Número 72 Septiembre-Diciembre / Setembro-Dezembro

Educação infantil. Articulando a produção de desenhos com a educação ambiental em uma escola comunitária do sul do Brasil

Ana Gabriela da Silva Rocha*; Simara Gheno**; Fernanda Carneiro Leão Gonçalves***; Rossano André Dal-Farra****

* Licenciada Ciências Biológicas. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA Canoas/RS, Bolsista CAPES.

** Licenciada Ciências Biológicas. Mestre em Ensino de Ciências pelo PPGECIM/ULBRA de Canoas/RS, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA Canoas/RS. Bolsista CAPES.

*** Licenciada Ciências Biológicas. Mestre em Ensino de Ciências pelo PPGECIM/ULBRA de Canoas/RS, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA Canoas/RS.

**** Licenciado em Ciências Biológicas. Mestre em Zootecnia Melhoramento Genético Animal. Doutor em Educação. Professor adjunto com doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA Canoas/RS.

Resumo. A educação infantil constitui a base do processo educacional, sendo importante para a formação do sujeito, construindo conhecimentos, valores e procedimentos essenciais para interagir com o ambiente em que vivem. Quando realizada de forma a desenvolver a integralidade do ser humano, aborda os distintos saberes que dizem respeito ao estudante em suas mais amplas dimensões. Nesse contexto, a interdisciplinaridade deixa de ser apenas uma estratégia didática e ganha importância na formação social do indivíduo na medida em que o professor adota uma nova postura em relação ao ensino e à aprendizagem. Diante de tais premissas, considera-se que a construção de práticas educativas integrando Educação Ambiental e Artes Visuais possibilita trabalhar amplos domínios do saber, tal como contextualiza o presente estudo abordando as ações realizadas em uma escola comunitária da região metropolitana de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Durante seis meses foram desenvolvidas atividades envolvendo a produção de desenhos e a observação de imagens do ambiente natural pelos alunos. Os dados foram analisados por meio de Métodos Mistos, envolvendo a categorização de elementos presentes nos desenhos sob a ótica qualitativa e a quantificação pela Estatística Descritiva dos desenhos e da avaliação das imagens realizada pelas crianças. O estudo apontou resultados relevantes no sentido de caracterizar o olhar dos alunos a respeito dos espaços abertos, tais como o pátio da escola e as praças, evocando, preponderantemente, lembranças de um espaço de lazer com brinquedos e playground. Assim como demonstrou percepções relevantes das crianças em relação aos efeitos antrópicos na modificação das paisagens e na produção de poluição.

Palavras-chave: educação Infantil; interdisciplinaridade; desenhos; ensino de ciências; educação ambiental.

Educación infantil. Vinculación de la elaboración de dibujos con la educación ambiental en una escuela comunitaria del sur de Brasil

Resumen. La educación infantil constituye la base del proceso educativo; es importante para la formación del individuo puesto que sienta las bases de los conocimientos, valores y procesos fundamentales para que puedan interactuar con su entorno. Cuando este nivel formativo se lleva a cabo con el objetivo de desarrollar la integralidad del ser humano, aborda las distintas disciplinas que afectan al estudiante en su dimensión más amplia. En este contexto, la interdisciplinaridad deja de ser solo una estrategia didáctica y cobra importancia en la formación social del individuo en la medida en que el profesor adopta una nueva postura en relación con la enseñanza y el aprendizaje. Ante estas premisas, se considera que el desarrollo de prácticas educativas que integren la Educación Ambiental y las Artes Visuales permite trabajar sobre ámbitos del conocimiento muy amplios, tal y como se contextualiza en el presente estudio que aborda las acciones llevadas a cabo en una escuela comunitaria de la región metropolitana de Porto Alegre en el estado de Rio Grande do Sul. Durante seis meses, se desarrollaron actividades en las que el alumnado realizaba dibujos y observaban imágenes de la naturaleza. Los datos se analizaron a través de métodos mixtos que incluían la clasificación de los elementos presentes en los dibujos desde el punto de vista cualitativo, mientras que la dimensión cuantitativa se midió a través de métodos de estadística descriptiva de los dibujos y de la evaluación de los dibujos realizados por los niños y las niñas. El estudio arrojó resultados pertinentes relacionados con la caracterización de la concepción que tenía el alumnado de los espacios abiertos, tales como el patio de la escuela y las plazas, resultados que evocaban principalmente recuerdos de un lugar de ocio con juegos y un parque infantil. Asimismo, del estudio se desprenden algunas percepciones significativas de los niños relacionadas con los efectos antrópicos en la modificación de los paisajes y en la generación de contaminación.

Palavras-chave: educación Infantil; interdisciplinaridad; dibujos; enseñanza de ciencias; educación ambiental.

Children’s education. Linking drawing development with environmental education in a community school in southern Brazil

Abstract. The children education constitutes the basis of the educational process, being important for the formation of the subject, building knowledge, values and procedures are essential to interact with the environment in which they live. When performed in a way to develop the integrality of the human being, addresses the distinct knowledge that concern the student in its broader dimensions. In this context, the interdisciplinarity is no longer just a didactic strategy and gains importance in the individual social formation as the teacher adopts a new posture in relation to education and to lifelong learning. In the face of these premises, it is considered that the construction of educational practices by integrating environmental education and Visual Arts allows running large areas of knowledge, as contextualizes the present study addressing the actions performed in a school community in the metropolitan region of Porto Alegre, Rio Grande do Sul. During six months were developed activities involving the production of drawings and the observation of images of the natural environment by students. The data were analyzed by means of mixed methods, involving the categorization of elements present in the drawings under the qualitative perspective and the quantification by descriptive statistics of the drawings and evaluation of images was performed by children. The study pointed out relevant results in order to characterise the gaze of the students in respect of open spaces, such as the school yard and the squares, evoking, predominantly, memories of a leisure area with toys and playground. Well as demonstrated relevant perceptions of children in relation to effects on the modification of the anthropic landscapes and the production of pollution.

Keywords: Child Education. Interdisciplinarity. Drawings. Science Education. Environmental Education.

1. INTRODUÇÃO

Considerando o modo pelo qual crianças vivenciam o seu entorno, e diante da crucial importância da educação infantil, o presente estudo está relacionado a um conjunto de atividades realizadas com estudantes de uma escola comunitária de educação infantil localizada na Região Metropolitana do sul do Brasil, com o objetivo de compreender e ampliar o olhar das crianças sobre o meio em que vivem, especialmente no que tange ao ambiente natural.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Ministério da Educação demonstram que a educação infantil apresentou um crescimento percentual significativo no Brasil nos últimos anos. De números próximos a 50% das crianças de 4 a 5 anos na escola em 1995-1998, passamos em 2012 para mais de 80%. Os números apontam ainda que pouco mais de 2,5 milhões de crianças estavam em creches e 4,7 milhões na pré-escola (Brasil, 2015a, 2015b).

Tais configurações sociais e cenários educacionais demandam o desenvolvimento de práticas educativas no sentido de promover a construção de saberes das crianças no sentido de compreender e conviver de forma harmoniosa com o ambiente em que vivem.

Nossas cidades estão se caracterizando pela veloz urbanização e distanciamento do ambiente natural. Atualmente, a maior parte da população desconhece as espécies de sua região, adotando hábitos cada vez mais destituídos de contato com a natureza e desenvolvendo um campo perceptual caracterizado predominantemente pelo ambiente construído.

Diante destas premissas, o presente estudo apresenta um conjunto de práticas educativas interdisciplinares integrando ciências da natureza e artes visuais. Buscando a ampliação da percepção dos estudantes em relação ao ambiente, foram realizadas atividades envolvendo a produção de desenhos e da construção de um espaço dialógico no qual as crianças verbalizavam a respeito do que haviam desenhado além de avaliarem imagens ambientais apresentadas pelos autores. Desse modo foi possível obter uma melhor compreensão das percepções delas, indicando caminhos a serem trilhados pelos professores para desenvolver saberes coadunados com um olhar do entorno mais amplo e sensível ao ambiente natural e suas configurações.

1.1 Interdisciplinaridade e educação infantil

Minayo (2010) salienta que a interdisciplinaridade constitui uma articulação de várias disciplinas em que o foco está sobre o objeto de estudo, o problema ou o tema complexo e quem define quais são as disciplinas que devem compor a abordagem é o próprio objeto e sua complexidade.

O ensino pautado na interdisciplinaridade propõe uma nova postura do professor em relação ao ensino e à aprendizagem. Na educação infantil, a integração entre as ciências da natureza e as artes visuais proporcionam o desenvolvimento de práticas educativas ampliadoras da percepção das crianças em relação ao ambiente, desenvolvendo um olhar diferenciado sobre a vida, transformando a maneira como a criança observa e age em relação aos distintos saberes que compõem o seu dia a dia (Fazenda, 1999; Rocha et al., 2015).

O trabalho interdisciplinar favorece a articulação de saberes que emergem das vivências dos alunos com o ambiente e com as experiências significativas que eles desenvolvem no cotidiano. Diante da percepção dos docentes em relação ao que chama a atenção dos estudantes, torna-se possível abordar as temáticas relevantes por meio da produção de significados por parte das crianças, sendo o papel do professor identificar os interesses e as necessidades dos discentes e desenvolver práticas educativas significativas (Nicolau, 1997; Proença et al., 2014; Rocha et al., 2015; Veloso e Dal-Farra, 2015).

Fazenda (1999) enfatiza ainda que, mesmo na educação infantil, a interdisciplinaridade não acontece naturalmente, havendo a necessidade da intencionalidade de produzi-la, visando atender aos objetivos propostos. No presente caso, entende-se que a sensibilização dos estudantes em relação ao ambiente natural e o desenvolvimento integrado de conhecimentos, valores e procedimentos tal como na proposição de Clemént (2006) contribui para que a criança se torne protagonista do seu processo educativo.

No que tange à Educação Ambiental, há múltiplas possibilidades, em especial a articulação entre as Artes Visuais e as Ciências da Natureza (Rocha et al., 2015). Loureiro e Dal-Farra (2015) em um estudo com crianças dos anos iniciais do ensino fundamental utilizaram a produção de desenhos e exsicatas no ensino de botânica identificando estratégias eficazes para o desenvolvimento de saberes ambientais nos alunos.

Segundo a legislação brasileira:

Art. 1.o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Art. 2.o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal (BRASIL, 1999).

De forma mais específica, mesmo as crianças possuam uma visão holística do mundo, a totalidade de um processo interdisciplinar não é a globalidade própria do pensamento infantil, mas algo pensado, elaborado, compreendido em suas múltiplas relações e desenvolvido pelo docente articulando os novos conhecimentos ao dia-a-dia dos alunos. Nesse sentido, acredita-se que o senso estético do entorno possa ser utilizado como um caminho para que o educador possa enfrentar o desafio de trabalhar as múltiplas dimensões do ser humano no sentido da ressignificação da percepção do ambiente natural e do ambiente construído pelo ser humano e do seu papel na sociedade como sujeito que reflete, opina, interage e avalia o que ocorre no seu entorno (Rios, 2002; Rocha et al., 2015).

A educação infantil e o Desenho

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, a educação infantil deve promover o desenvolvimento integral do indivíduo em todos os seus aspectos diante da imprescindível participação da família e da sociedade articuladas com a escola e os professores. Para Mendiburu (2000), a educação infantil deve ir além dos cuidados com a criança em quanto os pais trabalham, garantindo o desenvolvimento dos alunos em sua totalidade. É papel da educação infantil promover a ampliação das experiências das crianças, seu interesse pelo ser humano, pelo processo de transformação da natureza e pela convivência em sociedade (Brasil, 1996).

Há distintas formas analisar os desenhos de crianças sobre perspectivas teóricas diferenciadas, entre elas estão os trabalhos de Viktor Lowenfeld, Rhoda Kellogg, and Jean Piaget, contribuindo para o entendimento do desenvolvimento da criança por meio da avaliação dos desenhos (Dinesh & Shrimali, 2012).

Durante o desenvolvimento do indivíduo, o desenho infantil age como elemento mediador de conhecimento e autoconhecimento. A partir do desenho, a criança organiza informações, processa experiências vividas e pensadas, revela seu aprendizado e pode desenvolver um estilo de representação singular do mundo (Goldberg, et al, 2005). O desenho é uma das manifestações semióticas associada à construção e expressão da significação e através dele que a criança constrói sua percepção de mundo (Piaget, 1973).

O desenho infantil apresenta algumas fases, sendo precedido pela garatuja, fase inicial do grafismo. Semelhantemente ao brincar, se caracteriza inicialmente pelo exercício da ação. O desenho passa a ser conceituado como tal a partir do reconhecimento pela criança de um objeto no traçado que realizou. Nessa fase inicial, predomina no desenho a assimilação, isto é o objeto é modificado em função da significação que lhe é atribuída, de forma semelhante ao que ocorre com o brinquedo simbólico. Na continuidade do processo de desenvolvimento, o movimento de acomodação vai prevalecendo, ou seja, vai havendo cada vez mais aproximação ao real e preocupação com a semelhança ao objeto representado, direção que pode ser vista também no jogo de regras (Piaget, 1971; 1973).

O desenho vem sendo adotado como estratégia metodológica para a percepção da representação de emoções e concepções relacionadas ao meio ambiente, tanto de crianças como de pré-adolescente/s, embora a interpretação destes tem múltiplas possibilidades de acordo com a perspectiva teórica adotada (Reigada e Tozoni-Reis, 2004; Rejeski, 1982, Pedrini, 2010). Antonio e Guimarães (2005) argumentam que o desenho infantil é: a) mais que uma simples imagem para a criança, pois é materializado seu inconsciente, registrando na folha de papel, elementos de sua vida cotidiana; b) uma representação simbólica, abrangendo uma relação de identidade com o que simboliza, apresentando uma teia de significações do seu pensamento, tanto objetivo como subjetivo e é contexto-dependente. Desse modo, o desenho é a materialização do inconsciente infantil expressado de modo simbólico.

De acordo com Ferreira (1998) o desenho da criança é o ‘lugar’ do provável, do indeterminado, das significações. Daí emerge a importância de se considerar o primeiro desses intérpretes, a própria criança, para que se possa compreender o seu significado.

Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento do desenho requer duas condições. A primeira é o domínio do ato motor, por isso, para o autor, inicialmente, o desenho é o registro do gesto e logo passa a ser o da imagem. Assim, a criança percebe que pode representar graficamente um objeto. E essa característica é o um indício de que o desenho é precursor da escrita, pois a percepção do objeto, no desenho, corresponde à atribuição de sentido dada pela criança, constituindo-se realidade conceituada. Outra condição fundamental na evolução do desenho é a relação com a fala existente no ato de desenhar.

Num primeiro momento, o objeto representado só é reconhecido após a ação gráfica quando a criança fala o que desenhou identificado pela sua semelhança como objeto. Depois ela passa a antecipar o ato gráfico, verbalizando o que vai fazer, indicando que há um planejamento da ação. Por tanto, para Vygotsky (1989), a linguagem verbal serve como base para a linguagem gráfica. Este fato é essencial na visão do autor porque pode ser percebida a existência de uma relativa abstração da criança que desenha, pois, ao fazê-lo, libera conteúdo da memória. O autor ainda ressalta que o desenho infantil é caracterizado por esquemas verbais que enfatizam apenas aspectos essenciais do objeto.

Segundo Vigotski, cada período da infância se caracteriza por uma estrutura psicológica, um conjunto de relações entre funções psicológicas refletindo a criança com uma pessoa engajada em relações sociais estruturadas com outras pessoas e como uma descrição da relação da criança com seu ambiente (Chaiklin, 2011).

A criança, ao desenhar, passa para o papel toda a imaginação e a relaciona com aquilo que ela já conhece, portanto, o desenho expressa aquilo que a criança pensa e sente sobre tudo que conhece e vivencia constantemente, sempre evidenciando suas preferências e o que mais lhe chama a atenção. Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento do desenho requer duas condições. A primeira é o domínio do ato motor. Nesta fase, as crianças tentam identificar e designar mais do que representar. Em uma segunda fase ocorre a passagem de simples rabiscos meramente mecânicos, para o uso de grafias como sinais que representam ou significam algo. Porém, mesmo que a criança seja capaz de perceber a similaridade de seu desenho com o objeto, ela o encara como um objeto em si mesmo, ao que Vygotsky (1989) atribui a denominação de “símbolo de primeira ordem”. Em etapa subsequente os objetos irão adquirir gradualmente seu significado como signo independente, ou seja, um “símbolo de segunda ordem”.

O desenho, de maneira geral, é tido como precursor da escrita, pois “o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças se dá, conforme já foi descrito, pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras” (Vygotsky, op.cit p.77).

Dessa forma, o desenho pode ser utilizado como ferramenta para a compreensão da percepção ambiental dos indivíduos, especialmente de crianças para as quais o desenho assume um papel relevante em seu universo.

A criança, ao desenhar, passa para o papel toda a imaginação e a relaciona com aquilo que ela já conhece, portanto, o desenho expressa aquilo que a criança pensa e sente sobre tudo que conhece e vivencia constantemente, sempre evidenciando suas preferências e o que mais lhe chama a atenção.

1.3 A percepção ambiental

A palavra “percepção” tem sua origem no latim, recebendo definições nos dicionários da língua portuguesa como: ato ou efeito de perceber; reconhecimento de um objeto; intuição; ideia; representação intelectual; recepção de um estímulo.

De acordo com Hochberg (1973, p. 11), “a percepção é um dos mais antigos temas de especulação e pesquisa no estudo do homem [...] “Estudamos a percepção numa tentativa de explicar nossas observações do mundo que nos rodeia”.

A partir do Século xx, consolida-se o campo de estudos da psicologia ambiental que recebe aportes dos princípios da Gestalt (1920-1930) e com fundamentação na fenomenologia (Carmo, 2000). Na década de 70, os estudos sobre percepção passam a ser explorados por outras áreas do conhecimento como arquitetura, urbanismo e geografia.

Também no início da década de 70 houve a disseminação em nível internacional das pesquisas sobre o tema, com a formação do Grupo Man and Biophere na unesco, que passou a definir percepção ambiental como uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial individual, como a visão ou audição (Whyte, 1977).

O principal objetivo do mab era buscar uma melhor compreensão acerca das interrelações entre o ser humano e o ambiente, suas expectativas, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas como um aspect fundamental para a gestão de lugares e paisagens importantes da Terra (Milagres e Sayago, 2012).

No ano de 1974, o geógrafo sino-americano YI-Fu Tuan publica nos Estados Unidos sua obra “Topofilia”, que recebe tradução para a língua portuguesa em 1980. Esta obra constituiu-se em um importante marco no entendimento da percepção, porquanto seu autor apresenta uma forma alternativa para os estudos do tema. Tuan passa a se opor aos aspectos essencialmente econômicos, racionalistas e aritméticos adotados pela geografia em detrimento de aspectos subjetivos e pessoais. Segundo o autor, a percepção é perpassada pelas pela cultura e pelas relações sociais de cada indivíduo. Desta forma, enfatiza que, os serem dotados de órgãos sensoriais semelhantes, os indivíduos têm noções de mundo diferentes de acordo com sua inserção cultural e suas experiências,

a imagem urbana é uma para o executivo pendular e outra bem diferente para a criança sentada na escada da entrada de um bairro pobre ou para o vagabundo que dispõe de tempo, mas de quase mais nada (Tuan, 1980, p.259).

A importância da pesquisa em percepção ambiental para o planejamento do ambiente foi ressaltada pela unesco em 1973 enfatizando que uma das dificuldades para a proteção dos ambientes naturais está na existência de diferenças nas percepções dos valores e da importância dos mesmos entre os indivíduos de culturas diferentes ou de grupos socioeconômicos que desempenham funções distintas no plano social.

Estudos de percepção do ambiente têm sido realizados com diferentes populações, seja com crianças (Pedrini et al., 2010; Bastos, 2011) ou adultos (Lucena, 2010; FIORI, 2006) com vistas à obtenção subsídios para planejamento de práticas educativas em Educação Ambiental (Pedrini et al., 2010; Aires e Bastos, 2011; Fiori, 2006). Outros estudos buscam elementos para a formulação e gestão de políticas públicas de áreas de preservação (Lucena, 2010; Martínez, 2015) ou até mesmo de áreas consideradas de risco para a ocupação humana (Abreu, 2015; Bogner et al., 2000).

Em relação à abordagem metodológica, os estudos na área de percepção apresentam desde enfoques quantitavos (Bogner et al., 2000) a qualitavos, com utilização de questionários semi-estruturados (Martínez, 2015) ou desenhos, especialmente com crianças (Pedrini et al., 2010; Bastos, 2011).

O conceito de Percepção Ambiental utilizado neste estudo é o mesmo instituído pelo Programa mab/unesco. Acredita-se que o presente estudo possa contribuir com o planejamento de práticas educativas voltadas ao público da educação infantil, que se constitui em base do processo educacional.

2. METODOLOGIA

O trabalho foi realizado em uma escola comunitária da Região Metropolitana de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul. Localizada em uma área urbana, o estabelecimento possui turmas de alunos com idades entre quatro e cinco anos totalizando 16 crianças com frequência, de uma turma de 25 alunos matriculados.

Participaram diretamente alunos de quatro e cinco anos de idade, realizando atividades de Educação Ambiental centradas no olhar das crianças sobre o ambiente em que vivem.

O processo foi acompanhado por docentes e pesquisadores ao longo de seis meses articulado com as demais atividades realizadas com os estudantes.

As seguintes etapas foram componentes do processo:

1. Três desenhos do pátio da escola: dois no momento em que estavam na sala de aula e um desenhado in loco, a partir de suas observações, no pátio da escola;

2. Dois desenhos de uma praça próxima a escola, um pré-visita, e outro pós-visita. A área na qual os estudantes visitaram possui aproximadamente um hectare. É arborizada, possui ambientes de lazer e esportes, um amplo gramado, árvores e canteiros, caracterizado pelo frequente fluxo de adultos e crianças.

3. Desenhos livres, a partir da percepção dos alunos, sobre as temáticas: Mar, Mata e Deserto;

4. Avaliação de imagens da natureza pelos estudantes indicando se “aprovavam” ou “não aprovavam”.

Embora as conclusões presentes neste estudo correspondem à totalidade das atividades, este artigo analisa com mais profundidade apenas os itens 2) e 4). O trabalho em campo foi previamente organizado com a escola, e teve o acompanhamento da professora titular da turma e autorizações assinadas pelos pais dos alunos para leva-los ao local.

A coleta de dados foi realizada da seguinte forma: a) primeiramente foi realizada uma saída a campo, onde foi visitada a praça em frente à escola, sendo produzidos pelos alunos desenhos representativos do local, antes e depois desta visita analisados e procurando identificar seus significados bem como a presença e ausência de elementos do ambiente natural e construído por eles observados, a análise dos desenhos foi realizada com base nos relatos dos alunos a respeito do que haviam representado. b) em outro encontro com a turma, foram levadas imagens relacionadas à natureza para que as crianças realizassem uma avaliação.

A adoção de desenhos para identificar a percepção ambiental prévia a uma atividade em educação ambiental tem sido adotada em um elevado número de estudos (Martinho e Talamoni, 2007; Reigada e Tozoni-Reis, 2004). Além disto, conforme Vygotsky (1989), o desenho possui diferentes fases de acordo com o desenvolvimento de cada criança. Assim, mesmo crianças de uma mesma idade podem apresentar desenhos das mais diferentes formas, exigindo do pesquisador especial atenção e conhecimento do público estudado. Independente da metodologia a ser adotada, em toda ação de educação ambiental devem ser identificadas, previamente, as concepções dos sujeitos a serem abordados, visando um adequado planejamento das atividades pedagógicas adotadas (Azevedo, 1989; Reigota, 2007).

Após o término da criação dos desenhos, os pesquisadores dialogaram com as crianças a fim de identificar o que elas perceberam e observaram na praça com base no princípio de “observar, ouvir e perguntar” focada na percepção ambiental (Whyte, 1977).

Os desenhos foram categorizados a partir da Análise de Conteúdo buscando evidenciar as regularidades encontradas nas produções dos estudantes. Após a conversa com os alunos, a fim de identificar as intenções de seus desenhos, os elementos por eles representados foram tabulados e organizados em gráficos para facilitar a análise dos resultados encontrados. (Bauer e Gaskell, 2008).

Na segunda fase da coleta de dados, foram apresentadas para os alunos 11 imagens relacionadas ao ambiente, algumas destas figuras apresentavam situações de degradação ambiental. Os alunos receberam placas com expressões de aprovação (uma imagem de um dedo polegar verde apontado para cima) e desaprovação (dedo polegar vermelho apontado para baixo) que deveriam ser utilizadas para avaliar as imagens apresentadas. Ao longo das atividades, foram feitos registros das falas e dos discursos das crianças no momento e após avaliarem as imagens.

Os dados foram quantificados atribuindo uma nota equivalente a 1 (um) quando as imagens eram aprovadas, e 0 (zero) quando não aprovadas. Foi obtida então uma pontuação média para cada imagem representada em percentuais de 0 a 100% utilizando as ferramentas da Estatística Descritiva.

A perspectiva teórica adotada como princípio de pesquisa no presente estudo está centrada na “grounded theory” ou Teoria fundamentada em dados envolve uma estratégia de pesquisa na qual os processos teóricos são construídos a partir daquilo que os dados apresentam. Embora haja distintos desenvolvimentos de pesquisas do espectro da “grounded Theory”, no presente estudo o objetivo está centrado nos elementos que aparecem (ou não) nos desenhos visando compreender melhor o olhar das crianças sobre o ambiente do seu entorno (Glaser & Strauss, 1967; Charmaz, 2007). Diante do conjunto de dados qualitativos e quantitativos buscando compreender a percepção dos alunos sobre o entorno em que vivem e sobre imagens de diferentes cenários de ambiente natural e construído com base na utilização de estratégias qualitativas e quantitativas, caracteriza-se o presente estudo como sendo realizado com Método Misto (Cresswell & Clark, 2011; Cresswell, 2013; Dal-Farra E Lopes, 2013).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 apresenta a descrição dos dados com a categorização inicial dos elementos presentes nos desenhos dos estudantes. O número indica a quantidade de alunos que representou cada elemento. Para melhor observar os dados foram criadas duas categorias que englobam: a) elementos bióticos da natureza como plantas, pessoas e animais; b) elementos abióticos da natureza onde foram incorporados desenhos como sol, nuvem e água.

Figura 1

Número de alunos que representaram cada elemento nos desenhos

9882.jpg

É possível verificar a predominância de brinquedos nos desenhos pré visita, indicando que, ao evocar as suas memórias a respeito da praça em questão, ou de uma outra, as crianças a concebem como um espaço de lazer, de brincadeiras utilizando brinquedos, e, principalmente o playground, já que os componentes deste espaço foram os mais lembrados e desenhados por parte dos alunos, especialmente o gira-gira e o balanço.

Tais dados, possivelmente decorram da atração das crianças pelos objetos assim descritos devido à faixa etária estudada, porém, esse aspecto tem sido recorrente nos estudos realizados com os alunos desta escola (Rocha et al., 2015). Inclusive, ao desenharem o pátio da escola a referida predominância dos brinquedos ocorreu de forma semelhante, o que evidencia a escassa possibilidade de contato com os ambientes naturais, assim como a forte ocupação urbana com construções e edificações se sobrepondo aos espaços naturais nas regiões onde estes alunos vivem.

A crescente urbanização e o desenvolvimento indiscutível de hábitos indoor tem tornado as crianças cada vez mais desacostumadas à presença em ambientes abertos e caracterizados pela arborização.

Asseverando a relevância deste fenômeno Miller (2005) relata estudos demonstrando que as pessoas reconhecem com facilidade os logos de empresas e desconhecem as plantas nativas e aves de sua região evidenciando a existência de uma pronunciada distância entre os seres humanos e o mundo natural, conduzindo as pessoas para uma indiferença coletiva demandando ações geradoras de maior valorização do contexto ecológico por parte da população buscando a conservação da biodiversidade.

Entre os elementos abióticos, predominaram o sol e a areia em ordem inversa de frequência quando comparados os dados de antes e depois da visita, além do céu e das nuvens.

Elementos bióticos, excluindo o ser humano, aparecem representados apenas com a grama e as árvores por um contingente reduzido de estudantes e uma joaninha evocada na memória por uma aluna antes da visita refletindo, mais uma vez, o reduzido contato dos alunos com espaços caracterizados por abundância de animais. Preocupante ainda, é o fato da reduzida presença da arborização no conjunto das percepções de ambiente por parte deles, reflexo do número cada vez menor de árvores em nossas cidades e, mais preocupante ainda, de sua ausência no “imaginário ambiental” dos estudantes quando lembram de uma praça urbana, tornando-as componentes talvez desimportantes na concepção das crianças. Inclusive, nas atividades de recreação, tais como contos e canções infantis, utilizam-se elementos mais diversificados do que nas experiências cotidianas dos estudantes. Foram representados por eles grama (5 alunos), joaninha (1 aluno), mata e árvores (1 aluno).

Com relação aos seres humanos, na pré visita, os estudantes desenharam a professora (2) e os colegas (2), alterando, na pós-visita, para o desenho de outras pessoas que lá estavam (6) em decorrência da presença, no momento da visita, de jovens e adultos na praça.

Os brinquedos apareceram nos desenhos pós visita com menor frequência, talvez em decorrência da presença de muitos aspectos que foram observados com maior atenção pelos estudantes, incluindo tantas outras opções de brincadeiras, sem necessariamente o uso de um objeto específico.

Pode-se notar que no desenho que fizeram anteriormente a ida à praça, o sol foi representado por sete alunos, indicando uma associação entre as atividades ao ar livre e dias ensolarados. Céu, nuvens e areia foram representados por quatro alunos na pré visita, ocorrendo, na pós-visita, um aumento de representações da areia facilitada, provavelmente pela experiência sensorial proporcionada pela atividade, tal como pode ter ocorrido com a grama. O arco-íris foi desenhado por apenas um aluno, embora este fenômeno não estava presente no momento da visita à praça.

Em relatório da unesco a respeito da Educação para o desenvolvimento sustentável, os autores discorrem a respeito da relevância dos primeiros 8 anos de vida na educação do ser humano visando ao sucesso da futura participação efetiva na sociedade, havendo uma ligação direta entre o potencial de desenvolvimento na infância e o potencial da nação para o desenvolvimento sustentável (Unesco, 2014).

No que tange à inserção da Educação Ambiental nas escolas brasileiras, os dados são preocupantes no item “atividade comunitária de manutenção de hortas, pomares e jardins”, cujos índices eram de 27,2%, os maiores no Brasil (Veiga, 2005) na época do levantamento realizado.

Dados de 2012 indicam que 43,1% das creches brasileiras e 23,8% das Pré-escolas possuem parques em suas dependências associados a elevados problemas de infraestrutura a serem saneados (Brasil, 2015a).

Percebe-se que há um distanciamento das crianças em relação ao ambiente natural, tendo em vista a presença reduzida de elementos deste nas representações dos estudantes e mesmo nos próprios locais em que os estudantes convivem. Nesse contexto, a Educação Ambiental ganha um espaço relevante e pode decisivamente contribuir para que os estudantes atuem de forma mais participativa no local em que habitam (Brasil, 1998).

A Tabela 1 apresenta uma síntese das mudanças dos elementos presentes nos desenhos relacionados à praça comparados com as alterações verificadas nos desenhos destes mesmos alunos em relação ao pátio da escola.

Tabela 1

Variação das presenças de cada elemento presente nos desenhos comparando a pré visita com a pós visita

Elemento

Praça

Pátio (Rocha et al., 2015)

Brinquedos

-5

-8

Sol

-2

-7

Areia

3

-3

Céu

-1

-7

Grama

0

-5

Árvores

1

7

Verifica-se que a diminuição ocorrida em relação aos brinquedos presentes nos desenhos de nove alunos antes da visita e quatro alunos após a visita, assim como do sol foi semelhante ao ocorrido quando da realização de atividades relacionadas ao pátio.

É preocupante o fato da urbanização gerar um efeito homogeneizante sobre os habitats, reduzindo drasticamente o número de espécies e construindo um cenário dominado pelos seres humanos e suas construções. E as consequências são cada vez mais drásticas já que as crianças de hoje formam as suas concepções de ambiente e impacto ambiental de acordo com o que observam na infância gerando uma redução, ao longo do tempo, das expectativas em relação ao ambiente e das áreas próximas às moradias urbanas. Na contemporaneidade, o espaço dedicado a atividades “outdoor” tem sido cada vez menor (Miller, 2005; Proença et al., 2014).

3.1 Avaliação de imagens da natureza com e sem presença
de efeitos antrópicos

É preciso reconstruir nosso sentimento de pertencer à natureza, a esse fluxo de vida de que participamos (Sauvé, 2005).

Inspirada no princípio acima, a autora salienta a importância dos estreitos vínculos existentes entre identidade, cultura e natureza, exaltando a relevância do debate junto aos atores da educação, reconhecendo e valorizando a diversidade dos modos de apreender o mundo e de a ele vincular-se (SAUVÉ, 2005).

Nessa perspectiva, a articulação entre as representações de natureza e o amálgama cultural que se traduz no olhar que possuímos sobre o ambiente natural e o construído, indicando caminhos para trabalhar com as crianças no sentido de promover práticas educativas relevantes para o seu desenvolvimento.

Stern et al. (2014) elenca os principais aspectos a serem incluídos em ações de educação ambiental, entre eles, o envolvimento ativo e vivencial dos problemas ambientais e o a realização de atividades centradas na aprendizagem dos estudantes desenvolvendo habilidades e percepções das suas experiências.

No presente estudo, o processo de tomada de decisão por parte dos estudantes avaliando as imagens conduziu a experiência para o protagonismo de cada um ao emitir a sua opinião diante das imagens, gerando expressões tais como:

• “A grama tá bem cortadinha”;

• “O bicho cabeludo queima”;

• “Quem colocou o lixo lá vai ter que tirar!”; “Eu gostei do rio”;

• “Eu gostei das flores”;

• “Não pode por lixo na água porque tem peixes!”.

Esses foram alguns dos relatos dos alunos quando avaliaram as imagens, cujos resultados apresentados como percentuais de aprovação estão representados na Figura 2 (abaixo):

Figura 2

Percentual de aprovação dos alunos em relação às imagens apresentadas

Imagen9109.PNG

Verifica-se que os estudantes apontaram um percentual semelhante de aprovação para imagens que suscitam natureza “sem avarios” realizados pelo ser humano, especialmente a grama, a mata, o rio e, com percentual menor, o mar. Tais ambientes apresentaram valores superiores a cenários como o deserto (53,8%) e a grama alta (46,2%), esta última considerada, culturalmente como “indesejável” pela população como um olhar tipicamente urbano que valoriza o “jardim bem cuidado”, ou seja, um critério de limpeza de ambientes naturais. Ou seja, ao contrário da consideração anterior a respeito do ambiente, a vegetação considerada urbanamente excessiva, não é valorizada como um indicador da vida que nela encerra, da possibilidade de desenvolvimento da fauna de insetos e demais seres que podem crescer naquele ambiente.

Há uma concepção de que estes ambientes são “sujos”, ou, como popularmente se diz “junta bichos” que, no olhar urbano pouco afeito à concepção de uma integralidade do ambiente natural como contexto rico em biodiversidade, especialmente nos últimos anos em que a disseminação de focos de insetos vetores ou transmissores de doenças tem gerado a publicização de informações alarmantes em relação aos perigos à saúde humana.

É possível demonstrar com os resultados algo comumente observado pela docente/pesquisadora quando do convívio com os estudantes, ou seja, a adoção de uma repulsa por insetos tais como as larvas, denominadas, no presente caso, como “bicho cabeludo”, em virtude da presença de cerdas que podem liberar substâncias urticantes (Cardoso, 2005; Correa et al., 2004).

Estudos com diferentes perspectivas tem demonstrado que muitas espécies de insetos e aracnídeos ocupam um papel de vilão na população em geral, indicando que, especialmente alguns deles, são tidos como indesejáveis, nojentos e até perigosos (Franklin, 1999, Lopes et al., 2014).

Davey (2002) aborda esse aspecto em relação às aranhas e a aversão a animais referidos tradicionalmente como nojentos, como as lesmas, os vermes e as larvas, sendo algo peculiar às culturas de origem europeia, em que repugnância, contaminação e doenças se encontram associados a esses seres. No entanto, em algumas regiões da África, do Caribe, Índia, China e para os aborígenes australianos, tais animais não apresentam uma relevante associação com o medo de doenças, servindo, inclusive, de alimento. Laurent (2002), analisando a cultura japonesa, encontrou resultados interessantes a respeito dos significados culturais dos insetos, numa vasta área denominada de etnozoologia, através do estudo da categoria “mushi”, representada pelas larvas, insetos e outros animais relacionados a ouvir os seus sons, admirá-los e ingerir algumas espécies.

Os insetos compõem a dieta das pessoas em muitos lugares do globo, incluindo formigas, larvas de diferentes insetos e grilos (HARRIS, 1999, p. 195); entretanto, há uma rejeição em muitas culturas ocidentais a incluir insetos como alimentos. Segundo o autor, os ocidentais não os comem porque eles são “sujos” ou “repugnantes”. O que ocorre é o contrário. Eles são sujos e repugnantes porque não os comemos (idem, p. 192).

Por tais razões, as questões culturais engendram elementos cruciais em relação à educação ambiental, indicando possíveis caminhos a serem trilhados em relação às estratégias a serem empregadas na educação.

Em que pese a necessidade de demonstrar às crianças que, de fato uma parcela dos seres pode gerar problemas de saúde, é relevante circunscrever esses eventos a um conjunto restrito de hábitos humanos e o papel que os insetos ocupam em nossas vidas tem fortes traços deixados pelas narrativas que os associam à propagação de doenças. O Brasil apresenta em sua história inúmeros episódios que retratam o combate às endemias e epidemias transmitidas por eles.

Independentemente dos resultados, as atividades demonstraram a relevância de incluir atividades nas quais os estudantes realizam avaliação do material, especialmente quando podem expressar livremente as razões para as suas escolhas.

Ressalta-se que a indicação precisa da origem das representações empregadas por eles foge ao escopo do presente estudo assim como se constitui em aspecto de difícil constatação precisa.

Ou seja, mesmo com o acompanhamento das turmas ao longo do período letivo, nos é difícil reconhecer com acuidade se a aversão de um número elevado de estudantes ao “bicho cabeludo” se origina dos pais, da escola, ou mesmo da mídia neste momento em que nos encontramos imersos em imagens e representações de diferentes origens.

No entanto, este e outros tantos aspectos que permeiam a vida de nossos estudantes podem ser perscrutados no momento de realizar atividades de construção de desenhos na educação ambiental e no qual conhecimento, valores e procedimentos podem ser articulados para o desenvolvimento de saberes relevantes para as crianças e para a continuidade de suas construções ao longo de suas vidas escolares.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No atual cenário de desenvolvimento em que vivemos, é notável a redução do contato humano com os elementos naturais, aspecto que tem se tornado uma problemática a ser discutida, tanto para o ensino de ciências e para a educação ambiental, como para questões de saúde pública.

No presente caso, corroborando com análises já realizadas no contexto escolar em questão, a percepção dos alunos em relação ao ambiente, mesmo em áreas abertas está focada predominantemente nos brinquedos, havendo pouca atenção e reduzido significado por parte das crianças em relação às atividades de lazer em relação ao ambiente natural.

Deste modo, há uma necessidade de desenvolver uma maior proximidade das crianças com o ambiente natural e, necessariamente, ampliar as suas percepções em relação aos elementos bióticos e abióticos que compõem o entorno em que vivem.

Fica evidenciado, com esta pesquisa, a importância do trabalho contínuo com crianças relacionado à Educação Ambiental, pois desde o início da Educação Básica o aluno pode aprender a conviver com o ambiente para que possa conservá-lo, contribuindo para que se torne um cidadão sensível aos desafios ambientais contemporâneos.

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