* Núcleo de Vivências Ecopedagógicas (Proext MEC/SeSu), Brasil.
Resumo. Neste artigo, serão dispostas reflexões sobre causas e efeitos da incorporação de lógicas alternativas de consumo (resumidas na sustentabilidade) percebidas em proposições da educação formal que privilegiam relações históricas de apropriação da natureza. Mesmo realinhadas em perspectivas ameríndias de convivência como o Buen Vivir, a efetiva relação matriz da educação formal na modernidade – material, predatória e individualista – prevalece em formatos, missões institucionais e compromissos de prosperidade. Argumenta-se a tese da emergência possível, pelo redimensionamento da ecopedagogia, de um envolvimento integrado em detrimento dos vícios e discursos associados ao desenvolvimento sustentável, por reconhecer que a educação formal pressupõe um sistema complexo e adaptável, não se processa somente pelas intencionalidades de gestores. A precaução é de que mesmo a reconstrução nas brechas políticas e de ação pedagógica podem incorporar os argumentos científicos de crise ambiental e alimentar a sustentação do modelo de desenvolvimento. É paradigmático atestar a eficácia de outras lógicas efetivamente, não como uma incorporação fetichista, para que encaminhem a integração aos modelos locais de natureza. Para reconhecer essa localidade, propõe-se orientação da aprendizagem às demandas e respostas impressas na construção cultural dos que alcançam o nível superior por políticas recentes de democratização do acesso e que não compartilham dos privilégios epistêmicos de saberes e fazeres da modernidade. Ressignificar currículos e ciências pela experiência dos próprios educandos, portanto. Trata ainda da constituição de uma rede de opções ecopedagógicas decoloniais como prática, amparada pelos saberes de estudantes que reconhecem as estratégias de sua exclusão ou inferiorização, novas ecopedagogias que consigam articular uma ocupação dos espaços de produção do conhecimento.
Palavras-chave: envolvimento integrado; desenvolvimento sustentável; ecopedagogia; colonialidade; educação superior.
Del desarrollo sostenible a la participación integrada. Ecopedagogías como opciones decoloniales
Resumen. En este artículo, se presentarán reflexiones sobre las causas y efectos de la incorporación de lógicas alternativas de consumo (que se resumen en la sostenibilidad) percibidos en proposiciones de la educación formal que hacen hincapié en las relaciones históricas de apropiación de la naturaleza. Incluso realineada con una perspectiva amerindia de convivencia como el Buen Vivir, la relación matriz de la educación formal en los tiempos modernos - material, depredadora e individualista - prevalece en los formatos, las misiones institucionales y los compromisos de prosperidad. Se sostiene la tesis de la posible emergencia, mediante las nuevas dimensiones de la ecopedagogía, de una participación integrada a expensas de vicios y discursos relacionados con el desarrollo sostenible, reconociendo que la educación formal requiere un sistema complejo y adaptativo, no solo las intencionalidades de gestores para su proceso. La precaución es de que incluso la reconstrucción en las brechas políticas y de acción pedagógica pueden incorporar los argumentos científicos de crisis ambiental y apoyar la sustentación del modelo de desarrollo. Es paradigmático atestiguar la eficacia de otras lógicas de manera efectiva, no como una incorporación fetichista, con el fin de que dirijan la integración a los modelos locales de naturaleza. Para reconocer este lugar, se propone orientación de aprendizaje a las demandas y respuestas impresas en la construcción cultural de los que obtienen la educación superior por políticas recientes de democratización del acceso y que no disponen de los privilegios epistémicos de conocimientos y prácticas recientes. Por lo tanto, hay que reformular los planes de estudio y las ciencias por la experiencia de los propios alumnos. También se discute la creación de una red de opciones ecopedagógicas decoloniales como práctica, apoyada por el conocimiento de los estudiantes que reconocen las estrategias de su exclusión o marginación, nuevas ecopedagogías que puedan articular una ocupación de los espacios de producción de conocimiento.
Palabras clave: participación integrada; desarrollo sostenible; ecopedagogía; colonialidad; educación superior
From sustainable development to integrated participation. Ecopedagogies as decolonial options
Abstract. In this article, we will be willing reflections on causes and effects alternatives comsumption logics incorporation (summarized in sustainability), as perceived in Latin American universities that still emphasize historical relations nature of ownership. The thesis is based on the integrated
involvement possible emergence, resizing ecopedagogy, instead the vices and discourses associated to sustainable development, recognizing that formal education presupposes a complex and adaptable system: it is not only the managers intentions. The precaution is that even reconstruction in the political and pedagogical breaches can incorporate the scientific arguments of environmental crisis and feed the sustainability of the development model. It is paradigmatic to attest to the efficacy of other logics effectively, not as a fetishist incorporation, so that they direct integration to local models of nature. In order to recognize this locality, it is proposed to orient the learning to demands and responses printed in the cultural construction of those who reach the higher education by recent policies of access democratization, affirming who do not share the epistemic privileges of knowledge and modernity actions. Therefore, re-assign curricula and sciences to the students’ own experience. It is also about the constitution of a network of decolonial options as practice, supported by the knowledge of students that recognize the strategies of their exclusion or inferiorization, new ecopedagogies that manage to articulate an occupation of the spaces of production of knowledge.
Keywords: integrated envelopment, sustainable development, ecopedagogy, coloniality, higher education.
1. Introdução
Considera-se, sob estas análises, o ambiente da escolarização formal no Brasil e os demais países da América Latina sob três perspectivas, que complementam-se teoricamente até seu produto maiêutico: 01) como confluência das relações globais de poder e da modernidade nos discursos da sustentabilidade; 02) como sistema adaptativo complexo (Holland, 1992, 1995, 2006; Smith & Bedau, 2000) 03) como cenário de ações ecopedagógicas traduzidas como opções decoloniais, locais, e articuladas com uma rede de suporte e solidariedade mais ampla.
Optar por uma retórica da exemplaridade - a prática como objeto, parâmetro e produto - no escopo desta convergência de ações e reflexões assinala um passo necessário às universidades. Ao considerar esse desafio, revisitar-se-á a ecopedagogia (Gadotti, 2001) – propugnação filosófica que preceitua e sintetiza, entre outros elementos ecossistêmicos, o reconhecimento da complexidade empírica e cognitiva dos educandos, bem como de intervenções transdisciplinares e dialógicas dos educadores – como referencial de expectativas transversais de educação, que considerem o ambiente dos educandos e seu envolvimento com as propostas de conhecimento (Magalhães, 2006).
Parte-se, portanto, da resolução de que o ensino formal é ecopedagógico em qualquer cenário, mesmo que os elementos sistêmicos sejam regulados pelo prisma de um dos agentes, que portanto, é um sistema adaptável complexo: não se encerra em suas próprias limitações. A negação do ponto de vista e das gnoses, ciências (Mignolo, 2003) do educando, por e como extensão de suas relações familiares não as torna invisíveis, apenas dificulta – intencionalmente e como parte de uma estrutura histórica – o reconhecimento da razoabilidade e inteligibilidade nos discursos.
Como referência preliminar para orientar os argumentos que se seguirão, importa refletir: em que sentido ampliar o acesso à universidade, sem que seus formatos e referências considerem saberes e modelos epistêmicos locais, é realmente uma colaboração às demandas de convivência planetária? Essa reinvenção parece distante, considerando o predomínio científico da lógica de dominação das demais espécies – a colonialidade da natureza (Escobar, 2005). Cosmovivências que pressupõe a integração, como o PachaKuti, uma circularidade de energias internalizada por povos andinos que alimentam uma relação de respeito e entropatia com a terra (Huarachi, 2011), aparecem como compêndios dispensáveis e menos importantes que a propedêutica da predação.
A busca por diálogos amparados nos paradigmas associados às intencionalidades da própria ecopedagogia, revisitados neste artigo, poderão possibilitar sua conversão em projetos curriculares, ou roteiros de aprendizagem significativa. Para fazê-lo, será tensionado um de seus marcos teóricos e fundantes, o desenvolvimento sustentável. O objetivo é demonstrar como a legítima preocupação com as transformações ambientais antropizadas e suas causas diluiu-se a ponto de não haver crítica efetiva aos hábitos de consumo e enriquecimento. O capitalismo adaptou-se em eufemizar o discurso sem atenuar as ações, a universidade acompanha sua demanda e o ciclo desarmônico permanece. O retorno às observações do contexto de concepção da ecopedagogia demonstrará a necessidade de articulá-las a outros saberes para retomar a efetividade pretendida outrora. E como a educação formal, igualmente dinâmica, pode reestruturar seu formato para alcançar aquilo que elegeu como paradigma.
2. Do desenvolvimento sustentável ao envolvimento integrado
Gadotti, ao articular a ecologia integral à sua vocação pedagógica, assente que a complexidade dos sistemas sociais humanos e não-humanos seria traduzida ao considerar a “sustentabilidade como um princípio reorientador da educação e principalmente dos currículos” (Gadotti, 2000, p. 90). Ao descrevê-la como “uma pedagogia do desenvolvimento sustentável”, sugere que se assuma, em primeira instância, como movimento pedagógico, tutelado pelos Estados e no caminho do trabalho de Organizações Não-Governamentais. A uma pedagogia do desenvolvimento sustentável, as reflexões sobre a impossibilidade de manutenção das lógicas de consumo (“suster”) para reorientação a um equilíbrio dinâmico que permita inclusão estável e integrada dos sistemas humanos. Os vícios associados a ideia de desenvolver - já apontadas no final do século passado (Gadotti, 2001, 2005) - fazem parte obrigatória de muitas ações, políticas e materiais, mas permanecem sob a ótica do necessário à humanidade, em primeiro plano.
Inicialmente, consideremos o reconhecimento e sensibilidade das intenções envolvidas na elaboração da Carta da Terra, promulgada em 29 de junho de 2000 pela UNESCO, com a inclusão participativa de centenas de grupos e milhares de envolvidos na elaboração e anuência. Inegavelmente, seu alinhamento com os princípios ecopedagógicos foram basilares no corpo constitutivo. Trata-se do produto de uma reflexão ética sobre o uso deslocado e fetichista do desenvolvimento sustentável e do antropocentrismo em função de uma homeostase convivente na rede vital. Já é revisitada, pela própria dinâmica da práxis e sofisticação da modernidade, o intuito inicial e designação da ecopedagogia como “pedagogia do desenvolvimento sustentável”. “Existe, por ej., una visión capitalista del desarrollo sustenible que es antiecológica y, por tanto, una ‘trampa’, como sustiene Leonardo Boff. La CT prefere hablar de “modo de vida sostenible”, que en el contexto de la propria Carta es dificilmente manipulable” (Herrería, Luis, & Caveda, 2010, p. 41).
A ecopedagogia não pode ser traduzida como um compêndio, um baço ou amídalas, curriculares, como é descrita genericamente na prática pedagógica brasileira, mas adota-se como uma ‘Pedagógica’ reversa (Dussel, 1980) e global. Concentraremos nossas inferências acerca dos riscos de uma pedagogia da terra localizada gnoseologicamente (localismo globalizado) (Santos, 2007) e como, no contexto da colonialidade, pode ser reapropriada como uma opção decolonial (Mignolo, 2011; Tlostanova & Mignolo, 2009; Walsh, 2009) quando readapta-se em constituir linhas de projeto alternativo global de cidadanização e transformação das estruturas econômicas, sociais e culturais.
De acordo com Herrería et. al. (2010), há um sentido profundo em assumir-se como pedagogia da terra e projeto utópico, quando propõe transformar relações humanas e ambientais hegemônicas. É um movimento social e político (Herrería et al., 2010), não uma pedagogia a mais ou uma educação ambiental com enfoque global, e como tal, deve atentar-se aos espaços e distâncias que constroem as desigualdades e diferenças globais.
Assumiremos, para a experiência dos remates sequentes às informações anteriores, um envolvimento integrado, em detrimento de um “des-envolver” impregnado dessa perspectiva. Trata-se de uma postura política contra a racionalidade proléptica, a antecipação de um futuro em que as imagens de prosperidade ocidental são os únicos futuros possíveis (Santos, 2002; 2007),
O discurso desenvolvimentista tem roupagens renovadas, na medida em que as relações de consumo e produção também são dinâmicas. Recursos históricos associados ao proselitismo e evangelização, a missão “sagrada” de converter inocentes e enfrentar iníquos, seguidos da demanda proléptica pela modernização/desenvolvimento/globalização. A natureza, reconhecida aqui como sistemas ecológicos não-humanos, é incorporada como parte desse metarrelato da modernidade. Neste imaginário, naturaliza-se a ‘inferioridade’ de expressões que não conseguiram alcançar a modernidade e seu progresso (reforçado pela categorização racial). Ainda envoltos nessa lógica, alguns “otimistas” enxergam na própria ação civilizatória sua benevolência e reiteram, até pela empatia por compartilhar sua noção de conforto e bem-estar, a escolha entre a aniquilação ou civilização. As outras formas de ser, de organização da sociedade, de conhecimento, além de tornadas distintas, são transformadas em “carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas” (Escobar, 2005, p. 13).
O processo de conquista semiótica dos cenários culturais estendeu-se sistematicamente ao próprio coração da natureza e da vida. A propalada supremacia da modernidade pressupõe domesticar relações semióticas e sociais que sobraram à própria predação produtiva e, ainda, sob seus códigos legitimatórios. O discurso emergente da biodiversidade - e onipresente do Estado às corporações ‘sustentáveis’ - incorpora essa constatação. Esta é uma das razões pelo qual comunidades em áreas de florestas tropicais no mundo finalmente tem sido “reconhecidos” como proprietários de seus próprios territórios (ou o que sobrou deles), mas só a contento de que aceitam tratá-los (bem como a si próprios) como reservas de capital (Escobar, 1995, p. 203).
A leitura dos entrediscursos de que a preservação de recursos é uma estratégia econômica, uma previdência, oferta tutores provisórios, mas que deverão ceder sua posse quando exigido pela modernização. Exatamente a relação com desterritorialização indígena e ribeirinha na construção de grandes empreendimentos hidrelétricos no Brasil: o descarte dos ‘protetores’ quando conveniente às missivas do capital e de suas forças motrizes. Coronil (1997) aventa que essa incorporação da natureza à análise social implica incluir a própria organização do trabalho. Assim, a divisão internacional do trabalho extrapola o controle dos corpos e assume-se como divisão global da natureza. Esta inter-relação, para o pensador venezuelano, é, simultaneamente, uma possibilidade de rever o próprio capitalismo, ou enfrentar seus efeitos apropriando-se de suas contradições.
A direção vertical do desenvolvimento deste sistema de produção é reavaliada quando os espaços que assumem os estatutos da modernidade fora do eixo industrial, especialmente suas motivações ao endosso desse projeto e as organizações do espaço com essa finalidade. Seja para avaliar o processo de resistências, seja para considerar a participação de grupos nessa cisão, a representação eurocêntrica da dispersão da verdade (norte-sul), o fardo e missão do homem branco, ficam expostos e podem ser desmontados. Em uma abordagem global, “o projeto de paroquialização da modernidade ocidental [...] implica também o reconhecimento da periferia como o lugar da modernidade subalterna”. É preciso ‘desfetichizar’ as taxonomias imperiais que alimentam a relação metrópole-periferia. Desestabilizar a auto-representação da supremacia europeia, em suas bordas, está diretamente associada ao desmonte da “representação da periferia como a encarnação do atraso bárbaro” (Coronil, 1997, p. 74). E as reações a esta quebra traduzem-se na institucionalização de fascismos sociais, dos quais a escola tem sido um eficaz perpetuador.
A exploração dos recursos naturais é além de um processo material, histórico, interconectado e multifatorial, fundamentalmente construída por dimensões imaginárias, no campo das subjetividades. Diegues resgata Godelier (Diegues, 2001) para demonstrar essa diferença no cerne territorial e a distinção do olhar de dois grupos, pigmeus e bantus, sobre a mesma paisagem africana, a floresta. Enquanto para os primeiros, coletores-caçadores, trata-se de um ambiente amigo, para os bantus, agricultores sazonais, é um obstáculo para que possam plantar e amaldiçoado por espíritos maus. Essa mesma relação está na diferença entre as comunidades amazônicas historicamente estabelecidas na florestas e colono do sul do Brasil, que incorpora a visão do colonizador português, que associa a floresta ao mato, onde se morre, e repagina-se como uma imagem com sentido a toda a população que reconhece-se como herdeira de seus fazeres.
Trata-se, voltando à construção paradigmática da ecopedagogia, de uma colonização dos saberes e subjetividades, a impressão de separações ontológicas que advem da separação Deus-Homem, Homem-Natureza até a categorização iluminista e cartesiana do ‘sujeito que conhece’ o ‘universo a ser conhecido’. A modernidade e sua ciência propõe um “descorporização” e “descontextualização” do conhecimento, necessárias à objetividade e universalidade (Lander et al., 2000). Legitima a entrada, a exploração e apropriação. Tornando-se insuficiente, a inevitabilidade de uma crise sistêmica legitima intervenções à revelia dos envolvidos. Um mal necessário para garantir um futuro possível.
3. A crise ambiental e a escolha pela reparação ou integração
No reconhecimento de uma crise ambiental sistêmica, as discussões sobre a disponibilidade e distribuição dos recursos ecológicos ligados ao consumo humano antecedem e orientam quaisquer análises. Leff (2004) é categórico ao afirmar que a conjuntura ambiental, veiculada pelo discurso do desenvolvimento sustentável, associa valores econômicos aos bens comunais. Promove progresso e crescimento econômico em detrimento da negação das condições termodinâmicas e ecológicas de homeostase, um imediatismo indolente legitimado pela incorporação dos custos como irremediáveis à escolha pelo desenvolvimento. É profundo, nesse sentido, porque se instrumentaliza uma operação simbólica, “‘un calculo de significación’ que recodifica al hombre, a la cultura y a la natureza como formas aparentes de una misma esencia: el capital” (Leff, 2004, p. 103).
Cenários apocalípticos são didaticamente eficientes, especialmente quando a constatação das implicações não perpassam o imediatismo das satisfações individuais, como atestam as cosmologias e cosmogonias presentes em tantos padrões culturais no mundo (Castro & Danowsky, 2015). Uma confrontação entre a intrusão de Gaia, e seu implícito localismo globalizado, como se fosse um novo elemento a ser considerado, e a indolência antropocêntrica é amainado com as narrativas sobre as consequências do referido imediatismo. Mesmo em propostas como das economias circulares, que incluem a biomimese e o cradle-to-cradle como estratégia produtiva, que pressupõe o retorno dos resíduos ao inteiro reaproveitamento, ainda tropeçam, da concepção à implementação, aos interesses de manutenção de ganhos e a impossibilidade de avaliações estratégicas em longo prazo, no âmbito do acúmulo material.
Tlostanova & Mignolo (2009) reconhecem e refletem sobre o processo histórico da retórica da modernidade, ou como a lógica da colonialidade é dinâmica e acompanha as mudanças no tecido do tempo. Na medida em mudam as relações de produção e controle da economia, especialmente no sistema Atlântico, mudam-se os discursos fundantes. No século XVI, era hegemônica a retórica salvacionista (conversão ao cristianismo pelo controle das almas); o recrudescimento do mercantilismo no século XVIII tornou necessária a retórica civilizatória (conversão secular, pelo controle dos corpos, a eugenésica); A industrialização, com a divisão internacional do trabalho, focou-se na manutenção deste cenário: a urbanização e a privatização da mão-de-obra, processo que aprofunda-se no Século XX (especialmente após a Segunda Guerra Mundial), com a retórica desenvolvimentista (conversão ao consumo pelo controle dos desejos/bolsos); No Século XX, depois da fragmentação da União Soviética, a retórica desenvolvimentista liberal surge com a proléptica (vendida como inevitável) conversão democrática e mercadológica; A revolução tecnológica e informacional, em curso desde o final do século XX é a ponta da caneta do zeitgeist, o espírito do tempo. Segue com uma virtualização dos corpos e sentidos e, por sua fluidez, com uma tensão no reconhecimento da atualidade. Mudaram os conteúdos mas não os “objetivos da conversação”, permanece a matriz colonial de poder (economia, autoridade, gênero e sexualidade, conhecimento e subjetividade): dispensabilidade da vida humana (acumulação e autoridade precedem a evitabilidade da morte, bem como há eliminação de várias maneira aos que atentam contra a ordem econômica e autoridade) (Mignolo, 2007).
É um processo dinâmico e temporal de racionalização da apropriação ambiental, pela apropriação de outras lógicas e demandas ecológicas como humanas, o que lhe autoriza reconstruir estes processos sob suas próprias necessidades. Ao submeter toda a complexidade relacional de outras espécies aos direitos de propriedade privada e valores de mercado, a mitigação nestas teias de consumo autoregularia a capacidade de sustentação do ambiente (Leff, 2004). Em outras palavras, cristaliza-se a ideia de que a crise ambiental não é efeito da acumulação, mas de que alguns ambientes não foram adequadamente geridos ou manejados pelos humanos. Não se trata de deixar de comprar smartphones, mas de que alguns recursos utilizados em sua composição podem retornar à cadeia competitiva, como se realmente funcionassem com nossas temporalidades.
Se a crise ambiental é produto “de la negación de las bases naturales en las que se sostiene el proceso económico, entonces la sustentabilidad ecológica aparece como condición de la sostenibilidad temporal del proceso económico” (Leff, 2004, p. 103). Leff afirma que o discurso do desenvolvimento sustentável tem afirmado ser possível fomentar o crescimento econômico pelos mecanismos de mercado, sem oferecer, entretanto, justificação plausível para incorporar as condições ecológicas e sociais deste processo através da capitalização da natureza.
O avanço por ‘fronteiras agrícolas’, no Brasil, como no caso da ocupação do cerrado para implantação de monoculturas, notadamente de grãos, é proposição do próprio Estado, como tem se desenhado no Programa Matopiba. Trata-se de um acrônimo para os estados da Federação envolvidos (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) para a expansão em 70 milhões de hectares da última fronteira agrícola do mundo, de acordo com o Ministério da Agricultura, pela uso de tecnologias de alta produtividade. Ao justificar a demanda pelo incremento da produtividade e desenvolvimento regional, focam no aumento de contrapartidas tributárias e a coordenação de investimentos públicos e privados (Nolasco, 2016) sem levar em conta a desigualdade nestes espaços, como se os mais de 330 municípios envolvidos tivessem condição de devolver em forma de bens e serviços (se é que o farão) a destruição das relações imaginárias e topofílicas/produtivas com a terra, por seus moradores e pelas delicadas relações ecológicas ali construídas. O discurso da inevitabilidade entranha-se no Estado e na academia local, ou de que é mais realista mitigar e gerenciar o avanço que a tomada de ações restritivas ou protetivas. Ganha o país com a arrecadação de grãos, a plutocracia com seus endossos: perde qualquer manifestação alijada dos espaços decisórios privilegiados. Na prática, a participação popular restringe-se a debates ininteligíveis e verticais, sem que haja preocupação com a tradução da linguagem, o reconhecimento de suas angústias e a emancipação social (Santos, 2004).
A universidade, mesmo imersa na reprodução da racionalidade proléptica e indolente (Santos, 2002) de apropriação dos ambientes, tem confrontado as dificuldades de aplicação das teorias liberais-econômicas sobre os reais impactos de diferentes tipos de exploração dos recursos naturais. Por serem excluídos desses paradigmas de produtividade e acumulação, as comunidades residentes em áreas rurais e periféricas, com uma estrutura mais familiar, resistem às lógicas mercantis, com a manutenção ou adaptação de práticas milenares de uso da terra e dos bens comuns (Ostrom, 1999). Os recursos de uso comum, ou bens comuns, são sistemas naturais ou não, cuja exploração conspícua pode comprometer a disponibilidade e acesso de outros e são extremamente onerosos se excluem os beneficiários regulares. Significa que os interesses de exploração de bens, como a água, impactam e, simultaneamente, afastam das decisões políticas as associações e mobilizações. Este tensionamento de Ostrom enfrentou diretamente o dogma de Hardyn, que nos anos 60 justificou a “tragédia dos comuns”, ou como deveria haver intervenções para que ambientes não tocados pela infalibilidade da ciência e da modernidade não sucumbam à inata ganância humana e a inevitável exploração predatória e conspícua destas áreas. Reflete em absoluto o discurso da intervenção como missão civilizatória e, em alguns contextos, a pedagogia da sustentabilidade. Esta, muitas vezes, é levada a cabo por grandes corporações, que aproveitam-se das resilientes relações imaginárias, idílicas, para legitimar seus ganhos (insustentáveis, se estendidos a outros agentes produtivos na lógica capitalista de consumo).
Uma das soluções apontadas, como unidades de conservação, reiteram o mito da preservação tutelada por escolhidos, logo, da retórica da modernidade. Antônio Carlos Diegues (2001) descreve essa superposição de ciências como neomitos da conservação, estrategicamente desenhadas para desalocar saberes locais, desprezados porque ameaçam o dogmatismo absoluto das ciências cartesianas. “O saber moderno se arvora não só em juiz de todo o conhecimento, mas até da proteção de uma natureza “intacta”, portadora de uma biodiversidade sobre a qual a ação humana teria efeitos devastadores”. Em todas as áreas naturais protegidas, de acordo com Diegues, a pesquisa científica é a única autorizada e o etnoconhecimento é excluído e marginalizado. Esse demanda reconhecer o protagonismo das comunidades tradicionais, do saber, de técnicas patrimoniais e, principalmente, de uma relação simbiótica entre os agentes ecológicos humanos e não humanos, tão exercitados e aprimorados por estas.
Mesmo visualizando a disparidade nos acessos, Diegues (2001) reconhece que a criação de unidades de conservação contribuiu para proteger moradores contra a especulação imobiliária nas suas órbitas e a tomada de suas terras. Ostrom propõe uma opção ao fato de que muitas comunidades, inegavelmente dotadas de conhecimento empírico e teórico, os modelos locais, sobre o ambiente e recursos comuns, tem dificuldades em se organizar para racionalizar seu uso. Exatamente porque existem fatos exógenos, associados à reptialiana entrada da lógica de prosperidade moderna e acumulação nessas comunidades e à violenta pressão pela sua posse. O Estado precisaria regular esse uso e sua proposição do modelo é verificado na ausência de instituições governamentais (Ostrom, 1999). Sua construção teórica está alinhada, ademais, às ações e associações do Estado e da Academia, que sopesam o consumo como política pública e a adesão à educação formal como únicos caminhos.
A apropriação do bem comum e justificá-lo como necessário ao interesse da maioria é uma estratégia que emerge da própria narrativa judaico-cristã e se atualiza, portanto. Segue do período colonial de catequese, no século XVI, até os tempos de maior fluidez de informações em que vivemos com eficácia. O direito à propriedade da natureza, dado por Deus nessa cosmogonia, é estruturalmente diferenciado das relações de algumas comunidades indígenas e quilombolas brasileiras. E alimenta-se das retóricas da sustentabilidade, na medida em que incluem-se no arcabouço de saberes que promovem a adesão aos privilegiados epistêmicos.
O produtivismo capitalista, intrinsecamente ligado à ideia de desenvolver, acumular e acelerar temporalidades ecológicas - a quinta ausência ocidental – explicaria como espaços com relativa abundância de água superficial, como São Paulo, passa pela escassez e problemas na redistribuição. O ímpeto de consumo é superior ao planejamento, porém, garante-se prioritariamente a água como insumo industrial, em detrimento do abastecimento ao público. O direito fundamental e vital, que está implícito, submete-se ao pilar financeiro-econômico da megalópole.
É fundamental, ademais, que o próprio Estado afaste-se ou localize a influência da reprodução dos estatutos da modernidade e encontre congruências éticas e estéticas com sua representação. A promulgação do Estado Plurinacional Boliviano, alardeado como uma reorganização que garanta o diálogo intercultural é emblemático nessa análise, assim como a presença do “Bem Viver” na reforma constitucional do Equador.
A incorporação em 2008 na constituição equatoriana foi justificada pelos legados indiciais, icônicos e comportamentais que acompanham o bem viver como constrastante com o viver melhor (ou american way of life). Buscou promover uma integração, ademais, em detrimento da predação e corrida pela prosperidade acumulativa da colonialidade. A expressão “sumak kawsay” – traduzida no espanhol como “buen vivir” e alinhada, no próprio corpo da constituição do Equador como Desenvolvimento Sustentável – é proveniente do kiwchua, e conflui com referência a conteúdos similares em línguas como a aymara. É apropriada do legado conceitual e vital dos povos andinos originários uma relação de conforto pelo biocentrismo em detrimento do olhar antropocêntrico e patrimonialista sobre a terra. Expressa-se como uma espécie de “ética cosmológica” ou “ética ecológica andina” que propugna uma relação harmoniosa e aproximada, sem a relação de propriedade e autoridade do cristianismo ou o afastamento categórico da modernidade.
Assim como o Buen Vivir, apesar de enfrentar germinalmente a lógica antropocêntrica, aproxima-se do espaço político e debate sobre os fins do sistema produtivo para alcançar a visibilidade e ação representativa que permita garantir a integração que foi aprendida pelos povos andinos. As críticas à predominância de uma interculturalidade funcional - diálogo sem questionamento às causas da desigualdade (Walsh, 2010) - dessa cosmovivência, incorporada como fetiche e atrelada à sustentabilidade, agravam-se ainda com as autonomias locais (Cusicanqui, 2015). A intelectual aymara Silvia Cusicanqui atesta que no Peru, Bolívia e Equador prevalece um multiculturalismo oficial, teórico, despolitizado, cômodo, racializado e exótico, que tem permitido criar estratégias de neutralização contra os que lutam por processos descolonizadores mais radicais (Cusicanqui, 2010).
Deve incluir a horizontalidade na inclusão de outros valores à acumulação material, como o conhecimento, o reconhecimento social e cultural, os códigos de conduta, éticos e espirituais com a sociedade e natureza, os valores humanos, a visão de futuro, entre outros (Acosta, 2010). Implicaria uma tensão ainda mais aprofundada da concepção de Estado (Radcliffe, 2010), mesmo o Plurinacional, ao sensibilizar a abertura e tensionar a ocupação dos saberes locais e garantir equidade nos processos decisórios, a que Walsh denomina interculturalidade crítica, como trânsito necessário no enfrentamento à colonialidade, o efetivo diálogo interepistemológico. Pedreira & Goltara (2016) descrevem, ainda, como um redimensionamento ontológico do próprio privilégio epistêmico, um esvaziamento de sentido do colonialismo interno e sua retórica da carência:
A atitude relacional permite às epistemologias alternativas uma projeção discursiva em que o lugar “outro” se descole da representação como objeto e possa emergir para sua realidade epistêmica diversa e complexa. Esse trânsito envolve a destituição da retórica da carência, isto é, o fim da operação que nos leva a julgar o mundo não ocidental colonizado pela insuficiência e o mundo ocidental pela completude, pois é dessa relação que a hegemonia do poder de representação eurocêntrico se vale. Uma epistemologia alternativa ou decolonial se faz com a recusa da definição do “outro” pela falta e de uma ligação ilusória com os países centrais, o que determina, por outro lado, o fim da modernidade como índice dessa completude para construir um “nosso” mundo despido de fobias pela localidade (Pedreira & Goltara, 2016: 177).
Deveras, não se trata de descartar o uso do buen vivir pelas dificuldades e apropriações, antes, garantir que sua constituição interepistêmica seja bussolar no processo. Trata-se de um abalo intencional na colonialidade do poder, porque o sumak kawsay tem reciprocidade, logo, legitimidade e tem, no corpo da citação constitucional, fomentado movimentações representativas, como a eleição de lideranças locais e comprometidas com essa localidade, em detrimento das imagens de poder e subalternidades impressas nos caudilhos europeizados. No Brasil, ainda há muito em ser feito nesse sentido da ocupação de estratos minoritários e poderosos materialmente em todas as instâncias do Estado.
A retórica discursiva de Ostrom e Leff, por mais que avancem no sentido de reconhecer as perdas e aventar às possibilidades de integração, desenha-se no bojo da inclusão do projeto de modernidade ou em seu tensionamento. No caso da produção de energia hidrelétrica, dada como prática sustentável, ignoram os impactos sobre os povos que dependem daquela organização das paisagens, em que está efetivamente integrado. O regime de pesca é alterado, por exemplo, para não tratar dos impactos do enchimento de reservatórios sob as pessoas que reconhecem as águas como parte da constituição de seu modelo local de natureza (Escobar, 2005) que amalgama-se com o legado histórico, cultural e epistêmico para reconhecer processos e desenhar tecnologias. No caso da mineração, a tragicidade dos eventos ocorridos com o rompimento da barragem de resíduos em Mariana, no estado brasileiro de Minas Gerais em 2015, e todo a negociação do Estado com os impactados não podem ser mensurados em quantias, porque suas memórias e pertencimentos estão associados a uma perda que sequer foi e é cogitada.
Significa que, mesmo com intencionalidades e rumos amadurecidos, não é possível acreditar que os donos dos espaços de poder, que se mantém nas mesmas mãos desde o advento da colonização, na América Latina, permanecerão impassíveis. Pela mídia, pelo Estado, nas comunidades, haverá reações logicizadas que cooptam e mimetizam - pelo medo, fundamentalmente – respostas que protelam ou inviabilizam a continuidade de uma representação efetivamente plural e comprometida em continuar como opção decolonial às desigualdades. São os fascismos sociais, contratuais e territoriais, alimentados pela eficácia das ferramentas da geopolítica do conhecimento. A escola e a televisão, destacamos.
Os fascismos sociais (“regime de relações de poder extremamente desiguais, que concedem à parte mais forte poder de veto sobre a vida e o modo de vida da parte mais fraca”, (Santos, 2007, p. 80) e suas configurações nos cenários globais interferem diretamente na compreensão dos fenômenos de internalização da modernidade. O fascismo do apartheid social, que segrega em zonas selvagens e civilizadas o espaço urbano, com a constante tensão de uma guerra civil e provável invasão às edênicas e muradas cidades ou condomínios é uma metáfora das relações globais. Assim como o fascismo contratual, em que a parte vulnerabilizada pela pressão do contratante precisa ser conivente, pela falta de opções.
Para o tônus desse debate, o fascismo territorial é muito relevante para as estratégias de alimentação do sistema-mundo e suas relações de poder. Quando atores sociais com forte capital patrimonial tomam do Estado, neutralizam ou subjugam o controle do território, regulam a vida dos seus habitantes ignorando-os ou à revelia de seus interesses (Santos, 2007). É o cenário que prevalece nas terras brasileiras, outrora de propriedade do Estado, que foram privatizadas e usurpadas com um aparato legal que acoberta as violências no conflito com históricos proprietários. Trabalhadores rurais que envolveram e integraram-se com os ritmos e processos locais, com um dinâmico diálogo epistemológico com povos indígenas, por exemplo, cedem à violência do Estado e seus papeis, que, quando visíveis, descredenciam as relações e acordos históricos com a terra.
O ambiente natural é neste ínterim, patrimonializado, submetido às lógicas de apropriação do Estado e, no caso brasileiro, de suas fragilidades na representação política. Uma clara divisão entre os que possuem as informações e acessos necessários às cidadelas (imaginárias ou físicas) e aqueles que não dispõe dessa decodificação.
Para Mignolo (2007), a diferença colonial, que nega potencial epistêmico aos ‘bárbaros e primitivos’, tem separado e categorizado, por mais de cinco séculos, pessoas em todo o planeta. Das paredes entre latinos, negros e a população de origem europeia nos Estados Unidos, às blitz sistêmicas e violentas contra imigrantes da Europa Oriental, Oriente Médio e África nos países ocidentais da União Europeia, incluindo a Inglaterra, que, por endossar esse sentimento, retirou-se do bloco em 2016. Esse fenômeno inicia-se como uma diferença estabelecida na ordem do saber imperial, classificação do mundo e das gentes. Segue como uma classificação realizada a partir de um lugar privilegiado de poder, em que os classificados são impossibilitados de opinar. E o movimento de reação, aprimorado durante a própria aplicação das estratégias de silenciamento, tomam o poder da palavra, que, de acordo com Cusicanqui (2010) - não designam, somente encobrem os sentidos no colonialismo. Uma ação reativa, a decolonização do conhecimento e do ser como alternativa, de desprendimento, de ‘aprender a desaprender’ e ‘aprender a ser’, que Mignolo resgata dos princípios do Projeto da Universidade Amawtay Wasi, no Equador.
O exemplo de como uma universidade que se redimensiona para a emancipação social (Santos, 2007), notadamente dispersor das diferenças e garantidor do privilégio epistêmico, é representativo. Demonstra que, apesar de suas características constitutivas, pode ser, pelas cartografias sensoriais daqueles que a compõe, um espaço de enfrentamento à lógica de dominação na estável geopolítica do conhecimento (Mignolo, 2011). Ao compreender as intencionalidades da ecopedagogia e do buen vivir - apartando anacronismos - revisitando-os para que insiram-se de forma realista nos espaços de igualmente intencional atomização ou banalidade, produto da sua incorporação seletiva e fetichista (Cusicanqui, 2010) das universidades e Estados (com rótulos como sustentável ou políticas de desenvolvimento), é inegavel o acoplamento estrutural (Maturana & Varela, 1995) com as vivências resilientes dos estudantes, a pedagogia decolonial em si.
O primeiro aspecto é reconhecer as instituições formais de ensino como tubos de ensaio com colônias e alimentações distintas e dinâmicas, o que impede sua reprodução massiva. O cerne da desigualdade converte-se na produção de alternativas originais e localmente articuladas aos desejos e afinidades de cada grupo. Trata-se, portanto, de reconhecê-las como um sistema adaptativo complexo. E enxerga-lo como caminho de abalo nas macro-estruturas: aprofundar as rupturas pelas micro-fissuras. Buscar nos estudantes as relações diatópicas com seu passado e convivência, que não cabem nas definições ocidentais, como por exemplo, em como o sagrado, espiritual, orienta as lógicas de relação com outros seres e limitam a predação autorizada pela colonialidade.
4. A educação formal como sistema adaptativo complexo
Holland (1995, 2006), ao integrar compreensões sobre os fluxos de entradas e saídas em sistemas ecológicos e propor sua modelagem, bem como em reconhecer sua sistêmica e complexa rede de reorganização e autocriação (Maturana & Varela, 1995), assume seu inerente caráter aprendente. Transitar a complexidade percebida em modelagens artificiais e vivas para sistemas humanos permite aproximar a busca pela solução de problemas. Qualquer sistema complexo, envolve um grande número de partes, num caleidoscópico arranho de interações simultâneas. Para Holland, “they all seem to share three characteristics: evolution, aggregate behavior, and anticipation” (1995, p. 20).
A estabilidade ou homeostase somente pode ser aferida ao conceber um sistema fechado (restringindo estatística, temporalmente ou limitando, como exercício teórico, o efeito do fluxo de ingressos e produtos num sistema). No ambiente de educação formal reconhecido como sistema adaptativo complexo, as partes são infinitesimais elementos evolutivos. Uma criança incorporará as informações de modo a que, a cada dado interagido, não retorne mais ao ponto de armazenagem de informações anteriores. É a flecha do tempo aludida por Prigogine (1996).
Ainda o comportamento agregado, quer dizer, o fluxo de trocas simbólicas na interatividade, associado à antecipação, à emergência de propriedades que alterem o próprio ambiente e a realidade. A própria crítica de Bourdieu ao determinismo de sua formação educacional binária, privilegiando e buscando modelos e bases comuns, limita-se na crença de que o sistema escolar é o “único capaz de consagrá-los e constituí-los, pelo exercício, como hábitos de pensamentos comuns a toda uma geração” (Bourdieu, 2007, p. 208; Thiry-Cherques, 2006). Descreve que cada época e respectiva aprendizagem escolar do sujeito tatua uma constelação particular de esquemas dominantes e um número de perfis epistemológicos devidamente internalizada. Porém, a própria definição da culturas como a articulação de topoi, como esquemas de invenção e improvisação (p. 209) além dos aparentes lugares-comuns (doxa), contribui para a regulagem das lentes, no nível das atuações, para os universos particulares e infinitos ao redor dos agentes, como cantou a brasileira Marisa Monte nos álbuns de 2006.
Ao transpor o princípio das incertezas e da imprevisibilidade (Prigogine, 1996) para um sistema complexo humano, com interações que não podem ser controladas, reconhece-se que o determinismo em um produto finalista e completamente aplicável em outros contextos e alimentações é inviável. Antecipamos, destarte, a marcação de resultados hermeticamente desenhados, desejados e imposto como possíveis em currículos padronizados, com essa mesma falibilidade. Pode ser um ponto de partida, desde que devidamente articuladas com as afinidades e intenções dos envolvidos.
Considerando os seres vivos, todos eles, como observadores, ou seja, que constituem ontologicamente a realidade na internalidade de complexos neuronais, não se pode elaborar um plano de alimentação do que é visto sem considerar as próprias vicissitudes e únicas interações do ser. A negação do observador (Maturana & Varela, 1995) como holograma de outras temporalidades e contextos, portanto, de legados, é um indicativo das ausências e emergências (Santos, 2004) que devem ser consideradas para compor o processo educativo. A compreensão do sujeito e os espaços sociais em que é visível, no caso, como o aluno é invisível – ou visível pela conveniência da adesão às propostas de reprodução – na educação formal é importante nessa etapa.
Refletir sobre as ausências implica reconhecer a lógica da classificação social, ou da desclassificação dos agentes, prioritariamente, e depois de sua experiência social. É a ecologia do reconhecimento (Santos & Menezes, 2009). O projeto de visibilidade é mais profundo que meramente ser visto pela metrópole. Trata-se do reconhecimento de vínculos identitários locais, de aproximar a referência ao espaço imediatamente tocado e reconhecido. Deslocar um continente, a escala analítica e a projeção planetária aos quintais, com o desafio de não alimentar mais relações patológicas de dominação ou vender saberes locais como globais (Mignolo, 2003).
Ademais, alinhamo-nos com as inferências de Demo (2009), que reflete sobre esse caráter na aprendizagem (e sugere pluralizá-la, ‘aprendizagens’, para atestar a multiplicidade de variáveis envolvidas no processo) e o aspecto político-cultural do conflito formativo entre os elaboradores e disseminadores do modelo curricular e de abordagens com o conhecimento na educação formal e o próprio ethos dos educandos.
Façamos um exercício de aproveitamente das reflexões sobre o letramento infantil, que assinala também uma transição de plataformas orais de conhecimento para escritas. A precariedade do processo básico de formação escolar na América Latina, traduzida na dificuldade em leitura e interpretação de textos e perceptível nos adultos ingressantes nas universidades, indica uma característica que deve fomentar uma estratégia de ação, não uma limitação.
Ao tratar da complexidade do processo de aquisição da codificação e trocas semióticas, as alfabetizações, Demo lista quatro aspectos a partir dos diálogos com outros cientistas da educação, que podem apresentar caminhos para a relação com os educandos adultos no ensino superior: 01) a alfabetização/aquisição de ferramentas interpretativas também ocorre fora da educação formal; 02) o acesso a ambientes virtuais em casa ou outros lugares possibilita autonomia e auto-referência, em geral com mais efetividade; 03) as crianças são nativas e os adultos, ‘imigrantes’, em relação à plataformas e olhares, como o computador e sua demanda por múltiplas leituras simultâneas. Muitos temem explorar os softwares, porque cresceram com o reforço de que podem quebrá-los e isso deve ser considerado: muitos adultos somente reproduzirão instruções de operacionalização. 04) a aprendizagem é situada: a criança/educando simula suas próprias relações com o mundo concreto e cria/recria espaços de afinidades (Gee, 2004).
A insegurança dos educadores com esse abismo perceptivo traduz-se com violências e negações, o que alimenta a segregação de espaços e momentos de aprendizagem que, fundidos, tornariam significativos, internalizados e originais os produtos. O isolamento nas próprias experiências do educando, que são limitadas ao que pode ver e sentir, podem ser potencializadas como atos de reconhecimento de outras lógicas. Ao mesmo tempo, a queda de braços entre as sensações de um mangá, animação, jogos e um contador de estórias é injusta, porque confronta a cognição ontologicamente plural e interveniente dos ouvintes com um diálogo verticalizado. Integrar a habilidade griot e suas eficientes estratégias de reforço, como a musicalidade, com a velocidade esperada e referências instigantes à sua curiosidade, com o uso de ferramentas de tecnologia, pode ser uma solução para esta integração. Por exemplo, solicitar previamente que informações como a localização e temporalidade, imagens, vídeos (editados, inclusive) que antecipe uma narrativa e “costure” as investigações incita a atenção como ouvintes. Caso siga uma proposta de ação grupal, são apresentadas bases de consulta, expertises recém-descobertos entre os próprios colegas e, por consequência, um rizomático processo de criação e invenção cultural, interconectado.
O colonialismo interno (Cusicanqui, 2010) ou a colonialidade do ser e subjetividades também acompanham habitus geradores de reação. Enquanto reforça-se que a educação ocidental é libertadora, há discursos subliminares de que ela não é completamente acessível a ao seu grupo (“as pessoas de outros bairros e outras escolas tem muito mais chance de futuro”) ou explícitos: quando os professores desgastados reiteram o fracasso de suas intenções messiânicas. A culpa recai em vítimas, que, por sua vez, procurarão respostas de inserção e reconhecimento em outros espaços de aprendizagens, a rua, suas regras de sobrevivência e tensionamentos sobre o Estado.
Esse repertório de influências que interfere e transforma o capital simbólico com uma velocidade distinta na era da virtualidade precisa ser considerada no processo de elaboração propedêutica. O acesso a dados e opiniões sistematizadas e o elástico debate em redes sociais não é nativo à geração adulta de agora, mas é inerente às crianças, mesmo àquelas que não têm acesso direto à internet. Alimentam estoques de disposição de disposição que podem ser ativadas com gatilhos durante a vida. Os educandos, como agentes, optarão pelas informações de acordo com as exigências ou demandas de sua vida. São sujeitos plurais. E esta é a resposta para a revista das ecopedagogias como opções decoloniais.
5. Opções decoloniais a partir de vivências ecopedagógicas ressignificadas
O debate entre as fronteiras e sentidos da unidade prática e teoria nas experimentações da educação formal “demanda a compreensão, também, da unidade entre a teoria e a prática social que se dá numa sociedade” (Freire, 2001, p. 17). Com as constatações de Paulo Freire, traduzidas na Pedagogia da Terra de Gadotti e Gutierrez, por uma pedagogia decolonial, perspectivista, emancipatória e engajada - envolvente, ademais, integrada e simbolicamente - a tese desenhada acerca-se da experiência dos criadores imediatos (os que interferem como observadores) que a prática oferta, para que supere os desafios diagnosticados.
Dialogar com as temporalidades, propor ação como opção decolonial, a re-existência e que insurge contra o monólogo está inserido no chamado às pedagogias decoloniais. Emerge de uma concepção muito referendada cientificamente como caminho epistemológico da fazer educativo. Walsh e Candau (Candau, 2010) associam as vozes que denunciam os efeitos da colonialidade a uma reconstrução do espaço de trocas de saberes. E compartilham a constatação de que é um fenômeno cultural dinâmico e adaptativo, quase uma reedição da Caverna de Platão - com a ironia da apropriação filosófica - em nível continental. Vivificadas onde o viver se manifesta, das emparedadas e engaioladas, às rodas embaixo das árvores mais interconectadas. Como propôs Gadotti (2001), assumir um movimento social na Ecopedagogia, que, compreende os pontos históricos de dispersão para que reconheçamos sua amplitude e possíveis “remédios”.
Portanto, é o rizoma das quais derivar-se-ão as análises e pesquisas sobre a construção de estratégias decoloniais, quando alinhadas às realidades e pertencimentos regionais, com reconhecimento efetivo em suas lógicas de representação social e identitária: pedagogias que são possíveis pela emergência de tentativas e fazeres, agenciamentos e projetos que percebem a profundidade dos enfrentamentos, que se enlace(m) com os projetos e perspectivas de interculturalidade crítica e decolonialidade. Que consideram os antecedentes crítico-políticos e se alimentam da resistência da luta decolonial; que transgridam, desloquem e incidam “na negação ontológica, epistêmica e cosmogônico-espiritual que foi – e é – estratégia, fim e resultado do poder da colonialidade” (Walsh, 2009, p. 27).
As opções decoloniais são constrangimentos estruturais e habitus, tributárias de suas condições de produção, e portanto, signatárias das dores e distinções de sua própria existência e subalternidade nas relações globais de dominação. Ousamos aqui que a decolonialidade é produto do espaço político e suas supressões, mas manifesta-se na potencialidade das ações individuais, que, alinhadas no reconhecimento de outras complexidades, podem fundar uma semiosfera auto-regulatória. Trata-se de um espaço em que os discursos e compreensões podem transitar com a vigilância para que não se tornem impositivos, mas que não percam o direito de reatividade. A vigilância epistemológica (Bordieu, 1990, p. 14) fundida ao senso de emancipação social (Santos, 2007).
A constituição deste universo de significados (os contextos simbólicos ou semiosferas) consistem de constelações de topoi fortalecidos. Para Santos, os topoi são lugares comuns retóricos amplamente estendidos de uma determinada cultura, autoevidentes, e, apesar disso não são objetos de debate. Eles somente se vulnerabilizam quando representados em outras 80 perspectivas, outros lugares e contextos. E a possibilidade de compreender os outros topoi é muito dificultada – tema das discussões epistemológicas e gnoseológicas do fazer antropológico – mas não impossível, desde que mediada pela mencionada hermenêutica diatópica, que se baseiam na ideia de que os topoi de uma determinada cultura, independentemente de sua estabilidade, são incompletas por definição, demandam a complementariedade de outras percepções. Partindo desse axioma de recíproca incompletude, força-lo ao máximo, com a transposição dos lugares, dos diátopos (Santos, 2010).
Dos diálogos horizontais aos diátopos afetivamente consentidos, uma nova circularidade do poder é editada. Migrá-la para o ambiente educacional depende da ruptura estabilidade da própria colonialidade, portanto, à apresentação ou resgate de outras compreensões. Compreender quem é o indivíduo que emerge dessa influência, como assinalou Fanon. Não há como pensar na autonomia freiriana sem enfrentar a opressão do sistema de organização e hierarquia nas escolas, assim como em exercitar visualizar os topoi que mantém crianças nessa condição. Implica tensionar as temporalidades, os destinos preditos e previsíveis, insuflar a re-existência epistêmica e envolvente com a comunidade (Walsh, 2013; Cabaluz Ducassse, 2015).
Os educandos não internalizam a aprendizagem e envolvem-se com as percepções dos livros didáticos e currículos porque são notadamente distantes de suas realidades. Muitos pensadores da educação associam esse abismo ao fracasso escolar e principalmente, à fragilidade no aproveitamento dos saberes. Os enfrentamentos a essa constatação são complexos, mas passam, invariavelmente pela reordenação do sistema curricular e das lógicas de poder, especialmente as discursivas, nas salas de aula. Os objetivos maiores precisam ser claros para que ajam como bússola em desequilíbrios, o que pressupõe e exige conhecê-los. É necessário que tornem-se criadores imediatos (Silva Carvalho, Parente & Ramos Júnior, 2016) de suas realidades, conectados às fluidez das temporalidades da vida boa, o espaço das relações fora das regras modernas. Em língua portuguesa, ter uma vida boa ultrapassa a tradução e representa a construção de outro tempo e relações, definidas pelas necessidades, comunidade e outras relações ecológicas. É o que dirão os que vivem nas comunidades rurais, com marcas tão indeléveis de suas ancestralidades e reterritorialidades, da África aos indígenas.
É esse processo ‘ontomimético’, onde opiniões acrescem uma legitimidade através de inserções e contradições regulares e bem-vindas, que possibilitará um desenvolvimento da gestão do ensino compartilhada e colaborativa. Acreditar na aposta, assumí-la como coletiva e solidarizar-se com os riscos são as bases de qualquer reforma: “Basta uma pequena maioria, ou até uma ampla e extensa, para puxar o sistema (...) Importa coletivizar a incerteza, reconhecer o limite de toda a programação de mudança e convidar envolvidos (...) a participarem da regulação do processo (Perrenoud, 1999, p. 85, grifo de substituição da ideia original de “pessoas de boa-fé” e comungantes do “progresso da escola”, pelos argumentos do próprio artigo).
Concretamente, é basilar a garantia de que esse parir de cidadanias extrapole muros e seja guiado por sua cognição. Podem caminhar com sentido, como interlocutores, intérpretes e produtos, uma vez que aquele ambiente possui significância e êxito real, em longo prazo. Está condicionado à abertura às críticas, ao potencial retificatório da curiosidade sobre suas próprias práticas e dos outros (Freire, 2000).
Estamos na encruzilhada entre os riscos do espontaneismo, da crítica à aprendizagem autopoiética e o pragmatismo de compartilhar ferramentas que possibilitem o direito epistêmico de existência de outros saberes e manifestações. Porém, para quem vive as fronteiras, o entre-caminho antes de parecer anômalo, é familiar. Estar preparado para conceber a imprevisibilidade, com o desenho de alternativas aos cenários emergentes, é uma habilidade necessária à sobrevivência. Portanto, as epistemologias do sul (Santos & Meneses, 2010), ou gnoses da resiliência, tem respostas para si próprias. A ecologia de saberes deve ser assumida como organização das epistemologias do sul pelo protagonismo de suas cosmovisões e ciência, numa estrutura que flexibiliza as re-existências (Walsh, 2010) e considera o privilégio epistêmico e sucesso de indicadores um dos fatores a ser considerado, não a obsessiva e excludente meta.
Aprender a conviver, fundido com o aprender a ser, abrem caminhos para uma educação realmente libertária. No contexto citadino e objeto sociológico, essa inclusão não pode ser desconsiderada, e deve encaminhar-se a um aprofundamento. A multiplicidade de pareceres não é só temporal e espacial, como se costuma aplicar ao desnudar sistemas políticos, mas reage em si própria, por suas contradições internas, e acumula a dinâmica da inerente diversidade cultural. Davi Kopenawa Yanomami traduz a integração, a ecologia política da natureza que precisa subverter e indisciplinar a educação ambiental, um chamado primo das ecopedagogias na educação formal (Magalhães, 2006). Não pode ser apartada de todo o corpo de sentidos dos educandos e educadores, precisa converter-se num espaço para reconhecimento das cosmovivências. Trata-se de apresentar uma outra ética de relação com o mundo ecológico: pensar como parte dele não como seu proprietário.
“Nós descobrimos estas terras! Possuímos os livros e, por isso, somos importantes!”, dizem os brancos. Mas são apenas palavras de mentira. Eles não fizeram mais que tomar as terras das gentes da floresta para se pôr a devastá-Ias. Todas as terras foram criadas em uma única vez, as dos brancos e as nossas, ao mesmo tempo que o céu. Tudo isso existe desde os primeiros tempos, quando Omama nos fez existir. É por isso que não creio nessas palavras de descobrir a terra do Brasil. Ela não estava vazia! Creio que os brancos querem sempre se apoderar de nossa terra, é por isso que repetem essas palavras. São também as dos garimpeiros a propósito de nossa floresta: “Os Yanomami não habitavam aqui, eles vêm de outro lugar! Esta terra estava vazia, queremos trabalhar nela!”. Mas eu, sou filho dos antigos Yanomami, habito a floresta onde viviam os meus desde que nasci e eu não digo a todos os brancos que a descobri! Ela sempre esteve ali, antes de mim. Eu não digo: “Eu descobri esta terra porque meus olhos caíram sobre ela, portanto a possuo!”. Ela existe desde sempre, antes de mim. Eu não digo: “Eu descobri o céu!”. Também não clamo: “Eu descobri os peixes, eu descobri a caça!”. Eles sempre estiveram lá, desde os primeiros tempos. Digo simplesmente que também os como, isso é tudo (Yanomami & Albert, 1998).
Os impedimentos para reconhecer epistemologias da alteridade na educação formal não podem inviabilizar o encaminhamento a gnoses liminares, com o próprio pensamento liminar dos educandos como referencial e protagonista. Para Mignolo (2003), trata-se de resposta direta à diferença colonial, que se traduz como uma gnoseologia liminar com outras linguagens, que vivem e dinamizam-se, mas que foram e são subalternizadas no processo colonizatório/educacional. As significações de episteme ligam-se às línguas dos Estados Nacionais e seus códigos são excludentes, desde o absolutismo da norma culta ao silenciamento de outros sentidos.
Provocar o olhar para compreender essas teias simbólicas, que nos são arteriais, compõe nossa história e filtros, ademais o envolvimento e, sobretudo, integrado com a compreensão respeitosa da complexidade de outras espécies. É, portanto um trabalho de reapresentação, não de inovação. Usar a própria formação para que espontaneamente a lógica predatória que aparece mascarada na sustentabilidade, nos discursos e financiadores dos projetos de manutenção do privilégio epistêmico da universidade ou óbvia em nos nossos viveres dialeticamente derretam. Envolver e integrar: desintegrar para reintegrar...
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