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Revista Iberoamericana de Educación
Número 14
Financiación de la Educación

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Revista Iberoamericana de Educación
Número 14
Financiación de la Educación

Mayo-Agosto 1997

Alocação de recursos para a educação em tempo de crise: razões que a razão desconhece1

Candido Alberto Gomes (*)

(*) Candido Alberto Gomesé Professor Titular da Universidade Católica de Brasília e Consultor Legislativo do Senado Federal, Brasil. É também membro do Comité de Pesquisa do Conselho Mundial das Sociedades de Educação Comparada.

Este trabalho analisa a alocação de recursos para a educação na América Latina e, particularmente, no Brasil durante a chamada “década perdida”. Este período se caracterizou pela crise do Estado, pelo crescimento da dívida externa, que teve como marco a moratória do México, e pelos duros ajustes econômicos. Como resultado, os serviços públicos, como a educação, se degradaram. Teorias disponíveis consideram que os cortes orçamentários ocorrem numa arena política onde os governos procuram a maximização do seu bem-estar. Com isso o setor social fica vulnerável e os cortes não visam primariamente à eficiência ou a proteção das populações de maior risco. Com base em dados agregados, verifica-se que, apesar da redução da despesa pública, as matrículas aumentaram e, mais ainda, o número de docentes, apesar das bruscas oscilações de recursos, como se os sistemas fossem sanfonas. Conclui-se que se acentuou a irracionalidade econômica, em parte pelas resistências políticas opostas a um conjunto de medidas para elevar pelo menos a eficiência e a qualidade da educação.

1. Introdução

A crise do endividamento externo foi o principal motivo que levou a década passada a ser conhecida, na América Latina e no Brasil, como a «década perdida». O estrangulamento externo, a desaceleração do crescimento econômico e a crise do Estado teceram um ambiente altamente desfavorável à educação pública, que se modifica pouco a pouco no período de recuperação. É preciso, porém, numa visão mais ampla, dimensionar os recursos aplicados no período e conhecer o comportamento das despesas educacionais num período de escassez. Quanto foi aplicado em educação? Tendo havido cortes, onde eles foram preferentemente efetuados? Por outro lado, qual o impacto do comportamento das despesas sobre os mais importantes indicadores educacionais disponíveis? A escassez de verbas conduziu a medidas para elevar a eficiência e melhor aproveitar os meios escassos?

Estas são questões a que o presente trabalho pretende responder, embora advertindo para a precariedade dos dados financeiros, ainda mais em períodos de alta inflação. Na primeira parte focalizamos a América Latina e, na segunda, uma análise específica do Brasil.

2. A literatura da crise

A crise dos anos 80, que não se restringiu à América Latina, exigiu o concurso de várias teorias que contribuíssem para explicar os fatos. Uma parte dos trabalhos focaliza a «mecânica» dos cortes orçamentários e como suas vítimas preferenciais são escolhidas. Outra parte trata dos efeitos da crise sobre os padrões alocativos de recursos, evidenciando os desequilíbrios provocados pelos cortes. No que se refere à «vitimologia» da redução da despesa pública, sabe-se que o encolhimento do cobertor não atinge a todos igualmente nem atende predominantemente a critérios técnicos (embora estes até possam ser influentes). Elemento central numa arena onde forças políticas interagem discreta ou ferozmente, o orçamento tem vitoriosos e perdedores. Com efeito, segundo a teoria da escolha pública nos orçamentos, os governos são unidades que visam ao seu próprio bem-estar, com uma agenda diferente da sociedade. Políticos e burocratas procuram maximizar seu próprio bem-estar, mesmo que saibam o que a sociedade prefere. Os grupos de interesse, que com eles interagem, fazem jus ao nome e tratam de si próprios (Gallagher, 1993).

Os processos decisórios nesta área são, com efeito, competitivos e conflitivos, distando do paradigma do ator racional, em que o governo é visto como um agente unitário que faz escolhas racionais. As ações são muito melhor explicadas pelos paradigmas político e do processo organizacional. Segundo o primeiro, os atores localizados em diferentes posições do governo se envolvem em jogos simultâneos, hierarquicamente superpostos. As decisões e ações emergem destes jogos como resultantes políticos, isto é, como produtos de compromissos, conflitos e confusão de altos funcionários com interesses e influências desiguais. Por seu lado, o paradigma do processo organizacional concebe o governo como uma constelação de organizações frouxamente articuladas, em cujo topo situam-se os líderes governamentais. Estes têm como limite de escolha as rotinas existentes para as organizações empregarem suas capacidades (Allison, 1971).

Por isso, dependendo dos atores e do grau de participação política dos respectivos países, os resultados dos cortes orçamentários serão diferentes. Assim, relações muito assimétricas de poder tornam o setor social menos protegido, precisamente porque as despesas públicas em saúde, educação, saneamento e nutrição atendem aos grupos menos vocais da sociedade. Eles muitas vezes não dispõem de recursos nem de organização para protestar ou para comprar serviços fora do setor público, quando estes se deterioram (Amadeo, Camargo e Castro, 1991).

A fragilidade da educação e do setor social se deve também à sua maior controlabilidade. Se um país tem que pagar o serviço da dívida externa, determinado pelo mercado internacional, será mais fácil a restrição às despesas internas. Além disso, grande parte das despesas sociais tem efeito a longo prazo. Por outro lado, as parcelas mais vultosas das despesas sociais, como as da educação, arriscam-se a maiores restrições (Lewin, 1986).

Quando os recursos crescem ou decrescem lentamente, a eficiência alocativa também tende a crescer. Quando, porém, os recursos aumentam ou diminuem depressa, a eficiência alocativa se reduz, exatamente porque as despesas mais fáceis de cortar são cortadas primeiro (Gallagher, 1993). As vítimas neste caso tendem a ser as despesas de capital e os materiais de consumo. Cresce a proporção dos salários sobre as despesas totais, porém o nível dos salários reais sofre muito mais que o número de funcionários na folha de pagamentos. Também é ampla a tendência de cortar mais fundo o ensino fundamental, ao passo que o ensino superior, menos vulnerável, aumenta sua participação sobre o total e o ensino médio fica em situação ambígua (Lewin, 1986; Amadeo, Camargo e Castro, 1991; Gallagher, 1993; Castro e Alfthan, s/d.).

Fica claro, portanto, que os cortes orçamentários, sobretudo quando drásticos, não levam necessariamente à preocupação com a eficiência, à redução bem pensada do tamanho do Estado e à proteção dos setores e populações de maior risco. Ao contrário, os dados mostram que freqüentemente se chega à combinação errada de fatores, como a do posto de saúde que tem enfermeiros, mas não tem gaze nem esparadrapo; a da escola que tem professores e orientadores, embora não disponha de giz, e a do hospital que recebe ambulâncias novas, mas não tem dinheiro para reparar as que se encontram paradas no pátio. Como podemos concluir, a escassez de recursos pode ser objetiva, mas as decisões para enfrentá-la adquirem tons subjetivos.

3. América Latina e Brasil: O Estado como leão envelhecido

O período em foco se caracteriza por uma crise tão profunda e duradoura que abalou as possibilidades de o Estado traçar políticas a longo prazo e de manter adequadamente os serviços públicos, inclusive a educação. A partir da Depressão de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, o Estado desempenhou um papel altamente dinâmico em vários países do Continente, contribuindo para a industrialização substitutiva de importações (cf. Furtado, 1992). Além disso, a poupança externa foi um meio poderoso de acelerar a expansão econômica, tanto no que se refere ao investimento em infra-estrutura como nas atividades diretamente produtivas. Entretanto, este modelo endógeno de industrialização apresenta seus problemas, como os modestos níveis de competitividade e problemas do balanço de pagamentos. As íntimas relações entre empresas e Estado levaram a uma teia de conexões com as burocracias oficiais, resultando em promiscuidade. Ademais, a economia da maioria dos países latino-americanos em geral não acompanhava as importantes mudanças da economia internacional. Ao passo que o crédito externo ajudava a curto prazo a financiar um crescimento admirável em certos anos, a dívida externa se tornou um pesadelo, na medida que seu serviço cresceu a um nível intolerável. Para isso, contribuíram os choques do petróleo em 1974 e 1979, a má administração e a privatização da dívida externa (cf. Reimers, 1990). Isto é, apesar da abundância do crédito externo, a ampla aceitação de empréstimos com taxas de juros flutuantes levaram o Continente a pisar em um vasto campo de areia movediça. As dificuldades crescentes haviam levado os bancos estrangeiros a reduzir a rolagem da dívida em 1978 e 1979. Em 1982 esta rolagem foi suspensa, com a moratória do México. Assim, não só secava a fonte de recursos externos para financiar a economia, como também uma série de fatos interrelacionados abalava as contas internas. A partir de 1980 minguava cada vez mais a capacidade de poupança do Estado e o Continente teve que remeter aproximadamente 200 bilhões de dólares aos seus credores externos. Dessa forma, fechava-se um capítulo da história econômica: não podia persistir mais o padrão de investimento baseado em recursos externos e estatais, com o Poder Público aplicando diretamente ou subsidiando as aplicações privadas.

O doloroso ajustamento em grande parte foi agravado pela persistência de países como o Brasil em ir até à exaustão do velho modelo. Esgotado o modelo de industrialização substitutiva de importações, muitos Estados latino-americanos eram «comercialmente introvertidos e financeiramente extrovertidos» (Nunes Filho, 1993). A imagem do leão, utilizada pelo aparelho arrecadador brasileiro, é emblemática da crise fiscal, quando se toma consciência do sistema tributário complexo, arcaico e socialmente injusto, que não consegue, por isso, atender às necessidades de receita. A imagem amedrontadora do marketing se revelava impotente para conter a evasão fiscal, porque esta decorre, entre outros fatores, da crise de legitimidade do Estado e da falta de consciência cívica.

A degradação dos serviços públicos se manifestou em todos os setores, inclusive sobre a educação pública. A América Latina, nos tempos de prosperidade, havia expandido as matrículas em todos os níveis de ensino, especialmente nas áreas urbanas e mais desenvolvidas. Com efeito, alguns países conseguiram em 30 ou 40 anos uma expansão dos sistemas de ensino eqüivalente à que algumas sociedades capitalistas avançadas levaram cerca de um século para atingir. Entretanto, ao mesmo tempo que se manifestava a crise fiscal e se impunha um novo modelo de crescimento econômico, aberto para o exterior, faltavam recursos para melhorar a qualidade e a eqüidade da educação, temas continuamente adiados e negligenciados. Ou seja, os desafios da competitividade econômica encontraram a educação numa conjuntura de falta de recursos, sem os requisitos necessários para enfrentá-los.

4. Despesas educacionais no continente

A tabela 1 oferece interessantes resultados. Embora as despesas educacionais tenham declinado no período de crise, com recuperação no fim da chamada «década perdida», a matrícula sofreu incremento, especialmente nos segundo e terceiro níveis. Em outras palavras, o número de estudantes, particularmente os mais caros, aumentou na razão inversa do bolo de recursos disponíveis. Curiosamente, o número de docentes cresceu mais rápido que o número de alunos em geral, especialmente nos 2º e 3º níveis, embora o oposto pudesse ser esperado durante uma crise econômica, ainda mais com o aumento da matrícula e a redução da despesa por aluno em termos reais. Pode-se supor que, quanto menos os governos despenderam em educação, mais tiveram que despender proporcionalmente com pessoal. Isto significa que os salários reais provavelmente decresceram, que os sistemas educacionais tiveram dificuldades no recrutamento e seleção de pessoal e que outras despesas correntes (que não de pessoal) e os investimentos se reduziram. Ao mesmo tempo, praticamente se manteve estável a taxa de repetência, responsável por um desperdício do montante de bilhões de dólares.

Aparentemente, portanto, não foram tomadas medidas com impacto significativo sobre a produtividade. Sérios problemas de gestão afetaram negativamente pelo menos a eficiência. Em outras palavras, a crise fiscal não levou à racionalização das despesas. Ao contrário, a alocação de recursos em geral não correspondeu às expectativas econômicas e financeiras.

TABELA 1
AMÉRICA LATINA E CARIBE
PIB, DESPESA PÚBLICA EM EDUCAÇÃO E INDICADORES
EDUCACIONAIS SELECIONADOS (1980-92)

VARIÁEIS 1980 1985 1990 1992
PIB (USD bilhões em preços de 1980) 742,7 759,9 809,8 889,2
Nos. Índices 100 102 109 120
Despesas poeblicas em educação (em USD bilhies) 34,2 28,5 46,1 56,7
Nos. Índices 100 83 135 166
Matrícula (em milhares) 1o. nível 65.327 70.215 75.689 77.168
Nos. Índices 100 107 116 118
2o. nível 16.967 20.549 22.376 23.155
Nos. Índices 100 121 132 136
3o. nível 4.889 6.341 7.413 7.924
Nos. Índices 100 130 152 162
Professores (em milhares) 1o. nível 2.256 2.594 3.011 3.118
Nos. Índices 100 115 133 138
2o. nível 1.083 1.339 1.504 1.584
Nos. Índices 100 124 139 146
3o. nível 385 505 626 676
Nos. Índices 100 131 162 176
Repetentes /matrícula do 1o. nível* 100 99 99** ...

5. Despesas educacionais no Brasil

A tabela 2 exibe os números absolutos e o ritmo de crescimento do PIB, da despesa total e da despesa em Educação e Cultura da União, dos Estados e do Distrito Federal. Os números delineiam basicamente três períodos: o da crise aguda da dívida externa e da recessão, até 1984; o da redemocratização do País e o do período presidencial seguinte. No primeiro, a despesa do Tesouro Nacional em relação ao PIB se manteve em níveis relativamente estáveis. No segundo, a despesa cresceu de modo significativo, sobretudo em 1989-90, mediante o endividamento e a ampliação do déficit público, mas também em virtude de mudanças de critérios dos Balanços. Em 1991 houve uma redução drástica, com nova marcha ascensional a partir do ano seguinte. Quanto à educação, no primeiro período apontado verificamos certa estabilidade das despesas, alcançando aumento expressivo no segundo, quando foi regulamentada a Emenda Calmon, alteração constitucional que vinculou à educação parte da receita dos três níveis de governo (cf. Gomes, 1988). Em seguida, em 1990-92 houve recuo, com reversão em 1993. Quanto aos Estados, os números disponíveis permitem identificar apenas os dois primeiros períodos mencionados. De qualquer forma, na União e nos Estados e no Distrito Federal, apesar de certo paralelismo em relação ao PIB, a variação foi mais favorável que a variação do último, ocorrendo recuperação em face da crise a partir de 1985. A menor prioridade para a educação se verificou em termos do seu crescimento inferior ao da despesa pública total, sobretudo da União. Esta, como sintoma da má saúde financeira do Estado, cresceu muito mais rápido que o PIB, incluindo as despesas resultantes do financiamento do déficit público, numa escalada acumulativa. Novamente, porém, devemos levar em conta a mudança de critérios dos Balanços.

A literatura antes mencionada se confirma quando observamos a distribuição da despesa pública da União. Se em 1980 a área institucional, que representa basicamente as despesas de manutenção do Estado (inclusive o serviço da dívida), alcançava 33,2 por cento do total em 1980, o mesmo valor atingia 46,3 por cento em 1993. No período analisado a área econômica detinha a primazia no cômputo total (43,0 por cento em 1980), mas em 1993, com 11,4 por cento, se colocava após as áreas social (11,4 por cento) e institucional, evidenciando a perda da capacidade de investimento do Poder Público.

Na educação, por sua vez, a retração dos recursos levou a despesa no Ensino Fundamental a cair de 59,0 por cento em 1986 para 36,7 por cento em 1993, tendo decaído para 32,6 por cento em 1991, quando consideramos os três principais programas orçamentários. Em outras palavras, o Ministério da Educação priorizou as verbas das instituições de ensino superior por ele mantidas em relação à assistência financeira aos governos subnacionais, prestada sobretudo ao ensino fundamental. Por isso mesmo, o Ensino Superior ficou com 55,2 por cento do total em 1993, tendo chegado a 57,8 por cento em 1990.

Passando aos Estados e ao Distrito Federal, ao contrário da União, pouco aumentou a participação da despesa na área institucional, provavelmente pelo desafogo proporcionado pela progressiva descentralização da receita de impostos. Assim, a área institucional, que representava em 1980 40,4 por cento do total, chegava em 1993 a 41,0 por cento. A área econômica também se manteve com pequeno declínio (22,3 por cento em 1980 e 21,6 por cento em 1993); enquanto a área social, graças em grande parte ao incremento das despesas previdenciárias teve significativo crescimento (23,8 por cento em 1980 e 37,4 por cento em 1993).

Estendendo a análise aos programas orçamentários, observamos que, como no Governo Federal, o Ensino Superior teve um acréscimo constante, ao mesmo tempo que o Ensino Fundamental recuou. Assim, o último passou de 84,3 por cento do total dos três maiores programas orçamentários em 1981 para 67,7 por cento em 1989, ao passo que o Ensino Superior saltou de 5,1 por cento para 21,9 por cento no mesmo período. Este é um reflexo da abertura de universidades estaduais, resposta às demandas de expansão do ensino superior público, uma vez que o Governo Federal tem mantido relativamente estável o número de vagas da sua rede.

ANOS PIB DESPESA PÚBLICA
UNIÃO ESTADOS E DF
USD Nº Indices TOTAL Nº Indices Ed. E Cultura Nº Indices TOTAL Nº Indices Ed. E Cultura Nº Indices
1980 236.247 100 22.600 100 1.906 100 17.074 100 3.453 100
1981 262.282 111 24.231 107 2.849 150 20.396 120 4.225 122
1982 276.916 117 25.753 114 3.183 167 23.061 135 4.680 136
1983 197.879 84 19.273 85 1.967 103 15.705 92 3.162 92
1984 200.049 85 18.326 81 1.887 99 15.657 92 2.930 85
1985 223.635 95 21.020 93 2.703 142 20.722 121 3.621 105
1986 269.089 114 40.155 178 4.217 221 27.834 163 5.515 160
1987 294.495 125 41.097 182 5.398 283 29.945 175 5.721 166
1988 329.342 139 60.342 267 6.374 334 33.056 194 5.813 168
1989 447.644 190 186.513 852 9.241 485 48.640 285 8.545 248
1990 476.233 202 341.812 1.393 7.405 389 83.700 490 14.577 422
1991 402.432 170 112.273 497 4.664 245 73.430 430 12.563 363
1992 408.882 173 139.432 617 3.721 195 80.205 470 13.073 378
1993 615.365 261 231.183 1.023 6.285 329 87.591 513 13.758 398

6. Afinal, quais os resultados?

Passando ao cotejo entre os dispêndios e seus resultados, a tabela 3 mostra que a racionalidade subjacente ao comportamento da educação não foi propriamente econômica. Como ocorreu na América Latina, apesar da crise, as matrículas estiveram em marcha ascensional, sendo importante notar a não associação entre despesas e matrículas, como se o sistema fosse uma sanfona, que se contrai e se expande conforme outras variáveis. Ao contrário do Continente, porém, o crescimento foi menor no ensino superior.

Confirmando esta expansão quantitativa, a taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais, entre 1980 e 1990, reduziu-se de 25,5 para 18,9 por cento; porém, o número de analfabetos só caiu de 18.716.847 para 18.406.700 (UNESCO, 1992). Já no ensino fundamental a taxa bruta de escolaridade ascendeu, em 1980-90, de 99 para 108 por cento, e a taxa líquida, de 81 para 88 por cento. No ensino médio as mesmas taxas cresceram de 34 para 39 e de 14 para 16 por cento. Por seu lado, o número de estudantes de ensino superior por 100 mil habitantes baixou de 1.162 para 1.064 (UNESCO, 1992). Dessa forma, o ritmo de expansão, espelhado sobretudo pelas taxas líquidas de escolaridade, não se revelou suficiente para fazer face ao crescimento populacional, mesmo com este em declínio.

Os chamados indicadores de produtividade acrescentam mais alguns aspectos significativos. A relação alunos por função docente se manteve praticamente estável. Os salários reais dos docentes certamente diminuíram, mas a folha de pagamentos aumentou, com o avanço das despesas correntes em todas as esferas governamentais (cf. Mussi, Ohana e Guedes, 1992).

Já a taxa de repetência -que representa oneroso custo e poderia resultar em economia numa época de crise- decresceu cerca de 10 por cento. Conquanto seja pouco para uma década, ainda assim a diminuição no Brasil foi maior que na América Latina. Os resultados são, contudo, duvidosos, vez que tal redução se deve em grande parte ao agrupamento, em vários Estados, das duas primeiras séries num ciclo, sem reprovação ao fim do primeiro ano. Esta mudança, porém, contribuiu antes para mascarar as estatísticas que para minorar verdadeiramente o fracasso (cf., p. ex., Silva e Davis, 1994). Em suma, numa época de escassez ocorreu insuficiente expansão do acesso, ao mesmo tempo que se perderam grandes oportunidades de racionalização das despesas e de democratização educacional.

TABELA 3
MATRÍCULA INICIAL, PERCENTUAL DAS MATRÍCULAS FINAIS SOBRE AS MATRÍCULAS INICIAIS E RELÃÇAO BRUTA DE ALUNOS POR FUNÇÃO DOCENTE SEGUNDO NÍVEL DE ENSINO, TAXA DE REPETÊNCIA NO ENSINO FUNDAMENTAL E CONCLUSÕES NO ENSINO SUPERIOR (1980- 92)

ANOS ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIA ENSINO SUPERIOR
Matrícula Nº Indices Alunos/F. Docente Nº Indices Taxa de Repetên Nº Indices Matrícula Nº Indices Alunos/F. Docente Nº Indices Matrícula Nº Indices Alunos/F. Docente Nº Indices
1980 22.149 100 25,1 100 20,2 100 2.824 100 14,2 100 1.377 100 11,8 100
1981 22.414 101 23,7 94 20,4 101 2.785 99 9,9 69 1.393 101 11,3 96
1982 22.298 101 24,4 97 20,6 102 2.875 102 14,1 99 1.203 87 9,8 83
1983 24.556 111 23,8 95 20,9 104 2.944 104 16,3 115 1.439 104 11,7 99
1984 24.789 112 24,4 97 19,5 97 2.952 105 13,8 97 1.400 102 11,6 98
1985 24.769 102 23,8 95 19,8 98 3.016 107 14,6 103 1.368 99 11,2 95
1986 25.539 114 24,5 98 18,6 92 3.157 112 14,2 100 1.418 103 11,1 94
1987 25.936 117 23,2 92 20 99 3.206 114 13,8 97 1.471 107 11,1 94
1988 26.755 121 23,1 92 18,4 91 3.368 119 14,6 103 1.504 109 10,9 92
1989 27.558 124 22,9 97 18,1 90 3.478 123 14,7 104 1.519 110 11,9 88
1990 ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 1.540 112 10,6 90
1991 ... ... ... ... ... ... 3.770 133 14,5 102 1.565 114 10,7 90
1992 30.106 136 22,6 90 21 104 4.805 145 17,9 126 1.536 112 10,4 88

A tabela 4, por fim, a despeito das limitações dos dados, oferece o quociente da despesa por programa orçamentário e por nível de governo (o que apenas se aproxima da despesa média aluno/ano). A observação sugere que: 1) não há paralelismo entre despesa e matrícula, com os valores subindo e descendo abruptamente, como resultado de aumentos ou reduções abruptas de verbas, com todo o seu cortejo de conseqüências; 2) os quocientes se encontram abaixo do piso da UNESCO para o ensino fundamental; 3) após 1985 os quocientes da União subiram aceleradamente para se reduzirem verticalmente no Ensino Superior, após 1990, em virtude sobretudo da redução dos salários reais (medida imediatista, cuja manutenção a longo prazo costuma ser duvidosa); 4) os quocientes do ensino superior federal superaram os do ensino superior estadual, por se concentrarem no primeiro o ensino de pós-graduação e a pesquisa.

TABELA 4
QUOCIENTE DA DESPESA NOS PROGRAMAS ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO E SUPERIOR PELA MATRÍCULA INICIAL SEGUNDO OS NÍVEIS DE GOVERNO FEDERAL E ESTADUAL (1980-92)

ANOS UNIÃO ESTADOS E DF
Ensino Médio/ Matrícula Ensino Superior/ Matrícula Ensino Fundamental/ Matrícula Ensino Médio/ Matrícula Ensino Superior/ Matrícula
1980 1.950 3.083 ... ___ ___
1981 2.273 3.887 442 509 2.869
1982 2.992 5.366 216 285 3.865
1983 1.497 2.685 ... ... ...
1984 1.317 2.550 120 133 1.761
1985 1.872 3.219 143 207 2.404
1986 3.150 4.020 215 262 3.755
1987 3.425 6.075 206 275 4.792
1988 4.519 8.538 198 197 4.422
1989 6.365 11.785 248 293 6.904
1990 ... 10.752 ... ... ...
1991 ... 6.070 ... ... ...
1992 ... 5.390 ... ... ...

Fontes: Ministério da Fazenda e SEEC/MEC. Correção dos valaores originais com base na taxa oficial do Dólar dos E.U.A.

7. Conclusões: razões que a razão desconhece

No arco de tentativas de explicação da crise educacional do Continente encontramos dois extremos: um que tudo atribui à falta de recursos e outro que responsabiliza o mau aproveitamento das verbas. Sem precisar recorrer a Aristóteles, conhecido inimigo dos extremos, os dados não confirmam nenhuma das duas posições. Nem os recursos dedicados pelo Poder Público foram tão poucos, nem a educação foi um primor de eficiência. O mais grave, porém, é que a escassez não conduziu à elevação tangível da eficiência. Ao contrário, parece que, quanto menos verbas, maior a irracionalidade econômica. Em outras palavras, miséria e crise não pareceram obrigar os decisores a buscar eficiência, passando eles a reagir de outro modo, certamente dotado de outra racionalidade. As verbas diminuíam, enquanto a matrícula aumentava. Os salários minguavam, mas crescia o número de professores. E assim foi tocando a sanfona, encolhendo-se e expandindo-se, mas sempre desafiando a racionalidade econômica. Não parece difícil concluir que esta dinâmica pode ser melhor explicada pelos paradigmas político e do processo educacional, não sendo necessário repetir a literatura. Parece que o setor educacional tem razões que a razão desconhece.

Uma destas «desconhecidas» razões está nas resistências opostas aos remédios, listados no quadro 1. A primeira questão é que um bom remédio para certos males pode causar outros e até matar o doente. O melhor uso dos fatores, por exemplo, baixa os custos e eleva a eficiência, porém tem efeitos variados sobre a qualidade e a eqüidade. Considera-se que tais ajustes podem ser amortecidos para as áreas e grupos mais privilegiados, recaindo maior ônus sobre os demais.

Como nos países menos desenvolvidos a variação do rendimento escolar é mais explicada pela qualidade da escola que pelo status sócio-econômico, a primeira tem papel de grande importância e alta responsabilidade sobre as populações menos aquinhoadas (cf. Farrell, 1993). Desse modo, a diminuição do custo dos docentes poderá ter efeitos adversos sobre a qualidade e estes, por sua vez, poderão atingir sobretudo os alunos socialmente desfavorecidos. A resistência a tais alternativas é certamente alta, mas a vulnerabilidade dos grupos de baixa renda sugere de que lado arrebenta a corda.

O investimento em qualidade, por seu lado, em quase todos os casos aumenta o custo total, algo que os planejadores não aceitam em época de crise (a menos, talvez, que haja ajustes internos, o que se choca com outras resistências). Mas em todos os casos a eqüidade tende a ser beneficiada, evidentemente se as estratégias forem utilizadas com esse objetivo.

As fontes alternativas de financiamento, por fim, têm impactos variados. Todas adicionam recursos, mas podem somar ou subtrair em outras vertentes, gerando também resistências. É assim que a realocação externa de recursos pode ou não reduzir o custo unitário e ter impacto positivo sobre a eficiência, a qualidade e a eqüidade, dependendo do aproveitamento que for dado às novas verbas. O mesmo vale para a ajuda internacional, conforme as condições para o uso dos recursos. A recuperação de custos pode favorecer a qualidade (quem passa a pagar pode ser mais exigente), mas é fortemente regressiva, inclusive porque a resistência política dos grupos mais vocais tende a ser melhor sucedida. O mesmo vale para a participação da comunidade e a privatização.

Conforme cada situação, pode haver uma combinação diferente de estratégias que atendam aos problemas prioritários e que sejam politicamente «palatáveis». No entanto, devemos reconhecer que as medidas mais efetivas para reduzir os custos ou assegurar maior eficiência, qualidade e eqüidade são as que enfrentam maiores obstáculos. A associação de medidas variadas para torná-las politicamente viáveis é talvez mais uma questão de arte que de ciência. De qualquer forma, na luta por influenciar tais processos e assegurar as despesas mais relevantes, vale lembrar um dito que os ferroviários brasileiros aplicavam a peças emperradas, muitas vezes repetido por um antigo diretor de faculdade de educação: um pingo de óleo e um quarto de volta.

Estratégias Custo Total Custo unitário Eficiência Qualidade Eqüidade
Aumento da relação alunos/professor - - + ± ±
Aumento do número de alunos/turma - - + ± ±
Diminuição dos custos dos docentes - - + - ±
Maior aproveitamento do tempo letivo - - + + +
Redução dos custos administrativos - - + + +
Investimentoemqualidade:
Diminuição da repetência - - + + +
Diminuição da evasão + - + + +
Melhoria do professorado: Formação/treinamento em serviço + + + + +
Reestructuração da carreira + + + +
Aumento real de salários + + + +
Desenvolvimento de sistema de avaliação + - + +
Melhoramento da gestão: - - + +
Usodefontesalternativasde funcionamiento:
Realocação interna de recursos ... - + + +
Realocação externa de recursos + ± ± ± ±
Recuperação de custos - - + + -
Participação de empresas - - + + ±
Privatização - - + ± -
Participação comunitária - - ± ± -
Ajuda internacional - - ± + ±

Nota

(1) Este trabalho contou com a ativa colaboração dos alunos do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília nas tarefas de coleta e análise de dados. No entanto, cabe exclusivamente ao autor a responsabilidade por eventuais enganos e omissões, bem como por opiniões e pontos de vista aqui expressos.

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