Lugar de la Experiencia: Licenciatura de professores
de 1º ciclo: Seminário II Formação
Pessoal e Social, Escola Superior de Educação de Leiria
(Portugal)
Resumo
A abordagem narrativa da experiência moral procura erigir
as bases de um novo enfoque no campo do desenvolvimento ético-moral.
Num primeiro momento, enquadramos a problemática do desenvolvimento
moral e educação moral no contexto do debate cognição
moral versus experiência moral. Num segundo momento,
relatamos uma experiência pedagógica, na qual damos
«voz» à experiência pessoal de estudantes
do ensino superior.
Uma abordagem narrativa da experiência moral
O desenvolvimento ético-moral, sobretudo, a partir da década
de 70, tem sido objecto de múltiplos estudos (Pérez-Delgado
e Mestre Escrivá, 1999). Uma das abordagens que mais visibilidade
tem conseguido na comunidade de investigadores e educadores, tem
sido a abordagem cognitivo-estruturalista (ou cognitivo-desenvolvimentista)
protagonizada por Lawrence Kohlberg (1981). A sua popularidade deve-se,
em parte, pelo facto de não só rejeitar o relativismo
ético (clarificação de valores), como
se ter insurgido contra a chamada «moral das virtudes»
(educação para o carácter). O seu programa
centra-se nas seguintes vertentes: (a) uma componente cognitiva
da moralidade (raciocínio Moral); (b) níveis de moralidade
(pré-convencional, convencional e pós-convencional),
sendo os mais elevados mais diferenciados, mais integrados e mais
universais (estádios de desenvolvimento moral); (c) princípios
morais universais (ética procedimental), sendo a justiça,
o critério por excelência de regulação
moral. Quanto à educação moral, esta deve ser
estimulada a partir da discussão de dilemas morais
hipotéticos ou reais e da promoção de
uma atmosfera moral, um clima moral, uma
comunidade justa (Power, Higgins e Kohlberg, 1989).
A abordagem de Kohlberg e de seus seguidores (entre outros, Lourenço,
1992; Puig Rovira, 1996; Díaz-Aguado, 1994; Pérez-Delgado
e Mestre Escrivá, 1999; Buxarrais, 2000) tem sido objecto
de muitíssimas discussões, críticas e debates.
Embora seja incontestável o mérito desta teoria cognitiva
do desenvolvimento moral, a verdade é que muitos são
os autores que contestam alguns dos seus pontos considerados mais
débeis: (a) a universalidade dos estádios morais;
(b) a não consideração da influência
do meio-ambiente; (c) a importância do afecto, das características
da personalidade e das habilidades sociais (Medrano Samaniego, 1999:
69-83).
As críticas apresentadas dão conta das limitações
do modelo cognitivo-estruturalista (não põem em causa
o modelo), limitações que o novo enfoque biográfico
procura superar, sobretudo no «hiato» que se verifica
nesse modelo: a falta de «ligação» entre
o raciocínio moral e a própria experiência do
sujeito, inscrito numa trama relacional e contextual.
Desta forma, a emergência do enfoque narrativo, na sua versão
moderada, procura introduzir, não uma perspectiva alternativa
(ao modelo cognitivo-estruturalista), mas uma ampliação
do domínio moral. Isto é, o enfoque narrativo
situa-se num espaço mais amplo que a psicologia moral,
bem como o debate Gilligan-Kohlberg (Bolívar, 1999:86). As
bases deste novo enfoque tendem a constituir-se a partir de uma
concepção hermenêutica do desenvolvimento moral
(Ricoeur, 1990; Férry, 1996; Bolívar, 1999), na esteira
de uma filosofia moral comunitarista (MacIntyre, 1987; Taylor, 1996),
na articulação de uma psicologia, na sua vertente
«narrativa» e «culturalista» (Gilligan, 1982;
Bruner, 1996) e por influência de novas abordagens na educação
moral (Noddings, 1984; Tappan e Brown, 1989; Tappan, 1991; Bouchard,
2000).
O enfoque narrativo ensaia um novo modelo de desenvolvimento
ético-moral alicerçado na experiência moral
do sujeito. Este conceito (experiência moral) procura dar
conta das várias dimensões do desenvolvimento moral:
(a) a cognição, (b) a afectividade e (c) a volição.
É na conjugação destas três dimensões,
articuladas e mediadas simbolicamente (e numa determinada cultura),
que se constitui o processo de construção da personalidade
moral (Puig Rovira, 1996; Bruner, 2000). O sujeito é entendido
como um ser-em-relação, que narra as suas experiências
morais para lhe conferir «autoria» (Tappan e Brown, 1989).
Em vez da dominância de um «eu epistémico»
(abordagem cognitivo-formalista), o novo enfoque evidencia a natureza
relacional e comunitária do eu («eu dialógico»)
(Day e Tappan, 1996). Desta forma, sublinham-se as variáveis
contextuais (diferenças de género, afectividade, motivações
e «formas» culturais), nas quais se inscreve o processo
de construção da personalidade moral.
O desenvolvimento moral percepcionado, a partir do enfoque narrativo,
destaca as seguintes dimensões (Bolívar, 1999:97):
(a) uma competência narrativa, (b) a assunção
de um discurso de autoria das suas acções e
(c) a progressão na sensibilidade e preocupação
pelo outro.
Um programa de educação moral, na perspectiva narrativa,
assenta, basicamente, numa relação dialógica
entre professores e alunos, instituindo-se, deste modo, um espaço
de interlocução de experiências e de vivências,
favorável à assunção de perspectivas
morais próprias narradas e «autorizadas» (autoridade
de autor) pelos sujeitos, inscritos numa instância simbólico-narrativa
(Tappan e Brown, 1989).
Este novo enfoque, não está isento de críticas.
Até porque, ainda, não se constituiu uma teoria coerente
do desenvolvimento moral. O que temos, são várias
aproximações que procuram dar «voz» a um
conjunto de «rasgos» no campo do desenvolvimento moral
(hermenêutica, filosofia comunitarista e pós-modernistas)
(Bolívar, 1999).
Bolívar (1999: 99-100) resume, assim, as principais críticas:
(a) certos posicionamentos extremos têm tendência a
cair em determinismos linguísticos (Tappan, 1991,
1998); (b) uma assunção de formas relativistas
(a preocupação ética pelo outro e a relação
dialógica como fundamentos ontológicos) que põem
em causa certos princípios universais (princípio da
justiça); (c) uma certa tendência para minimizar a
dimensão cognitiva do desenvolvimento moral, ressaltando
o lado emotivo e afectivo da experiência moral (Gilligan,
1982).
Não obstante estas «debilidades», julgamos pertinente
procurar articular os dois modelos num esforço de integração
das várias dimensões no processo de construção
da personalidade moral (Puig Rovira, 1996).
Em que consiste a «narração da experiência
moral»?
Para afirmar a sua perspectiva moral, por forma a estabelecer
a sua «autoria autorizada» (authoring) e assumir
a responsabilidade da sua própria vida moral, a pessoa deve
fazer a narração da sua experiência moral. Mas
em que consiste esta expressão narrativa da experiência
moral?
Fazer a narração da sua experiência moral consiste
em contar, através do diálogo (oral ou escrito), uma
experiência moral, expressando o sentido atribuído
a essa experiência, e afirmar a sua autoridade de autor
(Tappan e Brown, 1989: 192-193): Quando um indivíduo
é convidado e encorajado a contar uma história a propósito
de uma experiência moral da sua própria vida, depara-se
perante dois acontecimentos . Em primeiro lugar, porque a concepção
de um relato implica necessariamente uma moralização,
baseada sobre uma perspectiva moral particular; contar uma história
moral necessita que o seu autor autorize essa perspectiva
deste facto, a descrição de uma história moral
fornece a ocasião de exprimir a sua autoridade de autor.
Em segundo lugar, contar uma história moral implica, também,
necessariamente uma reflexão sobre a experiência contada,
encorajando o seu autor a aprender, ainda mais, sobre a sua experiência
afirmando mais autoridade e assumindo mais responsabilidades
perante os seus pensamentos, os seus sentimentos e as suas acções.
Por conseguinte, a autoridade de autor é, ao mesmo tempo,
expressa e desenvolvida a partir do relato de histórias morais.
Desta forma, a expressão narrativa da «autoridade moral»
processa-se da seguinte forma (Bouchard, 2000: 12-13): (a) o sujeito
deve, antes de mais, fazer referência a uma experiência
que viveu (ou que está a representar); (d) de seguida, esta
experiência deve ser contada (sob a forma de relato), no sentido
de afirmar a sua perspectiva moral de autor; (c) finalmente, através
da reflexão sobre a experiência narrada, o sujeito
deve justificar (argumentar) a sua eventual tomada de decisão
(da acção) ou reconstrução da perspectiva
inicial (eventualmente uma nova aprendizagem).
O relato de uma experiência pedagógica
É no contexto da expressão narrativa de autoridade
moral do sujeito sobre a sua experiência, que implementámos
uma estratégia no âmbito de um Seminário que
dinamizamos aos estudantes do curso de licenciatura de professores
de 1º ciclo. Este seminário (Seminário II
Formação Pessoal e Social) procura disponibilizar
um conjunto de estratégias no âmbito do desenvolvimento
sociomoral. A dinâmica impressa na mobilização
de estratégias assume os seguintes contornos: cada grupo
de estudantes é chamado a construir uma estratégia,
tendo como palco as situações de aprendizagem, em
contexto de prática pedagógica; de seguida, a situação
é representada nas sessões do seminário (o
modelo adoptado, é o modelo proposto por Bouchard, 2000,
vide: anexo); posteriormente, estabelece-se o feedback
retroactivo oral e escrito (grupo e diário, respectivamente)
Avaliação da experiência pedagógica
implementada
Com base nos testemunhos orais, aquando a apresentação
das várias estratégias dinamizadas ao longo do Seminário,
e com base nos registos (em Diário) que os estudantes produziram,
podemos concluir, com alguma satisfação profissional,
que este tipo de estratégias tiveram repercussões
muitíssimo positivas. A título de ilustração,
aqui registamos alguns fragmentos retirados dos diários dos
estudantes.
De tudo o que foi experienciado, ao longo das sessões,
extraio a convicção de que a expressão narrativa
através do jogo dramático é uma excelente estratégia
educativa para a promoção do desenvolvimento interpessoal
e moral, assente na dimensão sensível do Ser Humano
(Aluna de 3º Ano o Curso de Licenciatura de 1º
Ciclo do Ensino Básico).
Falando agora das estratégias... eu penso (ou melhor)
«eu sinto» que resultaram! Se na maior parte das disciplinas
o que conta... é argumentarmos com base em teorias, aqui
foi o contrário. Tivemos oportunidade de «reflectir»
sobre nós mesmas, sobre o que sentimos e vivemos em relação
às pessoas e às coisas que nos acontecem (...). O
que eu acho mais positivo nestas estratégias é como
que incarnar um personagem que nos diga quem somos... (Aluna
de 3º Ano o Curso de Licenciatura de 1º Ciclo do Ensino
Básico).
Feito o balanço, a dinâmica impressa nas sessões
com este tipo de estratégias, de expressão narrativa,
julgo que foi uma ideia feliz... Mais do que pensar, obrigou-me
a distanciar-me de mim própria... pois eu ao dramatizar,
tive a oportunidade de construir vários personagens, com
os quais tive que me identificar( ...), com isso dei-me conta de
reacções que não pensava ter naqueles momentos...
Julgo que este tipo de estratégias são muito importantes
para reflectir sobre as nossas experiências pessoais e também
como futura professora (Aluna de 3º Ano o Curso de Licenciatura
de 1º Ciclo do Ensino Básico).
ANEXO
EXPRESSÃO NARRATIVA ATRAVÉS DO JOGO DRAMÁTICO
Etapas
|
Processos mobilizados na expressão narrativa
|
Valoração da expressão narrativa
|
Percepção
|
Sensação, emoções experienciadas
em contacto com a situação representada
|
Valorar as sensações e emoções
geradas no próprio acto de representar
|
Exploração
|
Exploração da linguagem dramática (corpo,
voz, espaço, objectos). Passagem da pessoa ao personagem
|
Valorar a afirmação da «polifonia»
de vozes, abrindo-se à experienciação
de outros «eus»
|
Actualização
|
Sequências dramáticas, reconhecendo a comple-xidade
que está em jogo na situação representada
|
Valorar e integrar as várias sensibilidades experienciadas
durante a situação representada
|
Retroacção
|
Revisitação e reflexão da experiência
vivida na situação representada
|
Retroacção verbal sobre a situação
representada. Retroacção escrita mediante o
registo num Diário.
|
Adaptado de Bouchard (2000: 23)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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