que ao entendê-la como uma ferramenta de solução de problemas, pode tornar-se algo desejável.
O autor explica ainda que a gestão democrática na escola é a melhor alternativa para que o ensino financiado pelo Estado possa ser chamado de público. Ainda que seja um processo lento, o processo de democratização nas escolas aproxima a comunidade, permitindo que possam participar democraticamente das tomadas de decisões junto ao gestor da escola.
Uma análise do Ministério da Educação do Brasil (mec) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que a gestão democrática é uma das cinco dimensões mais relevantes para garantir a aprendizagem de crianças e adolescentes (Brasil e Unicef, 2007).
O estudo apresenta sete experiências nacionais de diversas partes do Brasil que revelam a participação direta da comunidade nas escolas, assim como, evidencia os resultados da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar brasileiro, criado em 2005 pelo mec. Constatou-se que 33 escolas alcançaram notas acima da média nacional na avaliação (Brasil e Unicef, 2007).
A investigação alerta que o sucesso dessas escolas é caracterizada pela dinâmica participativa da comunidade na escola, desse modo, essa pesquisa indica, portanto, a superação, ainda que tímida, de uma tradição histórica de centralização das decisões.
Nesse sentido, Barbier (1996) afirma que a participação popular significa a possibilidade de intervir na realidade futura. Além disso, atuar em problemas e soluções do presente é algo a se concretizar no amanhã, transformando uma ideia em ato real.
Diante disso, é pertinente ressaltar que não se pode ignorar que os resultados das políticas sociais e econômicas atuam fortemente sobre os resultados da política educacional, cuja concretização se dá na sala de aula.
Entretanto, a legislação garante espaços de atuação da comunidade dentro da escola que podem ser utilizados como meios para se melhorar a educação brasileira, viabilizando a gestão democrática.
Assim, diante do que foi apresentado, conclui-se que, tal como aponta Pateman (1992), a ideia de participação não é irreal, mas sim uma questão viva e em aberto.
A gestão democrática perpassa o interrelacionamento dos sujeitos e suas estruturas de autoridade. Trata-se de um processo que deve ser continuamente fomentado e reconstruído com vista à melhoria das condições de ensino.
O Plano Nacional de Educação (pne) no Brasil é uma Lei ordinária prevista na Constituição Federal que estabelece diretrizes, metas e estratégias de concretização no campo da educação.
Quando essa Lei é promulgada, todos os planos de educação nos âmbitos estadual e municipal devem ser criados ou adaptados em consonância com as diretrizes e metas estabelecidas por ele.
A legislação mais atual do pne foi promulgada em 25 de junho de 2014 que se tramitou no Congresso Nacional durante quatro anos, a Lei nº13.005/2014 estabelece 20 metas para a educação a serem cumpridas até 2023.
O pne é um dos documentos mais recentes que se refere à gestão democrática. A legislação apresenta, inclusive, a expressão «gestão democrática» de maneira recorrente e evidenciando a intenção de que este modelo de gestão seja prevalente.
Assim, o Art. 2.º inciso VI da referida Lei afirma que uma das diretrizes do pne é a promoção do princípio da gestão democrática da educação pública, ao passo que o Art. 9.º estabelece que Estados e Municípios devem aprovar leis que disciplinem a gestão democrática da educação pública.
Nos anexos da legislação, encontram-se metas e estratégias do plano de educação, especialmente, a meta sete que estabelece o fomento da qualidade da educação básica, apresentando como uma das estratégias o aprimoramento e o efetivo desenvolvimento da gestão democrática, visando a qualidade educacional e também a garantia de participação da comunidade no planejamento e aplicação de recursos.
Mas é na meta 19 que se trata de modo particular a gestão democrática, o texto diz:
Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (Brasil, 2014).
No intuito de atentar o disposto na meta 19, há oito estratégias, merecendo destaque, por sua relação direta com a gestão democrática, as seguintes: a participação da comunidade escolar no que se refere a repasses da União, formação dos conselheiros, criação de Fóruns permanentes de educação, fortalecimento de grêmios estudantis e associação de pais, estímulo à formação de conselhos escolares e municipais de educação.
A análise desses aspectos constantes no pne evidenciou que os assuntos relacionados à educação não estão mais restritos ao diretor da escola, o qual, tradicionalmente, centralizava-os, uma vez que se prevê o direito de participação da comunidade, do entorno da escola na gestão educacional.
Nota-se, ainda, que a participação de outros atores nas decisões e processos das escolas, não sendo apenas a dos gestores, é apontada como uma das premissas para a efetiva concretização da gestão democrática.
Representa, portanto, um avanço no processo de construção da democracia, consolidando os princípios inerentes à gestão democrática como uma meta a ser alcançada pela educação brasileira.
Em face de tal constatação, resulta um aspecto que vem dificultando a consolidação desse modelo de gestão na educação e que carece de maior regulamentação, a fim de que possa se efetivar por meio da integração dos agentes envolvidos no processo educativo.
Cabe, portanto, um avanço no sentido do delineamento da implantação deste modelo de gestão a fim de melhor orientar as práticas dos atores envolvidos e, em especial, as dos gestores educacionais, haja vista seu papel essencial no fomento da participação dos agentes envolvidos, na condução do processo de tomada de decisões e no compartilhamento das experiências e responsabilidades nas Unidades Escolares.
Neste ensaio, portanto, abordamos os principais aspectos relacionados à gestão educacional, pontuando o contexto histórico e legal, a substituição do termo administração escolar para gestão escolar, o trabalho da organização e da gestão escolar de modo coletivo com a participação ativa dos sujeitos que fazem a cultura escolar e, finalmente, as discussões que têm sido empreendidas em torno da gestão democrática nos dias atuais.
Evidentemente, a gestão democrática da educação estabelecida em 1988 e implantada com a ldb é um desafio enorme para a escola que tradicionalmente centralizava e/ou centraliza as decisões no diretor.
Além disso, é um trabalho ardiloso, porque o coletivo pensa de forma diversa, e buscar o bem comum de uma dada comunidade que realiza práticas comuns na escola, portanto, requer um trabalho de liderança e participação.
A discussão empreendida neste ensaio, leva-nos a pensar que o debate da gestão democrática não se esgota no momento em que a escola encontra mecanismos internos de maior participação da comunidade em seu entorno, trata-se de uma questão que se constrói cotidianamente.
A gestão democrática é uma garantia, via legislação, que permite o coletivo atuar nas decisões da escola. Essa experiência aponta para a construção de uma democracia participativa, assim chamada por Pateman (1992).
O que caracterizou a educação pública brasileira no passado foi o afastamento, a exclusão da comunidade, a ausência de conselhos escolares e de instâncias representativas para se discutir um direcionamento público para a gestão da educação.
Especialmente nos anos 80, a escola foi marcada por uma administração autoritária e hierarquizada, as relações eram distanciadas entre direção, professores e alunos, e, atualmente, aponta-se para a construção da cidadania como meio de democratizar a escola para um caminho mais amplo, qual seja, democratizar a sociedade brasileira.
Embora se tenha exemplos de coletivo na escola, possivelmente, a gestão democrática ainda possui uma aparência dissimulada, onde os gestores utilizam o mecanismo democrático para legitimar decisões autocráticas ou mesmo, a utilização do patrimonialismo nas decisões do coletivo e outros exemplos que ainda estão vinculados à cultura da ditadura.
Entretanto, há a necessidade de se criar a cultura da participação. Pateman (1992) explica que para existir de fato um governo democrático é necessário uma sociedade participativa, e que isso pode ser iniciado no local de trabalho como aprendizagem e, então evoluir, gradativamente, para participações no contexto social mais amplo.
O processo democrático na escola e a participação da comunidade nas decisões dos processos escolares ainda não é um fato plenamente consumado, mas um horizonte a ser buscado que é permeado por avanços e retrocessos.
Andrade, R. C. de (2004). A gestão da escola. Porto Alegre: Artmed.
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