APRESENTAÇÃO
O preâmbulo do livro Educación artística, cultura y ciudadanía, publicado conjuntamente pela oei e a Fundação Santillana, em 2009, como contribuição ao debate da proposta de «Metas Educativas 2021», abria-se com as seguintes palavras do Secretário Geral da OEI, Álvaro Marchesi:
As novas exigências sociais e uma visão renovada sobre a função da educação escolar puseram de manifesto a importância de conseguir que os alunos adquiram as competências necessárias que lhes permitam aprender a aprender, aprender a conviver e aprender a ser. Neste contexto, ressurge com força o papel da educação artística na formação integral das pessoas e na construção da cidadania. O desenvolvimento da capacidade criativa, a auto-estima, a disposição para aprender, a capacidade de trabalhar em equipe ou o pensamento abstrato encontram na educação artística uma estratégia potente para a sua concretização.
Em épocas passadas, e infelizmente ainda nos tempos atuais, pensava-se que a educação artística só podia ser de interesse para aqueles que viam na arte um campo de desenvolvimento profissional ou era contemplada como uma atividade marginal nas escolas. O certo é que o avanço na pesquisa da psicologia, da neurologia, de educação e valores sublinharam a importância das artes como espaços que brindam a possibilidade de transformação da dimensão humana, tanto nos âmbitos do conhecimento como nos afetivos, sociais e espirituais (p.7).
A consciência da importância que hoje em dia assume a arte na educação é o motivo que impulsionou a convocação da seção monográfica deste número, que precisamente ostenta esse título genérico. Não quisemos reduzi-la somente ao âmbito da educação artística, por importante e digno que seja. Quisemos dar espaço a uma reflexão mais ampla, capaz de penetrar nas complexas relações que existem entre arte e educação. A convocação encontrou eco num bom número de professores e pesquisadores, que nos enviaram suas colaborações. Dentre os traba
lhos apresentados, selecionamos finalmente os sete que o leitor encontrará nestas páginas, dedicados a diversos aspectos relativos à presença e ao tratamento da arte na escola. Em conjunto compõem um quadro (ou uma composição musical, se preferem recorrer a outro símile artístico) que reflete, de maneira impressionista, mas compreensiva, as diferentes dimensões que se podem identificar neste âmbito.
O primeiro artigo, escrito por Graciela Fernández Troiano, centra-se na análise de três ideias centrais sobre a arte que circulam nas escolas: a da arte como expressão de um mundo interior oculto que aguarda a ocasião para emergir, o que supõe concebê-la como uma capacidade inata; a que sublinha a aplicação de classificações teóricas sobre a forma, a cor e a composição como conceitos universais e inquestionáveis; e a que a considera uma linguagem composta de enunciados e proposições com sentido. Para levar a cabo esta análise a autora se baseia no que ela observou nas aulas de Plástica de várias escolas da cidade de La Plata (Argentina). Como marco teórico adota o produzido na pós-modernidade, dando entrada a conceitos como os de linguagem artística, texto, intertexto, gênero e estilo, e vinculando o ensino e a aprendizagem da arte com a construção de sentido.
O segundo artigo, de Aida Sánchez de Serdio Martín, questiona as relações existentes entre arte e educação, considerando-as parte de um território complexo e difícil de transitar, dada a natureza díspar de ambas as realidades, que são ao mesmo tempo esferas diferenciadas de produção cultural. Em vez de se aproximar ao campo da educação artística a partir da perspectiva estritamente educativa, ou de considerar a arte em sua vertente de disciplina especializada, propõe-se realizar um trajeto excêntrico para a educação artística, transitando pelo lado escuro das críticas que se fizeram, do mundo da arte, à educação em geral e à educação artística em particular. Essa aproximação, realizada mediante uma exploração do território que ao mesmo tempo separa e conecta a arte e as escolas, permitirá abrir vias de transformações significativas na situação atual da educação artística.
O terceiro artigo, de Marcos Villela Pereira, dedica-se a expor algumas considerações sobre a educação, a arte e as relações que existem entre ambas, com a intenção de mostrar que se trata de um campo inesgotável de estudo e de pesquisa. O trabalho está sustentado na experiência do autor no âmbito da formação docente e se orienta precisamente nessa direção, indagando sobre os processos mediante os quais o professor chega a se formar e a se perceber como tal. Para atingir seu propósito, baseia-se na analise de quatro textos da prestigiosa educadora de arte, a brasileira Noêmia Varela, professora da Escola de Arte de Recife (Brasil), correspondente aos anos 1972, 1973, 1977 e 1984, que confronta com outros materiais contemporâneos, o que lhe permite afirmar o potencial infinito de pesquisa que encerra este campo.
O quarto artigo, de Idoia Marcellán Baraze, está dedicado à analise da transformação que se vem produzindo nos últimos anos na educação artística por efeito do impacto dos estudos culturais e visuais e da cultura visual e da pedagogia crítica. Entre as mudanças produzidas, a autora centra-se especialmente na incorporação das imagens mediáticas como objeto de estudo da educação artística e no papel da educação das artes visuais perante este tipo de imagens. O trabalho dedica uma atenção destacada aos principais argumentos que apoiam o trabalho com imagens mediáticas, enquanto práticas sociais, que estão próximas e influenciam a vida dos estudantes, que configuram nossa percepção sobre o que é a arte, e que guiam comportamentos e oferecem crenças e valores.
O quinto artigo, de Maria Cristina Martínez, propõe um olhar centrado na formação contínua do docente de educação artística, baseando-se em duas experiências inovadoras desenvolvidas desde 2008 na cidade de Mar del Plata (Argentina). Trata-se de dois pós títulos de especialização superior no âmbito artístico que dão pé para fazer uma analise crítico-interpretativo sobre a formação contínua do docente e da problemática da educação artística no conjunto dos saberes que se ensinam, se aprendem e se avaliam. A autora aborda questões relativas à educação artística, à natureza da arte, à reflexão sobre o fato artístico, à escrita como reconhecimento, e à produção e reprodução do fazer artístico.
Perante o âmbito das artes plásticas e visuais abordado nos artigos anteriores, o sexto trabalho, de Andrea Giráldez Hayes, centra-se na educação musical na escola, examinando as possibilidades e os desafios que supõe o uso das tecnologias da informação e da comunicação (tic) em geral e mais concretamente a web 2.0. A autora discute a possibilidade de compor sem “saber” música, circunstância que se aprecia claramente entre os jovens atuais. Desta perspectiva, analisa a contribuição das tics para criar, remesclar e compartilhar música, o que pode contribuir notavelmente para favorecer os processos de criação e difusão musical.
O sétimo e último artigo de Teresa Torres de Eça, começa propondo como a crise atual sublinhou a necessidade de desenvolver a criatividade e a inovação em nossas sociedades. Tanto a ocde, como a União Europeia e a unesco puseram de manifesto esta necessidade, insistindo ademais na sua urgência. A autora defende que a educação artística pode contribuir muito para esta tarefa, já que por sua própria natureza responde ao desafio do desenvolvimento da criatividade e da inovação, ao mesmo tempo em que sustenta a educação para a cidadania, favorecendo a aquisição de valores e do diálogo intercultural. Deste ponto de vista, analisa algumas experiências levadas a cabo no Brasil, na Colômbia e na Espanha, que sugerem modelos de reflexão para a educação social e o desenvolvimento comunitário.
A seção Outros temas inclui outros três trabalhos que abordam temas diversos. O primeiro deles, de Carles Monereo, centra-se na formação inicial e permanente do professorado, propondo uma pauta para a análise e a intervenção de incidentes críticos. Sua preocupação descansa na convicção de que os modelos tradicionais para a formação do professorado, que de fato continuam sendo hegemônicos, não oferecem os conhecimentos e competências exigíveis para enfrentar os problemas mais comuns na prática educativa. Perante essa realidade, o autor propõe analisar os «incidentes críticos», entendidos como fatos que podem ocorrer no transcurso de uma aula e que por seu poder emocionalmente desestabilizador, pela dificuldade de solucioná-los com uma resposta parcial e imediata e sua capacidade para desafiar as funções e concepções atuais, podem resultar especialmente favorecedores de mudanças na identidade profissional do docente.
O artigo de Juan E. Jiménez e Isabel O’ Shanahan Juan dá a conhecer uma pesquisa realizada com crianças hispano-falantes que aprendem inglês como segunda língua nos Estados Unidos e no Canadá. Após apresentar e analisar as principais teorias explicativas sobre a aprendizagem da leitura e da escrita numa segunda língua e as habilidades necessárias para consegui-lo, os autores revisam os principais estudos realizados sobre esse tema e finalizam analisando as relações que existem entre a aprendizagem de uma segunda língua e as dificuldades surgidas na aprendizagem.
O terceiro artigo desta seção, de Carmen Sabán Vera, analisa a evolução que o conceito de educação permanente registrou desde que apareceu na agenda educativa internacional até a atualidade. A autora revisa a caracterização que o conceito recebeu por parte de seus dois principais promotores, a unesco e a União Europeia. Enquanto a primeira desenvolveu o conceito a partir dos princípios da democratização da educação e da educação ao longo da vida, a segunda acrescentou outros dois elementos: a empregabilidade e a construção de uma cidadania ativa e participativa. Sua principal conclusão consiste em que os conceitos de educação permanente, para a unesco e de aprendizagem permanente, para a União Europeia, têm sua origem e evoluem de forma paralela, mas dão lugar a um desenvolvimento e a uma concretização de modelos educativos diferentes que respondem a realidades bem diferentes, embora não cheguem a entrar em clara divergência.
O número inclui as seções habituais de recensões e novidades editoriais e conclui com a memória editorial correspondente ao ano de 2009, a relação de avaliadores e os índices deste ano. Esta seção representa um compromisso de transparência com os leitores e com o conjunto da comunidade científica em educação, que são nossos principais destinatários.
Confiamos que o leitor desfrute da leitura deste número, pois não é outro nosso objetivo.
Alejandro Tiana Ferrer
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