Revista Iberoamericana de Educación (2024), vol. 96 núm. 1, pp. 31-47 - OEI

https://doi.org/10.35362/rie9616455 - ISSN: 1022-6508 / ISSNe: 1681-5653

recibido / recebido: 11/07/2024; aceptado / aceite: 20/09/2024

A paisagem linguística na formação docente: que possibilidades em contexto português?

El paisaje lingüístico en la formación del profesorado: ¿qué posibilidades existen en el contexto portugués?

The linguistic landscape in teacher education: which possibilities in the Portuguese context?

 

Ana Isabel Andrade 1 https://orcid.org/0000-0002-3182-9351

Mónica Lourenço 2 https://orcid.org/0000-0002-8124-2452

Susana Pinto 1 https://orcid.org/0000-0001-7441-4140

1 Universidade de Aveiro (UA), Portugal; 2 Universidade de Coimbra (UC), Portugal

 

Resumo. A paisagem linguística (PL) tem sido objeto de múltiplos estudos, experiências e projetos na área da educação. Neste texto, apresenta-se um estudo sobre as potencialidades formativas do uso da PL como recurso educativo capaz de favorecer o desenvolvimento de competências profissionais docentes. A partir da identificação das potencialidades educativas da PL, analisa-se o que tem acontecido em contexto português em percursos de formação docente para a diversidade linguística e cultural. De modo mais concreto, e tendo em conta o papel fundamental de formadores/as na preparação de docentes para novas abordagens pedagógico-didáticas no processo de educação em línguas, explora-se, neste estudo, o modo como o conceito de PL e as atividades de formação que dele decorrem mobilizam abordagens plurais nos itinerários de formação que são propostos aos/às docentes. Trata-se de compreender como, em contexto português, se têm vindo a preparar docentes para a observação, exploração e valorização de ambientes linguístico-comunicativos multilingues que cada vez mais marcam as nossas comunidades. A partir desta compreensão e sistematização, propõem-se caminhos possíveis para a integração da PL em programas de formação de professores/as.

Palavras-chave: paisagem linguística; formação docente; conhecimento profissional docente.

Resumen. El paisaje lingüístico (PL) ha sido objeto de múltiples estudios, experimentos y proyectos en el ámbito de la educación. El presente artículo presenta un estudio sobre el potencial formativo del uso del PL como recurso educativo capaz de favorecer el desarrollo de competencias profesionales docentes. Una vez identificado el potencial educativo del PL, se analiza lo que ha sucedido en el contexto portugués en los programas de formación del profesorado para la diversidad lingüística y cultural. Más concretamente, y teniendo en cuenta el papel fundamental de los formadores en la preparación de los docentes para los nuevos enfoques pedagógico-didácticos en el proceso de enseñanza de idiomas, el presente estudio explora cómo el concepto de PL y las actividades de formación que se derivan de él movilizan enfoques plurales en los itinerarios de formación que se proponen a los docentes. El objetivo es comprender cómo, en el contexto portugués, se ha preparado a los docentes para observar, explorar y valorizar los entornos lingüístico-comunicativos multilingües que caracterizan cada vez más a nuestras comunidades. A partir de esta comprensión y sistematización, se proponen posibles caminos para integrar el PL en los programas de formación del profesorado

Palabras clave: paisaje lingüístico; formación del profesorado; conocimientos profesionales docentes.

Abstract. The linguistic landscape (LL) has been the focus of numerous studies, experiments, and projects in education. This text presents a study on the potential of using the LL as a teacher education resource to develop professional teaching skills. By identifying the educational potential of the LL, we examine the Portuguese context focusing on teacher education programmes for linguistic and cultural diversity. Considering the crucial role that teacher educators play in preparing teachers for new pedagogical approaches in language education, this study specifically explores how the concept of LL and the resulting teacher education activities promote plural(istic) approaches in the training itineraries proposed to teachers. The aim is to understand how teacher educators prepare future teachers to observe, explore and appreciate multilingual linguistic and communicative environments, which increasingly characterise our communities. From this understanding and systematisation, possible paths are proposed for integrating the LL into teacher education programmes.

Keywords: linguistic landscape; teacher education; teacher professional knowledge.

1. Introdução

A literatura sobre a formação docente, em contexto português, tem vindo a sublinhar a importância de os programas de formação terem em conta os desafios de um mundo multilingue e multicultural onde as questões da educação para a inclusão, a justiça social e a sustentabilidade sejam tratadas (Andrade et al., 2023; Gonçalves & Andrade, 2006; Lourenço & Andrade, 2023; Matos, 2016; Szelei et al., 2020). Neste sentido, importa analisar e compreender como os programas de formação docente preparam para estes desafios.

O trabalho com a paisagem linguística (PL)1, pelas oportunidades que permite de ensinar e aprender a ler o mundo, tem vindo a constituir-se como recurso pedagógico-didático e espaço de construção de conhecimento profissional docente sobre as línguas e suas relações. A PL é “both resource for and site of language learning and teaching - an attempt to capitalize upon language as a medium through which the ‘perspectival heterogeneity of locality’ (Pennycook, 2010, p. 4; cf. Blackledge e Creese, 2014) is revealed” (Malinowski, 2016, p. 101).

As escolas são locais de ensino e de aprendizagem e inserem-se em territórios que também têm a função de educar os sujeitos para a compreensão do local em que habitam na interação com os outros locais circundantes, do mais próximo ao mais longínquo. Essa interação manifesta-se nos sinais multilingues que nos rodeiam (Bernardo-Hinesley, 2020) e nos trazem as vozes de sujeitos em espaços a transformar em salas de aula vividas. No confronto com outras vozes, os/as estudantes desenvolvem um olhar mais atento às línguas e à sua diversidade, aprendendo a valorizar e a questionar a sua presença; (re)descobrem e ativam os seus repertórios linguístico-comunicativos; estabelecem relações entre aprendizagens escolares e os seus “mundos de vida”; e ganham uma maior consciência do seu papel como agentes na construção de sociedades mais inclusivas e justas do ponto de vista linguístico e social (Lourenço e Melo-Pfeifer, 2022, 2024).

Quando observam e analisam a PL, também os/as (futuros/as) docentes (re)constroem ideologias relacionadas com a diversidade linguística e cultural e o multilinguismo (Szabó, 2018), desenvolvendo atitudes de abertura a essa diversidade, realidade dos contextos nos quais vão atuar (Hancock, 2012). Simultaneamente, consciencializam o potencial da PL para promover a aprendizagem de línguas, em particular da língua inglesa (Shang & Xie, 2020), desenvolver a consciência (meta)linguística dos alunos (Camilleri Grima, 2020) e criar uma predisposição para o ativismo linguístico, compreendendo a relevância e a abrangência do seu papel enquanto agentes de promoção de justiça social (Sterzuk, 2020).

Neste quadro, o propósito deste trabalho centra-se na compreensão da PL enquanto recurso formativo numa educação em línguas que se quer plural e crítica. Esta é uma área na qual ainda existem poucos estudos, nomeadamente em contexto português. Assim, exploramos, num primeiro ponto e de forma breve, as potencialidades do uso da PL como recurso educativo e formativo. Partiremos, em seguida, para uma análise do que tem acontecido em contexto português, identificando o modo como o conceito de PL e as atividades que dele decorrem mobilizam abordagens plurais nos itinerários de formação propostos aos/às docentes. Trata-se de compreender como, em contexto português, se têm vindo a preparar docentes para a observação e exploração de ambientes linguístico-comunicativos multilingues que cada vez mais marcam as nossas comunidades. A partir desta compreensão e sistematização, propõem-se caminhos possíveis para a integração da PL em programas de formação docente.

2. Paisagem linguística: recurso de educação e formação

2.1 Um recurso aberto sobre o espaço das línguas

A PL surge nos estudos em sociolinguística e, mais tarde, em educação como o conjunto dos sinais linguísticos que habitam os espaços públicos e que permitem observar e analisar a complexidade das sociedades contemporâneas sempre em transformação (Landry & Bourhis, 1997). Como escreve Bernardo-Hinesley (2020), o conceito de PL evoluiu desde o início dos trabalhos que para ela chamaram a atenção, reforçando, nos últimos tempos, a ideia de que “signs enable a lively process wherein language(s) employed in signage and people interact and influence each other to shape the landscape of their community” (p. 14).

Tendo em conta que as instituições de educação perpetuam e/ou transformam ideologias linguístico-comunicativas que promovem ou obstaculizam uma educação plurilingue e intercultural, importa sistematizarmos o conhecimento que se tem construído sobre a PL como recurso educativo.

Os primeiros trabalhos sobre PL não tinham como foco o seu potencial educativo, todavia, rapidamente surgiram estudos que sublinharam o seu valor pedagógico. Rowland (2013) sistematiza o trabalho de alguns autores, entre os quais Cenoz e Gorter (2008) e Shohamy e Waksman (2008), enfatizando o poder da PL na criação e exploração de situações de educação em línguas. Os autores sublinham a importância da PL no desenvolvimento de uma consciência linguística crítica sobre as línguas, sobre o seu poder e funções que podem, ou não, desempenhar nos tempos e espaços que habitamos, sublinhando hierarquias em relação aos sujeitos e comunidades linguístico-culturais em presença. A par desta consciência crítica sobre a diversidade linguística, destaca-se também o poder da PL no processo de aquisição verbal pela expansão do input linguístico-comunicativo com o qual os sujeitos entram em contacto, em práticas linguísticas autênticas. Como escreve Rowland (2013), “from an educational perspective, involving students in a LL [Linguistic Landscape] project decentralises the practice of language learning and ensures language learner interaction with a variety of highly contextualised, authentic texts in the public arena” (p. 495).

Nos últimos anos, o número de publicações que exploram os benefícios da PL como estratégia pedagógica cresceu exponencialmente (cf. Malinowski et al., 2020; Melo-Pfeifer, 2023; Solmaz & Przymus, 2021), evidenciando o que Krómpak et al. (2022, p. 4) denominaram “an educational turn in linguistic landscape studies”. Estas publicações refletem evoluções nos campos da linguística e da didática de línguas, destacando a necessidade de desenvolver junto dos/as aprendentes competências que lhes permitam enfrentar os desafios de sociedades globalizadas, multilingues e multiculturais em constante mudança. Em particular, os estudos têm destacado o potencial da PL no desenvolvimento de capacidades de literacia multimodal crítica, da competência plurilingue e intercultural e do ativismo línguístico (Duarte et al., no prelo; Lourenço e Melo-Pfeifer, 2023, 2024). A este respeito, recorde-se o que refere Shohamy (2015) sobre o papel da PL enquanto instrumento ao serviço de uma “pedagogy of engagement” (Pennycook, 1999) promotora de uma consciência por parte dos/as estudantes do seu papel como agentes de política linguística:

LL as an engagement device can turn students into concerned people with attention to language as a political and economic tool, and to activists in their communities as they become aware of the public space as an arena they ‘own’ and should take an active role in shaping (Shohamy, 2015, p. 167).

De modo global, os estudos sobre a PL trouxeram a experiência dos sujeitos com a diversidade linguística para as situações educativas, chamando a atenção para a quantidade de línguas presentes no quotidiano, para as materialidades e espacialidades em que surgem, para as funções que desempenham e para as políticas e práticas linguístico-comunicativas dos sujeitos que circulam nos ambientes em que nos movemos (Melo-Pfeifer, 2023).

Por outras palavras, a PL pode ser um recurso educativo que leva os sujeitos a analisar o tempo e o espaço de contacto de línguas, chamando a atenção para culturas e identidades que são, ou não, valorizadas, mostrando possibilidades de coexistência da diversidade e fazendo compreender o poder e as funções das línguas nas sociedades contemporâneas, pelo alargamento das situações de (meta)comunicação em que os sujeitos que ensinam e aprendem são colocados, em processos de desenvolvimento de uma literacia plural e interdisciplinar que não se desliga da competência plurilingue e intercultural. A par destas possibilidades, e na esteira de literatura recente, a PL pode, igualmente, assumir-se como um instrumento ao serviço de uma educação mais participativa e cidadã, que inspira os/as aprendentes a contribuírem para a construção da PL nas comunidades onde habitam.

2.2 Um recurso de (re)construção de conhecimento profissional docente

Investigação levada a cabo em diferentes contextos tem demonstrado as potencialidades da utilização da PL como recurso de formação eficaz no desenvolvimento de diversas competências profissionais docentes essenciais para um mundo onde o contacto entre línguas e culturas é cada vez mais frequente. Estas investigações revelam que os espaços de formação (inicial e contínua) de docentes são relevantes para analisar discursos que circulam sobre as línguas, culturas, comunidades e diversidade linguística e cultural e como é que esses discursos estão presentes na PL educativa, especialmente, na PL escolar “because schools are proto-spaces where the state and the civil society’s interests (for social reproduction) congregate, albeit in diverging directions and interests (Johnson 1980; Blackwood 2011; Bomström Aho 2018)” (Chimirala, 2022, p. 3).

Nos processos formativos, a PL surge como potenciadora do desenvolvimento de três grandes dimensões do conhecimento profissional docente: pedagógico-didática, ético-política e linguístico-comunicativa (Andrade et al., 2019). No que diz respeito à dimensão pedagógico-didática, a integração da PL permite, por um lado, que formandos/as (em diferentes níveis de ensino e disciplinas) desenvolvam conhecimento declarativo sobre abordagens plurais na educação para a intercompreensão, o plurilinguismo e a interculturalidade e, por outro lado, que estabeleçam uma relação inequívoca com as abordagens plurais (Brinkmann et al., 2022). Este conhecimento declarativo surge como suporte ao desenvolvimento da compreensão da relação da PL, enquanto recurso e instrumento, com uma educação para a diversidade linguística e cultural e o desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural dos sujeitos (Andrade et al., 2023).

Alguns estudos salientam que os/as docentes desenvolvem a sua consciência sobre a necessidade de mobilizar os repertórios linguístico-comunicativos dos/as alunos/as (Hancock, 2012), não apenas como forma de fomentar a inclusão na escola, mas como recursos que podem ser mobilizados para melhorar a aprendizagem de todos/as (Cárdenas Curiel et al., 2024).

Para além dos aspetos referidos, a integração da PL em programas de formação de professores/as proporciona a (re)construção de conhecimento didático no que diz respeito à conceção e desenvolvimento de projetos pedagógicos cujas finalidades se relacionam com a promoção de atitudes, conhecimentos e capacidades consentâneos com a valorização da diversidade linguística e cultural nos espaços educativos. Alguns estudos demonstram que os/as formandos/as desenvolvem capacidades de mobilização de abordagens e estratégias pedagógico-didáticas interdisciplinares e multimodais, envolvendo professores/as de diferentes áreas (Andrade et al., 2023; Brinkman et al., 2022; Camilleri Grima, 2020).

Os estudos mostram que os/as professores/as desenvolvem uma consciência sobre a importância da utilização de materiais e recursos autênticos e culturalmente relevantes do ponto de vista educativo (Cárdenas Curiel et al., 2024) e uma “awareness of the pedagogical continuities between different learning spaces, such as school and street, promoting individuals’ engagement with spaces of their daily” (Araújo e Sá et al., 2023, p. 232). Estas ideias remetem para cenários pedagógicos que integram experiências pessoais dos/as alunos/as, tornando-os/as participantes ativos na reconfiguração dos contextos, através do desenvolvimento de uma consciência crítica de papéis e estatutos das línguas nesses contextos (Roos e Nicholas, 2024).

Na generalidade, podemos dizer que os/as professores/as desenvolvem a consciência de possibilidades pedagógicas da PL, sugerindo oportunidades e tarefas concretas de aprendizagem que ultrapassam as paredes da sala de aula, demonstrando que as “discoveries of and reflections on their worlds can be used successfully to equip them with pedagogic tools that they can use in their own practice” (Roos e Nicholas, 2024, p. 154).

A utilização da PL nos processos formativos potencia, ainda, o desenvolvimento da dimensão ético-política do conhecimento profissional docente a diferentes níveis. Enfatiza-se, antes de tudo, o desenvolvimento de capacidades de observação da diversidade linguística e cultural do mundo (Araújo e Sá et al., 2023; Camilleri Grima, 2020; Solmaz, 2023; Szábo, 2018). Estas capacidades potenciam a compreensão da diversidade linguística e intercultural, da intercompreensão como valores e práticas a defender (Andrade et al., 2023), revelando uma clara associação entre a PL e a promoção da inclusão e justiça social e dos direitos linguísticos (Cárdenas Curiel et al., 2024; Hancock, 2012; Lourenço e Melo-Pfeifer, 2022; Shohamy e Pennycook, 2022).

É esta compreensão que leva os/as professores/as a reconhecerem e a refletirem sobre o papel da sua ação pedagógico-didática, “in expanding individuals’ linguistic landscapes and in contexts’ linguistic and cultural enrichment” (Andrade et al., 2023, p. 216), demonstrando sentido de responsabilidade pela promoção de uma educação democrática que tenha em conta as características sociolinguísticas dos contextos (Brinkmann et al., 2022). Neste âmbito, os/as professores/as relacionam a PL com uma educação plurilingue e intercultural (Andrade et al., 2023) e para a cidadania global (Lourenço e Melo-Pfeifer, 2022), procurando contribuir para o desenvolvimento de competências de pensamento crítico e criativo.

Sobre a integração da PL nos percursos formativos para desenvolvimento do conhecimento profissional docente na dimensão linguístico-comunicativa, os estudos salientam a promoção da consciência linguística crítica em diferentes declinações. Sublinham-se: a consciencialização da necessidade e importância de observação da diversidade linguística e cultural dos contextos para melhoria das práticas pedagógicas (Brinkmann et al., 2022); o reconhecimento dos contextos como locais de diversidade e da importância de uma reflexão aprofundada sobre as comunidades (Hancock, 2012); a compreensão da língua como prática social e das interações entre línguas e comunidades e formas de expressão na PL dentro e fora da escola (Araújo et al., 2023; Camilleri Grima, 2020); a consciência das dinâmicas de poder e de hierarquias linguísticas criadas como resultado dessas dinâmicas (Cárdenas Curiel et al., 2024; Sterzuk, 2020); a reflexão sobre a não neutralidade dos textos na PL e compreensão de mensagens implícitas sobre as línguas e as culturas (Domínguez Cruz, 2017; Solmaz, 2023); e a desconstrução de perspetivas hegemónicas e de ideologias monolingues (Brinkmann et al., 2022; Szabó, 2015). No fundo, o desenvolvimento desta consciência demonstra que “LLs are an important resource for language teacher education. Working with them can empower teachers to explore how language, people, and places interact in the creation and interpretation of an overall LL” (Roos e Nicholas, 2024, p. 156).

Esta breve resenha salienta que a integração da PL na formação (inicial e contínua) de professore/as pode contribuir para o desenvolvimento das várias dimensões do conhecimento profissional docente, permitindo que o/as formando/as analisem, reflitam e ajam em ações de preparação para a interação entre sujeitos e comunidades com línguas e culturas diferentes.

3. O lugar da paisagem linguística na investigação em Portugal

Para identificarmos os estudos sobre PL em contexto português, uma pesquisa realizada no RCAAP (Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal, https://www.rcaap.pt/) em junho de 2024, evidenciou dois locais de realização de investigação: a Universidade de Aveiro e a Universidade da Madeira. De notar que, para além destes, podem existir outros locais em contexto português em que a PL é investigada e trabalhada do ponto de vista educativo. Porém, este foi o percurso metodológico que seguimos, sendo com base nele que apresentamos, ainda que de modo breve, a investigação realizada em Portugal.

Relativamente à Universidade da Madeira, encontramos estudos na área da Linguística, com caracterizações da cidade do Funchal e das Levadas2 na ilha da Madeira. Para além dos artigos de Rebelo (2021, 2023) e de Pereira (2022), encontramos duas dissertações de mestrado em Linguística: Sociedades e Culturas, uma de Macedo (2020) e outra de Gouveia (2021) que caracterizam a PL da ilha. A dissertação de Macedo (2020) apresenta um estudo comparativo sobre ementas e nomes de restaurantes na zona turística do Funchal e de Santa Cruz de Tenerife. No caso da dissertação de Gouveia (2021), pretendendo contribuir para o processo de candidatura das Levadas da Madeira a Património Cultural da Humanidade pela UNESCO, apresenta-se o património linguístico e cultural da ilha na sua especificidade, tendo-se construído um glossário, a partir de documentação escrita, digital, audiovisual e oral, em entrevistas feitas a levadeiros.

A investigação sobre a PL na Universidade de Aveiro (UA), diferentemente do da Universidade da Madeira, para além de um estudo de Coimbra e Castro Moutinho (2012) sobre o nome de empresas em Portugal, foca-se na PL como recurso educativo. Nesta instituição, destaca-se, pela sua envergadura, a tese de doutoramento de Clemente (2017) que discute o conceito de PL, analisa a PL da cidade de Aveiro, a partir de um levantamento fotográfico documental e de entrevistas a autores de práticas linguísticas públicas, procurando compreender a sua relevância para a educação nos primeiros anos de escolaridade.

A PL surge igualmente como objeto estruturador do trabalho de estágio pedagógico-didático de Abreu (2021) e Santos (2021), patente em dois relatórios de dois mestrados em ensino. No caso do relatório de Abreu, coloca-se o desenvolvimento do pensamento crítico como uma potencialidade permitida pela análise dos sinais de mobilidade e de contacto entre falantes de diferentes línguas e culturas que os espaços públicos manifestam. O relatório de Santos apresenta uma experiência pedagógico-didática com a PL numa escola da periferia da cidade de Aveiro, de modo a sensibilizar crianças do 4.º ano de escolaridade (9-10 anos de idade) para a diversidade linguística e cultural e contribuir para que sejam leitoras mais completas do mundo e cidadãs globais conscientes.

Estes trabalhos não se desligam das preocupações formativas que a instituição tem vindo a revelar há alguns anos, colocando a exploração da PL como uma atividade no quadro de mestrados que preparam para o exercício da docência em Portugal. Na linha de outros estudos, o tratamento formativo da PL tem tentado criar oportunidades de colocar os/as formando/as a refletir sobre diferentes perspetivas sobre a PL escolar e a aprimorar uma linguagem profissional necessária para abordar a sua importância, compreendendo que inclui práticas linguísticas social e politicamente determinadas e que os/as docentes podem fazer escolhas sobre elas, experimentando a sua transformação.

Assim, a investigação da PL em contexto português circunscreve-se a grupos de trabalho reduzidos, sem grande impacto nas instituições educativas dos Ensinos Básico e Secundário, com exceção para o trabalho desenvolvido pela UA. Vejamos, no próximo ponto, de forma mais detalhada o trabalho desta instituição.

4. Formação e paisagem linguística: o caso da Universidade de Aveiro

A UA assumiu a PL como local de construção de identidades ao serviço de objetivos educativos definidos centralmente, mas com possibilidade de serem (re)construídos pelos diferentes responsáveis educativos. Neste sentido, incluiu a PL no seu discurso de formação de modo a preparar os/as professores/as para tomarem posições e fazerem escolhas sobre a PL escolar, colocando-a ao serviço de uma educação plurilingue e intercultural. A instituição encarou

schoolscape as a site for social action. Hence, teachers with their pedagogical orientations have the potential to evolve linguistically sensitive pedagogic practices to enable access to pedagogic content, participation in the classroom, and for linguistic as well as social justice (Chimirala, 2022, p. 4).

Nos últimos 20 anos, a equipa da UA tem procurado que a PL surja nos projetos de formação docente, chamando a atenção para a importância de abrir a escola à diversidade sociolinguística dos contextos em que as comunidades educativas se inserem. Tal como para Solmaz (2023), para as formadoras desta instituição, “LL tasks can be designed as classroom-based projects to engage students in examining and reflecting on the uses of language in sociocultural spaces” (p. 2).

Vejamos alguns marcos que foram determinantes na exploração do valor educativo e formativo da PL: as primeiras aproximações ao conceito com a sua integração como conteúdo e recurso educativo nos planos de estudo de futuros/as docentes, a partir de 2005; a investigação doutoral de Clemente, (2012 a 2017); e a participação da equipa da UA no projeto Erasmus + LoCALL “Local Linguistic Landscapes for Global Language Education in the School Context” (2019 a 2022), que resultou num trabalho mais consequente com reflexos nos primeiros anos de escolaridade e em contextos de formação inicial e contínua.

4.1 Primeiras aproximações ao conceito de paisagem linguística

Desde 2005, a PL surge nos planos de estudos dos cursos de formação inicial de professores/as. A título de exemplo, referimos a sua inserção no programa do Seminário de Comunicação e Expressão da Licenciatura em Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Esta inserção deu origem à primeira publicação da equipa em que a PL surge como um recurso educativo, permitindo a sensibilização dos/as aprendentes à diversidade linguística e cultural que os/as rodeia. Destacamos a proposta de uma atividade de exploração do centro comercial ao ar livre em Aveiro com crianças do 1.º ano de escolaridade (Antunes et al., 2007). Na proposta, intitulada Vem conhecer…a minha língua e os alfabetos e construída por docentes em formação inicial, as crianças partem à procura das línguas na cidade, realizando um pedipaper, com a ajuda de um mapa, para identificação das línguas e de diferentes sistemas de escrita no espaço público. As atividades possibilitaram desenvolver a competência leitora do mundo, chamando a atenção para a diversidade linguística existente e para a importância da escrita nas sociedades contemporâneas. Esta primeira aproximação ao conceito de PL afirma-se claramente na investigação de Clemente (2017).

4.2 A paisagem linguística como recurso educativo investigado e imaginado

A tese de Clemente (2017) é um trabalho pioneiro na investigação sobre a PL em Portugal, servindo como um marco para o trabalho que se desenvolveu na UA. O trabalho parte do conhecimento do multilinguismo manifestado na PL de Aveiro para uma compreensão da sua relevância educativa nos primeiros anos de escolaridade. A autora implementa um recurso didático intitulado “Paisagem linguística na cidade” e avaliado por docentes dos primeiros anos de escolaridade que o descreveram como inovador.

Na sequência do estudo, a autora publicou um guião para docentes com orientações e propostas educativas para uma gestão curricular interdisciplinar, aberta aos contextos não formais nos primeiros anos de escolaridade (Clemente, 2020). Nesta publicação, para além de uma reflexão sobre o conceito de PL, apresentam-se sugestões de exploração educativa. Encara-se a cidade como um espaço educador num mundo globalizado, um recurso para o desenvolvimento de crianças leitoras do mundo à sua volta, sensíveis à diversidade que as rodeia e capazes de pensar crítica e criativamente sobre os conteúdos curriculares. Mobiliza-se o conceito de PL para evidenciar a importância de uma escola transformadora, “um laboratório imaginativo do mundo” que se quer construir de modo justo e sustentável. Este trabalho trouxe para as investigadoras/formadoras da UA uma reflexão sobre a cidade como espaço que pode ser de educação a diferentes níveis e sobre como pode ser reinventado. Como escreve a autora:

é nas cidades que se cruzam múltiplas culturas, línguas, crenças, visões do mundo, tendência que se deve, em grande parte, aos movimentos migratórios e turísticos que adquiriram uma escala intercontinental. Este encontro de línguas e culturas diferentes reveste a paisagem urbana de inúmeros focos […] de múltiplas identidades que ali se vão agregando, manifestando, adaptando, reconfigurando e, inclusivamente, miscigenando [...] a paisagem linguística, com o poder comunicativo, artístico, cívico e educativo que tem, pode desempenhar um papel fulcral quer no desenho, mesmo que simbólico, da cidade, quer na compreensão e aproximação entre os seus habitantes, contribuindo, entre outros, para a criação de vivências mais tolerantes e plurais (Clemente, 2017, p. 2).

4.3 O projeto LoCALL e os caminhos da formação contínua

O projeto LoCALL (2019 a 2022) envolveu a Universidade de Hamburgo, Alemanha (coordenação), a Universidade de Aveiro, Portugal, a Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha, a Universidade de Estrasburgo, França e a Universidade de Groningen, Holanda. O projeto centrou-se na criação de recursos de educação e formação multimodais visando à exploração pedagógica da PL. Apoiando-se no trabalho colaborativo entre investigadores/as, docentes e formadores/as, foram criados módulos didáticos para diferentes níveis de ensino, numa perspetiva interdisciplinar; vídeos e podcasts com tutoriais e relatos de experiências com a PL; e uma aplicação móvel para explorar a PL de forma gamificada. A UA envolveu-se também na formação de docentes em serviço, realizando ações de curta duração centradas no conceito de PL, suas potencialidades educativas e exploração da LoCALL App.

Importa referir o estudo de Lourenço et al. (2022) a partir de uma formação com docentes que desenvolveram um projeto interdisciplinar em torno da criação de um jogo para a LoCALL App intitulado “O mar começa aqui…”. A análise de conteúdo de uma sessão de focus group, realizada com os/as participantes no final, permitiu identificar mudanças nas diferentes dimensões do seu conhecimento profissional. Sobre a dimensão linguístico-comunicativa, os/as docentes desenvolveram maior consciência da linguagem e da diversidade linguística presente no meio envolvente e na escola. A nível da dimensão pedagógico-didática, descobriram o valor da PL como recurso educativo capaz de trabalhar temas e competências curriculares. No tocante à dimensão ético-política, compreenderam o seu papel como agentes de mudança num mundo multicultural a partir de uma escola que não se pode fechar sobre si mesma. Como refere uma das formandas,

[o projeto] promoveu esta abertura à comunidade, ao meio envolvente, tornando os/as aprendentes, e nós próprias, mais atentos a tudo aquilo que nos rodeia, no sentido de prepararmos para um mundo que seja mais rico e mais solidário face à diversidade (Lourenço et al., 2022, s.p.).

4.4 A paisagem linguística como recurso para formar em múltiplas dimensões

Na sequência da participação no projeto LoCALL, as formadoras da UA escrevem:

LL can be a powerful tool for educating to observe, to recognise and to value diversity in a process of teacher learning and professional development, recognising that we are in contact with diversity and this diversity is part of us and our societies (Andrade et al., 2023, p. 210).

Com esta representação sobre o poder da PL, os programas das Unidades Curriculares de Pluralidade Linguística e Educação, Seminário e Prática Pedagógica Supervisionada propuseram atividades de observação da PL urbana e escolar, assim como atividades de planificação, experimentação e avaliação de projetos educativos em que a PL se constitui como recurso. A partir de 2020/2021, os/as alunos/as tiveram sessões específicas sobre o Projeto LoCALL (https://locallproject.eu/theproject/), contactando com os seus produtos e resultados.

Na impossibilidade de analisarmos todos os trabalhos apresentados pelos/as estudantes da UA, selecionámos os relatórios de Prática de Ensino realizados por duas estudantes, defendidos em 2021, para identificarmos como a PL contribuiu para o seu desenvolvimento profissional. Escolhemos estes dois casos porque evidenciam envolvimento em projetos de investigação-ação que posicionam as futuras professoras como criadoras de conhecimento educativo na reconstrução dos objetos do mundo a analisar e transformar (Chimirala, 2022).

O relatório de Abreu (2021), intitulado A exploração da paisagem linguística como sensibilização para a diversidade linguística e cultural em aula de inglês no 1.º CEB, é um relatório de uma futura professora de inglês língua estrangeira, que desenvolveu um projeto de investigação-ação para compreender como pode a exploração da PL sensibilizar para a diversidade linguística e cultural e, ao mesmo tempo, desenvolver capacidades reflexivas e críticas sobre as línguas e as culturas nos primeiros anos de escolaridade.

O projeto incluiu cinco sessões, partindo da realização das biografias linguísticas das crianças, passando pela exploração de produtos alimentares presentes no meio local e pela análise da PL dos produtos/embalagens encontrados pelas crianças, e terminando com a visualização do vídeo Educating Cities (https://www.youtube.com/watch?v=qySZwtTosp8), criado no âmbito da “Carta das Cidades Educadoras” e com o desenho de uma cidade imaginada pelas crianças.

Em relação ao relatório de Santos (2021), intitulado A leitura e a exploração da paisagem linguística em contexto escolar: uma abordagem multimodal no 1.º CEB, importa salientar que a futura professora elege a PL como um conceito-ação, procurando compreendê-lo e explorá-lo nos primeiros anos de escolaridade, para desenvolver competências de literacia multimodal.

A autora planificou, experimentou e avaliou um projeto intitulado “Ler e escrever a PL” em cinco sessões em que as áreas curriculares de Português e Estudo do Meio foram o ponto de partida. O percurso iniciou-se com um vídeo sobre Aveiro e incluiu uma visita de campo pela própria cidade. As atividades desenvolveram-se a partir de múltiplos recursos, tendo as crianças analisado gráficos sobre o número de residentes provenientes de outros países (Brasil, Ucrânia, China, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Venezuela) e feito propostas para uma PL mais amiga de locutores alófonos.

Nos textos destes relatórios, encontramos os resultados do percurso de formação realizado pelas formandas, que analisamos com base nas três dimensões do conhecimento profissional docente apresentadas anteriormente.

O desenvolvimento da dimensão pedagógico-didática fica patente no discurso das professoras, quando assinalam as transformações que se deram em si próprias por terem conseguido desenvolver as atividades planificadas sobre e a partir da PL com as crianças. Santos (2021) escreve:

No que diz respeito às potencialidades do projeto, é de salientar que foi, sem dúvida, muito desafiante e transformador para mim. Senti que fui capaz de cumprir os objetivos a que me tinha proposto, envolvendo os alunos e criando um conjunto de sessões em que as crianças puderam aprender, desenvolver competências e crescer (p. 134).

Estes projetos sobre a PL permitiram que as formandas percebessem a importância de abrir a escola ao meio, “promovendo uma relação de proximidade entre a escola e a comunidade envolvente” (Santos, 2021, p. 128).

As futuras professoras consciencializaram a complexidade do conhecimento profissional docente que o tratamento da PL exige, requerendo tempo para planificar, inovar e construir recursos, evidenciando a necessidade de alargarem o seu repertório didático:

[O] facto de estarmos a implementar o projeto e a lecionar ao mesmo tempo, fez com que, por vezes, fosse difícil gerir o tempo, já que era necessário preparar aulas, elaborar planificações, pensar em atividades e estratégias inovadoras, ao mesmo tempo que pensava nas sessões do projeto, construía recursos e instrumentos de recolha de dados (Santos, 2021, pp. 130-131).

Apesar da nossa dedicação ao presente estudo, reconhecemos que este possui limitações, nomeadamente no que se refere às atividades e metodologias/estratégias utilizadas, que nem sempre se demonstraram ajustadas e/ou as mais eficazes (Abreu, 2021, p. 99).

Os projetos permitiram que as formandas se consciencializassem de possibilidades de inovação pedagógica até então não percecionadas. No caso de Santos, tal implica trazer para a sala de aula outros recursos e atividades; no caso de Abreu, tal passa por abrir a aula de língua inglesa a outras línguas e culturas:

Implementar este projeto fez-me compreender que é possível inovar dentro da sala de aula, criar modelos de aprendizagem alternativos que não passem apenas pela utilização dos manuais adotados. A vontade que temos em proporcionar aos alunos as melhores e mais variadas experiências de aprendizagem pode ser posta em prática, basta trabalharmos para isso, criando atividades fundamentadas e coerentes (Santos, 2021, p. 134).

Este estudo demonstrou que é possível sensibilizar/educar para a diversidade linguística e cultural em aula de inglês, com recurso à exploração da paisagem linguística, que é tido como um valioso instrumento no desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes dos alunos, numa sociedade plural, em que a interação com diferentes línguas e culturas carece de contextualização para que se desenvolvam competências essenciais nos alunos, futuros cidadãos, com vista a que se preservem e/ou desenvolvam valores de respeito e abertura ao Outro (Abreu, 2021, p. 99).

A dimensão linguístico-comunicativa é a menos explícita no discurso das formandas. De qualquer forma, a par do trabalho proposto às crianças, elas próprias consciencializam as características da PL do contexto em que vivem, bem como a importância da sua análise para a compreensão do significado da diversidade linguística e cultural dos espaços frequentados. A PL é vista como

um campo promissor para a investigação de questões relacionadas com a globalização e o multilinguismo, porque efetivamente expõe as tensões que decorrem entre vários níveis de fluxos locais e globais (linguísticos), […] bem como as várias atividades de controlo político a que estes se referem. Para além disso, permite-nos constatar as alterações que têm ocorrido ao longo do tempo, na construção do espaço linguístico (Santos, 2021, p. 12).

As professoras tomam consciência de que a exploração da PL é uma forma de lidar com as representações dos sujeitos sobre línguas e culturas. Assim, desenvolvem uma visão plural dos espaços em que as crianças vivem, compreendendo a importância de educar para uma sociedade onde a competência plurilingue e intercultural é essencial:

A exploração da paisagem linguística assume-se [...] como meio de conhecer e atuar sobre os discursos e representações dos alunos sobre a diversidade linguística e cultural, promovendo o desenvolvimento de atitudes positivas em relação às línguas e às culturas (Abreu, 2021, p. 103).

Sobre a dimensão ético-política, as formandas evidenciam compreensão do seu papel no desenvolvimento de competências que permitem às crianças respeitar o Outro e participar na vida comunitária, (re)imaginando cidades inclusivas com oportunidades para todos/as. Como escrevem:

[R]apidamente me apercebi que este curso de Mestrado tinha muito mais para me oferecer do que uma mera certificação [...] dei por mim a questionar-me sobre aspetos da minha prática pedagógica. Esses aspetos relacionavam-se com o meu papel enquanto docente [...] e a forma como poderia incluir na minha prática docente estratégias e/ou abordagens didáticas que permitissem desenvolver competências, capacidades e atitudes nos alunos que os preparassem para a vida em sociedade numa perspetiva mais holística, significativa e participada, valorizando outros aspetos que fossem além do ensino de conteúdos associados a uma língua estrangeira-alvo (Abreu, 2021, p. 101).

A diversidade nem sempre é vista como algo positivo, ainda nos dias de hoje, e o respeito pelo Outro não está garantido. As cidades, cada vez mais multiculturais e cosmopolitas, devem dar respostas ao ritmo com que as pessoas se movimentam, devem ser inclusivas e devem ser um lugar onde há oportunidades para todos. Ao reconhecerem a importância que as cidades podem ter na construção de sociedades mais justas e inclusivas, os alunos facilmente se darão conta de que eles, enquanto habitantes de um determinado lugar, também são agentes de mudança e podem construir pontes para que a globalização possa favorecer os cidadãos (Santos, 2021, p. 127).

As formandas deixam a ideia de que a (re)construção futura da sua identidade profissional continuará a passar pela PL, comprometendo-se com a mudança nos contextos em que vierem a atuar:

Tenho a certeza de que, no meu futuro profissional, vou continuar a trabalhar com estas temáticas e terei a oportunidade de voltar a implementar este projeto, com outros alunos, melhorando-o e fazendo com que seja ainda mais completo e possibilitador de mudança (Santos, 2021, p. 137).

(…) este estágio formativo me permitiu não só reciclar conhecimentos, mas também refletir sobre o meu papel enquanto professora agente da mudança e da minha responsabilidade em todo o processo de ensino e aprendizagem (Abreu, 2021, pp. 106-107).

5. Reflexão final

Embora a investigação sobre a PL e a formação docente seja escassa, os resultados da análise revelam que a PL é um recurso formativo capaz de enriquecer o conhecimento profissional docente, no que diz respeito às dimensões pedagógico-didática, ético-política e linguístico-comunicativa. Os resultados apontam para percursos formativos que permitem que as/os formandas/os tenham “experiences designed for them that reveal the multifaceted potential of LLs” (Roos & Nicholas, 2024, p. 148), que os/as levem a analisar e compreender a interconexão das políticas e práticas linguísticas com os contextos geográficos, sociais e políticos em que elas ocorrem.

Importa delinear percursos formativos que desenvolvam conhecimentos, capacidades e atitudes de investigação e intervenção educativa e promovam uma visão da escola e das comunidades como espaços de educação inclusiva, valorizando a diversidade linguística e cultural como oportunidade para contribuir para sociedades justas, equitativas e sustentáveis. Tais percursos implicam que a integração da PL em atividades formação seja recorrente e não pontual:

(...) it is necessary to return to the theme of LL in recurrent teacher education activities, deepening the knowledge on the concept and the practices it may mobilise in the construction of knowledge on teaching and learning contexts, in order to better prepare teachers to linguistic and cultural diversity in a globalised society (Andrade et al., 2023, p. 220).

Neste âmbito, importa definir objetivos formativos e competências a desenvolver (ao nível do conhecimento, compreensão, conhecimento aplicado, avaliação e análise crítica) adequados aos/às formandos/as e contextos em que vão atuar, levando-os/as a valorizar a diversidade linguística e cultural na sociedade em geral e nas comunidades educativas em particular (Andrade et al., 2023; Brinkmann et al., 2022). Nesta linha, os programas de formação podem integrar conteúdos e conceitos relacionados com a diversidade linguística e cultural, tais como: abordagens didáticas plurais, representações das línguas e dos povos, cultura linguística, política linguística educativa, educação para a cidadania global, educação plurilingue e intercultural, direitos linguísticos.

Ao nível das estratégias de formação, sublinha-se a importância de incentivarem a observação dos contextos educativos como primeiro passo para a compreensão de questões e tensões sociolinguísticas e socioculturais, com ênfase nas histórias de vida dos sujeitos e das comunidades. Importa promover uma observação que conduza a uma problematização e reflexão sustentadas sobre situações de diversidade linguística e cultural na escola e na sociedade em geral, sobre hierarquias linguístico-comunicativas, (des)prestígio de línguas e comunidades, (in)visibilidades de certos grupos sociolinguísticos que possa contribuir para o reconhecimento da dimensão ético-política das práticas educativas. Estas estratégias de observação e reflexão devem ser articuladas com atividades de investigação com foco nos contextos educativos, num processo contínuo e holístico de construção de conhecimento sobre a educação para a diversidade linguística e cultural.

Determinante para o sucesso dos percursos de formação é a necessidade de experimentação do potencial da PL em contextos educativos, com desenvolvimento de projetos pedagógicos suscetíveis de consciencializar para a importância da diversidade a nível individual e social, inscritos em abordagens experienciais e etnográficas, com base em metodologias de investigação-ação, potenciando a reconstrução das PL. Nesta linha, enfatiza-se a relevância de estratégias de formação que coloquem em interação diferentes atores, potenciando a co-construção de conhecimento teórico e prático.

Estes caminhos implicam a adoção de uma “theorethical lens” na integração da PL em programas de formação docente (Melo-Pfeifer e Chik, 2020), o que permite introduzir, reinventar e apoiar abordagens plurais, multimodais e interdisciplinares que abram a escola ao mundo.

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    1 “Paisagem Linguística” (PL), equivalente de “Linguistic Landscape” (LL) em inglês.

    2 “Levadas”, na Madeira, refere-se ao canal construído para conduzir a água, sendo os “levadeiros” aqueles que distribuem as águas de rega através de levadas ou que cuidam da sua manutenção (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/levadeiro).

Cómo citar en APA:

Andrade, A. I., Lourenço, M., & Pinto, S. (2024). A paisagem linguística na formação docente: que possibilidades em contexto português?. Revista Iberoamericana de Educación, 96(1), 31-47. https://doi.org/10.35362/rie9616455