Organización de Estados Iberoamericanos Para la Educación, la Ciencia y la Cultura |
Revista Iberoamericana de Educación Número 5 Calidad de la Educación |
(*) Candido Alberto da Costa Gomes, professor das Faculdades Integradas da Católica de Brasília e assessor para assuntos de educação do Senado Federal de Brasil. |
O Brasil, país de dimensões continentais e agudas disparidades entre suas regiões, apresenta diferentes mecanismos de arrecadação e transferências de impostos, incluindo critérios redistributivos. O estudo presente focalizou as transferências intergovernamentais no campo da educação, visando a identificar os critérios de tais transferências do Ministério da Educação aos Estados e Municípios, no ensino de 1º grau e analisar os processos decisórios e tais critérios à luz dos conceitos de eficiência e eqüidade. Para isso foram selecionados dois Estados, dois Municípios médios e dois Municípios pequenos, de diferentes situações sócio-econômicas. O trabalho conclui que falta racionalidade técnica à elaboração e execução dos orçamentos e que os escassos recursos seriam melhor aproveitados se o processo de tranferências fosse simplificado.
As recomendações apontam para a adoção de padrões mínimos de oportunidades educacionais, capazes de asssegurar, na fase inicial, os insumos básicos para o funcionamento das escolas.
Constitui uma difícil questão conciliar a igualdade de oportunidades, as disparidades regionais, a descentralização administrativa e a necessidade de incentivos para os governos subnacionais aplicarem em educação. Diversas alternativas -todas, é claro, com limitações- têm sido aplicadas em diversos países, buscando compensar as diferenças, sobretudo quando a educação é financiada com impostos locais. Assim por exemplo, na República da Coréia e, em parte, na Zâmbia o governo central faz transferências de recursos aos governos locais com base na diferença entre os gastos locais e um nível padrão estimado, levando em conta o esforço tributário recomendado. Nos Estados Unidos da América são definidos níveis mínimos de despesa por aluno, que os Estados cobrem quando cidades e condados não conseguem atingi-los. No Reino Unido o governo central se propõe a complementar os recursos locais com base nos custos da oferta de cada serviço, atendidos determinados critérios (cf. Gomes e Amaral Sobrinho, 1992),
O Brasil, com um território de dimensões continentais, apresenta grandes disparidades, com o produto concentrado no Sudeste. Basta referir que o produto interno bruto per capita do Estado mais rico é igual a oito vezes o do Estado mais pobre. A educação acompanha tais contrastes, variando o custo aluno/ano no ensino público de 1º grau de 26,40 a 228,50 dólares.
Para fazer face a este panorama, a Constituição prevê transferências de impostos arrecadados pela União para os Estados e Munícipios e dos Estados para os últimos, incluindo alguns critérios redistributivos. Alem disso, existem transferências negociadas que, com freqüência, dependem de projetos apresentados à União. Assim os Estados e Municípios dispõem de receita própria, transferências constitucionais e, conforme o caso, transferências negociadas.
Nos anos 60 e 70 houve uma centralização da receita em favor da União, tendo como um dos objetivos alegados reduzir as desigualdades regionais. Nos anos 80 e 90 a crise fiscal levou tanto à redução da receita como um todo quanto à sua descentralização em favor dos governos subnacionais. As transferências negociadas diminuiram ainda mais e passaram a ser mais vulneráveis aos critérios político-eleitorais, à medida que o País caminhava para a abertura do regime político.
Na educação uma importante fonte de financiamento, vinculada ao ensino de 1º grau, é o salário-educação, baseado em percentual incidente sobre o total de salários pagos pelas empresas. Um terço dele é retido pela União para distribuir aos Estados e Municípios, em principio para compensar desigualdades regionais. Os critérios, porém, não têm sido claros nem consistentes, deixando de alcançar os seus objetivos. Para outros níveis de ensino existe declinante parcela de recursos do conjunto da receita federal. Num balanço geral, a distribuição de recursos tem favorecido os Estados e Municípios de maior peso político e capacidade econômica.
Tendo em vista estas desigualdades, o presente estudo visou a: 1) identificar os critérios de transferências de recursos aos Estados e Municípios, utilizados pelo Ministério da Educação, no ensino de 1º grau; 2) analisar os processos decisórios e os critérios de alocação de recursos transferidos à luz dos conceitos de eficiência e eqüidade.
Além do levantamento de dados agregados e documentação, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, tendo em vista conhecer a evolução dos critérios, os processos de decisão e as críticas à experiência acumulada. Foram selecionados dois Estados e quatro Municípios para investigação do impacto dessas transferências. Os critérios de seleção, no caso dos Estados, foram o grau de urbanização e industrialização, a importãncia das transferências federais e da receita própria no conjunto da receita orçamentária total, a formação cultural, a situação educacional e, no caso dos Municípios, o tamanho da população e a relativa proximidade geográfica.
Como resultado foram selecionados um Estado nordestino, Alagoas, cuja economia ainda se baseia predominantemente na monocultura açucareira, e Santa Catarina, no Sul, com alta participação relativa da indústria na formação do seu produto, além de ter sua paisagem sócio-cultural marcada pela imigração e a colonização. Quanto aos Municípios, foram selecionados dois de porte médio, Arapiraca, em Alagoas, e Blumenau, em Santa Catarina, que apresentam, principalmente o último, marcante presença da indústria. Por outro lado, dois Municípios de pequeno porte foram alvo do estudo: Penedo, em Alagoas, e Nova Trento, em Santa Catarina. Sua economia é predominantemente primária, devendo-se assinalar que o último teve a sua origem na imigração italiana. A seleção não teve em vista uma amostra representativa, mas fazer um estudo exploratório.
Antes de passar à análise das transferências governamentais, convém fazer uma referência às finanças estaduais em período recente. As despesas do conjunto dos Estados brasileiros apresentaram queda em valores reais na última década, en quanto as receitas tiveram reducão ainda maior, como resultado da crise fiscal. A diminuição da receita ocurreu principalmente na receita tributária própria e nas transferências constitucionais de impostos, porém transferências negociadas da União amorteceram parcialmente a contração de recursos. A despesa em educação caiu ainda mais rápido que os totais da receita e da despesa, tornando-se, como todo o setor social, alvo vulnerável de cortes. O ensino de 2º grau e superior resistiram mais aos cortes orçamentários que o ensino de 1º grau, já que este tem uma clientela mais dispersa, de menor renda e de menor poder vocal. Ficam claras, pois, as influências do poder dos diferentes atores na arena política do orçamento.
Situando em primeiro lugar o Estado de Alagoas, verificamos que, de 1986 a 1990, a receita apresentou um comportamento muito irregular. De 1986 a 1988, registrou uma perda de 17%, recuperando-se a seguir e alcançando, em 1990, em valores reais, uma arrecadação 4% maior que em 1986. Ao contrário do Brasil como um todo, as transferências negociadas da União não amorteceram a perda de receita tributária. Não consta no período observado nenhuma transferência da quota federal do salário-educação. Em 1990, entretanto, as transferências da União revelaram uma alta de 47% em relação ao ano anterior.
Considerando-se a queda real das despesas educacionais, a impossibilidade de expansão dos gastos com pessoal e o crescimento, embora pequeno, ocorrido na matrícula, é de se supor uma forte redução na remuneração do pessoal lotado na Secretaria. Ainda assim, em 1985/89, mesmo com os menores recursos dispendidos, houve um incremento de 10% na matrícula inicial, redução aproximada de 4% na taxa de aprovação e aumento de 5% na de evasão. Aponta-se para o comportamento divergente da despesa, da matrícula e da aprovação, o que permite suspeitar de questôes de gestão. E possível que a alocação de recursos tenha sido dirigida para a expansão do sistema, de modo a absorver pelo menos uma parte do crescente contingente demográfico. Assim, elevaram-se a matrícula e a aprovação, dois indicadores amplamente controlados pela administração. Todavia, cresceu a evasão, embora em ritmo mais lento que a queda da despesa, revelando o fracaso educativo e a exclusão dos alunos pela escola.
O Estado de Santa Catarina, por sua vez, situou-se numa posição mais favorável que Alagoas e os demais Estados brasileiros. No período de 1986/88, a receita total apresentou uma redução de 8%, devido exclusivamente à queda de 30% na arrecadação tributária. No entanto, as transferências negociadas da União tiveram incremento de 20% e o salário-educação teve um acréscimo de 275%.
Não obstante a redução das despesas, ocorreu, no período de 1985/89, um aumento de 10% da matrícula inicial, acompanhado da diminuição aproximada de 11% de taxa de aprovação, e do aumento significativo da evasão, da ordem de 36%. Delineia-se um panorama semelhante ao de Alagoas, apesar das diferenças de nível de desenvolvimento entre os dois Estados, o que sugere outra vez sérios problemas de gestão, particularmente de alocação de recursos. Mais ainda, apesar de Santa Catarina ter recebido muito mais recursos federais para a educação que Alagoas, os resultados não se diferenciaram. Em outros termos, receber ou não receber mais verbas, de acordo com os limitados indicadores educacionais disponíveis, não levou ao maior sucesso educativo. A falta de associação entre o comportamento da despesa e os resultados educacionais, bem como a ausência de diferenças significativas entre os dois Estados, sugere que os critérios de alocação de recursos federais deixam a desejar, talvez sendo erráticos e padecendo da quase total ausência de controle e evaliação, bem como de adequado aproveitamento pelos benefiados. Ressalte-se, no entanto, a limitação de não dispormos de instrumentos mais sensíveis para mensurar o impacto.
Ao traçar o quadro em que se inserem as transferências intergovernamentais, cabe, em primeiro lugar, descrever o proceso de alocação de recursos para o ensino fundamental no âmbito dos Estados.
Como em muitas outras Unidades Federadas, o processo de elaboração orçamentária nos Estados é deflagrado pelo órgão central de planejamento e orçamento, que estabelece tetos para as diversas pastas. A Secretaria de Educação realiza reuniões internas para elaboração da sua proposta orçamentária. Subtraídas as verbas de pessoal, é muito pequeno o montante a ser rateado na competição que se estabelece.
No processo interno de rateio, tanto em Alagoas quanto em Santa Catarina, o ensino fundamental regular consegue o maior quinhão, enquanto o ensino supletivo, a educação pré-escolar e o ensino médio permanecem como «primos pobres». O ensino médio difícilmente consegue algo além do trivial se não estiver associado ao ensino fundamental. Além disso, pequena parcela é dedicada ao ensino superior. No ano de 1990, por exemplo, Santa Catarina solicitou Cr$ 850 milhões, num total de 13 projetos. Só foi aprovado um, relativo ao desenvolvimento do ensino fundamental, no valor de Cr$ 250 milhões. No entanto, aprovado este projeto em novembro, os recursos correspondentes só chegaram em fevereiro de 1991. Alagoas, por sua vez, recebeu seus recursos nos últimos dias do ano seguinte. Em qualquer dos casos, a reprogramação é demorada. A indefinição e o atraso dos desembolsos conduz a sérios desperdícios e inconveniências, como apresentar cinco projetos para terminar a mesma construção escolar ou devolver a verba pela impossibilidade legal de utilizá-la. Para agravar este quadro, os desembolsos tendem a se concentrar no segundo semestre, sobretudo no fim deste último, conduzindo a uma desvalorização dos recursos em face da inflação.
Em face deste panorama, os entrevistados destacaram a necessidade de fixação de critérios claros para a distribuição de recursos, sobretudo da quota federal de salário-educação. Além disso, as sugestões tiveram como tônicas a simplificação burocrática e a transparência: 1) informar às Secretarias Estaduais de Educação sobre as prioridades efetivas da política educacional do Governo Federal; 2) retornar à sistemática de os Estados candidatarem programas anuais de trabalho (se possível, plurianuais), em vez de projetos isolados; 3) ratear os recursos da quota federal do salário-educação segundo fórmula simples e pública; 4) aperfeiçoar os sistemas de acompanhamento e controle de recursos, com agilização das Delegacias do Ministério da Educação, de modo a diminuir a burocracia e aumentar a fiscalização.
No que tange às relações entre os Estados e os Municípios, cumpre ressaltar que as transferências financeiras eram nulas em Alagoas e de pequena monta em Santa Catarina. O maior contato em Alagoas se fazia através da merenda.
Em Santa Catarina, na década de 60, a rede municipal abrigava maior número de alunos que a rede estadual. Foi então colocada em prática uma política de estadualização. No final da década, quando uma reforma centralizou as receitas tributárias, o Estado se viu a braços com um grande contingente de alunos matriculados. Desse modo, o caminho para manter o ensino foi o rebaixamento dos salários do pessoal, aliado ao sucateamento progressivo dos prédios e do material escolar. Nos últimos 15 anos as reformas, ampliações e construções escolares têm dependido exclusivamente do salário-educação, que se tornou, como em muitos Estados, o alívio para as despesas de capital. Em face desta situação, Santa Catarina colocou em prática, nos últimos anos, uma política de municipalização do ensino rural, cujos resultados ainda não foram avaliados.
Do mesmo modo que na secção sobre os Estados, cumpre traçar primeiro as principais linhas do quadro financeiro dos municípios. Ao considerarmos o conjunto dos Municípios brasileiros, verificamos que houve também, nos últimos anos, uma redução da receita e da despesa. A queda da primeira foi parcialmente compensada pelas transferências negociadas e pelas receitas de capital em geral. Como nos Estados, a diminuição das despesas educacionais foi mais rápida que a despesa total. No entanto, o ensino de 1º grau foi mais resistente aos cortes, ao passo que o ensino superior e de 2º grau, nesta ordem, sofreram maiores perdas de verbas.
Como foi antes observado, dois Municípios, com importante rede escolar própria, foram selecionados nos dois Estados. Arapiraca, no Nordeste, tem uma Secretaria de Educação, Cultura e Desporto, cujo orçamento é elaborado pela Secretaria de Planejamento, sem a sua participação. As principais discussões se fazem entre as pastas do Planejamento e de Obras. Esta última retém os recursos para construção escolar e sofre também os respectivos cortes orçamentários quando estes existem. A manutenção dos prédios escolares também fica a cargo da Secretaria de Obras que, quando tem verba disponível, contrata uma empresa particular. Na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto não ha nenhum funcionário que atue em orçamento e finanças. Portanto, não há qualquer acompanhamento orçamentário, inclusive das solicitações de recursos ao Ministério da Educação. Estas cabem à Secretaria de Planejamento, ouvido o prefeito. O acompanhamento de eventuais recursos federais compete à Secretaria de Finanças.
Já em Blumenau, no Sul, o processo de elaboração orçamentária começa, como no Estado, com o estabelecimento dos tetos pela Secretaria de Planejamento, excluídas as despesas de pessoal. Tais tetos resultam hoje de dois seminários de avaliação realizados pelas Secretarias, quando são definidas as metas e, a partir delas, a alocação de recursos. Na educação, a mais alta prioridade é concedida ao ensino de 1º grau, seguindo-se a educação pré-escolar, vista como base para o êxito do aluno no ensino de 1º grau. A proposta é encaminhada sucessivamente à Secretaria de Planejamento, ao prefeito e à Câmara Municipal.
A competição por recursos no âmbito da Prefeitura de Blumenau foi considerada pouco significativa, uma vez que o dissenso entre as Secretarias poderia colocar em risco o próprio prefeito. Assim, por ocasião de cortes orçamentários, segue-se a regra de poupar pastas como a da Educação e fazê-los incidir sobre as Secretarias que têm menos contato com a população, como as de Turismo e Planejamento. O quadro de alocação de recursos foi afetado, segundo as informações, pelas mudanças político-partidárias recentes. A partir da atual administração do Município, ao contrário de antiga tendência, o partido vitorioso nas eleições municipais é o mesmo do Executivo estadual e do titular do Ministério da Educação. Foi relatado que, até à administração anterior, a educação, a cultura e o desporto ficavam a cargo da mesma Secretaria. Em vista desses dois rivais internos, a educação ficava prejudicada e o Município não cumpria o mínimo constitucional devido à manutenção e desenvolvimento do ensino. Foi então realizada uma reforma administrativa, que criou a Secretaria de Educação. Com isso, acelerou-se a construção escolar, tendo a matrícula municipal no ensino fundamental superado por pequena margem a estadual.
Neste contexto favorável, em 1990 Blumenau teve 5 entre 14 projetos aprovados pelo Ministério da Educação, no valor total de Cr$ 60 milhões. A verba referida resultou de despacho direto do governador e de um deputado federal com o ministro, após uma enchente (deve-se ressaltar, porém, que o governador então não era do mesmo partido do titular do Ministério). No entanto, ainda assim, a verba liberada só bastou para 70% das obras previstas, tendo em vista o longo tempo decorrido entre a solicitação e a liberação de recursos.
Quanto aos critérios de eficiência e eqüidade na aplicação de recursos, as duas Secretarias revelaram perfis diferentes. Em Arapiraca não foi observada nenhuma preoucupação tangível, até porque a distribuição de recursos não é feita pela Secretaria de Educação. Em contraste, a eqüidade é uma das grandes preocupações de Blumenau. Todas as escolas, grandes e pequenas, do centro e do interior, devem ter o mesmo nível de atendimento. Para isso, estão sendo investidos recursos no melhoramento da infraestrutura das escolas do interior e no professor regente de classe. Também tem sido buscada a descentralização, incentivando-se um trabalho mais estreito das escolas com as comunidades.
Conforme já foi esclarecido, foram selecionados dois municípios de menor porte: Penedo, em Alagoas, e Nova Trento, em Santa Catarina. Em ambos a rede estadual é predominantemente urbana, enquanto a rede municipal é predominantemente rural. A administração educacional é relativamente simples. Em Penedo a Secretaria de Educação é uma das seis pastas municipais. Em Nova Trento existe uma Coordenação de Educação, que possui apenas duas funcionárias.
O processo de elaboração orçamentária é também mais simples que nos Municípios anteriores. Em Penedo o contador, a partir de um relatório das necessidades setoriais, entra em contato com cada secretário e elabora a proposta orçamentária, que passa pelas instâncias decisórias do prefeito e da Câmara Municipal. Em Nova Trento o prefeito é a figura central, que elabora a proposta, ouvidos os diversos setores do Executivo. No caso da educação, a Secretaria de Obras tem papel destacado, uma vez que lhe competem a construção, reforma, ampliação e manutenção dos prédios escolares, ouvida a Coordenação da Educação. A Câmara Municipal tende a aprovar a proposta orçamentária com pequeno número de emendas.
A percepção dos critérios empregados pelo Ministério da Educação é também de nebulosidade nos dois casos. Os mesmos não são claros, a burocracia é complicada e os formulários são tão complexos que parecem às vezes desenhados para não pedir recursos. Municípios pequenos e de modestos recursos humanos podem sentir-se intimidados diante da administração federal e dos rumores de que liberações de verbas dependem de complexa engenharia política. Esta foi a percepção manifesta nas entrevistas, o que denota sério problema de eqüidade. Foi assinalado, também, que é necessário fiscalizar in loco a aplicação de recursos nos Municípios, já que esta é uma séria falha do sistema de transferências.
Os resultados da pesquisa apontam para a pobreza do processo de elaboração e execução dos orçamentos em geral. Falta racionalidade técnica, que se traduziria na alocação de recursos segundo critérios como a despesa média por aluno/ano, déficit de escolaridade, indicadores de produtividade, etc. Embora a competência técnica não esteja ao alcance de todos (pelo menos os Municípios menores têm grandes dificuldades de acesso a ela), houve duas tentativas de implantar modelos de alocação no Ministério da Educação que, no entanto, não tiveram conseqüências duradouras, em vista das resistências políticas. O fato indica que a questão se torna complexa à medida que se estabelece uma disputa entre racionalidade técnica e racionalidade política. Era de se esperar que mais e melhores serviços educacionais se traduzissem em mais votos dos eleitores. Tal, porém, freqüentemente não acontece. Alguns motivos possíveis são a falta de compreensão do que vêm a ser eqüidade, qualidade e eficiência, além da nebulosidade da alocação de recursos, que é misteriosa até para administradores educacionais municipais.
Os resultados também deixam claro que os escassos recursos poderiam ser muito melhor aproveitados se fossem simplificados a elaboração dos orçamentos e o sistema de transferências em geral. O labirinto de normas legais e burocráticas, ao invés de evitar desvios, parece até favorecê-los. Assim, a simplicidade e a clareza de critérios, bem como a competência técnica, são condições indispensáveis para reverter o quadro observado.
Por outro lado, o Ministério da Educação poderia realizar mais se fosse um órgão coordenador da política educacional, executando menos e dedicando-se mais à missão de apoiar técnica e financeiramente os governos subnacionais. Seu grande porte e suas envolventes atribuições executivas acabam por sugar recursos, que são desviados daquele apoio e da compensação das agudas diferenças regionais.
Por fim, cumpre observar a fragilidade dos elos entre Estados e Municípios, que levou estes últimos a procurar diretamente o Ministério da Educação, com o fim de suprir algumas das suas necessidades. Num Estado federativo, estes elos devem ser fortalecidos, sendo a busca da eqüidade tarefa de todas as esferas governamentais. Como numa pirâmide, da base para o topo, é preferível que os Estados busquem compensar as desigualdades entre os seus Municípios e a União faça o mesmo em relação aos seus Estados.
Tendo em vista os graves problemas de eqüidade que atingem o ensino fundamental, recomenda-se a adoção de padrões mínimos de oportunidades educacionais, capazes de assegurar, na fase inicial, os insumos básicos para o funcionamento das escolas. Deve-se frisar que «a discussão já estaria em rota errada, se mínimo fosse o máximo. Mínimo é apenas a maneira considerada adequada de começar, não de proceder» (Demo, 1990).
O funcionamento do programa de transferências federais aos Estados e Municípios partiria da elaboração e oferecimento pelo Ministério da Educação de um «cardápio» com várias opções de insumos mínimos para diferentes situações escolares, compreendendo construções, equipamentos e formação e atualização dos quadros docentes e administrativos.
Na área de construção, seriam oferecidos diversos tipos de escolas, adequados às situações regionais, sujeitos, ainda, a adaptações caso a caso. Cada opção incluiria as características mínimas de higiene e conforto de um prédio escolar e estabeleceria o limite máximo da despesa por metro quadrado.
Na área de equipamentos, as opções listariam aqueles insumos básicos que, segundo a pesquisa educacional, apresentam-se como essenciais para o processo de ensino-aprendizagem.
No que tange à formação e atualização dos quadros docentes e administrativos, seriam oferecidas também diversas alternativas. Dentre elas, seria oportuno testar o orientador pedagógico itinerante, selecionado entre os docentes mais experientes da rede. Esse professor-tutor seria encarregado de trabalhar com um número máximo de professores, dentro de um raio também máximo de atuação.
Ao apresentar sua solicitação, como os diferentes insumos se combinam entre si, sem o que não assegurariam padrões mínimos de oportunidades educacionais. Estados e Municípios solicitariam todos os tipos de insumos ou garantiriam o provimento dos elementos que faltassem, segundo a seguinte matriz.
SOLICITAÇÕES | CONTRAPARTIDAS ASSEGURADAS | ||
Construções | Equipamentos | Formação de quadros | |
Construções | X | X | |
Equipamentos | X | X | |
Formação de quadros | X | X |
Obviamente, as solicitações e contrapartidas seriam compatíveis entre si, conforme o tipo de escola e o meio a que se destinariam. Também seria admissível a cobertura de parte dos custos das construções, equipamentos ou programas de formação de quadros pelos Estados e Municípios, desde que provada a existência ou firmado o compromisso de provimento dos demais recursos ou insumos. Dessa forma, estaria em parte demonstrada a capacidade de manutenção de novos estabelecimentos, que muitas vezes passam longo tempo de ociosidade, sem os equipamentos ou pessoal docente necessário.
O controle seria amplamente facilitado pela identificação do destinatário final dos recursos. Cada destinatário final seria sempre uma escola ou grupo de escolas, a que seria atribuido um número. No caso de obras ou equipamentos, seriam adotados meios, como a utilização de placas, para tornar visíveis para a comunidade os respectivos valores, prazo de entrega e multa por atraso. No caso da formação e atualização de quadros docentes e administrativos, outros meios seriam utilizados para tornar públicos recursos, metas e áreas de atuação.
O secretário estadual ou dirigente municipal de educação seria o ordenador de despesas dos recursos federais transferidos. Caberia a ele atestar ao Ministério o recebimento dos recursos e prestar contas das despesas realizadas. Seria também estabelecido um sistema de controle de entrada e destinação de materiais, com a assinatura do diretor de cada escola envolvida. Na formação e atualização de quadros, seriam utilizados relatórios sumários, também firmados pelos diretores das escolas beneficiadas.
Etapa da maior relevância seria a seleção das propostas apresentadas. Como atender a tantas demandas sem ratificar a existência de escolas mais pobres para os alunos socialmente menos aquinhoados?; como inverter o caráter regressivo da distribuição de recursos? Embora todos os parâmetros e indicadores tenham suas próprias limitações, seriam conjugados os critérios das necessidades, do esforço fiscal e dos resultados.
No primeiro caso, as escolas em que estivessem faltando alguns ou quase todos os recursos materiais e humanos considerados mínimos teriam mais alto nível de prioridade. As escolas que tivessem alcançado padrões mínimos de oportunidades receberiam menos e assim por diante, considerando não apenas a pobreza da escola, mas também o número de alunos matriculados e o custo local de fornecer os insumos básicos (cf. Plank, Amaral Sobrinho e Xavier, 1990). Áreas onde grande número de escolas carecessem de recursos mínimos poderiam ser tratadas como zonas prioritárias de atenção educacional.
No entanto, o critério das necessidades por si só poderia incentivar o desvio de recursos, antes utilizados em favor da educação, para outros fins. Ou, ainda, poderia conduzir à redução da carga tributária local. É preciso, pois, premiar o esforço fiscal e o empenho em favor do ensino de 1º grau. Dessa forma, se duas comunidades apresentassem «necessidades» iguais, aquela que desenvolvesse maior esforço deveria receber mais recursos.
Por fim, cabe considerar se a aplicação dos recursos alcançaria os resultados esperados. Neste sentido, a avaliação por amostragem, utilizando os dados existentes ou por estabelecer, seria um recurso da maior importância.
DEMO, Pedro. «Qualidade da Educação: tentativa de definir conceitos e critérios de avaliação». Estudos em Avaliação Educacional, 1 (2): 11-26, jul./dez. 1990.
GOMES, Candido Alberto & AMARAL Sobrinho, José (orgs.). «Qualidade, eficiência e eqüidade na educação básica». Brasilia: IPEA, 1992.
PLANK, David N.; AMARAL Sobrinho, José; XAVIER, Antônio Carlos da R. «Uma estratégia para a qualidade do ensino fundamental: os padrões mínimos de oportunidades educacionais». Estudos em Avaliação Educacional, 1(2): 33-40, jul./dez. 1990.
(1) O autor é reconhecido às valiosas sugestões de Antônio Emílio Sendim Marques ao longo do processo desta pesquisa. Eventuais enganos e imperfeições, entretanto, são de exclusiva responsabilidade do autor. O presente trabalho foi patrocinado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. As opiniões e conclusões aqui expressas não representam pontos de vista institucionais.
Índice Revista 5 | ||
Página Principal de la OEI | Mas información:rie@oei.es | |
RIE |