Número 70 Enero-Abril / Janeiro-Abril 2016

AS LIDERANÇAS NA GESTÃO DE BOAS ESCOLAS: NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS EDUCATIVAS EUROPEIAS

Maria Lopes*

* Investigadora Pós-doutoramento pela Universidade do Minho (Portugal) e professora adjunta na ESEAG, grupo Lusófona – Lisboa (Portugal)

Síntese. O artigo pretende apresentar uma reflexão sobre a relação entre as lideranças e a gestão de boas escolas, tendo como enquadramento o sentido das políticas educativas europeias, no limiar do século xxi, num tempo de globalização e numa sociedade multifacetada pela diversidade humana. Nesta linha são contrastadas duas abordagens dessa relação: uma centrada numa «liderança educativa sustentável», aludindo-se à obra de Hargreaves e Fink (2007), e outra na «liderança democrática de cariz transformacional», cujas raízes se encontram em Bass (1985). Enquanto a primeira objetiva preservar e desenvolver uma aprendizagem profunda de todos, com benefícios para todos, no presente e no futuro, conotando uma liderança distribuída, justa e moral; a segunda promove a liderança democrática compartilhada. Defende-se que as duas abordagens se complementem na dimensão intrínseca à liderança educativa no quadro das políticas educativas na Europa globalizada, apontando-se como resposta eficaz aos desafios da escola no século XXI.

Palavras-chave: liderança sustentada; liderança transformacional; boas escolas; políticas educativas e espaço europeu.

Las lideranzas en la gestión de buenas escuelas: en el contexto de las políticas educativas europeas

Síntesis. El artículo pretende presentar una reflexión sobre la relación entre los liderazgos y la gestión de las buenas escuelas, teniendo como marco el sentido de las políticas educativas europeas en el final del siglo XXI, en un tiempo de globalización y en una sociedad multifacética debido a la diversidad humana. En esta línea son contrastadas dos abordajes de esa relación: una centrada en un «liderazgo educativo sostenible», aludiéndose a la obra de Hargreaves y Fink (2007), y otra en el «liderazgo democrático de cariz transformacional», cuyas raíces se encuentran en Bass (1985). Mientras la primera tiene como objetivo preservar y desarrollar un aprendizaje profundo de todos, con beneficios para todos, en el presente y en el futuro, connotando un liderazgo distribuido, justo y moral; la segunda promueve el liderazgo democrático compartido. Se defiende que los dos abordajes se complementan en la dimensión intrínseca al liderazgo educativo en el marco de las políticas educativas en la Europa globalizada, apuntándose como respuesta eficaz a los retos de la escuela en el siglo XXI.

Palabras clave: liderazgo sostenible; liderazgo transformacional; buenas escuelas; políticas educativas y espacio europeo.

The leaderships and the management of good schools: in the context of european educational politics

Abstract. The article wants to present a reflection about the relationship between the leaderships and the management of good schools, having as a frame the meaning of European educational politics in the beginning of the Twenty First Century, in a time of globalization and in a society with multiple facets due to human diversity. In this line, two approaches of this relation are contrasted:  one centered in a «maintainable educational leadership», referring to the work of Hargreaves and Fink (2007), and the other one in the «democratic leadership of transformational perspective», whose roots can be found in Bass (1985). While the first approach aims at preserving and developing a deep learning for everyone, with benefits for everyone, in the present and future times, implying a distributed leadership, just and moral, the second approach promotes the shared democratic leadership. We defend that  the two approaches are complementary in the intrinsic dimension to educational leadership in the frame of educational politics in the globalized Europe, being viewed as an effective answer to the challenges of the Twenty First Century schools.

Keywords: maintained leadership, transformational leadership, good schools, educational politics and European scope.

Introdução

Neste novo milénio, a palavra-chave reside na sociedade do conhecimento, com grande impacto nas políticas educativas e consequentemente na (re)construção da escola, fundamentada no novo paradigma – todos têm direito a aprender.

Como refere Mello (2001):

[…] as políticas educativas deste milénio serão articuladoras das condições que poderão  transformar a factibilidade em efeitos, em actos concretos, em programas e acções educativas que ajudem a fazer de cada escola um colectivo inteligente, a incubadora dos colectivos inteligentes que serão os sujeitos do espaço do saber. (p.85)

Mas como é que a escola responde a este enorme desafio? Que políticas educativas são capazes de construir a escola do século XXI? Da resposta a estas perguntas emana o papel determinante das lideranças, como propulsoras de decisões partilhadas, construtoras de escolas democráticas e equitativas, que tornam factível a construção de boas escolas, sob o enquadramento das políticas educativas no espaço europeu e no perspetivar de uma outra filosofia de escola – uma outra forma de organizar os espaços educativos e uma praxis inclusiva – comprometida com uma educação direcionada para a diversidade humana, característica multidimensional da sociedade contemporânea.

A reflexão sobre este cenário centra-se em três linhas diretrizes:

O sentido das políticas educativas na Europa globalizada

As lideranças na gestão de boas escolas

O papel das lideranças e das políticas educativas no espaço europeu: prospetivas na gestão de boas escolas

É na consonância, por um lado, e nos dilemas por outro, em torno da temática em análise que se traduz a consistência da reflexão aqui explanada, ao mesmo tempo que abre caminhos para uma boa escola. Utopia no presente? Realidade num futuro próximo? Onde impera a importância inaudível do direito à educação para todos, ser efetivamente levado à prática, numa escola que se quer de todos, para todos e com todos, onde o implementar das políticas educativas se centra na agenda estruturada para a educação e em lideranças educativas democráticas e sustentáveis, na concretização dos objetivos que tornem a utopia de uma boa escola realidade.

O SENTIDO DAS POLÍTICAS EDUCATIVAS NA EUROPA GLOBALIZADA

No limiar do século xxi vive-se tempos de globalização1, privilegia-se a sociedade do conhecimento em que os sistemas educativos emergem como fulcrais para o desenvolvimento da aldeia global. O projeto educativo surge imensurável na edificação de uma sociedade educativa alicerçada no princípio de uma democracia dialogante2, capaz de enfrentar os inúmeros desafios do futuro, onde os “ideais da paz, da liberdade e da justiça social” (Delors, 2005, p.11) são valores construtores da humanidade.

Mas como podem as políticas educativas europeias dar resposta a um ensino equitativo e de qualidade? A centralidade da resposta, parece encontrar-se no significado que a educação para todos encerra no novo século caracterizado pela diversidade humana.

A Comissão considera as políticas educativas um processo permanente de enriquecimento dos conhecimentos, do saber fazer, mas também e talvez em primeiro lugar, como uma via privilegiada de construção da própria pessoa, das relações entre indivíduos, grupos e nações. (Delors, 2005, p.11)

De facto, numa Europa mesclada de diversidade cultural e ideológica, em que os aspectos políticos, económicos, sociais, de condição física e intelectual, são múltiplos e de dimensões complexas, cabe aos sistemas educativos e à escola assegurar o ensino universal, democrático e de qualidade para todos os alunos. Reforça-se a ideia de que a educação representa um desafio incomensurável para a humanidade num contexto intrincadamente complexo e em confronto pleno na sociedade do conhecimento, em que o objetivo premente é uma melhor educação para todos.

Nesta perspetiva, o enfoque central das políticas educativas europeias é a qualidade fundada no princípio da equidade, em que todos os Estados-membros partilham de objetivos comuns e de boas práticas, tendo como fim último produzir elevados níveis de excelência e de competências (Comissão das Comunidades Europeias, 2007).

Destaca-se deste modo, uma progressiva internacionalização das políticas educativas, vislumbrando-se por um lado, a valorização dos discursos sobre as avaliações externas, sobre a desestabilização das escolas e da regulação social (Marques, Aníbal, Graça e Teodoro, 2008), por outro, a convergência de interesses, a cooperação e a modernização, concomitantes com a construção de um novo paradigma de escola, para responder a uma nova ordem educacional (Antunes, 2008),frutoiniludível do fenómeno da globalização (Dale, 2001).

Mas como a globalização afeta as políticas europeias? Que itinerário seguir para explicar a relação entre globalização e educação?

Discutir estas questões implica um olhar atento sobre a agenda globalmente estruturada para a educação desenvolvida por Dale (2001), que defende uma teoria efetiva dos efeitos da globalização sobre a educação assente em três dimensões chave: i) a natureza da globalização; ii) o significado de educação e iii) como a globalização afeta a educação (p.425). O processo de globalização encerra diretrizes políticas e económicas que estão no cerne de mudanças na economia capitalista, repercutindo-se os seus efeitos nas políticas e práticas educativas em um nível supra e transnacional, permitindo “reconstruir as forças entre as nações” (idem, 426). Nesta perspetiva, são três as questões centrais em torno da educação:

a quem ensinar o quê, como, por quem e em que circunstancias?; como, por quem e através de que estruturas, instituições e processos são definidas estas coisas, como é que são governadas, organizadas e geridas?; quais são as consequências sociais e individuais destas estruturas e processos? (idem, 439)

A interpelação destas questões, à luz da globalização contemporânea, permite perspetivar um desafio estimulante, cruzando olhares, estratégias e dinâmicas, que preconizam o processo de unionização das políticas de educação no espaço europeu (Marques et al., 2008), ou, nas palavras de Dale (2008), a construção de um Espaço Europeu de Educação. Neste processo é de sublinhar a Estratégia de Lisboa<3/a>, em que a educação e a formação são áreas prioritárias a desenvolver, define-se e inicia-se o programa Educação e Formação 20104 e articulam-se estratégias de actuação através da implementação do Método Aberto de Coordenação5. Esta dinâmica de trabalho tem como objetivo prioritário responder aos desafios da globalização – em que as políticas educativas dos Estados-membros se envolvem num processo de unionização de forma a tornarem a Europa o espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo (idem). Subjaz ao processo de unionização de políticas educativas em contexto europeu os múltiplos desafios que a escola tem de vencer, em torno: i) das competências-chave para todos; ii) da aprendizagem ao longo da vida; iii) do contributo para o crescimento económico sustentável; iv) da capacidade de reacção aos múltiplos desafios sociais; v) da escola inclusiva; vi) da educação para a cidadania; vii) do papel dos professores; viii) das questões organizacionais e ix) das questões de liderança nas escolas (Comissão das Comunidades Europeias, 2007).

 Mas como pode a escola responder aos imensos desafios da contemporaneidade? Como podem as escolas e os sistemas educativos responder aos dilemas da globalização? Do confronto reflexivo com o cenário aqui explanado visualiza-se a (re)construção da escola fundada num novo modelo educativo, que nasce das conexões entre educação e globalização, em que a educação “está na base da produtividade, do emprego e da competitividade das economias” (Antunes, 2008, p.104).

Assim, a resposta a estes desafios alicerça-se numa visão estruturante e democrática da sociedade, enfocando os princípios da cidadania, da solidariedade e da equidade, na defesa da educação e da formação como indispensáveis ao funcionamento pleno do triângulo do conhecimento: educação – investigação – inovação (Comissão das Comunidades Europeias, 2008), efetivando a (re)construção da escola que temos numa boa escola fundada em princípios democráticos, participativos e inclusivos, desenvolvendo uma liderança distribuída e sustentável. Uma escola de todos, para todos e com todos, em que todos podem e têm o direito de aprender, cuja meta é o sucesso educativo e a construção pessoal e social do aluno-pessoa, adquirindo conhecimentos e competências basilares que sustentam as regras, atitudes e valores ao longo da vida, bases para o sucesso na sociedade do conhecimento e para a construção de uma sociedade democrática e participativa (Bolívar, 2003; Darling-Hammond, 2001).

Efetivamente, a globalização gera alterações económicas, sociais, culturais num aflorar crescente da diversidade humana, mas também lança novos desafios. Alcançá-los significaria adquirir competências numa aprendizagem precoce e ao longo da vida. Sendo determinante um ensino de elevada qualidade e equitativo, em que todos tenham acesso, adquirindo competências básicas em matemática, ciências, tecnologias, na língua materna e em línguas estrangeiras, mas também, em competências interculturais, sociais e cívicas. Daí o papel determinante da educação no crescimento, na competitividade e na coesão social da União Europeia (Comissão das Comunidades Europeias, 2008).

Nesta caminhada, de acordo com Teodoro e Torres (2006), “Uma coisa é certa: os sistemas educacionais têm um papel central a desempenhar e a teoria educacional enormes desafios pela frente” p.14.

AS LIDERANÇAS NA GESTÃO DE BOAS ESCOLAS

Provocar e gerir a mudança transformando a instituição escolar numa organização que aprende na e com a diversidade em que todos têm direito a aprender, constitui a dimensão suprema da liderança escolar. Uma liderança que se quer participativa, democrática e sustentável, princípios fundamentais para responder efetivamente ao desafio de uma escola que se pretende (re)construir como boa escola, cuja praxis se centra na educação para a cidadania, na equidade social, na cooperação e na inclusão.

De acordo com Ramos e Diogo (2003),

[…] as lideranças escolares revelam-se elementos chave na mudança e desenvolvimento das escolas, na sua capacidade em descobrir novos significados para os processos de ensino e de aprendizagem, na promoção do desenvolvimento profissional dos professores e na aprendizagem organizacional em geral. (p.92)

As boas escolas nascem sob o paradigma da escola em ruptura, incapaz de responder aos desafios advindos da globalização e do emergir de um novo paradigma, assente num novo constructo organizacional, que proporcione ao aluno a aquisição de aprendizagens significativas, alicerces fecundos ao longo da vida. Três questões em torno da mudança da escola e dos sistemas educativos – O que se faz, como se faz e para que se faz? (Cabral, 1999) – requerem respostas efetivas de líderes comprometidos com a melhoria da aprendizagem de todos os alunos.

Mas que tipo de liderança deve-se exercer na escola da diversidade? Qual o caminho da liderança escolar no entrecruzar das políticas educativas europeias? Que princípios e práticas devem adoptar as lideranças no funcionamento organizacional e pedagógico das boas escolas? Estas são algumas questões discutidas nesta linha de reflexão, delineando-se dois eixos de abordagem:

A liderança educativa sustentável

Liderança democrática de cariz transformacional

LIDERANÇA EDUCATIVA SUSTENTÁVEL

Uma liderança efetiva é sustentável – princípio fundamental para construir a tão desejável mudança anunciada na escola e nos sistemas educativos, perpetuando uma elevada melhoria da qualidade do ensino, em que o enfoque reside no sucesso das aprendizagens de todos os alunos, numa interconexão com os desafios da sociedade do conhecimento na contemporaneidade.

Importa aqui esclarecer as raízes e o significado da liderança sustentável no contexto da escola, para tal, alude-se à obra de Hargreaves e Fink (2007) “Liderança Sustentável”, que remete para o campo empresarial e ambientalista, entendendo-se por sustentabilidade educativa o preservar e o desenvolver de uma aprendizagem profunda de todos, com benefícios para todos, no presente e no futuro. Este tipo de liderança confere sustentabilidade a um novo paradigma de escola, no qual subjaz uma aprendizagem significativa concretizada na e com a diversidade que beneficia o presente e promove o funcionamento organizacional e pedagógico da escola, assente numa filosofia diferenciadora de carácter inclusivo e socialmente justa, em que todos os alunos podem e devem aprender.

Neste cenário, a missão da escola – uma melhor educação para todos – é responsabilidade primeira de todos os líderes educativos, partilhada por todos os membros da comunidade educativa, numa liderança distribuída, justa e moral, em que os líderes educativos são líderes da aprendizagem, cujas directrizes se coadunam com a pedagogia diferenciada, que tem como objectivo “ajudar o indivíduo a desenvolver os seus talentos e a realizar o seu potencial de crescimento (em termos emocionais e intelectuais) e de bem-estar pessoal” (Comissão das Comunidades Europeias, 2007, p.4), esta é efetivamente a essência da liderança educativa sustentável.

Mas como tornar a liderança sustentável no contexto das boas escolas? Que estratégias para a sua realização? A sustentabilidade da liderança no seio da escola reside em preparar futuros líderes que perpetuem a missão da escola num futuro fecundo e promissor, sendo imperioso, as escolas transformarem-se em comunidades de aprendizagem profissionais, sustentando as estratégias de liderança em sete princípios (Hargreaves e Fink, 2007):

Profundidade – uma aprendizagem significativa a que todos têm direito.

Durabilidade – uma liderança que perdura ao longo do tempo, preservando a missão, os objetivos e os valores da escola, líder após líder.

Amplitude – sustenta uma liderança distribuída, na sala, na escola e no sistema educativo.   

Justiça – liderança socialmente justa e responsável pelo bem público.

Diversidade – uma liderança que promove a diversidade no ensino e na aprendizagem, considerando-a como elemento coeso de riqueza na aquisição de saberes e de competências para todos os alunos.

Disponibilidade de recursos – uma liderança que reconhece os líderes pelo seu talento, não os esgota com mudanças irrealistas e sabe esperar pelos resultados concretizados nas metas que definiu.

Conservação – uma liderança que respeita o passado, aprende com as teorias e práticas do passado na construção de um futuro melhor.

A (re)construção da escola apela a rápidas mudanças organizacionais e a transformações de paradigma, a uma outra gramática de escola, fundada na lógica da heterogeneidade e na diversidade dos alunos, o que implica a sustentabilidade da liderança a exercer – uma liderança com o olhar nos objetivos e na missão da escola no presente inerente às metas do futuro – para que a escola se transforme numa comunidade de aprendizagem, pautada por valores democráticos que garantam as igualdades de oportunidade e a coesão social, indispensáveis à sociedade do saber. Conquanto, como salienta Hargreaves e Fink ( 2007): “Se o primeiro desafio da mudança é assegurarmo-nos de que ela é desejável, e o segundo o de que é exequível, então, o maior desafio de todos é torná-la durável e sustentável” (p.12).

LIDERANÇA DEMOCRÁTICA DE CARIZ TRANSFORMACIONAL

A liderança transformacional nasce com Bass (1985) e advém do campo empresarial. Na sua conceptualização, num primeiro momento, Bass e Avolio (1994) apontam cinco características: i) estimulo intelectual; ii) apoio individualizado; iii) motivação e inspiração; iv) influência no trabalho docente e v) capacidade para motivar. Num segundo momento, Leithwood, Jantzi e Steinbach (1999) que retomam a abordagem anterior, concebendo a liderança transformacional como democrática e compartilhada, delineando nove dimensões: i) estimulo intelectual; ii) apoio individual; iii) elevadas expectativas; iv) criação de modelos de valores organizacionais; v) construção de uma cultura de colaboração; vi) reforço de uma cultura escolar produtiva; vii) desenvolvimento de uma visão consensual; viii) criação de estruturas para a participação no processo decisório e ix) criação de consensos quanto às metas da escola.

A análise reflexiva destas características ilustra claramente que a liderança em contexto escolar resulta de uma ação compartilhada por diversos atores em que cada um é um líder. Ora, ser líder é demonstrar carisma, consideração individual, estímulo intelectual, inspiração e tolerância psicológica (Bass, 1985); fatores que na sua interligação conduzem a mudanças na (re)construção organizativa da escola (Bolívar, 2003). Deste modo, a conceptualização da liderança transformacional é “pautada por valores e concentrada na mudança estrutural, cultural e sistémica das escolas e, neste sentido, mostra potencial de resposta aos desafios da mudança” (Diogo, 2004, p. 270), logo, a um novo paradigma de análise dos processos de gestão escolar.

Sendo certo que a liderança transformacional no campo da educação ainda não reúne em termos conceptuais um consenso por parte da comunidade científica (Ramos e Diogo, 2003), quando aferida ao contexto organizativo da escola visiona-se como eficaz face aos desafios da escola no século xxi, porque na sua essência implica toda a comunidade escolar no projecto de (re)construção escolar e no compromisso efetivo com a aprendizagem de todos os alunos. Traduz-se, assim, pela partilha de resolução de problemas e na tomada de decisões por todos os membros da organização da escola (Agudo, 2001; Bolívar, 2003 e Sergiovanni, 2003) e, deste modo, prefigura uma estratégia de suma importância para a melhoria dos resultados escolares (Ramos e Diogo, 2003). Aqui, sobressai o papel do diretor como gestor escolar numa articulação com os outros profissionais escolares, nomeadamente com os professores na participação da gestão flexível do currículo. Mas qual é o papel do diretor escolar?

Cabe ao diretor escolar a função de gestão na organização da escola, bem como a função de líder, tendo um papel fundamental na resposta à diversidade operacionalizada na praxis inclusiva. Nesta análise há a realçar a importância do diretor como líder formal, na medida em que cabe a ele a função de articular, promover e cultivar a visão contida nos significados e propósitos das práticas de diferenciação curricular inclusivas, comunicando-a à comunidade docente numa articulação de decisões partilhadas, flexíveis e democráticas (González, 2008).

Entretanto, para “que a liderança funcione, líderes e seguidores necessitam estar ligados por um entendimento consensual que sirva de mediador a este padrão de influência recíproca” (Sergiovanni, 2003, p.125), desta forma o director escolar assume a função de orientador ao motivar a participação dos professores na partilha de poderes, de decisões, de objetivos e de responsabilidades, consequentemente, trata-se de uma responsabilidade assumida por toda a comunidade escolar (González, 2008).

LIDERANÇA EDUCATIVA SUSTENTÁVEL E LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL – IMPLICAÇÕES NA (RE)CONSTRUÇÃO DA ESCOLA

Ambas as abordagens aqui explanadas sobre a liderança educativa são irrefutavelmente determinantes no repensar da escola, alicerces fundamentais na (re)construção da organização escolar, de um novo paradigma de escola, de um outro olhar para o futuro, perspetivando uma outra escola – uma boa escola.

Se por um lado, a liderança educativa sustentável defende a aprendizagem profunda para todos os alunos, o que significa a sua sustentabilidade e perpetuação a partir do contexto da sociedade contemporânea encravada numa globalização crescente, cujos desafios denota uma resposta assente em valores democráticos e equitativos, num caminhar sem retorno para uma escola efetivamente inclusiva, única possível, no entrecruzar da diversidade humana com a igualdade de oportunidades, uma escola que efetive os valores humanos e visualize o futuro coadunado com um presente defensor da justiça social. A preocupação centralizadora deste modelo passa pela formação de novos líderes, de forma a perpetuar os princípios e as estratégias estruturantes em torno da missão da escola que objectiva a melhoria da qualidade educativa para todos os alunos (Hargreaves e Fink, 2007).

Por outro lado, a liderança democrática de cariz transformacional, defende uma liderança compartilhada com os membros da comunidade educativa, em que cada um é um líder, porém, considera o diretor escolar como líder formal que promove as decisões partilhadas entre todos os atores educativos no desenvolvimento da missão da escola. Defende, ainda, a escola como organização que aprende, alicerçada em valores democráticos e na cultura da colaboração, em que os professores têm um papel fundamental na reestruturação da organização da escola e na qualidade das aprendizagens (Bolívar, 2003 e Sergiovanni, 2003).

O PAPEL DAS LIDERANÇAS E DAS POLÍTICAS EDUCATIVAS NO ESPAÇO EUROPEU: PROSPECTIVAS NA GESTÃO DE BOAS ESCOLAS

As lideranças aqui analisadas complementam-se no seu todo, na resposta aos desafios da escola do século XXI numa dinâmica amplamente democrática e sustentável, operacionalizando a unionização das políticas educativas no espaço europeu, focalizando os processos de liderança inerentes à construção de boas escolas, nos diferentes níveis da dimensão escolar e do sistema educativo, que se traduz numa educação de qualidade para todos.

Neste sentido,

Os executivos/directores das escolas desempenham um papel vital na sua gestão e liderança. Há, na Europa, uma variedade de modelos de gestão escolar. Alguns sistemas dão grande importância aos «líderes escolares» (ou equipas de líderes), capazes de imprimir ritmo e rumo à mudança, facilitar a transparência da comunicação, estimular o pensamento e a inovação criativos, motivar pessoal e alunos, conduzindo-os a elevados níveis de desempenho, e acabando por exemplificar o espírito da aprendizagem ao longo da vida, noutros sistemas, o papel de líder escolar não existe. (Comissão das Comunidades Europeias, 2007)

As lideranças configuram-se, assim, eixos estruturantes e dinamizadores das políticas no espaço europeu, em que as concepções e os modelos de educação se centralizam em decisores europeus que veiculam projetos que imprimem à igualdade de oportunidades e à democratização, a sua linha de ação, objetivando um crescente nível da alfabetização de todas as crianças; a redução do abandono escolar; um aumento do número dos alunos que completem os estudos e o sucesso educativo de todos (ibidem), num encaminhar para a aprendizagem ao longo da vida – marcos anunciados no âmbito da Estratégia de Lisboa, concretizáveis mediante uma abordagem sistémica das lideranças: em nível meso, sistema educativo; passando ao nível macro, escola, e efectivando-se em nível micro, sala de aula.

Neste contexto, observa-se o desenvolvimento de lideranças assentes nos princípios de cooperação e de descentralização de competências, o que implica uma liderança partilhada por professores com qualidades de liderança, tendo subjacente a concretização dos desafios da escola para o século XXI, em que a eficiência e a equidade dos sistemas de educação conduzem impreterivelmente ao bem-estar dos indivíduos, logo, a uma sociedade mais justa e solidária, equitativa e defensora do bem-estar social (Comissão das Comunidades Europeias, 2008).

O sentido das políticas educativas no espaço europeu e das lideranças que lhes são intrínsecas perpassam a construção de boas escolas, marcadas pela procura de uma identidade comum assente em princípios democráticos, promotora da escola para todos.

Mas um longo caminho se advinha, que passa por vencer desafios e dilemas para que os jovens de hoje possam enfrentar com sucesso a sociedade do conhecimento emersa na globalização da contemporaneidade. Se o enorme desafio é o direito de aprender, ogrande dilema encontra-se nas palavras de Barroso “nunca tantos deixaram de acreditar na escola, nunca tantos a desejaram e a procuraram, nunca tantos a criticaram e nunca tantos tiveram tantas dúvidas sobre o sentido da sua mudança” (citado em Teodoro e Torres, 2006, p. 10).

Urge descobrir o grande tesouro que é a educação (Delors, 2005), sentido para a construção de uma boa escola – uma escola inovadora, emancipadora e cidadã, uma escola para todos, onde se celebre a diversidade  humana numa partilha incomensurável de conhecimentos, em que o enfoque das políticas educativas resida na diversidade e na inclusão, princípios propulsores do direito de aprender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A (re)construção da escola como organização democrática, autónoma e participativa, só é concretizável com a gestão de uma liderança sustentável, democrática e de cariz transformacional, comprometida com o bem-estar comum de todos os alunos e com a incomensurabilidade das diferenças, onde o saber viver juntos abarca grande questão da contemporaneidade, ao mesmo tempo que surge reconfigurada nas políticas educativas europeias.

Neste quadro é incontornável a construção de uma agenda globalmente estruturada para a educação (Dale, 2001), como plataforma para articular consensos e instituir práticas na tomada de decisões resultantes de estratégias e de políticas definidas unanimemente por todos os Estados-membros.

Muito provavelmente as boas escolas, nos dias de hoje, constituem uma utopia que urge em se transformar em realidade, perspetivando-se as lideranças como chave mestra da mudança paradigmática na escola, mobilizadoras da inovação inerente a um pensar a escola onde as ideias partilhadas se concretizam numa efetiva gestão de serviços e de recursos, advogando-se o sucesso educativo e a excelência escolar como a meta a atingir.

A este propósito, Nóvoa (1992), refere que:

A coesão e a qualidade de uma escola dependem em larga medida da existência de uma liderança organizacional efectiva e reconhecida, que promova estratégias concertadas de actuação e estimule o empenhamento individual e colectivo na realização dos projectos de trabalho. (p.22)

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1  Giddens define globalização “Como o facto de vivermos cada vez mais num «único mundo» ” (Giddens, 2008, p. 52).

Cujo significado requer olhar a educação como prática da liberdade, ver Paulo Freire (1999).

3 Durante a presidência portuguesa da União Europeia (Março de 2000), “os Chefes de Estado e de Governo reúnem-se em Lisboa, onde definem uma nova estratégia para o desenvolvimento económico e social da UE. A Estratégia de Lisboa apresenta um novo objectivo estratégico: fazer da UE, até 2010, o espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”. Disponível em, http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=1828&p_est_id=5083

4 Programa aprovado em 2002, domínio chave da Estratégia de Lisboa que define três objectivos estratégicos a atingir até 2010: i) aumentar a qualidade e a eficácia dos sistemas de educação e de formação na EU; ii) facilitar o acesso de todos a sistemas de educação e de formação e iii) abrir ao mundo exterior os sistemas de educação e de formação. Disponível  em,http://www.gepe.min-edu.pt/np4/?newsId=255&fileName=PROG_TRAB2010_JOCE.pdf

5 “O MAC representa um novo quadro de cooperação entre os Estados-Membros a favor da convergência das políticas nacionais, com vista à realização de determinados objectivos comuns. No âmbito deste método intergovernamental, os Estados-Membros são avaliados pelos outros Estados-Membros («peer pressure»), competindo à Comissão unicamente uma função de vigilância”. Disponivel em, http://europa.eu/scadplus/glossary/open_method_coordination_pt.htm

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