Políticas de avaliação e avaliação
de políticas: o caso português
no contexto ibero-americano
Pedro Abrantes *
* Investigador e membro da direcção do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (cies-iscte-iul). Lisboa (Portugal).
SÍNTESE: Com base em vários estudos em que o autor participou nos últimos anos, o presente artigo discute o desenvolvimento recente dos dispositivos de avaliação e a sua relação com o contexto político-mediático, no quadro ibero-americano, aprofundando o caso português durante a última legislatura (2005-2009). Durante este período, além da importância central que representaram as provas nacionais e internacionais de alunos no desenho das políticas educativas, foram implementados sistemas nacionais de avaliação das escolas e dos professores, tornando-se assim um locus privilegiado de observação. Desta análise, é possível reconhecer tendências ibero-americanas, mas também a influência de pressões europeias e particularidades nacionais. Se os dispositivos de avaliação surgem condicionados pelas orientações político-ideológicas das forças que os promovem e sustentam, sendo a apropriação pública dos seus resultados também altamente filtrada por maniqueísmos retóricos que reflectem interesses particulares, não deixam de providenciar informações que interpelam os diversos actores educativos, alimentando o debate público e a abertura dos sistemas, numa dialéctica permanente entre políticas de avaliação e avaliação de políticas.
Palavras-chave: Avaliação; políticas educativas; organização escolar; Portugal.
Políticas de evaluación y evaluación de políticas: el caso portugués en el contexto iberoamericano
SÍNTESIS: Basándose en diversos estudios en los que ha participado el autor en los últimos años, el presente artículo propone un debate sobre el desarrollo reciente de los dispositivos de evaluación y su relación con el contexto político-mediático, en el cuadro iberoamericano, con especial atención al caso portugués durante la última legislatura (2005-2009). En este período además de la importancia central que representaron los exámenes nacionales e internacionales de alumnos en el diseño de las políticas educativas, fueron implantados sistemas nacionales de evaluación a las escuelas y a los profesores, convirtiéndose en un locus privilegiado de observación. En el análisis aquí descrito se pueden reconocer tendencias iberoamericanas, pero también la influencia de presiones europeas y particularidades nacionales. Si los dispositivos de evaluación surgen condicionados por orientaciones político-ideológicas de las fuerzas que los promueven y sostienen, la apropiación pública de sus resultados quedan también condicionados por maniqueísmos retóricos que reflejan intereses particulares, que no dejan de crear informaciones que interpelan a los diversos actores educativos. Así, se alimenta el debate público y la apertura de los sistemas, en una dialéctica permanente entre políticas de evaluación y evaluación de políticas.
Palabras clave: evaluación; políticas educativas; organización escolar; Portugal.
Assessment policies and policies assessment: the portuguese case in the pbero-American context
ABSTRACT: Based on different research studies, in which the author has been involved over the past few years, this paper proposes a debate concerning the recent development of assessment devices and its relationship with politics and mass media in the Ibero-American context, with special focus on the Portuguese case during the last legislative period (2005-2009). During this period, besides the remarkable impact that national and international exams had on the design of educative policies, national assessment systems for schools and teachers were deployed. This became a privileged locus for observation. Throughout the analysis we can identify Ibero-American trends, but also the influence of European pressure and national characteristics. If assessment devices are born influenced by the political and ideological orientation of those who promote and support them, public appropriation of the outcome is conditioned by rhetorical Manichaeism that reflects individual interests that don't stop creating information that question all the educative actors. In this way, we promote public debate and the broadening of systems in a constant dialectic between assessment policies and policies assessment.
Keywords: assessment; educative policies; school organization; Portugal.
1. Introdução
Se a avaliação periódica dos alunos sempre constituiu uma trave-mestra dos sistemas educativos ibero-americanos, nas últimas duas décadas entramos decididamente numa fase em que os dispositivos de avaliação se incorporam às suas várias dimensões, de modo estruturado e continuado, mobilizando orçamentos avultados, adquirindo grande relevância político-mediática e permitindo uma miríade de comparações longitudinais e internacionais. Basta assistir hoje a um debate público sobre educação para constatar os usos constantes, muitas vezes com forte carga retórica, dos resultados de programas avaliativos.
Ainda assim, evitando o efeito de naturalização que tende a conceber a avaliação como fim em si mesmo, surge em boa hora o apelo do presente número da revista a um debate sobre qual a sua contribuição para (re)pensar e (re)fazer a educação ou, em termos mais concretos, para o desenvolvimento das políticas educativas. A este propósito, a nossa participação centrar-se-á numa análise, teorica e empiricamente fundamentada, dos avanços recentes, no caso português, da relação entre avaliação e políticas educativas, enquadrando-os nas tendências observadas no espaço ibero-americano.
Em termos metodológicos, importa notar que se reúnem aqui resultados analíticos de quatro pesquisas recentes. A participação no projecto colectivo Crianças e Jovens nos Media, coordenado pela professora Cristina Ponte, permitiu um primeiro estudo sobre a relação entre avaliação e políticas educativas, com base numa análise de conteúdo de todas as noticias publicadas, durante um ano, nos quatro principais diários generalistas portugueses (Abrantes, 2009). A pesquisa de doutoramento, orientada pelo professor Rafael Feito Alonso da Universidad Complutense, incluiu uma estância prolongada em Madrid e uma comparação dos sistemas educativos português e espanhol (Abrantes, 2008). O actual envolvimento no projecto Sucesso Escolar e Perfis Organizacionais: Um Olhar a partir dos Relatórios de Avaliação Externa, coordenado pela Dra. Luísa Veloso, no quadro do cies-iscte-iul, tem permitido um trabalho de sistematização e análise sobre uma iniciativa, no qual participei, desde a sua origem, como avaliador externo. Por fim, a actual estância de investigação no ciesas, na Cidade do México, além do tempo necessário à investigação, tem-se revelado particularmente enriquecedora para o conhecimento da educação na América Latina (Abrantes, 2010).
2. Debates teóricos
Acompanhando a sua crescente centralidade nos sistemas educativos, a avaliação tem constituído um tema de discussão teórica acesa. As diversas perspectivas a este propósito permitem-nos hoje um olhar mais problematizador sobre os dispositivos avaliativos e a sua relação com as políticas públicas.
Por um lado, vários estudos têm mostrado como a avaliação constitui uma dimensão central do planeamento educativo moderno, permitindo a tomada de decisões mais eficazes, equitativas e democráticas, através de um controlo permanente de diversos indicadores sociais, económicos e culturais. Se o modelo de avaliação clássico (para um caso paradigmático, veja-se Banco Mundial, 1978), de cariz pretensamente exaustivo e universal, parece ter entrado em crise, tal como o próprio conceito de planeamento normativo que o apoiava, gerando, em certos sectores, um cepticismo face à avaliação, recentemente temos assistido a um desenvolvimento de modelos mais específicos, flexíveis, dinâmicos, que pretendem informar processos emergentes de «planeamento estratégico» (Kessler, 1998; Sánchez, 2005). Neste caso, procuram-se desenvolver modelos híbridos, no qual se articulam metodologias quantitativas e qualitativas, actores internos e externos, com diferentes temporalidades e privilegiando modalidades «ongoing», cujo principal objectivo não será tanto o conhecimento mais rigoroso e exaustivo possível da realidade, mas, sobretudo, maximizar a utilidade das avaliações para: (1) a tomada política de decisões; (2) a participação e formação dos actores educativos; e (3) a transparência e accountability dos sistemas. Contudo, tal como o próprio planeamento estratégico, esta visão racionalista e democrática da avaliação, actualmente hegemónica no plano teórico, enfrenta problemas vários à sua plena aplicação, entre os quais, a possível desarticulação entre os três objectivos enunciados, a dificuldade de os agentes educativos compreenderem o estatuto e utilidade da sua participação, as apropriações do processo por interesses particulares ou as suas formas (ora demasiado técnicas e tardias, ora mediáticas e extemporâneas) de divulgação pública.
Por outro lado, não podemos esquecer que a avaliação implica, em si própria, uma política e, portanto, que os dispositivos de avaliação accionados, sobretudo aqueles que adquirem grande dimensão e visibilidade, estão necessariamente ancorados a interesses poderosos. Ao contrário de algumas definições mais académicas que tendem a assemelhá-la à investigação científica, a avaliação implica a produção fundamentada de um «juízo de valor», ou seja, a comparação sistemática de uma realidade com um referente de ideal projectado e, por conseguinte, introduz-se, desde a sua génese, na arena política. Assim, os complexos e sofisticados sistemas de avaliação desenvolvidos nas últimas décadas por organizações transnacionais, como a ocde, a União Europeia, o Banco Mundial ou a unesco, têm sido associados a estratégias de padronização e regulação transnacional dos sistemas educativos, impondo globalmente uma agenda educativa tecnocrática e neoliberal (Afonso, 1999; Teodoro, 2001; Santos Guerra, 2003). Segundo estes autores, um dos pilares do processo tem sido o controlo prescritivo e extensivo dos «resultados educativos» (ou do «sucesso»), implicando a imposição de uma definição restrita deste conceito e de um modo único de aferição, o que não deixa de condicionar as práticas pedagógicas e organizacionais das escolas. Neste caso, o perigo será conceber a intervenção dos organismos nacionais e internacionais como isenta de ambiguidades e tensões, assumindo à priori que a dimensão técnica da avaliação promovida por uma organização política não poderá mais do que reflectir as suas orientações ideológicas.
Em todo o caso, ao invés de negarem a importância da avaliação, estes trabalhos críticos tendem a sugerir modelos emancipatórios de avaliação, comprometidos com os princípios de democracia participativa, inclusão social e «empowerment» dos actores locais. Esse propósito está patente, por exemplo, nos objectivos da Rede Ibero-americana de Investigação em Políticas de Educação (Teodoro, 2008).
3. Tendências ibero-americanas
Antes de avançar no «estudo de caso» proposto, importa situarmos a realidade portuguesa no contexto mais amplo das tendências ibero-americanas. Durante grande parte do século xx, os traços principais do sistema educativo português não variaram muito do observado em países como o Brasil, a Argentina ou o México, em contraste profundo com os países do centro e do norte da Europa, com os quais se tende hoje a comparar (Martins, 2005). Até aos anos 60, a educação portuguesa caracterizava-se por uma instrução primária curta e de forte carga moral e ideológica, na qual o controlo público se fazia pela forte repressão administrativa e formas locais de vigilância, um ensino técnico sem perspectivas de ascenção académica ou social e uma via académica restrita (pequeno número de liceus e universidades), altamente controlados pelas elites1. Sendo as pressões industriais insípidas, não havendo problemas graves de afirmação da identidade nacional e estando os movimentos democráticos proibidos, foi-se protelando a abertura do ensino secundário superior, apenas esboçada, sob a influência da ocde, pela facção reformista e liberal-tecnocrática do regime, nos anos 60, e enfim assumida como desígnio nacional no rescaldo da revolução de 1974. Ainda assim, logo no final dos anos 70, sob a intervenção directa do Banco Mundial, um conjunto de orientações políticas imporia uma expansão liberal e tecnocrática do sistema (Teodoro, 2001).
As similitudes com alguns países latino-americanos não são mera coincidência. Reimers (2000) identifica uma primeira fase, entre 1950 e 1980, centrada na expansão dos sistemas educativos, sobretudo no nível primário, e uma fase mais recente centrada na melhoria da qualidade, eficiência e competitividade da gestão escolar, mas marcada também por cortes orçamentais justificados pelas políticas de «ajuste estrutural», sob forte pressão do Banco Mundial e do fmi. A luta pela educação como direito humano universal tem vindo, assim, a perder fulgor, impondo-se uma noção mercantilizada dos bens educativos (Gentili, 2009).
Porém, a partir dos anos 80, a entrada na União Europeia significou, para Portugal e Espanha, a integração num projecto político-económico que, em termos educativos, repercutiu no acesso a uma quantidade considerável de recursos, bem como na adopção forçada de metas e procedimentos, submetidos à avaliação periódica. Esta mescla europeia de recursos e obrigações, a par da concomitante regulação e contracção dos mercados laborais, constituiu um motor da expansão do sistema educativo, em particular, na sua vertente profissionalizante, afastando-o dos padrões latino-americanos que conheceram um abrandamento, a partir dos anos 80, devido a políticas de corte neoliberal (Teodoro, 2008).
Simultaneamente, a pertença à ocde tem representado, sobretudo a partir do momento em que esta instituição criou dispositivos periódicos de avaliação educativa, uma constante pressão sobre as políticas educativas, em particular devido à enorme carga mediática dos fracos resultados alcançados pelos alunos portugueses e espanhóis nas provas internacionais (Abrantes, 2009).
Esta comparação sucinta não nos deve induzir, porém, a uma perspectiva uniforme das realidades latino-americanas. Na ausência de políticas comuns e compensatórias, devemos distinguir claramente a realidade dos países do Conosur, sobretudo o Chile, onde a evolução educativa tem muitas semelhanças com os países ibéricos, a enorme diversidade, segmentação e desigualdade que marcam os sistemas brasileiro e mexicano, o desenvolvimento lento, mas consistente da região norte da América do Sul e ainda os fortes atrasos verificados em vários países da América Central (siteal, 2007). No nível da avaliação educativa, isso explica porque razão os primeiros e, em parte, os segundos, tendem hoje a desenvolver dispositivos de aferição sistemática da qualidade educativa, procurando comparar-se com os países do norte, enquanto os terceiros e quartos se restringem às aferições mais quantitativas sobre a dimensão e cobertura do sistema educativo, como aquelas que são promovidas pelo Banco Mundial, a unesco ou a cepal. Ainda assim, não devemos rejeitar a hipótese dessa divergência resultar também de orientações políticas distintas, sobretudo no plano macro-económico, relacionadas com o modo de integração dos estados-nação no «sistema-mundo».
Pela sua sofisticação técnica, inovação metodológica e também impacto político, convém deter-nos nas avaliações da ocde, em particular naquelas que resultam da aplicação do pisa e que, além de abranger todos os países-membros, tem-se alargado a vários países latino-americanos (ocde, 2004, 2007, 2009). Sem dúvida que o enfoque analítico no «rendimento» académico dos alunos em provas escritas de Língua Materna, Matemática, Ciências Naturais, pressupõe (e promove) uma visão restrita do trabalho educativo e dos seus propósitos, conhecida na literatura norte-americana como «back-to-the-basics» (Popkewitz, 1991), negligenciando dimensões tão importantes como a expressão oral, a formação cívica, a sensibilidade artística, a participação comunitária, a educação física, o trabalho de equipa, o desenvolvimento de projectos, etc. Além disso, ao descontextualizarem e uniformizarem as competências necessárias a qualquer adolescente, entram em tensão com o movimento de descentralização educativa e de autonomia das escolas que se tem vindo a esboçar no espaço ibero-americano (Martinic, 2001).
Ainda assim, uma leitura atenta dos relatórios citados revela vários aspectos que se afastam da agenda neoliberal para a educação: (1) as variações internas nos resultados são discutidas enquanto obstáculo importante à equidade dos sistemas nacionais; (2) o nível socioeconómico do país, do contexto local e da família do aluno, tal como o investimento público em educação, têm um poder explicativo grande nos resultados obtidos pelos alunos, mas variável entre países; (3) os sistemas assentes numa diferenciação precoce dos alunos entre vias académicas e profissionais obtêm piores resultados; (4) as escolas privadas, na maioria dos países, não obtêm melhores resultados, em comparação com as públicas, quando neutralizado o efeito de classe social, quer na origem dos alunos quer no ambiente da escola; (5) no nível de escola, seja pública ou privada, o factor mais importante para a melhoria dos resultados parece ser a autonomia para desenvolver estratégias organizacionais e pedagógicas próprias, não se limitando a seguir as prescrições da administração central. Aliás, os casos apontados como exemplares pelo pisa, como a Finlândia e a Coreia, além de constituirem modelos muito distintos, ambos se pautam por uma forte intervenção estatal, em contraste com os resultados modestos que alcançam sistemas mais liberais, como o norte-americano. Esta análise coloca, portanto, em causa quer os sistemas públicos centralizados, como é o caso português, quer os sistemas altamente liberalizados, associados a cortes estruturais das despesas públicas e incentivos sistemáticos à iniciativa privada. Será, pois, legítimo questionar em que medida as políticas nacionais no espaço ibero-americano se têm orientado, realmente, por este tipo de estudos ou, em alternativa, se estes não têm funcionado, sobretudo, como forma retórica de legitimação de medidas governamentais, determinadas por interesses e conjunturas particulares.
4. O caso português (2005-2009)
Nos últimos quatro anos, Portugal caracterizou-se por um governo socialista de maioria absoluta, com um programa em que a avaliação foi assumida como pedra angular no desenho e implementação das políticas educativas, pelo que constituirá um bom «estudo de caso» para discutir as questões de partida apresentadas neste número da revista. Ao analisar um documento publicado pelo Ministério da Educação, sensivelmente a meio do mandato, com as 70 medidas emblemáticas da sua governação, observamos a centralidade conferida à implementação dos sistemas nacionais de avaliação de escolas e de professores, como eixos de regulação da carreira docente e da autonomia dos estabele-cimentos públicos, pelo que nos centraremos, em seguida, nestas duas linhas de acção (pontos a e b), mas a avaliação não deixa de ser tranversal a um conjunto alargado de outras iniciativas governamentais (tratadas no ponto c), como as provas de aferição, a reforma do ensino secundário, o ensino profissional e artístico, o Plano Tecnológico, o Plano de Acção para a Matemática, o Plano Nacional de Leitura, o programa Novas Oportunidades, entre outras.
4.1 A invisível avaliação externa das escolas
Lançada logo no início do mandato e devendo, em 2010, abranger o universo dos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário, o sistema português de avaliação externa das escolas constitui uma inovação considerável no cenário educativo ibero-americano. Os objectivos a que se propõe remetem, simultaneamente, às três funções habitualmente associadas aos programas avaliativos: formação dos agentes, prestação de contas e apoio à decisão. No entanto, por dinâmicas que não podem ser apenas imputadas à governação mas que resultam também dos actores que moldaram e implementaram o modelo, a sua morfologia tem favorecido mais o primeiro propósito, sobretudo no que se refere às lideranças das escolas, limitando o seu poder operativo nos restantes dois.
Em primeiro lugar, se, na fase experimental, os avaliadores eram essencialmente professores e investigadores do ensino superior, a sua generalização foi levada a cabo por equipas mistas, de dois elementos da Inspecção-Geral da Educação e um perito externo. Sabendo que os inspectores são, por lei, ex-professores do ensino básico e secundário, continuando durante a sua carreira a trabalhar diariamente com os estabelecimentos de ensino, podemos questionar se não estaremos, na verdade, perante um modelo «híbrido» de avaliação, o que aliás contribuiu para a sua aceitação pacífica no contexto escolar. Será externo às escolas, mas claramente não o é relativamente ao sistema educativo.
Em segundo lugar, a metodologia qualitativa e construtivista, inspirada no modelo escocês e numa experiência anterior da Inspecção-Geral da Educação (a «avaliação integrada»), centra-se na interpelação e reflexão dos actores locais, sendo que os dados quantitativos adquirem um papel complementar. Em cada escola, a uma primeira análise dos documentos estruturantes (projecto educativo, projecto curricular, plano de actividades, etc.), segue-se um conjunto de «painéis» com professores, funcionários, alunos e pais, reservando-se um tempo maior para os orgãos de gestão. Assim, favorece-se uma explicação plural da escola, «nos seus próprios termos», evitando uma visão prescritiva da avaliação, o que aliás tem suscitado transformações na cultura profissional e na imagem social dos inspectores.
Em terceiro lugar, os «resultados», desdobrados em quatro factores (académicos, cívicos, disciplinares e comunitários), constituem apenas um dos cinco «domínios» avaliados, sendo outros três referentes à administração escolar e pedagógica – prestação do serviço educativo, organização e gestão, e liderança – quanto ao quinto diz respeito à capacidade de auto-avaliação e de progressão da escola. E, apesar da relativa abertura dos indicadores, passível de interpretações variáveis entre avaliadores, privilegia-se um «juízo de valor» não tanto na base da eficácia estrita (custos/benefícios), nem da democraticidade interna (participação e transparência nas tomadas de decisão), mas na capacidade das lideranças formais gerarem e gerirem um projecto consistente de desenvolvimento da organização (uma estratégia), negociando com os diversos actores e dirimindo potenciais focos de conflito.
Aliás, emerge um conjunto alargado de escolas com classificações muito positivas nos itens de organização, mas modestas nos resultados. Como assinalam Torres e Palhares (2009), este enfoque surge associado a um novo modelo profissionalizado e hierárquico de organização das escolas2, ao arrepio da cultura colegial e democrática herdada da revolução de 1974, mesmo que paradoxalmente as lideranças emanadas do modelo anterior (o novo só entrou em vigor em 2008) tenham obtido geralmente boas classificações na avaliação externa. Num discurso a 1/12/2007, na Assembleia da República, o Primeiro-Ministro parecia já decidido pelo novo modelo, independentemente da avaliação externa: «É preciso não termos medo das palavras: é mesmo de directores que sejam líderes que nós precisamos [...] líderes efectivos, dotados de autoridade e capazes de gerir as escolas e responder pelos resultados [...]. É também ao director que compete designar os responsáveis pelas estruturas de coordenação e supervisão pedagógica, para garantir a coerência da liderança e permitir a sua plena responsabilização e prestação de contas».
Em quarto lugar, a forma de exposição dos resultados, através de um relatório técnico mais descritivo e qualitativo do que comparativo e quantitativo, consagra a sua função de formação (e legitimação) dos actores, limitando o seu peso nos processos de tomada de decisão e de prestação de contas. É verdade que se atribui uma classificação (de Insuficiente a Muito Bom) a cada um dos cinco domínios, permitindo um tratamento estatístico rudimentar, mas o carácter aberto, problematizador e eminentemente qualitativo do processo é respeitado na produção dos resultados, condenando-o à invisibilidade mediática: no ano de arranque da iniciativa, não foi publicada nenhuma notícia nos quatro jornais diários generalistas com mais tiragem em Portugal, em contraste com as centenas de artigos sobre os exames nacionais e as listagens exaustivas (rankings) dos resultados por escola (Abrantes, 2009).
Por fim, o próprio modo progressivo de implementação do dispositivo não é neutro em termos políticos, tendo atravessado uma primeira etapa de constituição de um grupo de especialistas externos ao Ministério, uma segunda de experimentação num grupo reduzido e voluntário de escolas e, por fim, a sua generalização a todos os estabelecimentos públicos de ensino básico e secundário do país.
Será cedo para aferir os impactos desta política, mas os dados recolhidos sugerem que, em termos de prestação de contas, os efeitos serão bastante mitigados pela relativa invisibilidade pública e mediática. Também quanto à tomada de decisão, não foi evidente um uso sistemático dos resultados da avaliação externa na orientação das políticas públicas. Apenas no caso da autonomia das escolas se refere formalmente que a avaliação externa será uma das condições para a atribuição de novas competências aos estabelecimentos de ensino, através de um processo de contratualização individualizado entre a tutela e cada estabelecimento, mas também não são claros todos os factores que informam essa tomada de decisão, nem a peso relativo de cada um3. Por fim, a boa receptividade do sistema, por parte das escolas, em contraste com a avaliação de professores (ver tópico seguinte), sugere que o efeito na formação e legitimação dos actores (sobretudo, daqueles que ocupam cargos directivos) possa não ser despiciente, mas serão necessários estudos para confirmar esta hipótese.
4.2 A conturbada avaliação de professores
A reforma dos dispositivos de avaliação anual de todos os docentes do ensino básico e secundário, implementada já no ocaso do mandato, constituiu provavelmente o processo mais controverso de toda a legislatura, gerando enormes manifestações, greves, negogiações e controvérsias, o que a tornou também o único tema educativo de destaque mediático. Apesar da abundante legislação produzida, o acordo com os sindicatos só foi conseguido já na nova legislatura, com outros responsáveis e outro equilíbrio de forças políticas, através de uma revisão profunda do modelo recém-proposto.
Importa assinalar que se pretendia aproximar a avaliação docente ao sistema geral em vigor para os funcionários públicos (siadap), tornando-a decisiva para a progressão na carreira e introduzindo, assim, um factor de distinção do mérito como estímulo ao trabalho. Embora o governo se tenha apoiado em relatórios da ocde que defendem a avaliação docente e que mostram o seu carácter incipiente em Portugal, esses documentos reconhecem que existem modelos muito díspares no nível mundial, não sendo directa a sua correlação com os desempenhos dos alunos. O modelo adoptado, com fortes semelhanças com o chileno, assentou na autonomia local, uma vez que prevê que os professores definam os seus objectivos e produzam uma auto-avaliação, sendo depois avaliados pelo seu superior hierárquico (também professor), segundo calendários, grelhas e critérios produzidos e aprovados no nível da escola. Se exceptuarmos as questões administrativas, relacionadas com o cumprimento de horários, prazos, tarefas formais, não existe um acordo social, formal ou informal, sobre o que significa ser um bom professor, subsistindo múltiplas definições. Aqui residiu o primeiro problema: criar um sistema nacional de avaliação de professores sem um referencial único sobre o perfil e os critérios que balizam o desempenho da profissão docente, remetendo enormes ambiguidades e tensões para o nível local. Outro aspecto decisivo para a recusa docente é que esta suposta autonomia das escolas entrou em contradição com a determinação do governo não apenas de implementar o sistema, simultaneamente, em todas as escolas do país, sem uma fase experimental, mas também em delimitar «quotas» por escola para a atribuição das classificações mais elevadas, às quais os veredictos escolares têm que se conformar.
Como notam Stoleroff e Pereira (2009), não se teve em devida consideração que o «ethos profissional docente», herdado do período pós-revolucionário de expansão acelerada do sistema educativo e defendido tenazmente desde esse memento por um sindicato altamente organizado, está baseado em estruturas de solidariedade e colegialidade (ou «coleguismo») entre professores, mesmo em níveis hierárquicos distintos, sendo que o sistema proposto ameaçava convertê-las em relações de avaliação e de concorrência. Desta forma, a reacção violenta dos professores associa-se à afirmação da sua «profissionalidade», contra a diluição no funcionalismo burocrático do estado (Fernández Enguita, 2007), mas também à recusa da competição local e consequente erosão das redes sociais que compõem as escolas.
No auge do conflito, o governo solicitou à ocde um estudo de emergência sobre o recém-criado sistema de avaliação docente, cujo relatório final defende a importância e complexidade do processo, mas inclui também várias recomendações, entre as quais, a formação de directores e coordenadores, bem como a consolidação de uma «avaliação formativa» (ou de «desenvolvimento»), de carácter interno e distinta da avaliação para a progressão na carreira, para a qual se sugere um dispositivo mais simples, articulado com a avaliação das escolas, com indicadores nacionais claros e com a participação de avaliadores externos.
4.3 As provas aos alunos no centro das políticas educativas
De uma forma não tão directa, também as provas nacionais (provas de aferição e exames) e internacionais (nomeadamente, o pisa) realizadas pelos alunos adquiriram, nesta legislatura, uma importância central na definição das políticas públicas. Aliás, tornou-se prática corrente, aproveitando a enorme visibilidade mediática que tem acompanhado a divulgação pública dos resultados gerais destas provas (Abrantes, 2009), a publicação de comunicados de imprensa por parte do Ministério da Educação, nos quais, saúda os resultados positivos alcançados ou, em alguns casos, declara estranheza e preocupação pelos scores mais negativos. Também as forças da oposição entraram em cena, acusando o executivo de manipular as provas nacionais para a obtenção de dividendos políticos a partir de uma melhoria «artificial» dos resultados, consagrando, em todo o caso, a centralidade destes dispositivos como principal barómetro das políticas educativas, bem como do esforço e sucesso, tanto de professores como de alunos. No entanto, raramente este debate superou o maniqueísmo da subida ou da descida dos valores médios, o que, não se (re)conhecendo os indicadores-base e a sua coerência ao longo do tempo, carece de validade científica.
Sendo o debate em seu redor eminentemente retórico e o seu peso na progressão dos alunos pouco significativo, será importante, todavia, uma discussão sobre os efeitos nas políticas educativas desta centralidade atribuída às provas nacionais e internacionais. Por um lado, o lançamento do Plano Nacional de Leitura e do Plano de Acção para a Matemática, ambos com grande visibilidade e orçamentos consideráveis, não será alheio ao facto de os testes realizados versaram sobre as competências dos alunos em Língua Portuguesa e em Matemática, com efeitos assim de reforço de disciplinas que tinham de antemão um estatuto central nos currículos escolares e marginalização de dimensões educativas emergentes, como a formação cívica, artística ou física. Por outro lado, estes programas adoptaram um modelo de «planeamento estratégico», baseado na valorização e no financiamento de iniciativas de base local, evitando-se prescrições normativas sobre modos de ensinar a Leitura e a Matemática, o que, pelo menos a curto prazo, poderá comprometer a melhoria dos resultados em ditas provas. O facto de as escolas aderirem voluntariamente e de formas diversas potencia efeitos de mobilização colectiva, como se havia verificado já em relação ao programa Ciência Viva, mas pode também gerar efeitos incipientes nos contextos mais fechados e conservadores.
Além disso, estes «planos» incluem dispositivos de avaliação autónomos que podem, por exemplo, demonstrar que as práticas de leitura na sociedade portuguesa se têm reforçado e democratizado, sem que isso se reflicta em melhorias imediatas nos resultados das provas de língua materna realizadas no 4.º, 6.º e 9.º ano (Costa et alii, 2009). Em todo o caso, ambos os objectivos não são contraditórios, como parece estar patente no facto de Portugal ter vindo a melhorar os resultados nas várias edições do pisa (ocde, 2004, 2007, 2009), ao contrário de outros países europeus, pelo que estas notas pretendem mostrar, sobretudo, que, se as políticas educativas se sustentam e legitimam em macro-dispositivos internacionais de avaliação, na verdade não se limitam a implementar medidas para a melhoria, a curto prazo, dos resultados dos alunos nessas provas, revelando uma certa ambiguidade (fruto da negociação) entre diferentes racionalidades.
Por fim, a ênfase na qualidade das aprendizagens não nos deve conduzir ao esquecimento de que as avaliações mais clássicas sobre as qualificações escolares, sobretudo promovidas pela União Europeia, continuam a ter um impacto significativo nas políticas públicas portuguesas, até pelo cenário contrastante com os congéneres europeus (Martins, 2005) e que têm permitido a disponibilização de verbas comunitárias. Importantes medidas como o programa Novas Oportunidades, criado para abranger cerca de 10% da população portuguesa, a expansão da oferta pública de cursos profissionais de nível secundário, ou a criação de vias alternativas para os alunos em situação de insucesso repetido e abandono eminente completarem o ensino básico, resultam precisamente de um esforço concertado para melhorar os indicadores qualificacionais. Mais uma vez, as denúncias frequentes de «facilitismo» e de «trabalhar para as estatísticas» que se têm associado a estes programas, raramente acompanhadas de propostas concretas, parecem alimentar a ilusão nostálgica de que a legitimação democrática de um governo pode abdicar de uma prestação sistemática de contas, baseada em dispositivos de avaliação quantitativa.
5. Notas finais
O presente artigo procura mostrar como os dispositivos nacionais e internacionais de avaliação constituem, hoje, peças fundamentais no «xadrez educativo», o que representa uma abertura estrutural e transformação de fundo dos sistemas ibero-americanos, perpetrada nas últimas décadas, tendo-se aprofundado o caso singular de Portugal, entre 2005 e 2009. Em particular, analisámos os processos de implementação dos sistemas nacionais de avaliação externa das escolas e dos professores, bem como o impacto das provas realizadas pelos alunos no desenho das políticas educativas.
Em traços largos, o que parece depreender-se desta análise é que, à medida que os programas de avaliação se vão alargando e inten-sificando, raramente conseguem escapar à sua dupla dependência das lutas político-mediáticas, o que acaba por minar uma parte do seu potencial informativo e transformador. Por um lado, estas aferições sustentam-se em (e promovem) concepções e interesses educativos particulares, resultantes de forças hegemónicas no quadro político-social. Sabendo-se, de antemão, que a inexistência de referenciais (como parece ter ocorrido na avaliação de professores) também vota ao fracasso tais iniciativas, a única solução será que a montagem destes dispositivos resulte de um amplo debate público e de uma concertação entre diversos actores educativos, evitando escudar-se numa pretensa hegemonia da técnica. Por outro lado, apenas uma parte dos resultados da avaliação tende a ser mobilizado, de forma estratégica e retórica, para legitimar políticas educativas particulares e cujos propósitos raramente são declarados, em muitos casos, negligenciando ou mesmo contrariando outros resultados das referidas avaliações. Neste caso, será importante criar condições para que os resultados das avaliações sejam difundidos e debatidos, em profundidade, nos múltiplos espaços educativos, o que implica estratégias de divulgação em vários tempos, espaços e linguagens.
Em todo o caso, contra a vertigem do reducionismo da avaliação a braço técnico de forças políticas, a análise realizada mostra também como os processos consistentes e socialmente apropriados de avaliação, suportados em competências e procedimentos técnicos, mesmo que duplamente filtrados por interesses políticos e mediáticos, não deixam de produzir dados, conhecimentos e perspectivas com capacidade de interpelação dos actores, sejam organizações internacionais, governos nacionais ou agentes escolares.
Bibliografia
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1 Aliás, quando comparamos os dados referentes à escolaridade dos trabalhadores com mais de 45 anos (ocde, 2009), relativamente aos países mais populosos da América Latina, é bem visível o atraso educativo português, no nível de educação secundária (menos de 20% da força laboral), e as similitudes no ensino superior (cerca de 10%).
2 Este modelo foi sendo esboçado através de diversas leis e despachos publicados ao longo da legislatura, incluindo os estatutos do aluno e da carreira docente, culminando no decreto-lei nº 75/2008, através do qual se redefiniu o regime jurídico de autonomia, gestão e administração dos estabelecimentos públicos de ensino. No preâmbulo pode ler-se: «com este decreto-lei, procura-se reforçar as lideranças das escolas, o que constitui reconhecidamente uma das mais necessárias medidas de reorganização do regime de administração escolar. Sob o regime até agora em vigor, emergiram boas lideranças e até lideranças fortes e existem até alguns casos assinaláveis de dinamismo e continuidade. Contudo, esse enquadramento legal em nada favorecia a emergência e muito menos a disseminação desses casos. Impunha-se, por isso, criar condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças eficazes, para que em cada escola exista um rosto, um primeiro responsável, dotado da autoridade necessária para desenvolver o projecto educativo da escola e executar localmente as medidas de política educativa. A esse primeiro responsável poderão assim ser assacadas as responsabilidades pela prestação do serviço público de educação e pela gestão dos recursos públicos postos à sua disposição».
O princípio da autonomia surge, assim, na legislação aprovada e nos discursos dos governantes, não tanto como empowerment dos actores locais, como era proposta no final dos anos 90, mas fundamentalmente enquanto meio de promover a eficácia do serviço público, associada a um acréscimo de responsabilidade do director, aferida regularmente através de sistemas de avaliação e prestação de contas. Ou seja, é-lhe negado o estatuto de política educativa per si, reduzindo-o ao seu «valor instrumental» na estratégia de racionalização administrativa. |