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 ISSN: 1022-6508

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 Número 41: Mayo-Agosto / Maio-Agosto 2006

Educación para el desarrollo / Educação para o desenvolvimento

  Índice número 41 

EDUCCÇÃO AMBIENTAL E/OU EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL? Uma análise centrada na realidade portuguesa1

Mário Freitas *

SINTESE: O texto destaca que a ea em Portugal tem una rica história, que começou a ser explorada em 1975: projectos escolares, dinamização das populações, publicações e vontade política para questões de ambiente, entre outros indicadores. Una avaliação detalhada dos projectos de ea implementados em Portugal ao longo de mais de trinta anos é completada com a análisis de questionários. O texto destaca que uma análise da situação actual e perspectivas futuras da Educação Ambiental (ea), não pode deixar de considerar três aspectos essenciais, estreitamente inter-relacionados: a) as mais valias e as deficiências que, até este momento, a têm caracterizado; b) as exigências colocadas pela profunda crise que abala o nosso mundo; e, c) o debate acerca da emergência da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (eds) e das eventuais inter-relações entre estas duas perspectivas educativas.

SÍNTESIS: En el texto se destaca que la ea en Portugal tiene una rica historia, que comenzó a ser explorada en 1975: Proyectos escolares, dinamización de las poblaciones, publicaciones, y voluntad política para cuestiones del ambiente, entre otros indicadores. Una evaluación detallada de los proyectos de la ea desarrollados en Portugal a lo largo de más de treinta años, se completa con un análisis de cuestionarios. El artículo señala, además, la situación actual y las perspectivas futuras de la Educación Ambiental (ea), en donde no pueden dejar de considerarse tres aspectos esenciales, bastante interrelacionados: a) el beneficio y las deficiencias, que, hasta este momento, le caracterizan; b) las exigencias consideradas por la profunda crisis que debilita nuestro mundo; y, c) el debate acerca de la emergencia de la Educación para el Desarrollo Sostenible (eds) y de las eventuales interrelaciones entre estas dos perspectivas educativas.

1. EA, um olhar centrado na realidade portuguesa

Analisaremos as mais valias e deficiência da ea, a partir de um olhar centrado na realidade portuguesa. A ea tem, em Portugal, uma já rica história (Teixeira, 2003), que começou quando Portugal ainda estava debaixo de um regime ditatorial. Tendo em conta que «a politica pública de ambiente também se avalia pela existência, entre outros indicadores, de um ministério» (Teixeira, 2003, p. 37), é pois de assinalar a criação, logo após 25 de Abril, de um primeiro Ministério centrado nas questões do Ambiente2, que, a partir de certo momento, passa a contar com uma Secretaria de Estado do Ambiente, que tutela uma Comissão Nacional de Ambiente. Contudo, segundo João Evangelista3, a ea só se institucionaliza em Portugal em 1975 (com a dinamização do Serviço Nacional de Participação das Populações). Em 1987 é aprovada a Lei de Bases do Ambiente, e criado o inamb4 (com responsabilidades na formação e informação dos cidadãos em questões de ambiente), que lança a primeira publicação periódica sobre ea. Só em 1989, contudo, sob tutela da Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais (Ministério do Planeamento e da Administração do Território), é que o inamb vê a sua Lei Orgânica aprovada. A partir dos anos 90 Portugal passa a contar com um ministério autónomo para questões do ambiente, o Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais. Institucionalizase a organização dos Encontros Nacionais de Educação Ambiental. Em 1993 o inamb é substituído pelo ipamb5, que, a partir de 1996, assume um assinalável dinamismo. Projectos escolares de ea passam a ser alvo de uma política coordenada de apoio e financiamento (quadro I). É manifestada a vontade de elaborar uma Estratégia Nacional de ea, que, contudo, por falta de vontade politica e/ou alteração de responsáveis, nunca chegou a ser elaborada6.

QUADRO I
Projectos escolares de EA implementados em Portugal (1997/2000) e apoiados pelo IPAMB

 
1997
1998/9
1999/00
Numeros de proyectos
219
242
240
Escolas/professores/alunos/entidades
748/...
959/1214
678/1221
Financiamiento total em euros
465.000
310.000
350.000

A partir de 1997 assistese à publicação dos Cadernos de Educação Ambiental, iniciase a realização das Mostras de Projectos Escolares de ea, e entra em funcionamento uma Rede de Professores Coordenadores de Projectos de ea e de uma Rede Nacional de Ecotecas. Em 1998 é nomeado pela Secretaria de Estado do Ambiente um grupo de trabalho para elaboração da Estratégia Nacional de EA7, que, contudo, mais uma vez, apesar do trabalho substantivo produzido, e por via de flutuações políticas pouco claras, acabou por não ver a luz do dia. Com a extinção do ipamb (em 2000) diluiuse, total e inexplicavelmente, o apoio directo do Estado Português à ea.

Uma avaliação detalhada dos projectos de ea implementados em Portugal ao longo de mais de trinta anos de ea (ou mesmo somente centrada nos últimos 10 a 15 anos), exigiria um longo e laborioso trabalho de investigação, para o qual ainda não nos foi possível encontrar recursos humanos e materiais. Contudo, um estudo parcelar que orientámos (Machado, 2003), complementado por dados empíricos emergentes de estudos em curso, permitemnos identificar e interpretar algumas tendências gerais.

O estudo atrás referido (Machado, 2003) envolveu uma amostra de 62 projectos, aleatoriamente seleccionada de uma população de 605 projectos escolares de ea, realizados em Portugal entre 1996 e 1998, e financiados pelo ipamb. A investigação baseouse na análise dos formulários de candidatura e dos relatórios finais dos projectos (aos quais foi aplicada uma exaustiva grelha de verificação8), que foi triangulada com a análise dos resultados das respostas a um questionário aplicado aos coordenadores dos projectos (32 respondentes dos 63 convidados). No tratamento dos dados recorreuse ao rácio dos produtos cruzados (odds ratio) associada à taxa de incidência (relative risk), complementada pela utilização do teste Phi para medição da associação entre parâmetros9. Das variadas conclusões que foi possível retirar deste estudo, destacamos: a) as motivações dos projectos «são intrínsecas aos coordenadores», embora mais de 25% procure ponderar «motivações, interesses e necessidades do conjunto dos intervenientes» (p. 231); b) o enquadramento conceptual dos projectos «centrouse fundamentalmente na mudança de comportamentos (assumindo, no entanto, em pouco mais de metade dos projectos, um enquadramento dos problemas [...] numa lógica de desenvolvimento sustentável)» (p. v), não se verificando, contudo, «uma desejável articulação destas duas dimensões» (p. 231); c) «o envolvimento dos alunos na concepção e desenvolvimento dos projectos assume diversas fragilidades» (p. v); d) os objectivos estão formulados «fundamentalmente em função dos processos [...], que no entanto não se relacionam como o objecto para que são concebidos [...] com as formulações de produtos [...], de conteúdos, associados à mobilização de conhecimentos para a solução do problema» (p. 233); e) a intenção de utilizar uma metodologia de trabalho de projecto «é muitas vezes claramente explicitada, mas a sua execução é deficiente» (p. v); f) verificase, em muitos casos, quer o recurso a «actividades de carácter prático e manual (sem associação clara à conceptualização dos problemas...), quer o «refúgio em actividades de visita a locais de interesse...» (p. 233); g) na globalização dominam os métodos passivos (56%) – elaboração de desdobráveis e brochuras (45%), a preparação de uma exposição (25%) –, se bem que 44% recorra a actividades de carácter mais activo (nomeadamente sessões de animação e intervenção); h) na divulgação 53% recorre a associações de formas de alguma forma activas (sessões de animação e intervenção nomeadamente), enquanto 47% recorre a associações diversas de formas passivas, como um qualquer tipo de publicação (82%)10, emissões de rádio (29%), exposições e cartazes (65%); i) no que se refere à avaliação, só 16% dos projectos «expressam [...] métodos e técnicas a utilizar» (p. 234).

Num estudo em curso, baseado na análise dos resumos referentes a 691,11 projectos, apresentados nas três Mostras de Projectos Escolares de Educação Ambiental (realizadas em 1998, 1999 e 2000), não nos foi possível ainda identificar um só projecto que: a) incluísse actividades de projecção do futuro (análise reflectida de futuros desejados); b) estivesse organizado numa clara lógica de complexidade, explorando consistentemente inter-relações entre aspectos ambientais relativos ao meio ambiente natural e aspectos sócio-económicos com eles relacionados; c) abordasse problemáticas como a guerra e o militarismo, as questões de género, a pobreza, ou mesmo as inter-relações ambiente-saúde, numa lógica de complexidade. A referência à reflexão sobre valores, à promoção do pensamento crítico, sistemático e complexo e ao estabelecimento de parcerias para o futuro, é inexistente ou muito rara e incipiente.

Deste breve quadro empírico ressaltam com clareza algumas das principais mais valias e deficiências da ea em Portugal (e, estamos em crer, em muitos outros locais do mundo). Apesar dos importantes contributos que deu, a ea tem manifestado muitas vezes uma certa indefinição epistemológico-ética e conceptual (ou, pelo menos, uma incapacidade para assumir as teorizações mais críticas), associada a deficiências metodológicas. Assim, a ea acabou por assumir, em muitos casos, dimensões de reducionistas, comportamentalistas, ritualizadas e, em consequência, características endoutrinantes (Brügger, 2004), típicas do pensamento dominante que pretende criticar. Por outro lado, a necessidade de trabalhar aspectos relevantes relacionados com a conservação da natureza, a gestão dos recursos e resíduos, os problemas do ordenamento, ou, mesmo, as questões de conservação do património histórico-cultural, acabam dificultando outro tipo de intervenções centradas na interligação de domínios, na inter-dependência das partes, no todo complexo de que fazemos parte. Sendo potencialmente tudo (mas não tendo conseguido resgatar a vocação global de perspectiva educativa critica), a ea acabou se assumir como uma dimensão educativa que trata principalmente de aspectos parcelares da relação do homem com o meio, e se centra na sensibilização e na aquisição de comportamentos «ambientalmente» mais responsáveis.

2. Emergência e evolução da eds

A idéia de eds começou a ser explorada quando o Desenvolvimento Sustentável (ds) foi assumido como meta global na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1987 (Hopkins, e McKeown, 2002). O conceito de eds foi maturando entre 1987 e 1992, e tomou forma mais precisa no capítulo 36 da Agenda 21, aprovada na Cimeira da Terra (Rio de Janeiro, 1992), sob a designação «educação para o ambiente e o desenvolvimento». Tratase do «nascimento» formal da eds, na «barriga de aluguel» da ea (Freitas, 2005a), que pode ser considerado como o momento crucial do confronto que hoje vivemos entre as designações Desenvolvimento Sustentável e Educação para o Desenvolvimento Sustentável (consagradas na Cimeira do Rio através da Agenda 21), e as designações Educação Ambiental e Sociedades Sustentáveis (consagradas no Fórum Internacional de ONG12, através do «Tratado sobre educação ambiental para uma sociedade sustentável e para a responsabilização global»). Tratase, segundo Caride, e Meira (2004), da «projecção prática no terreno educativo» das tendências ambientalista e ecologista (p. 74), sendo de assinalar que – e essa é uma das contradições linguísticas que noutro momento já referimos (Freitas, 2005a) – é a tendência ecologista quem parece defender o termo educação ambiental, sendo a tendência ambientalista conotada com a defesa do termo educação para o desenvolvimento sustentável.

Evoluindo, depois de 1992, em sede de diversas reuniões e meetings internacionais, a eds foi mantendo com a ea relações operacionais de natureza basicamente complementar (se bem que, muitas vezes, envoltas de polémica, quanto a áreas de abrangência mútua, bondade de cada uma das designações, intencionalidade das propostas de cada uma das perspectivas, etc). Na Conferência de Tessalónica (1997), e, depois, na Cimeira de Joanesburgo (2002), é realçada a importância da eds na construção do ds. As Nações Unidas proclamam a Década das nu para a eds (2005-2014), a unesco é designada agência responsável pela sua implementação, e são produzidos documentos estratégicos (no contexto mundial, europeu, geo-regional e nacional). Na generalidade dos documentos citados, a ea é contextualizada ora como componente fundamental, ora como fonte de inspiração referencial da eds.

3. Relações EDS/EA

A maioria dos especialistas inquiridos no âmbito do ESDebate (Hesselink, e outros, 2000) parece «encarar a eds como um novo estado evolutivo ou uma nova geração de ea» (Hesselink, e outros, 2000, p. 21). Há, contudo, outras opiniões. Caride, e Meira (2004), por exemplo, argumentam que «a Educação Ambiental para o Desenvolvimento Humano Sustentado, ou como se queira denominar, arrastada pela sedução destes conceitos, poderá derivar numa perigosa indefinição...» (p. 197), e realçam o perigo de que «debaixo de um discurso aparentemente comprometido com a mudança social [...] se pode estar salvaguardando a mesma orientação de desenvolvimento, da cultura e da política económica que tem gerado os problemas sócio-ecológicos existentes» (p. 198). Defendendo que «os enquadramentos que propiciam o saber e o saber fazer educativo-ambiental não poderão restringirse apenas a suscitar atitudes nas pessoas para um desenvolvimento sustentável» (p. 278), parecem encaminharse mais no sentido de considerar a eds como uma parte da ea (Freitas, no prelo b). McKeown, e Hopkins (2002), por seu turno, defendem que a eds e a ea «têm similaridades», mas são abordagens «distintas, ainda que complementares», e que é importante que «a ea e a eds mantenham agendas, prioridades e desenvolvimentos programáticos diferentes» (p. 127).

4. Do confronto das interpretações à possibilidade da sua superação

Tanto a ea como o debate das questões de ambiente e desenvolvimento, encontramse marcados, desde início, pelo confronto entre diferentes entendimentos dos conceitos de «ambiente», «ambiental» e «desenvolvimento». Como já se assinalou, Caride, e Meira (2004), reportandose aos trabalhos preparatórios da Conferência de Estocolmo (1972), distinguem entre: a) uma perspectiva conservacionista e reducionista (defendida principalmente pelos «países desenvolvidos»), que, de acordo com outros autores, designam por tendência «ambientalista»; b) uma perspectiva alternativa, mais integradora (defendida em grande parte dos «países em vias de desenvolvimento»), que designam por tendência «ecologista». É, no âmbito deste confronto que os citados autores inscrevem a discussão acerca dos conceitos de «desenvolvimento sustentável» e de «desenvolvimento humano sustentável», e defendem que se devem interpretar as «concepções e práticas que se promovem para contrapor a educação ambiental à educação ecológica», ou, mais recentemente, o «deslocar o conceito de educação ambiental pelo de educação para o desenvolvimento sustentável (eds)» (p. 90). Pela nossa parte, num outro momento (Freitas, 1996) defendemos ser possível identificar, no domínio das inter-relações ambiente/desenvolvimento, três perspectivas principais: a) uma tendência «naturalista idealista» (típica de certos grupos e sectores ecologistas); b) uma «tendência tecnológico-instrumental» (característica de certos sectores tecnocráticos e de largos sectores do poder económico e politico); c) uma tendência «realista critica» (defendida pelos mais destacados especialistas de ea). Em qualquer caso, não nos podemos esquecer que nos encontramos envolvidos num complexo «bailado» de elaborações teóricas (e respectivas repercussões práticas) em torno dos termos ambiente/ambiental, ecologia/ecológico, desenvolvimento económico/desenvolvimento humano, desenvolvimento sustentável e educação para o desenvolvimento sustentável.

Na figura 1 encontrase, esquematicamente representado, como é que a nossa análise em três tendências se interliga com a análise em duas tendências. A mesma figura ilustra, ainda, a idéia de que, entre duas posições mais extremas, se pode considerar a existência de um certo continuum de posicionamentos, e como é que uma postura crítica reflexiva pode abrir caminho à superação de dicotomias (aparentemente irreconciliáveis).

Mais do que tomar simplesmente partido por uma designação em detrimento de outra, importa travar uma luta pelo significado desses termos e dos conceitos a que eles designam. O problema das significações (e dos diferentes mundos que elas geram) é mais um problema de essência humana que um problema deste ou daquele tipo de abordagem educativa.

Vivemos em linguagem, de tal forma que «o observador vê que as descrições podem ser feitas tratando outras descrições como se fossem objectos ou elementos do domínio das interacções» (Maturana, e Varela, p. 181). A linguagem, ou melhor, «o operar recursivo em linguagem», é a «condição sine qua non para experiência que associamos ao mental» (Maturana, e Varela, 1990, p. 199). Aquilo que experimentamos «como consciência e como a nossa mente, é, pois, uma nova dimensão de coerência operacional» (p. 200), e há uma indivisibilidade «entre o que fazemos e a nossa experiência do mundo com suas regularidades», pelo que «fazer é conhecer», e «conhecer é fazer» (Maturana, e Varela, 1990, p. 20). Assim, qualquer acto de conhecimento está intimamente ligado a um ou mais actos do nosso operar recursivo em linguagem, pelo qual tratamos as descrições de objectos como se de objectos se tratasse. O fenómeno de conhecer «não pode ser encarado como se houvesse “factos” ou objectos lá fora que cada um capta e mete na cabeça» (Maturana, e Varela, 1990, p. 21), já que a clausura operacional do sistema nervoso determina a não possibilidade de criação de uma qualquer representação interna objectiva da realidade exterior, mas, antes, a capacidade de «fazer emergir um mundo» e de «criar o seu próprio mundo de significações» (Varela, 1989, p. 217). Como observadores, envolvemonos sistemática e recorrentemente em actos de conhecimento, e «todo o acto de conhecimento faz surgir um mundo» (Maturana, e Varela, 1990, pp. 31-32). Vemos, tacteamos e cheiramos não só com os órgãos dos sentidos, mas com o todo o corpo. A mente está incorporada e as emoções e sentimentos são tão cognitivas como os raciocínios (Maturana, e Varela, 1990; Edelman, 1995; Damásio, 1995). Não há outra maneira de proceder nas sociedades humanas senão aceitar a subjectividade e potenciar o valor educativo da ambiguidade e da partilha de significados.

FIGURA 1
Conflito de tendências e possibilidades de superação

O conhecimento humano é «sempre vivido numa dada tradição cultural» (p. 206). As descrições dominantes produzidas no âmbito da ciência/saber (cultura dominante) do Norte-Ocidente, criaram e continuam «criando um mundo» de futuro fechado; maioritariamente regulado pelo mercado; que tem como fim o crescimento económico contínuo, que supostamente melhora a vida de todos, não evitando que haja (como sempre houve, dirseá) pobres e ricos, bons e maus, bem e mal sucedidos; onde a ciência e a tecnologia são sacralizadas e veneradas como geradoras de um sempre maior domínio da natureza, etc., etc. Reconhecendo uma parte da crise em que estamos mergulhados e o falhanço de certas formas de acção passada, alguns pensam que esta forma dominante de «criar um mundo» deve ser simplesmente remodelada, de uma forma que julgam poder apelidar de «sustentável», e que preferem definir como sendo a que assegura as necessidades de hoje, garantindo, simultaneamente, as necessidades futuras (sem contudo definir que necessidades são essas).

Mas, por via de descrições alternativas à dominante, é possível «criar outros mundos» de futuro aberto; não guiados (pelo menos exclusivamente) pelas leis de mercado; onde não há necessariamente pobres e ricos; e onde uma ciência/saber reflexivo e uma tecnologia não arrogante (pós-modernos) são capazes de se repensar internamente e de conviver harmoniosamente com outras formas de saber, de fazer e de sentir. Produzir uma tripla ruptura e reunificação epistemológica, é, pois, uma condição básica para novos actos de conhecimento do mundo e consequentes «construções de novos mundos» (figura 2).

FIGURA 2
Tripla ruptura e tripla unificação epistemológico-ética (adaptado de M. Freitas, 2005)

O debate entre «desenvolvimento sustentável» e «sociedades sustentáveis», e/ou «educação para o desenvolvimento sustentável» e «educação ambiental», não é, necessariamente, o debate entre a hegemónica «norte-ocidental» (colonial e pós-colonial) forma de ver o mundo e uma visão do mundo crítica, transformadora e emancipatória. Debaixo de cada um dos termos encontramse tendências apoiadas não só numa ou outra das perspectivas extremas a que se aludiu, mas também numa infinidade de cambiantes e recombinantes. Um mundo complexo, vivendo uma crise complexa, não pode ser reduzido à defesa da bondade de uma designação que se reclama (mas não é totalmente) representativa de uma visão de mundo, contra outra designação que se julga ser (mas não é totalmente) representativa de outra visão de mundo.

É verdade que há, por parte de sectores neoliberais, uma clara tentativa de instrumentalização dos termos «sustentável» e «desenvolvimento sustentável». Por outro lado, políticos, empresários, jornalistas, gestores e cidadãos comuns, integraram os citados termos na linguagem diária, e utilizamnos, ora de forma instrumental e avulso, ora no contexto de crenças mais profundas, para legitimar de um discurso, uma proposta, uma alternativa. Contudo, há igualmente que reconhecer que existem outros entendimentos para os referidos termos, e que o abandono da luta pela significação destas poderosas designações «fetiche» do nosso tempo servirá, em última instância, para que elas permaneçam associadas à lógica de pensamento dominante que gerou a crise, ou se banalizem perdendo força e significado.

Convirá, ainda, não esquecer que algo de muito semelhante aconteceu (e está acontecendo) com os termos «ambiente» e «ambiental» (e, até, com os termos «ciência» e «científico»). O rótulos «ambiente» e «ambiental» foram e são, de facto, utilizados de forma igualmente instrumental e avulso. Vejase, por exemplo a sua sistemática utilização: para referir a aspectos que têm que ver somente à envolvente natural (incluindo, quando muito, uma dimensão cultural humana); em contextos de mero marketing comercial; na designação de ministérios nacionais e de comissões politicas internacionais. Mas, por que razão criar então uma nova designação?

Em primeiro lugar, por uma questão de eficácia conceptual e metodológica. De facto, em virtude de tudo o que até aqui foi afirmado, a ea acabou por assumir, em muitos casos, dimensões de implementação prática reducionistas, comportamentalistas, ritualizadas, e, por vezes, tão endoutrinantes como as inerentes ao pensamento dominante que pretende criticar. Por outro lado, a necessidade de trabalhar relevantes aspectos relacionados com a conservação da natureza, a gestão dos recursos e resíduos, os problemas do ordenamento, ou, mesmo, as questões relacionadas com a conservação do património cultural, acabam dificultando outro tipo de intervenções mais centradas na interligação de domínios, na inter-dependência das partes, no todo complexo de que fazemos parte e onde vivemos. Sendo potencialmente tudo, mas não tendo conseguido totalmente resgatar a vocação global de perspectiva educativa critica, a ea acabou se assumir mais como uma dimensão educativa que trata da relação do homem com o meio, e se centra mais na aquisição de comportamentos ambientalmente mais responsáveis. A ea necessita, pois, de um forte movimento de des(re)construção criativa. Dispor de um novo espaço educativo que se preocupe de forma exclusiva com a inter-dependência das partes, numa lógica de complexidade, pode, por si, gerar importantes dinâmicas, e, ao mesmo tempo, ajudar (e já está ajudando) ao repensar da ea.

Em segundo lugar, uma razão de natureza estratégico-política. Os conceitos de «sustentabilidade» e de «sustentável» são conceitos emergentes, de largo poder heurístico, com capacidade de afirmação transdisciplinar e mesmo «transcientífica», e com vocação de «processo» mais do que «estado». Integrar esses conceitos numa lógica de parte discreta de uma abordagem educativa encimada pelos conceitos de «ambiente» e de «ambiental» (que, pese embora a sua vocação inter-disciplinar e holística, não conseguiram imporse como tal) pode ser não só impossível como também contraproducente.

E que designação adoptar, então? Estamos conscientes de que o termo desenvolvimento (pela conotação com a ideia de crescimento económico contínuo) desencadeia algumas resistências em vários sectores. Outro termo que alguns consideram menos polémico é o de Educação para a Sustentabilidade. Em qualquer caso, não supomos ser necessário e/ou desejável que uma designação substitua outra, mas antes que convivam, como parentes muito próximas que, numa fase determinada da nossa história educativa, tiveram necessidade de, pelo menos em parte, se autonomizar, nem que seja «vivendo na casa ao lado». E nem sequer sabemos se, no futuro, não teremos que «derrubar as paredes» que dividem as duas «casas» ou, mesmo (quem sabe), derrubar outras «paredes» que dividem a «grande casa» da educação, em geral.

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Notas:

* Subdirector del Instituto de Educación y Psicología de la Universidad do Minho, Braga, Portugal.

1 Com apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (fct), Portugal.

2 Ministério do Equipamento Social e do Ambiente (I, II, III, IV e V Governos Provisórios).

3 Entrevista concedida a Cristina Baptista, Cadernos de Educação Ambiental, n.º 29, Junho de 2000.

4 Instituto Nacional do Ambiente, que só em 1989, sob tutela da Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais (Ministério do Planeamento e da Administração do Território), vê aprovada a sua Lei Orgânica.

5 Instituto de Promoção Ambiental.

6  Tinha, entretanto, já começado a emergir (a partir de 1992, ou mesmo um pouco antes, 1987) a perspectiva da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (eds). Em 1997, foi o Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Portugal é subscritor de acordos relativos à implementação da Década das Nações Unidas para a eds (deds) e, contudo a propósito desta matéria não aprovou, ainda, um documento estratégico. E isto apesar de Portugal ter sido um dos primeiros países europeus a realizar uma Conferencia Internacional sobre essa problemática, em Maio de 2004, por iniciativa do Departamento e Universidade a que pertenço.

7 A que tive a honra de pertencer.

8 Centrada em cerca de 180 itens, agrupados hierarquicamente segundo vários grupos de indicadores, seleccionados de acordo com oito parâmetros qualitativos globais de avaliação: desenvolvimento geral do projecto, consecução dos objectivos, adequação das metodologias, desenvolvimento das actividades, avaliação, globalização, divulgação e custos.

9 Refinada com aplicação do teste de McNemar para pares de parâmetros, e Q de Cochran para grupos de parâmetros. Para as respostas aos questionários (escala tipo Likert) utilizaram-se o coeficiente de Spearman e o teste de Wilcoxon.

10 Em jornais locais ou nacionais (48%), desdobrável ou brochura (47%), jornais escolares (36%).

11 Respectivamente, 219 projectos em 1998, 242 projectos em 1999, e 240 projectos em 2000.

12 Celebrado simultaneamente, e em separado, no Rio de Janeiro.

 


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