Revista Iberoamericana de Educación (2024), vol. 94 núm. 1, pp. 37-53 - OEI
https://doi.org/10.35362/rie9416088 - ISSN: 1022-6508 / ISSNe: 1681-5653
recibido / recebido: 30/10/2023; aceptado / aceite: 05/02/2024
Protótipo de um jogo digital para o treinamento de funções executivas em estudantes com paralisia cerebral
Prototipo de juego digital para el entrenamiento de las funciones ejecutivas en alumnos con parálisis cerebral
Prototype of a digital game for training executive functions in students with cerebral palsy
Caroline Junqueira de Pádua Stabile 1 https://orcid.org/0000-0001-5539-4455
Manoel Osmar Seabra Junior 1 https://orcid.org/0000-0002-8429-2180
Gisele Silva Araújo 1 https://orcid.org/0000-0003-2064-7509
Janiele de Souza Santos Uchelli 1 https://orcid.org/0000-0003-4331-3288
1 Universidade Estadual Paulista (Unesp), Brasil
Resumo. O objetivo deste estudo foi desenvolver e validar um protótipo de um jogo digital como recurso de Tecnologia Assistiva para o treinamento das funções executivas de memória de trabalho e atenção seletiva em estudantes com paralisia cerebral. Para tanto, o estudo foi desenvolvido em três etapas. A primeira etapa consistiu na análise de um conjunto de diretrizes na literatura que contemplavam informações sobre o desenvolvimento de jogos digitais para estudantes com paralisia cerebral. Na segunda etapa, foi desenvolvido o protótipo do jogo digital na plataforma livre Engine GDevelop, disponível para a construção de jogos digitais. E, na terceira etapa, ocorreu a validação do protótipo do jogo digital junto a especialistas na área de Educação Especial e de jogos, onde foi formado um grupo de discussão composto por seis avaliadoras com experiência em intervenções com estudantes com paralisia cerebral. Os resultados demonstraram que após o consenso do grupo, foi recomendado pelas avaliadoras algumas modificações no desenvolvimento do protótipo. Desse modo, pôde-se concluir que o protótipo do jogo digital atende às funções executivas propostas e pode ser considerado como recurso de Tecnologia Assistiva para o treinamento de estudantes com paralisia cerebral compreendidas até o nível 3 de GMFCS e MACS.
Palavras-chaves: educação especial; paralisia cerebral; jogos educacionais; função executiva; tecnologia assistiva.
Resumen. El objetivo del presente estudio es desarrollar y validar un prototipo de juego digital como recurso de Tecnología de Apoyo para el entrenamiento de las funciones ejecutivas de la memoria de trabajo y la atención selectiva en alumnos con parálisis cerebral. El estudio se ha llevado a cabo en tres fases. La primera fase ha consistido en analizar una serie de directrices en la literatura sobre este asunto que incluyen información sobre el desarrollo de juegos digitales para alumnos con parálisis cerebral. En la segunda fase, se ha desarrollado el prototipo de juego digital en la plataforma gratuita Engine GDevelop, disponible para crear juegos digitales. En la tercera etapa, el prototipo del juego digital ha sido validado por especialistas en el área de la educación especial y los juegos, donde se ha creado un grupo de debate compuesto por seis evaluadores con experiencia en intervenciones con alumnos con parálisis cerebral. Los resultados demuestran que, tras el consenso del grupo, los evaluadores recomendaron ciertas modificaciones en el desarrollo del prototipo. Así, podemos concluir que el prototipo de juego digital cumple con las funciones ejecutivas propuestas y puede ser considerado un recurso de apoyo de para el entrenamiento de estudiantes con parálisis cerebral hasta el nivel 3 de GMFCS y MACS.
Palabras clave: educación especial; parálisis cerebral; juegos educativos; función ejecutiva; tecnología de apoyo.
Abstract. The objective of this study was to develop and validate a prototype of a digital game, for use as an Assistive Technology resource, for training the executive functions of working memory and selective attention in students with cerebral palsy. To this end, the study was developed in three stages. The first stage consisted of analyzing a set of guidelines in the literature that included information on the development of digital games for students with cerebral palsy. In the second stage, the Digital Game prototype was developed on the free Engine GDevelop platform, available for building digital games. Finally, in the third stage, the prototype of the digital game was validated by experts in the area of Special Education and games. This involved the formation of a discussion group, made up of six evaluators with experience in interventions with students with cerebral palsy. The results showed, after reaching a group consensus, the evaluators recommended some modifications in the development of prototype. Thus, it could be concluded that the prototype of the digital game attends the proposed executive functions and can be considered as an Assistive Technology resource for training students with cerebral palsy up to level 3 of GMFCS and MACS.
Keywords: special education; cerebral palsy; educational games; executive function; assistive technology.
1. Introdução
As habilidades cognitivas compreendem ações como memória, atenção, criatividade, planejamento, dentre outras, que são desenvolvidas naturalmente durante a infância. Nas crianças com paralisia cerebral (PC) essas habilidades podem ser afetadas prejudicando o seu desenvolvimento. Nos últimos anos, o uso dos jogos como recurso de Tecnologia Assistiva (TA) tem crescido no ambiente escolar, com a finalidade de treinamento de funções motoras e executivas. Segundo Ramos (2013), no contexto escolar, os jogos têm oferecido contribuições significativas para o desenvolvimento e aprimoramento das funções executivas, fundamentais ao processo de aprendizagem de todos os estudantes, seja em salas de aula regular como em Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), local destinado para o Atendimento Educacional Especializado (AEE). De acordo com o Decreto nº 7.611/2011, o AEE é um serviço que objetiva o atendimento de estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação. Esse atendimento é realizado por profissionais especializados que, ao realizarem ações pedagógicas, buscam desenvolver as habilidades cognitivas, socioafetivas, identitárias, culturais, dentre outras dos estudantes. Neste cenário, em relação a utilização dos jogos pelos profissionais do AEE, Garcia (2017) observa que os jogos digitais ajudam os alunos no aprimoramento de suas funções executivas tanto no contexto escolar, quanto em outros contextos. No entanto, considera-se que, para o desenvolvimento e a aprendizagem de estudantes com PC, não basta apenas adotar o uso de jogos em sala de aula, antes disso é preciso compreender a PC e as suas classificações motoras, considerando que o planejamento de ações para interação com os jogos pode se diferenciar diante das necessidades específicas de cada um dos envolvidos.
1.1 Paralisia Cerebral
A PC segundo as Diretrizes de Atenção a Pessoa com Paralisia Cerebral, “descreve um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento do movimento e postura atribuídos a um distúrbio não progressivo que ocorre durante o desenvolvimento do cérebro” (Ministério da Saúde, 2013, p. 9). O estudo de Amaral e Mazzitelli (2003), acrescenta que fatores como tônus muscular, movimentos e postura são alterações que podem ocorrer. Esta alteração pode acontecer durante a gestação e até mesmo após o parto, sendo diagnosticada até por volta dos dois anos de idade. A gravidade da PC irá determinar as limitações que a criança terá no futuro. O diagnóstico é realizado com uma avaliação clínica, observando os movimentos do corpo. De acordo com Krigger (2006, p. 91) a “observação de desenvolvimento motor lento, tônus muscular anormal e postura incomum são pistas iniciais comuns para o diagnóstico de paralisia cerebral”.
Após o diagnóstico, as pessoas com PC podem ser classificadas de acordo com o grau de acometimento funcional, além dos sinais clínicos, onde se observa o tônus muscular, que pode ser: 1. Espástico (caracterizado por manter os músculos contraídos); 2. Discinético (movimentos involuntários ao realizar um movimento voluntário); e, 3. Atáxico (movimentos não coordenados).
Com essa classificação clínica da PC supramencionada, foram criadas outras avaliações dentre as quais denominou-se Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS), Sistema de Classificação da Habilidade Manual (MACS) e Classificação de Função da Comunicação (CFCS).
Os estudos de Palisano et al. (1997) e Hiratuka et al. (2010), classificaram a GMFCS em até cinco níveis, referentes aos movimentos voluntários (quanto maior o nível, maior será o comprometimento motor desse indivíduo). Já a classificação MACS, refere-se às habilidades manuais em nivelamento entre 1 até 5. Quanto mais alto o nível mais grave será a limitação (Eliasson et al., 2006).
No estudo de Monteiro (2011), verificou-se que as crianças não estimuladas em nível sensório-motor apresentaram posturas e movimentos alterados, o que possivelmente gerou déficits cognitivos pela ausência de estímulos ambientais.
Nogueira (2015), evidencia que a ausência de mobilidade da pessoa com deficiência tem refletido diretamente no crescimento da criança, afetando a questão de nutrição e a formação óssea. Isso significa que o estímulo é uma via estratégica necessária as pessoas com PC, para possibilitar a retomada da função comprometida, bem como para possibilitar o desenvolvimento de novas capacidades.
Para o uso de jogos digitais com pessoas com PC, uma outra classificação importante é a observação das habilidades manuais por meio do Sistema de Classificação da Habilidade Manual (MACS). Segundo Eliasson et al. (2006) tal classificação verifica como a criança ou o jovem com PC movimentam as suas mãos ao manipular diferentes objetos.
A verificação da limitação, tanto da criança quanto dos jovens, nestes modelos de classificação é importante para que se entenda os prejuízos e as capacidades e, assim, se trabalhe com uma intervenção que minimize as limitações funcionais decorrentes das desordens motoras impostas pela PC.
1.2 Funções executivas
Conforme o estudo de Miyake et al. (2000), as funções executivas se dividem em três tipos de habilidades, que são: memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva. Essas habilidades são fundamentais para as atividades da pessoa em todos os lugares, pois é por meio delas que a pessoa se desenvolve. Segundo Dias e Seabra (2013), o controle inibitório tem a função de controlar reações externas em relação ao que a pessoa está fazendo, evitando distrações e ativando a atenção seletiva no meio de tanta informação que possa estar acontecendo simultaneamente. Ainda referente à atenção seletiva, Pinheiro e Rossini (2012, p. 263) evidenciam que “o estudo da atenção seletiva é comumente realizado por meio de tarefas de busca visual em que os participantes procuram ativamente por um determinado estímulo-alvo apresentado em meio a estímulos distratores”.
A segunda habilidade, memória de trabalho, busca utilizar informações mais antigas com outras que estão acontecendo no momento. Diamond (2013) relata que essa habilidade é fundamental, pois a utilizamos para realizar alguma tarefa onde precisamos juntar duas informações, uma recente e outra guardada já a algum tempo, para assim fazerem sentido.
Neste contexto, há uma relação entre a memória de trabalho e a atenção seletiva. Diamond (2013) observa que quando o indivíduo direciona a sua atenção seletiva para um estímulo específico em seu contexto, essa informação é processada e armazenada temporariamente na memória de trabalho (curto prazo), que por sua vez, desempenha um papel essencial na manutenção e manipulação das informações relevantes que estão sendo focadas pela atenção seletiva. Ela permite que o indivíduo mantenha informações-chave em mente enquanto executa tarefas cognitivas. À medida que a atenção seletiva é direcionada para diferentes estímulos ou informações, a memória de trabalho está constantemente atualizando e substituindo seu conteúdo para refletir as informações mais relevantes para a tarefa em questão.
A terceira habilidade, flexibilidade cognitiva, relaciona-se a busca para adaptar-se a diferentes situações vivenciadas em diferentes ambientes. Segundo Dias e Seabra (2013), o sujeito pode se adaptar a novas regras, sem se manter preso a ideias fixas, sobretudo, trabalhando em sua criatividade.
Todas essas funções executivas e outras são fundamentais para o desenvolvimento da criança, mas elas não acontecem todas de uma vez. Ainda de acordo com Dias e Seabra (2013), o ensino precoce dessas habilidades traz benefícios para as crianças, podendo ser feito de diversas formas com atividades adequadas.
Nesse sentido, para se treinar essas habilidades cognitivas na pessoa com PC, estão sendo utilizados, dentre outros métodos, os jogos digitais e analógicos, conforme constatado por Ramos e Garcia (2019, p. 51), que observaram em suas pesquisas, que “o uso dos jogos pode oferecer contribuições ao desenvolvimento das funções executivas aos Estudantes do Público-Alvo da Educação Especial” (EPAEE). O jogo digital pode ser utilizado para o desenvolvimento e treinamento de funções executivas, desde que tenha sido projetado com este objetivo, além disso, ele também pode ser utilizado como um recurso de TA, caso apresente adaptações necessárias ao indivíduo com estímulos à sua funcionalidade, no alcance da independência e da autonomia.
1.3 Os jogos digitais e a tecnologia assistiva
Na contemporaneidade, a sociedade está envolta com um universo de recursos tecnológicos que podem ser utilizados de forma benéfica, desde que planejado e estruturado para determinado fim. Sobretudo, ao pensar no EPAEE e na importância do seu desenvolvimento cognitivo, físico e psicossocial, a tecnologia pode ser uma via estratégica e potencial para esses sujeitos (Pereira, 2010). Neste cenário, os jogos digitais têm se destacado no contexto educacional como objetos de ensino e aprendizagem para a promoção de engajamento dos alunos em sala de aula, tendo como característica atraente e motivadora, a ludicidade.
De acordo com a literatura, os jogos digitais fazem com que os alunos aprendam e desenvolvam diversas habilidades como resolver problemas, pensamentos críticos e tomada de decisões. Huizinga (2019), afirma que o jogo proporciona uma formação integral ao sujeito. Schuytema (2008), defende que os jogos possibilitam uma atuação e interação do jogador aliando entretenimento e desafios. Para Caillois (2017) o jogo é uma cultura que possibilita ao sujeito criar e imaginar. Já Yanaze e Malheiro (2022), descrevem que os jogos, sejam eles digitais ou analógicos, dão sentido ao jogador por sua ludicidade, e essa questão reflete no desenvolvimento dos valores e na individualidade da pessoa. Nesse contexto, verifica-se que os jogos digitais podem ser alternativas para estudantes com PC, como recurso de acessibilidade por meio da TA, a fim de promover a qualidade de vida para esse público.
Na concepção de Seabra Junior (2022) a TA pode ser customizada, prescrita e avaliada a partir de um processo de codesign, que considera a participação ativamente de todos os envolvidos na vida diária do participante EPAEE, tanto na elaboração, quanto na adaptação do recurso, na estratégia ou no serviço oferecido, de modo que esses elementos possibilitem a funcionalidade no desempenho da tarefa prevista e, consequentemente, independência e autonomia.
A TA é definida por Cook e Hussey (1995), como um conjunto de recursos como equipamentos, metodologias e estratégias desenvolvidas para minimizar as limitações funcionais dos sujeitos com deficiência. Segundo o estudo de Sartoretto e Bersch (2023), a TA é definida como um recurso com capacidade para possibilitar ou acrescentar habilidades para pessoas com deficiência, numa perspectiva de inclusão e independência. Tais discussões corroboram Tavares et al. (2020), que destacam o uso de tecnologias, como smartphones e tablets por pessoas com PC; para eles embora tais tecnologias não tenham sido planejadas com o propósito de TA, elas demonstram uma notável capacidade de adaptação para desempenhar tal função. Esses dispositivos destacam-se pela flexibilidade de suas configurações de interface, pela facilidade de acesso à ampla população e pela diversidade de conteúdos e atividades disponíveis, consolidando-se como instrumentos valiosos para promover a inclusão digital de indivíduos com deficiência. O emprego dessas ferramentas tecnológicas não se limita ao toque manual, visto que também incorporam recursos de comandos de voz e acionamentos sem toque por meio da câmera, proporcionando, assim, diversas alternativas de interação para o público que possui alguma deficiência.
Os jogos digitais, implementados nas supracitadas tecnologias, como recurso de TA, também tem se destacado pelas propostas de desafios que apresentam aos jogadores. Diferentes desafios implementados nos jogos são criados e programados de forma intencional, visando motivar o jogador para exercer um pensamento crítico. Além disso, jogos com o foco em jogadores com PC, devem serem vistos também como possibilidades de novas vivências, diversões, desenvolvimento cognitivo e motor, autonomia, independência, entre outras possibilidades que caminham na direção da inclusão (Seabra Junior et al., 2023). Todavia, percebe-se a relevância de aprofundar o conhecimento científico na validação de jogos como recurso de TA, para que se possa treinar as funções executivas de estudantes com PC que possuem necessidades específicas.
Diante destas afirmações, esse estudo buscou esclarecer questões como: o que um protótipo de jogo digital desenvolvido em plataforma livre necessita para que possa ser utilizado como recurso de TA para o treinamento de habilidades cognitivas para o estudante com PC? Como um jogo pode possibilitar o treinamento dessas habilidades cognitivas? Para responder estas questões, este estudo estabeleceu como objetivo desenvolver e validar um protótipo de um jogo digital como recurso de TA para o treinamento das funções executivas de memória de trabalho e atenção seletiva em estudantes com PC.
2. Métodos e materiais
Esse estudo integra um projeto maior, submetido ao Comitê de Ética da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, em conformidade com os aspectos éticos da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 58589322.7.0000.5402/ Parecer Consubstanciado: 6.020.965).
A pesquisa foi de abordagem qualitativa, desenvolvida no âmbito do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Tecnologia Assistiva, Inclusão Escolar e Adaptação (Letaia) da Unesp, Presidente Prudente. Teve por objetivo desenvolver e validar um protótipo de jogo digital, para ser utilizado como recurso de TA com estudantes com PC no treinamento de suas funções executivas, especificamente, memória e atenção seletiva. O protótipo foi desenvolvido para contemplar estudantes com PC com classificação no GMFCS e MACS até o nível 3, conforme:
• GMFCS: Nível 1 – anda sem limitações; Nível 2 – anda com limitações; Nível 3 – anda utilizando um dispositivo manual de mobilidade (Cyrillo & Galvão, 2015).
• MACS: Nível 1 – manipula objetos facilmente; Nível 2 – manipula a maioria dos objetos com redução na velocidade e qualidade; Nível 3 – manipula objetos com dificuldade, necessita de ajuda para preparar ou modificar as atividades (Eliasson, 2006; Cyrillo & Galvão, 2015).
2.1 Desenvolvimento do protótipo
O desenvolvimento do protótipo se deu em três etapas, conforme demonstrado no Quadro 1.
Quadro 1. Etapas de desenvolvimento do protótipo.
Etapas |
Desenvolvimento |
1ª Etapa: Análise de um conjunto de diretrizes na literatura. |
Na primeira etapa, foi analisado um conjunto de diretrizes na literatura, que trouxessem informações sobre o desenvolvimento de jogos digitais para estudantes com PC, para treinamento das funções executivas. Para tanto, foram identificados, extraídos e analisados elementos de documentos, artigos, teses e dissertações, no intuito de elencar algumas diretrizes para serem utilizadas na segunda etapa no desenvolvimento do protótipo ao estudante com PC. |
2ª Etapa: Desenvolvimento do protótipo. |
Na segunda etapa, foi desenvolvido o protótipo em uma plataforma livre denominada de Engine GDevelop, disponível para a construção de jogos digitais. O objetivo do protótipo consistiu em uma história que encena o jogo de uma fazendinha, onde o fazendeiro, o Sr. Manoel, perde alguns de seus animais e precisa da ajuda do jogador para encontrá-los. Os personagens são: o fazendeiro (Sr. Manoel) e 5 espécies de animais (galinha, ovelha, porco, vaca e cavalo). Os animais são apresentados de forma aleatória, e de acordo com o nível, caminham pela tela do jogo para que o jogador selecione a quantidade certa, solicitada pelo fazendeiro, e, assim, marcar os seus pontos. |
3ª Etapa: Validação do protótipo junto a especialistas. |
Na terceira etapa, ocorreu a validação do protótipo junto a especialistas selecionados por amostragem intencional, que tivessem mais de cinco anos de experiência no atendimento com estudantes com PC e na administração e adaptação de jogos analógicos e digitais. A partir dessa seleção foi formado um grupo de discussão. O grupo de discussão foi formado por seis avaliadoras do gênero feminino, todas com experiência em intervenções com estudantes com PC. Essas avaliadoras possuíam entre 6 e 18 anos de trabalho em escolas públicas, municipais e estaduais, com Educação Especial e, em específico, com adaptação de jogos analógicos e digitais com este público, para o aprimoramento de habilidades cognitivas. Foi elaborado um roteiro para direcionar as perguntas referentes ao que o protótipo se propunha, para que as avaliadoras discutissem, entre si, e validassem se o protótipo era suficiente para ser utilizado como um recurso de TA para o treinamento das funções executivas (atenção e memória) e possíveis contribuições que pudessem ser incluídas no jogo. |
Fonte: elaboração própria.
Para o desenvolvimento do protótipo foi elaborado um documento (modelo de Storyboard – Quadro 2), o qual apresenta as informações necessárias para a construção de um jogo digital, que é composto de regras, objetivos, cenários, imagens, sons e personagens. Com base nas informações deste documento, o protótipo foi desenvolvido.
Quadro 2. Storyboard do protótipo.
Modelo Storyboard |
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Objetivo: validar um protótipo de um jogo digital como recurso de TA para o treinamento das funções executivas de memória de trabalho e atenção seletiva em estudantes com PC. |
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Requisitos funcionais |
Especificação e interação dos requisitos em tela |
A primeira tela do jogo terá opções, onde um ícone incluirá o botão para iniciar o jogo, sair do jogo ou mudar as configurações, e um botão para retirar o som ambiente. |
Botão de Jogar, Menu e Sair. |
Apertando o botão de Menu na primeira tela, aparecerá uma segunda tela com opções de mudança do volume, velocidade e nível. |
Escolha de níveis entre 1, 2 e 3; velocidade do jogo (Devagar, Média, Rápida), e volume da Música (0 ou 100/ ter ou não ter). |
Apertando o botão de “Jogar” na primeira tela, aparecerá uma próxima tela, onde o fazendeiro contará uma história e pedirá ajuda do jogador para achar seus animais, e abaixo o botão de “Start”, para entrar no jogo. |
Aparecerá o cenário com o fazendeiro e um balão de diálogo, explicando o sumiço dos animais e convidando o jogador para ajudar na busca. |
Quando o jogador apertar o botão “Start”, aparecerá uma próxima tela, onde irão passar diferentes animais, entre eles aqueles que o Sr. Manoel perdeu. |
O cenário contém um diálogo e a quantidade de animais e espécies escolhidas aleatoriamente pelo jogo, tanto por escrita quanto por imagens. |
No momento que os animais passarem nesta tela o som correspondente a cada animal também será emitido. |
Aparecerá alguns animais aleatoriamente, dependendo do nível do jogo, e um som também será emitido. |
A próxima tela aparecerá na sequência, onde o jogador entrará em ação para poder ajudar o Sr. Manoel na busca pelos animais. |
O cenário contém imagens de uma fazenda, um ícone de pontuação e dois ícones de certo ou errado. |
Quando os animais aparecerem na tela, o jogador deverá verificar se são os mesmos indicados na tela anterior. |
Se estiver correto ele apertará o botão de Certo, e será acrescentado 10 pontos para o jogador. Se estiver errado e ele apertar o botão de Certo, será retirado 10 pontos. |
A velocidade que os animais passam na tela, será de acordo com a escolha do jogador no botão Menu. |
Os animais poderão atravessar a tela bem devagar, ou numa velocidade média, ou muito rápido. |
Se o jogador optar por não ter som, será retirado tanto o som dos animais quanto o som ambiente. |
O jogo ficará sem som, de acordo com a escolha do jogador. |
Os níveis do jogo vão do 1, que é o mais fácil, o 2 que é o nível médio e o 3 que é o nível mais difícil. |
Conforme muda os níveis, os animais vão mudando e a quantidade também. |
Cada nível terá 10 rodadas e o jogador alcançando uma determinada pontuação seguirá para o nível seguinte. |
O jogador escolherá em qual nível quer começar a jogar. |
Se o jogador zerar sua pontuação, aparecerá a tela de “game over” e ele será enviado para a tela inicial. |
Fonte: elaboração própria.
2.2 Caracterização dos participantes do grupo de discussão
A pesquisa teve a participação de seis especialistas com os seguintes perfis:
• Participante 1 – Professora de educação inclusiva com Doutorado em Educação na linha de pesquisa “Educação Especial”. Temas de pesquisa: realidade virtual e qualidade de vida para estudantes com deficiência visual e estudantes com autismo.
• Participante 2 – Doutoranda em Educação. Temas de pesquisa: autismo, jogos digitais e gamificação.
• Participante 3 – Graduada em Fisioterapia e Especialista em Neurologia. Docente de universidade, na disciplina de supervisão de estágio em pediatria na área de deficiência física, transtornos no desenvolvimento psicomotor. Temas de pesquisa: desenvolvimento e habilidades motoras.
• Participante 4 – Professora de Educação Especial, mestranda em TA no contexto escolar de ensino comum.
• Participante 5 – Graduada em Neuropedagogia e Mestre em Educação. Psicopedagoga em atividade universitária.
• Participante 6 – Graduada em Educação Física, Mestranda em Educação. Temas de pesquisa: jogos digitais e PC.
Como já destacado, os critérios de seleção dos participantes para compor o grupo de discussão levaram em consideração os seguintes quesitos: a) os participantes deveriam possuir mais de cinco anos de experiência com EPAEE, especificamente estudantes com PC, no ambiente escolar e/ ou no atendimento clínico terapêutico; b) os participantes deveriam apresentar em seu currículo experiência na administração e adaptação de jogos analógicos e digitais; e, c) disponibilidade para participar do grupo de discussão presencialmente.
3. Resultados
Os resultados serão apresentados a partir de quatro subseções: 1. Diretrizes recomendadas pela literatura; 2. Desenvolvimento do protótipo; 3. Adaptações recomendadas pelo grupo de discussão; e, 4. Adaptações necessárias quanto à mecânica de jogo.
3.1 Diretrizes recomendadas pela literatura
No estágio inicial desta pesquisa, realizou-se uma análise abrangente de diretrizes/ recomendações presentes na literatura, buscando informações pertinentes ao desenvolvimento de jogos digitais destinados a estudantes com PC, com ênfase no treinamento das funções executivas. Este processo foi conduzido com o propósito de identificar, extrair e analisar pesquisas bibliográficas relevantes, culminando na elaboração de diretrizes específicas para orientar o desenvolvimento do protótipo.
Para aprimorar a interação do usuário, Santos (2018) sugeriu a implementação de feedbacks, positivo e corretivo, apresentados de maneira clara e de fácil abstração. A implementação deve permitir opções para personalizar ou desativar tais elementos, considerando as diferentes especificidades e preferências dos jogadores. Braccialli et al. (2017) apontaram como elementos essenciais os recursos de áudio, imagem, assim como a inclusão de botões para pausar o jogo, exibir e suprimir os textos de pontuações.
As diretrizes do W3C (2023) alertaram sobre o risco de excesso de elementos na página do jogo, enfatizando a importância de simplificar a interface. Além disso, recomendaram a utilização do teclado como recurso de interação, visando aprimorar a acessibilidade do jogo.
O enfoque estratégico proposto por Santos et al. (2020) ressaltou a orientação para o raciocínio antes das jogadas, incentivando os jogadores a pensarem estrategicamente, tornando a experiência do jogo mais desafiadora e envolvente.
Quanto ao design visual, Alves et al. (2012) destacaram a relevância da escolha cuidadosa da cor de pano de fundo, alertando para os riscos do exagero no número de elementos na tela, buscando otimizar a experiência visual dos jogadores.
Finalmente, Alves et al. (2014) sugeriram cautela no uso de letras em caixa alta no design do jogo, propondo a aplicação equilibrada de reforço positivo para maximizar sua eficácia.
3.2 Desenvolvimento do protótipo
Na segunda etapa, o protótipo foi desenvolvido na Engine GDevelop, disponível para a construção de jogos digitais. A primeira tela do protótipo (Figura 1) é uma imagem ilustrativa de partes da fazenda, com os animais e o Sr. Manoel. No canto superior direito está um ícone com 3 botões com opções de: Jogar, Menu e Sair. No canto superior esquerdo se encontra um ícone de som, onde o jogador poderá de imediato retirar o som ambiente que começa a tocar assim que entra no jogo. O botão de Menu direciona o jogador para uma segunda tela.
Figura 1. Primeira tela do protótipo.
Fonte: captura de tela do protótipo elaborado pelos autores.
A segunda tela do protótipo (Figura 2) é composta por uma cor de fundo única, sem ilustrações e mostra ao jogador três opções de configuração, sendo elas: música (onde o jogador escolhe o número zero para que não tenha som, tanto do ambiente de jogo quanto dos animais ou o número 100 para que o jogo tenha som); velocidade (onde o jogador escolhe com qual velocidade os animais passam pela tela do jogo, podendo ser a opção devagar, média ou rápida), respectivamente, com níveis que variam de fácil à difícil. As diferenças dos níveis são:
• Nível 1 – O Sr. Manoel solicita que encontre apenas uma espécie de animal e apenas 1 unidade dele, por exemplo: uma galinha ou um porco.
• Nível 2 – O Sr. Manoel solicita que encontre, ainda, apenas uma espécie de animal, mas a quantidade pode variar, por exemplo: duas galinhas ou quatro vacas.
• Nível 3 – O Sr. Manoel solicita que encontre por variadas espécies de animais e quantidades diferentes, por exemplo: duas ovelhas e um porco, ou, três vacas e duas galinhas e três cavalos.
Figura 2. Segunda tela do protótipo.
Fonte: captura de tela do protótipo elaborado pelos autores.
Após as configurações realizadas de acordo com o que o jogador escolher, ele volta para a tela 1 e aperta o botão Jogar, sendo-o levado para a próxima tela (Figura 3). Essa terceira tela possui, como plano de fundo, uma imagem de fazendinha, incluindo uma casa, um trator, o Sr. Manoel e um balão de diálogo onde o fazendeiro faz uma narrativa, explicando ao jogador sua situação e solicitando a sua ajuda: “Os animais da fazenda do Sr. Manoel resolveram passear e agora o Sr. Manoel está procurando por eles... Ajude o Sr. Manoel a encontrar seus animais!”. Abaixo deste texto contém um botão de “Start”, que ao clicar o jogador será encaminhado para a próxima tela (Figura 4), na qual se iniciam as rodadas.
Figura 3. Terceira tela do protótipo.
Fonte: captura de tela do protótipo elaborado pelos autores.
Cada um dos três níveis é composto por ١٠ rodadas, e em cada rodada o jogador tem a missão de encontrar os animais que o Sr. Manoel mostrará para eles na quarta tela. As quantidades e espécies de animais que são solicitadas pelo Sr. Manoel na rodada, é uma escolha aleatória feita pelo sistema do jogo, de acordo com o nível escolhido pelo jogador.
A quarta tela (Figura 4) é onde é solicitada a quantidade e espécie de animais que o Sr. Manoel perdeu. A tela contém um plano de fundo verde, sem ilustrações e, na parte superior, está escrita a seguinte frase: “Ajude o Sr. Manoel a procurar por...”, e, logo abaixo, aparece escrito as espécies de animais e a quantidade de cada animal, seguido das imagens dos animais caminhando pela tela para que o jogador utilize sua memória e atenção, para que na tela seguinte (Figura 5), ele selecione exatamente a mesma quantidade que lhe foi solicitada.
Figura 4. Quarta tela do protótipo.
Fonte: captura de tela do protótipo elaborado pelos autores.
Na próxima tela (Figura 5), é onde o jogador ajuda o Sr. Manoel na busca dos animais. Esta tela tem um plano de fundo com imagem da fazenda (grama, cercado, moinho, feno e celeiros). No canto superior direito está localizado um ícone referente a pontuação do jogador, e no canto superior esquerdo estão os botões de “√ “ para correto e de “X” para errado. Nesta tela a rodada se inicia com os animais atravessando o cenário do lado esquerdo para o direito, na velocidade escolhida no menu pelo jogador, e ele deverá apertar o botão confirmando se aqueles animais são os mesmos solicitados pelo fazendeiro na quarta tela.
Figura 5. Quinta tela do protótipo.
Fonte: captura de tela do protótipo elaborado pelos autores.
A cada acerto do jogador é iniciada uma nova rodada, adicionando uma pontuação. Caso o jogador erre lhe é retirado um ponto. A nova rodada inicia na quarta tela, mostrando novos animais e quantidades diferentes, de acordo com o nível em que ele está. Em seguida, na quinta tela o jogador seleciona a sequência solicitada. Após 10 rodadas do mesmo nível, o jogador passa para outro nível, caso chegue a uma determinada pontuação. O jogador receberá a informação da pontuação final com um feedback. Caso ele chegue a zerar a pontuação, em alguma rodada, o jogo acaba, “game over” e o jogador recebe um feedback de apoio para continuar tentando, na sequência ele é direcionado para a primeira tela.
A cada rodada, surgem diferentes animais para o jogador procurar, mantendo a atenção para escolher o que lhe foi solicitado, caso não seja, ele deverá aguardar até que apareçam exatamente os animais na mesma quantidade e tipos procurados pelo fazendeiro, pressionando o botão de confirmar no momento exato.
3.3 Adaptações recomendadas pelo grupo de discussão
Após o protótipo ser apresentado para um grupo de seis avaliadoras, foram propostas algumas mudanças, conforme apresentadas no Quadro 3.
Quadro 3. Adaptações sugeridas pelas avaliadoras para o aprimoramento do protótipo.
Recurso/ Elementos do protótipo |
Recurso/ Elementos do jogo do protótipo |
•Letras em caixa alta; •Botões de certo e errado mais centralizado e na parte inferior; •Mensagens mais curtas; •Ícones maiores; •Opção de poder tirar o som do jogo, mas mantendo o som dos animais; •Aparecer os botões de certo e errado assim que os animais passarem; •Retirar a opção de game over; •Alterar o nome menu para “configurações”; •Alterar o nome start por “iniciar”; •Trocar o botão de Som para “ligado/ desligado”; •Trocar nível 1, 2 e 3 para fácil, médio e difícil. |
•Acionadores; •Teclas maiores; •Teclado com inclinação; •Utilização do Headmouse; •Comandos por voz; •Imagem do lado dos botões fazendo uma associação; •Opção de pause no jogo, e de sair do jogo para mudar de nível; •Feedback de que o jogador está avançando nas rodadas; •Contar uma história no jogo para atrair o jogador; •Botão de Som junto dos diálogos, com reprodução auditiva; •Um nível do jogo em que a criança participe do desenvolvimento (perspectiva do codesign). |
Fonte: elaboração própria.
3.4 Adaptações necessárias quanto à mecânica de jogo
O grau de dificuldade entre um nível e outro são de suma importância para que os jogadores se sintam motivados e, consequentemente, desafiados a passarem de níveis até a finalização do jogo.
Para que as funções executivas, principalmente, a atenção seja requisitada com maior frequência, novas configurações de velocidade serão implementadas. Aumentando a velocidade com que os animais passam pelo cenário, o treino de atenção será exigido do jogador. Nesse sentido, no Nível 1 a memória de trabalho será exigida do jogador para que ele retenha a informação sobre qual espécie de animal o Sr. Manoel se refere na quarta tela, para que já na quinta tela ele possa se lembrar e escolher a opção correta. No nível 2, será exigido do jogador não só a memória de trabalho, como também, a atenção, pois ele precisará reter as informações da espécie de animal e a quantidade, as quais serão diferentes a cada rodada. Por fim, no nível 3, será exigido maior precisão do jogador, com a atenção na requisição de espécies de animais diferentes e as suas respectivas quantidades.
4. Discussão
As avaliadoras identificaram no protótipo alguns elementos importantes que podem ser mantidos, alterados e adicionados para o uso mais eficiente com estudantes com PC.
Para as adaptações mantidas, elas citaram o controle de velocidade do jogo para o estudante com PC, que pode ter a motricidade fina prejudicada e levar um tempo maior no momento de pressionar o botão. A adaptação proposta está de acordo com a literatura pois o jogo é uma das possibilidades de competição prazerosa que estimula capacidades físicas, habilidades motoras, desafios, e exige estratégias e previsibilidade.
Uma das alterações propostas pelas avaliadoras no protótipo foi a diminuição de estímulos na primeira tela, com a prevalência de cores mais neutras, uma vez que, a forma como a tela foi estruturada pode causar distração e confusão no estudante. Esta recomendação corrobora com o estudo feito por Alves et al. (2012) onde crianças com PC tiveram dificuldades para executar o jogo devido às cores diversas implementadas no plano de fundo da tela.
Outra recomendação foi a de diminuir o tamanho das mensagens de texto. Na discussão ficou claro que textos longos podem desestimular o estudante no jogo. Em relação a Tela 5, foi sugerido que o botão de Certo e Errado fosse mais centralizado na parte inferior. Essa recomendação confirma as questões relacionadas à hemiparesia, que se caracteriza pela paralisia de um dos lados do corpo. Um estudante com hemiparesia pode ter dificuldades, caso o lado paralisado coincida com o lado em que o botão de escolha estiver. Ainda em relação ao mesmo botão, foi sugerido que ele aparecesse apenas após a passagem dos animais pela tela. Dessa forma, acredita-se, que os jogadores foquem apenas nos animais e não se desconcentrem com a presença estática do referido botão.
Já em relação às letras/ textos, foi sugerido a utilização do recurso tipográfico de caixa alta (letras maiúsculas), para melhor visualização do jogador.
Foi sugerido a supressão da palavra game over, pelo entendimento de que os estudantes possam se sentir desestimulados e até desistirem de jogar novamente, dado a expressão de perda que a palavra representa.
Para o botão de retirada do som do jogo, foi sugerido um segundo botão, para que assim as funções de sons do ambiente e sons dos animais fosse executada independentemente uma da outra. Na visão das avaliadoras cada perfil de jogador reflete uma configuração de jogo. Com as funções separas, um jogador pode optar por permanecer com o som ambiente e minimizar o som dos animais de acordo com a sua sensorialidade. Também foi sugerido que os botões fossem em português e os níveis 1, 2 e 3, fossem trocados por “fácil”, “médio” e “difícil”. Não impedindo que também seja implementado nas configurações do jogo opções para diferentes idiomas.
Em relação aos comandos e dispositivos de entrada e recursos de saída, as avaliadoras sugeriram a inserção de comandos de voz, para o caso de os jogadores apresentarem alguma disfunção motora muito agravada, a utilização de acionadores, como um teclado com inclinação e/ ou a utilização de headmouse, e por fim, recursos de áudio junto aos balões, para que os jogadores não alfabetizados possam executar as jogadas. Ainda nesse sentindo, percebe-se a necessidade de validar e implementar a audiodescrição de todas as telas e interações do jogo com vistas a equidade. Tais comandos e dispositivos são necessários para que jogadores com diferentes especificidades tenham a sua disposição recursos necessário ao desempenho de suas atividades com desempenho.
Botões de pausa e de saída, foram sugeridos para que os jogadores tenham a opção de pausar o jogo momentaneamente, ou até mesmo para mudarem de níveis a qualquer momento.
Feedbacks imediatos a cada jogada foram sugeridos como uma forma de motivar e mostrar ao jogador o seu avanço no jogo.
5. Conclusão
Os resultados indicaram que diante da avaliação do grupo de discussão e, consequentemente, das recomendações de adaptações do protótipo do jogo digital, este poderá atender satisfatoriamente ao objetivo de aprimoramento de funções executivas, como as que foram propostas, sendo elas de memória e atenção seletiva, graduadas para atender até o nível 3 de GMFCS e MACS.
O desenvolvimento deste protótipo validado por especialistas, terá por finalidade servir como modelo metodológico no processo de desenvolvimento de jogos digitais aos EPAEE, uma vez que, este processo minimiza erros futuros de desenvolvimento e evita frustrações nos EPAEE, professores e pesquisadores, na iminência da tentativa e erro.
Uma nova versão do protótipo está sendo desenvolvida a partir das recomendações advindas do grupo de discussão. Tal versão será aplicada a um grupo de amostragem estatisticamente significativa dentro de uma pesquisa de mestrado.
Por fim, destaca-se que este estudo se limitou a: desenvolver um protótipo voltado a estudantes que possuem classificações específicas na PC, com o GMFCS e o MACS até nível 3, e avaliar o instrumento de desenvolvimento sob a perspectiva de um grupo multiprofissional de especialistas em Educação Especial, com uso de jogos e funções executivas. Para estudos futuros, sugere-se a ampliação da investigação que considerem classificações mais severas e outras funções executivas, como a flexibilidade cognitiva.
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Cómo citar en APA:
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