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 ISSN: 1022-6508

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 Número 54 Septiembre-Diciembre / Setembro-Dezembro

Cambio y mejora escolar (I)
Mudança e melhoria escolar (I)

  Índice número 54

Redes e mediação:
princípios epistemológicos da teoría da rede de mediadores em educação

Elena Maria Mallmann *

SÍNTESE: Aspectos epistemológicos da Teoria da Rede de Mediadores são explicitados, sinalizando contribuições na investigação, na análise e na compreensão do conceito mediação pedagógica. As reflexões são sustentadas por resultados oriundos da investigação-ação sobre o processo de transposição didática de materiais didáticos hipermídia. Argumenta-se que a Teoria da Rede de Mediadores, na sua relação com a produção científica em educação, como avanço e possibilidade, gera compreender a educação escolar em virtude das interações e da interatividade requerida em torno dos conteúdos escolares. Conclusivamente, destaca-se que o fator inovador na opção por essa matriz teórica no âmbito da pesquisa e da produção conceitual em educação reside na relevância que os atributos científico-tecnológicos adquirem no processo ensino-aprendizagem pela indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade.
Palavras-chave: mediação pedagógica; Teoria da Rede de Mediadores; materiais didáticos hipermídia.
Redes y mediación: principios epistemológicos en la Teoría
de la Red de Mediadores en educación
SÍNTESis: A través de este trabajo se explicitan los aspectos epistemológicos de la Teoría de la Red de Mediadores, mostrando sus contribuciones en la investigación, el análisis y la comprensión del concepto de mediación pedagógica. Las reflexiones se sustentan en los resultados obtenidos en una investigación-acción del proceso de transposición de materiales didácticos hipermedia. Para ello se argumenta la relación de la Teoría de la Red de Mediadores con nuevos avances y posibilidades de la producción científica en educación. Esta teoría genera una forma de entender la educación escolar, a partir de las interacciones y la interactividad dentro de los contenidos escolares. En conclusión, la opción de esta matriz teórica representa un fuerte factor innovador de la investigación educativa, ya que, al no disociar ciencia, tecnología y sociedad permite resaltar los atributos científico-tecnológicos en el proceso de enseñanza y aprendizaje.
Palabras clave: mediación pedagógica; Teoría de la Red de Mediadores; materiales didácticos hiper-media.
Networking and mediation: epistemological principles of the Mediators Network theory in education
Abstract: In this paper we will present the epistemological aspects of the Mediators Network theory, showing its contributions to research, analysis and understanding of the concept of pedagogic mediation. With this aim, we will discuss the relation between Mediators Network theory and the newest breakthroughs and possibilities offered by scientific production in education. This theory produces a way of understanding schooling through the interactions and the interactivity within learning content. All in all, this theoretical matrix presents itself as a strong agent for innovation in educative research since it does not dissociate science, technology and society, thus allowing us to highlight the technological and scientific characteristics of the teaching and learning process.
Keywords: pedagogic mediation; Mediators Network theory; didactic hypermedia material.

1.   Introdução

A reflexão nesse texto sustenta-se na explicitação dos princípios redes e mediação do ponto de vista da Teoria da Rede de Mediadores (Mallmann, 2008) com seus desdobramentos para o campo da pesquisa e da produção teórica em educação. Desse modo, na primeira parte destacam-se as principais proposições da Teoria da Rede de Mediadores do ponto de vista epistemológico, detalhando contribuições para o campo da educação escolar especialmente pelas inovações na interação e na interatividade. No segundo momento do texto, discutem-se as nuances do princípio redes como fundamento para a compreensão das estruturas produtivas de novos artefatos e de condições estruturantes do desenvolvimento científico-tecnológico.

Na terceira parte apresentam-se os quatro atributos propostos por Latour (1994; 1999; 2000; 2001) para a compreensão das especificidades e desdobramentos da mediação, de acordo com a lógica das redes formadas pelos coletivos humanos e não-humanos no campo da indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade.

A partir dos esclarecimentos conceituais sobre os princípios redes e mediação, conforme proposições da Teoria da Rede de Mediadores, parte-se para as reflexões específicas no campo da educação com a delimitação temática em torno da mediação pedagógica.

A transposição dos princípios da Teoria da Rede de Mediadores para análises, interpretações e reflexões no âmbito da produção educacional está amparada nos resultados oriundos da investigação-ação sobre o processo de elaboração de novos artefatos pedagógicos (materiais didáticos impressos e hipermidiáticos, objetos e ambientes virtuais) geradores de tese de doutoramento em educação (Mallmann, 2008).

Conclusivamente, destaca-se que o fator inovador na opção por essa matriz teórica no âmbito da pesquisa e da produção conceitual em educação reside na relevância que os atributos científico-tecnológicos adquirem na compreensão das ações humanas no processo ensino-aprendizagem pela indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade. A perspectiva teórica da Rede de Mediadores tem sido apropriada pela educação, gerando, como consequências, avanços e possibilidades na educação escolar do ponto de vista da integração das tecnologias educacionais para fortalecer interação e interatividade em torno dos conteúdos curriculares.

2.   Teoria da Rede de Mediadores (TRM): princípios epistemológicos

A Teoria Ator-Rede (tar), conhecida internacionalmente como Actor-Network Theory (ant) ou Théorie des Acteurs-Réseaux é originalmente desenvolvida no campo das pesquisas e das teorizações científicas e sociais. O Grupo Science, Technologie et Société (sts) pesquisa as relações sociais, políticas e culturais no desenvolvimento científico e na inovação tecnológica (Moraes, 2004; Callon, 2007). Nas pesquisas e na produção teórica em educação, no Brasil, (Mallmann, 2008) vem sendo denominada Teoria da Rede de Mediadores (trm) em virtude dos fundamentos para reflexões sobre preocupações temáticas em torno das especificidades e implicações de artefatos tecnológicos na mediação pedagógica. Do ponto de vista educacional, essas implicações dizem respeito à operacionalização das interações entre professores e estudantes e à interatividade permitida em objetos e ambientes virtuais durante a manipulação de variáveis experimentais e/ou percursos de navegação em materiais hipermídia na Internet.

No campo epistemológico da trm, as proposições de Bruno Latour sobre a relação entre ciência, tecnologia e sociedade se inscrevem dentro de um plano conceitual que ele chama de «não-moderno» em oposição ao «acordo modernista» ou às denominações «pós-modernas». Sua principal discordância em relação a essas concepções epistemológicas é a separação entre a natureza (fatos), sociedade (poder) e discurso (representação) que preconizam Sujeito e Objeto como dois polos incomensuráveis. A proposta defendida por Latour (2000; 2001) é o agenciamento entre Humanos e Não-Humanos (h-nh), estabelecendo mediações em redes. Na educação escolar, uma das potencialidades desses agenciamentos é a ampliação da interação entre professores e estudantes para além da sala de aula, melhorando condições de ensino-aprendizagem.

Um mediadoré sempre um aspecto, um elemento, uma entidade, uma ferramenta capaz de mobilizar, modificar, potencializar ações dentro de um universo, de uma rede constituída de uma heterogeneidade de mediadores h-nh. Compreensão epistemológica essencial quando se trata da indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade. No processo escolar, isso requer ter bons diagnósticos das condições do contexto em que o processo ensino-aprendizagem transcorre já que as tecnologias (mediadores não-humanos) podem ser utilizadas para produzir inovações metodológicas na abordagem dos conteúdos curriculares de cada área.

A trm explicita o conjunto de negociações que identificam a qualidade e a intensidade das relações entre redes h-nh, uma vez que fatores como infraestrutura, recursos e tempo são condições contextuais envolvidas nos processos de construção do conhecimento científico e tecnológico. O conhecimento científico-tecnológico, social e cultural é fruto de projetos amparados por uma diversidade de fatores que garantem sua sustentabilidade: financiamento, aliados políticos, laboratórios, equipamentos tecnológicos de precisão, técnicas e procedimentos de registro, análise e divulgação dos resultados. As proposições conceituais de Pasteur, Newton, Darwin e Bacon, por exemplo, não teriam os alcances que tiveram se não tivessem como aliados culturas microbianas, átomos, moléculas, laboratórios de astronomia, combinações químicas e seres biológicos em constante desenvolvimento. São redes de humanos, animais, máquinas, matéria em geral, agindo e fazendo agir a partir das infinitas possibilidades de conexões. Desse ponto de vista epistemológico, os elementos não-humanos na produção de novos artefatos e conhecimentos não podem ser desconsiderados na coleta de dados, análise, interpretação e generalizações nas pesquisas independentes da área. Já em educação, o mesmo vale para a implementação das parametrizações curriculares e transposições didáticas que geram materiais didáticos, projetos de cursos, planos de ensino, planos de aula e registros de aula.

A natureza heterogênea dos mediadores interligados numa rede tem interesse em trabalhos de investigação que se inscrevem na matriz conceitual da trm. Metodologicamente falando, o empenho está em detalhar e explicitar os conhecimentos desde suas etapas iniciais de desenvolvimento, considerando os elementos que interferem nas decisões e nas ações para que os produtos finais se caracterizem, qualifiquem e quantifiquem de determinada maneira. Do ponto de vista das relações entre natureza, sociedade e discursos os princípios que sustentam a trm implicam compreender que o conhecimento não é fruto de ações místicas, mas resulta de um esforço concentrado de h-nh agenciados nas mais diversas áreas como Medicina, Engenharia, Bioquímica, Cibernética, Informática, Sociologia, Psicologia, Neurologia, etc. Do ponto de vista educacional, o aspecto epistemológico diz respeito aos estágios da transposição didática.

O esforço e a contribuição estão justamente na transposição desse marco epistemológico para as pesquisas e a produção conceitual no âmbito da educação para que seja possível compreender melhor de que forma os artefatos científico-tecnológicos mobilizam e potencializam as decisões e as ações humanas no escopo da mediação pedagógica do ponto de vista das interações e interatividade.

Um esclarecimento é necessário antes de adentrar ainda mais nesse emaranhado de conceitos que estão em jogo quando o assunto gira em torno dos postulados da trm e, especialmente, de suas contribuições para analisar e refletir sobre os pilares teórico-metodológicos da mediação pedagógica. O posicionamento analítico no tratamento simétrico de Humanos e Não-Humanos como componentes em correspondência numa rede heterogênea não quer dizer que pessoas estejam sendo tratadas como máquinas e animais ou vice-versa (Latour, 2006).

O «conhecimento», portanto, é corporificado em várias formas materiais. Mas de onde ele vem? A resposta da teoria ator-rede é que ele é o produto final de muito trabalho, no qual elementos heterogêneos – tubos de ensaio, reagentes, organismos, mãos habilidosas, microscópios eletrônicos, monitores de radiação, outros cientistas, artigos, terminais de computador, e tudo o mais – os quais gostariam de ir-se embora por suas próprias contas, são justapostos numa rede que supera suas resistências. Em resumo, o conhecimento é uma questão material, mas é também uma questão de organizar e ordenar esses materiais. Este então é o diagnóstico da ciência, na visão ator-rede: um processo de «enge­nharia heterogênea» no qual, elementos do social, do técnico, do conceitual, e do textual são justapostos e então convertidos (ou «traduzidos») para um conjunto de produtos científicos, igualmente heterogêneos. (Law, 2007, p. 3).

A trm esboça um quadro teórico que serve para explicitar condições e contornos da construção dos conhecimentos científico-tecnológicos acoplados às determinações socioculturais. Em últimas pesquisas, reflexões e publicações no âmbito educacional tem-se vislumbrado a possibilidade de se lançar mão dessa matriz e construir transposições/adaptações para as preocupações temáticas em educação, especialmente no que diz respeito ao entendimento do movimento de produção de novos artefatos pedagógicos (transposição didática que gera novos materiais didáticos) (Mallmann, 2008; 2010).

Os postulados da trm têm alicerçado a sistematização conceitual da cadeia produtiva que requer competência científico-didática, autonomia e dimensões éticas no trabalho docente de elaboração e utilização de materiais didáticos impressos e hipermidiáticos (objetos e ambientes virtuais) como mediadores não-humanos implicados na mediação pedagógica.

No Brasil, abordagens teóricas dessa natureza são inovadoras no campo das pesquisas em educação, especialmente por proporem uma análise alicerçada na indissociabilidade entre ciência-tecnologia-sociedade. Essa indissociabilidade precisa ser levada em consideração no escopo educacional para que as potencialidades das tecnologias educacionais possam ser bem compreendidas, alavancando inovações metodológicas que permitam a interação qualificada entre professores e estudantes e, também, movimentar a interatividade.

Diante desse cenário, explicitam-se, a seguir, entendimentos sobre conceitos, redes e mediação centrais na trm a partir dos textos de Latour (1994; 2000; 2001). Dessa maneira, pode-se esclarecer de que modo os postulados da trm têm sido bases epistemológicas fundamentais para avançar teórico-metodologicamente em pesquisas, reflexões e ações em torno da produção e da utilização de materiais didáticos hipermídia (objetos e ambientes virtuais) para mediação pedagógica no sentido de potencializar o ensino-aprendizagem.

2.1 Rede

No lastro epistemológico da trm, o conceito rede compreende uma série de agenciamentos entre mediadores h-nh. Uma rede é composta de nós, convergências e bifurcações entre mediadores h-nh. Há muitos tipos e níveis de redes. As conexões variam conforme valores, concepções, interesses e relações. Podem ser as redes sociais primárias, como, por exemplo, a família ou amigos, estendendo-se até as redes sociais secundárias como a instituição escolar, por exemplo. Uma rede pode ser constituída por grupos sociais, povos, artefatos, dispositivos e entidades, formando uma estrutura caracterizada por cada um dos seus componentes.

O conceito rede fica mais fácil de ser entendido na medida em que se percebe que cotidianamente os pensamentos em ação transcor­rem em redes. Está presente desde o campo da sociologia (redes sociais) até a informática (rede de computadores). Os sistemas de informação e comunicação, de transporte e energia elétrica são bons exemplos de redes sociotécnicas e redes técnico-econômicas que estão presentes na interface entre o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da sociedade. Rede implica sempre a heterogeneidade, híbridos, agenciamentos de h-nh, provocando sucessivas associações, delegações, (des)equilíbrios, mobilização e potencialidade nas ações. Do ponto de vista do agenciamento, os mediadores são analisados a partir das características dentro de uma mesma rede.

O conceito rede ocupa lugar importante na trm, já que a elaboração do conhecimento científico está atrelada a um sistema com princípios explicativos, proposições e generalizações. Conforme a trm, a ciência, quando desconsidera a relação h-nh estabelecida em redes, é orientada por um pensamento simplificador e unidimensional. Opera sem levar em consideração as aleatoriedades, reduzindo o conhecimento ao conjunto de resultados gerados numa observação que exclui as interferências do observador.

Em educação, isso quer dizer que, ao pesquisar, analisar e propor avanços conceituais sobre o processo de elaboração de materiais didáticos como novos artefatos pedagógicos para mediação pedagógica, é necessário levar em consideração um grande número de aspectos. Dentre eles, as relações comunicativas estabelecidas entre os envolvidos na produção, os modos de negociação, as formas de poder, as condições espaço-temporais, a infraestrutura e, sobremaneira, as características dos novos artefatos pedagógicos elaborados.

Diante dos resultados de pesquisa sobre elaboração de materiais didáticos para a mediação pedagógica (Mallmann, 2008) pode-se afirmar que o conhecimento educacional gerado com base epistemológica na trm: a) avança na superação da dicotomia Sujeito-Objeto nos princípios de explicação; b) incorpora a dinâmica ação-reflexão-ação como elemento de compreensão da realidade; c) explicita o processo de construção do conhecimento científico como condição de consciência da situação de inacabamento; d) incorpora o fluxo criativo de novas situações de pesquisa e ensino-aprendizagem; e) toma como referência o contexto sociocultural em que o conhecimento é produzido; f) explicita as implicações das cadeias de equilíbrio-desequilíbrio nas redes de mediadores; g) sistematiza conceitualmente eventos dinâmicos como o processo de elaboração de novos artefatos pedagógicos (materiais didáticos); h) não negligencia as implicações dos artefatos científico-tecnológicos no sistema de relações e interação humanas em situações educacionais. Portanto, a concepção de mediação pedagógica nessa base teórica perpassa a necessidade de interação e interatividade em torno dos conteúdos curriculares.

O exercício de produção de novos mediadores no âmbito educacional e da sua sistematização e proposição teórica suscita possibilidades de abarcar cada vez mais as conformidades e as singularidades do agenciamento que os mediadores humanos estabelecem com os não-humanos na produção da sua existência. Conceitos, valores, saberes e significados aparecem na explicitação de um conhecimento que passa a ser o porta-voz da própria mediação.

No cenário da ciência da educação, o desafio, portanto, concentra-se na revisão de conhecimentos científicos que envolvem as tecnologias, elementos socioculturais, étnicos e curriculares, fundamentos e metodologias. Um processo ensino-aprendizagem sustentado nos princípios da rede de h-nh descarta a transmissão-recepção, o professor como único detentor do saber, a verdade absoluta dos conteúdos escolares, o desempenho da aprendizagem pautado somente na origem social ou na hereditariedade genética e mensurações de input/output. De acordo com esse princípio, torna-se possível analisar e compreender melhor as implicações da utilização de mediadores não-humanos, como os materiais didáticos hipermídia na mediação pedagógica como aspectos que produzem implicações imediatas ou em longo prazo nas formas de comunicação e apropriação do conhecimento.

2.1.1    Ciência em ação

O conceito rede está atrelado ao conceito ciência em ação na trm. Se, de acordo com essa matriz teórica, o conhecimento é resultado da mediação em redes compostas de h-nh, torna-se necessário seguir os mediadores nas suas ações, arranjando mecanismos e procedimentos para registrá-las, analisá-las e compreendê-las: entender e divulgar o conhecimento científico que se dá no interior das próprias ações, alcançar os contornos contextuais e culturais que envolvem as decisões.

As generalizações e inscrições científicas expressas por leis, modelos, esquemas, matrizes, equações, gráficos, mapas, anotações, experimentos de laboratório, relatórios e artigos representam os recursos mobilizados, os procedimentos e estratégias implementados durante o percurso investigativo para atingir determinados objetivos, produtos e resultados. O corpo teórico-metodológico da trm é formado com base na análise da ciência em construção. Reconhece-se a importância de cada um dos componentes da rede, expandindo as proposições conceituais na interface entre categorias naturais, sociais e discursivas.

Na trm prioriza-se como foco central o processo e as implicações de todos os mediadores. Por isso, configura-se como matriz teórica apropriada para compreender as implicações do processo de elaboração e utilização de novos artefatos pedagógicos (materiais didáticos) para mediação pedagógica. Os materiais didáticos, objetos e ambientes virtuais são os resultados concretos, os mediadores não-humanos produzidos; estão materializados; podem ser compartilhados. Na perspectiva de construção conceitual na trm, o registro do processo, esquemas, ilustrações, gráficos, artigos, teses, entre outros códigos de linguagem, também são resultados que permitem compartilhar interpretações e análises do evento investigado.

Seguir os mediadores implica compreender que o conhecimento científico é resultante das mediações estabelecidas no contexto da ciência em ação, uma vez que os produtos (novos artefatos) sempre são efeitos de uma rede heterogênea de h-nh.

A pergunta de estudos científicos embasados na trm deve girar em torno das interações, interferências e ações. Como elas acontecem? Como se sustentam? Como geram efeitos em níveis macro como organização, poder, estabilidade? (Law, 2007). Cartografar a ciência em ação no interior de uma rede de h-nh requer analisar as práticas cotidianas, registrar as decisões, compreender como os problemas são resolvidos e organizar proposições conceituais que podem servir de indicadores para ações futuras. Essa perspectiva epistemológica é apropriada para a educação escolar, pois assim pode-se avançar para a produção de conhecimento, levando em consideração a tecnologia, como resultado da produção da humanidade. No lastro da trm, os conhecimentos educacionais produzidos no âmbito dos fundamentos da educação com base na filosofia, psicologia, sociologia e antropologia passam a ser complementados em virtude do par ciência-tecnologia.

3.   Mediação

No espectro da trm, o princípio mediação se localiza como um dos nós centrais acoplado ao conceito rede. Mediação é um conceito amplamente utilizado em educação, tanto na modalidade presencial quanto a distância. Tem suas raízes em diversas disciplinas específicas das ciências humanas ou mesmo em princípios das ciências naturais. Embora muitas vezes seja utilizado acoplado aos conceitos de pedagogia e didática nem sempre a matriz teórica, na qual se apoia é explicitada. A mediação é um princípio amplamente desenvolvido nos campos da filosofia, da sociologia e da psicologia. Destaca-se como exemplo a Teoria da Atividade, desenvolvida nos trabalhos de Vigotski, Leontiev, Luria e Davidov que adotam o conceito para analisar a atividade humana historicamente desenvolvida.

A mediação é um conceito particularmente importante em educação pelas relações estabelecidas na esfera do que Chevallard (1991) chama de triângulo didático: Professores-Estudantes-Conhecimento. Devido a essa especificidade, aspectos não-humanos como os materiais didáticos hipermidiáticos adquirem um caráter mediador imprescindível no processo ensino-aprendizagem, juntamente com todos os desdobramentos das ações humanas envolvidas em torno desses artefatos pedagógicos. Esse caráter mediador é marcado pela interação e pela interatividade requerida na educação escolar.

Os postulados da trm apontam como contribuições particularmente importantes para a análise do processo de produção de novos artefatos pedagógicos (materiais didáticos), utilizados em grande escala na mediação pedagógica seja ela presencial ou a distância. O conjunto de mediadores não-humanos que mobilizam e potencializam a interação no processo ensino-aprendizagem implica na adoção de um ponto de vista conceitual capaz de tratar da heterogeneidade, do híbrido que mistura, sem cessar, professores, estudantes, tutores, materiais didáticos, objetos digitais, ambientes virtuais, etc. A trm traz, portanto, um novo palco para os estudos educacionais sobre mediação pedagógica pelo fato de estar assentada no pressuposto da indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade.

Para investigar e compreender as singularidades da mediação pedagógica torna-se necessário registrar, analisar e entender as ações de cada um dos componentes envolvidos, as decisões e as ações que provocam constantes (des)equilíbrios. Latour (2001) permite dizer que a maneira de definir um mediador é por intermédio de sua ação que provoca modificações, perturbações, que faz enunciações. A definição de um mediador se consegue a partir das suas performances, a partir daquilo que é capaz de fazer, por aquilo que provoca mudanças na ação de outros mediadores. Não é uma questão de definir a essência dos eventos, de definir o que «É» um mediador. Mas, sim de mapear a sua potencialidade, aquilo que Pode Ser e Fazer. Os princípios centrais da mediação passam a ser a ação, interação e interatividade (Mallmann, 2008).

A mediação na perspectiva das redes não reforça a oposição entre os mediadores. Isso caracteriza a mediação como um evento que sempre depende da composição de h-nh em redes, um acontecimento, a ação e os resultados efetivamente produzidos. A mediação é entendida como força positiva, como pulsão, ressonância das ações do coletivo de h-nh.

Analisar os eventos em redes implica entender que todos os componentes são modificados durante as ações empreendidas. A compreensão transcorre num plano em que a análise não se prende às relações lineares ou circulares entre causas e efeitos, entre processo e produtos. Os processos educacionais, nessa perspectiva, são composições que levam em consideração contexto, artefatos (sociais, culturais, tecnológicos), condições, temas de interesse, pessoas envolvidas. A mediação é o que se estabelece entre todos esses aspectos sendo, ao mesmo tempo, propósito, processo e resultado. Detalharemos, a seguir, as especificidades do conceito mediação tal como proposto na trm para avançar na explicitação das possibilidades e das inovações da mediação pedagógica.

3.1 Os quatro significados da mediação

A mediação pedagógica, tal como proposta em Mallmann (2008), situa-se dentro de um cenário em que se mesclam as ações e as interferências de h-nh desde os materiais didáticos efetivamente produzidos e dos entendimentos sobre os mesmos, da interatividade e das interações que provocam, das ações ensinar e aprender que impulsionam. Por isso, no escopo epistemológico da trm, uma definição da mediação e de seu papel na organização de um coletivo de mediadores h-nh torna-se imprescindível. De acordo com as contribuições de Latour (1994; 1999; 2000; 2001), mediação é um conceito cheio de indeterminações e desdobramentos. Para compreendê-lo, o autor propõe quatro significados complementares e interligados, discutidos a seguir:

  • a) translação de objetivos: a partir dessa definição a preocupação central dos trabalhos de investigação científica não é a definição do que é o objeto ou o que é o sujeito numa rede. Há um deslocamento do verbo ser para a locução verbal poder fazer. Discute-se a interferência simétrica de h-nh na ação, constituindo um terceiro agente. Fica mais fácil ser compreendido a partir de exemplos já localizados no cenário educacional, já que o entendimento que se procura é sobre o conceito mediação pedagógica: o terceiro agente, o professor-material didático ou o material didático-professor, forma-se a partir desse par humano (professor) e não-humano (material didático). A translação de objetivos envolve aspectos como a problematização, interesse, envolvimento e mobilização de aliados. Os materiais didáticos tornam-se aliados dos professores no processo de ensino e dos estudantes nas etapas de estudo. Por isso, analisar o processo ensino-aprendizagem a partir da interação professor-estudante ou a partir da mediação professor-materiais didáticos-estudantes requer bases epistemológicas diferenciadas.

Os mediadores são sempre definidos a partir das interferências que provocam nas ações dos outros numa rede. Na mediação pedagógica o professor potencializa sua ação docente, primeiro ao elaborar o material e depois ao implementá-lo. O trabalho do professor no processo ensino-aprendizagem modifica-se na medida em que produz novos artefatos pedagógicos (materiais didáticos). A ação do professor torna-se diferente em função das ações realizadas em torno da produção material didático e também na sua implementação. O interesse do professor não recai apenas na aplicação de um material produzido por outro autor. O novo artefato pedagógico construído é a marca concreta da sua própria autoria. O objetivo da ação docente amplia-se, agregando competências científicas, didático-metodológicas, políticas e éticas, fundamentais na transposição didática (Chevallard, 1991).

A translação de objetivos compreende um dos estágios mais intensos do princípio da mediação do ponto de vista da trm. Agregar mediadores não-humanos para potencializar as ações significa assumir graus de responsabilidade diferenciados em relação à estabilidade das redes, garantindo interações mais significativas. A mediação pedagógica é potencializada na medida em que as ações humanas (professores, tutores, estudantes) estão sustentadas por artefatos não-humanos (materiais didáticos hipermidiáticos), tendo em vista os objetivos que pretendem ser alcançados no processo ensino-aprendizagem.

  • b) composição: aqui se fala em composição da ação como desdobramento da «translação de objetivos». O agente Humano associa-se com o agente Não-Humano, potencializando a ação. Dessa forma, ambos tornam «a ação uma das propriedades das entidades associadas [...]. A ação não é uma propriedade de humanos, mas de uma associação de atuantes». (Latour, 2001, p. 210). Não é somente um agente não-humano, mas diversos agentes não-humanos que são articulados, adaptados, produzidos, modificados pelos humanos, compondo novos objetivos, potencializando ações e fortalecendo a indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade.
  • c) obscurecimento reversível: o conceito de obscurecimento é tratado como sinônimo de «caixa-preta». Em diversas situações os não-humanos sequer são percebidos. Participam das ações, mas são tratados como se fossem invisíveis na medida em que tudo transcorre no curso do tempo e do espaço planejados com antecedência. Enquanto uma ação é praticada, vários mediadores h-nh ora se reúnem ora se dispersam, constituindo diversos passos e grupos, embora isso nem sempre esteja explícito.

Numa situação pedagógica organizada em videoconferência, por exemplo, na maioria dos casos os professores, tutores e estudantes tratam dos conteúdos, realizam interações sem priorizarem suas compreensões em relação aos artefatos tecnológicos envolvidos. Os mediadores não-humanos se tornam foco de interesse quando provocam desequilíbrios, quando desestabilizam situações confortáveis de comunicação. Eles são focos de atenção quando surgem problemas que interferem diretamente no sucesso do planejamento inicialmente proposto.

  • d) delegação: a fronteira entre as coisas e os signos que elas emitem é transposta porque novas funções são delegadas em virtude da presença de mediadores não-humanos nas ações. Por exemplo, um quebra-molas interfere na ação dos motoristas obrigando-os a diminuir a velocidade caso não queiram provocar acidentes ou romper a estrutura do veículo. Esse mediador não-humano comporta todo trabalho da equipe de engenheiros que o projetaram em função de uma velocidade máxima permitida pela legislação, contempla a ausência de um guarda controlando a velocidade e, além disso, substitui outros mediadores como semáforos ou controladores eletrônicos de velocidade. A delegação é mais incisiva que a translação porque a mudança de significado é muito maior. Há uma mudança de comportamento humano imediata provocada pela presença de um mediador não-humano.

Em se tratando da mediação pedagógica destaca-se a potencialidade das atividades didático-metodológicas planejadas nos materiais didáticos. Os Ambientes Virtuais de Ensino-Aprendizagem (avea), por exemplo, disponibilizam uma série de ferramentas que permitem o planejamento de delegações no processo de aprendizagem dos estudantes. Atividades de avaliação em hipertextos, tarefas, lições ou edições colaborativas implicam em condutas diferenciadas. Na medida em que os próprios materiais apresentam orientações que instigam os estudantes a organizarem seus ritmos de estudos não é necessário que o professor ou o tutor fiquem permanentemente de vigília sinalizando os percursos para os estudantes.

A partir dos quatro conceitos desenvolvidos por Latour (1994; 1999; 2000; 2001) a mediação implica ações numa rede h-nh como um coletivo que produz eventos. «Em sentido algum se pode dizer que os humanos existem como humanos sem entrarem em contato com aquilo que os autoriza e capacita a existir (ou seja, agir)» (Latour, 2001, p.221).

Mediadores provocam e potencializam ações e ao mesmo tempo se modificam com ela. Portanto, só há sentido falar em mediação no interior de uma ação. «Entremesclar-se; bifurcar; acontecer, coalescer; negociar; aliar; ser circunstância de [...]. A ação não é o que as pessoas fazem, mas sim o fait-faire, o faz-fazer, realizado juntamente com outros num evento, com as oportunidades específicas fornecidas pelas circunstâncias» (Latour, 2001, p. 323).

Diante das especificidades do conceito mediação, fica claro que os mediadores modificam as ações reordenando a conjuntura das redes. Mais claramente, isso significa avançar para a compreensão de que os mediadores (também denominados artefatos, ferramentas, recursos, tecnologias e, no nosso caso, materiais didáticos) são essenciais para o desenvolvimento cognitivo, para a ativação diante da resolução de problemas, agilizar comunicação, potencializar colaboração e interação.

4.   Mediação pedagógica

Os conceitos redes e mediação no panorama conceitual da trm trazem referências e ressonâncias significativas para a compreensão dos eventos educacionais em virtude do foco temático que gira em torno do movimento retrospectivo e prospectivo que os artefatos pedagógicos (materiais didáticos hipermidiáticos, objetos e ambientes virtuais) provocam no triângulo didático professores-estudantes-conhecimento. Essa é uma das esferas que permite construir a transposição das proposições conceituais da trm para pesquisas e produções teórico-metodológicas em educação, especialmente, para que os aspectos científico-tecnológicos envolvidos na mediação pedagógica não sejam negligenciados. A ressonância dos conceitos redes e mediação da trm na produção teórica sobre mediação pedagógica podem ser mais bem compreendidas na rede conceitual organizada na figura 1.

A mediação pedagógica comporta a relação das pessoas entre si e dessas com o saber, levando-se em consideração todos os mediadores que potencializam o ensino e a aprendizagem. A mediação pedagógica requer preocupação com a organização didático-metodológica dos saberes a serem ensinados, contemplando as ações em torno do conhecimento contextualizado em função da linguagem, das práticas socioculturais e dos avanços científico-tecnológicos. Tratar da mediação pedagógica implica recorrer às singularidades do processo ensino-aprendizagem em virtude dos diferentes aspectos que o compõem e isso, conforme a trm, significa não perder de vista os mediadores humanos e os não-humanos.

Os recortes conceituais e operacionais que são propostos na análise da mediação pedagógica sempre se desdobram em vários níveis em função dos h-nh envolvidos. A mediação dentro do contexto educacional vem acoplada aos conceitos da pedagogia, didática, tecnologia, metodologia, fundamentos da educação (psicologia, sociologia, filosofia) entre tantos outros pilares que poderiam ser eleitos em função dos recortes temáticos específicos.

A mediação pedagógica se constitui dos enunciados, signos, atributos, translações, composições e delegações próprias do evento ensino-aprendizagem. O sentido da mediação pedagógica no interior das circunstâncias educacionais é proporcionado pelo «faz-fazer» característico dos mediadores como os materiais didáticos que promovem o encontro de professores, estudantes e conhecimentos no âmbito das modalidades presencial e a distância.

As ações ensinar e aprender transcorrem no percurso das etapas de translação de objetivos, composição de novos objetivos, obscurecimentos e delegações provocadas pela coletividade que professores e estudantes estabelecem com os materiais didáticos nos contextos educacionais. Tanto professores quanto estudantes e materiais didáticos são mediadores, compondo redes e gerando constantes espirais de equilíbrio-desequilíbrio.

Aqui a argumentação se concentra em torno de uma ideia principal: compreender a mediação na perspectiva das redes preconizada pela trm significa levar em consideração as ações propriamente ditas e, especialmente, o conjunto de artefatos científico-tecnológicos que as potencializam. No campo educacional, mediação pedagógica, portanto, não se trata das pessoas nem dos materiais nem das tecnologias isoladamente. Uma definição amparada na trm sinaliza que a mediação pedagógica é a dinâmica ação-reflexão-ação própria do processo ensino-aprendizagem sustentada no princípio do «faz fazer» impulsionado pelas redes de h-nh que configuram o cenário educacional.

Desse modo, os materiais didáticos são muito mais do que intermediários, ferramentas, meios ou pontes que permitem o acesso de professores e estudantes ao conhecimento. Esses artefatos pedagógicos mobilizam os estudantes para a ação estudar da mesma forma como mobilizam os professores para a ação ensinar. São imperativos, requerendo ações concretas de professores quando se tornam autores nos períodos de planejamento e elaboração das estratégias de ensino-aprendizagem. Da mesma forma, «fazem os estudantes fazer» leituras, exercícios, pesquisas, estudos, avaliações, provocam interações e comunicação.

Para compreender as implicações conceituais e operacionais da mediação pedagógica amparada na trm explicitamos que ela não se restringe a princípios únicos. Mediação pedagógica não pode ser definida apenas como interação ou apenas como interatividade. Mediação também não é compreendida como meio, caminho. Por isso, os artefatos tecnológicos não são a mediação, são mediadores. Nesse viés, materiais didáticos precisam estar sistematizados de tal forma que mobilizem ações e operações de ensino-aprendizagem.

5.   Conclusões

Um dos propósitos desse texto foi explicitar os conceitos redes e mediação da trm como contribuições para investigar, analisar e compreender as implicações dos materiais didáticos hipermidiáticos, objetos e ambientes virtuais na mediação pedagógica, seja ela presencial ou a distância. O fator inovador na opção por essa matriz teórica no âmbito da pesquisa e produção conceitual em educação reside na relevância que os atributos científico-tecnológicos adquirem na compreensão das ações humanas no processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, ao tratarmos de mediação pedagógica levamos em consideração não apenas a interação entre as pessoas envolvidas, mas também as implicações das próprias tecnologias que permitem e/ou potencializam essa interação por meio da interatividade. Na base desse argumento é possível pensar uma infinidade de inovações no campo educacional, avançando para a produção de tecnologias que permitem cada vez mais a interação e a interatividade em torno dos conteúdos curriculares, levando-se em consideração as especificidades de cada área.

A mediação pedagógica requer dos estudantes um exercício intenso de autonomia na organização do tempo-espaço de estudo e dos professores competência científico-didática, autonomia e princípios éticos na seleção, adaptação e/ou produção de novos artefatos pedagógicos (materiais didáticos) para o ensino.

Desse modo, percebe-se que as ações ensinar e aprender são mediadas pelos materiais didáticos hipermidiáticos que comportam delegações didático-metodológicas (desafio e ativação para o estudo) desdobradas em textos para leitura e interpretação, atividades de pesquisa, exercícios, resolução de problemas, resumos, destaques, tarefas individuais e coletivas. Nesse aspecto reside uma consequência especial na proposição do conceito mediação pedagógica compreendida na perspectiva epistemológica da trm. Na medida em que investigarmos e compreendermos melhor o agenciamento possível nas redes h-nh (no escopo escolar essas redes se formam entre professores, estudantes e tecnologias educacionais) poderemos avançar em termos de fluência tecnológica; metodologias que levem em consideração estilos de aprendizagem; estratégias que desafiem e ativem mais os estudantes (delegações propriamente ditas).

Quando os professores se envolvem na produção de novos materiais didáticos eles próprios organizam e sistematizam essas delegações de acordo com as condições estruturais das redes de h-nh envolvidos durante a produção. Desse modo, os resultados das pesquisas realizadas em torno das potencialidades dos materiais didáticos na mediação pedagógica indicam a necessidade de analisar, além das características do material propriamente dito, as condições logísticas, o tempo, os recursos, as referências e as evidências de colaboração.

Uma das maiores contribuições da trm enquanto fundamentação epistemológica no escopo da pesquisa e da produção conceitual em educação é permitir compreender que a mediação pedagógica não se resume à interação e à comunicação que acontece entre professores e estudantes no percurso do processo ensino-aprendizagem. Ao incluir os materiais didáticos, objetos e ambientes virtuais na estruturação de um evento educacional torna-se evidente que as delegações que eles comportam implicam na disposição dos estudantes diante dos estudos e da compreensão conceitual estabelecida a partir dos conhecimentos prévios até os científico-escolares.

A mediação pedagógica é a própria dinâmica ação-reflexão-ação docente e discente acentuada pelos mediadores não-humanos cuja presença e relevância são evidentes em situações educativas, independentemente do nível de escolaridade. Os postulados da trm contribuem de maneira significativa nas reflexões sobre a mediação pedagógica por evidenciarem atenção ao movimento tanto retrospectivo quanto prospectivo do processo ensino-aprendizagem fortalecido, sistematizado, potencializado ou obscurecido pelos mediadores não-humanos. Por exemplo, para examinar com cuidado e compreender as particularidades de uma aula, muitas vezes torna-se necessário recorrer aos acontecimentos e condições transcorridos durante as fases de planejamento, tanto em nível macro (políticas públicas, currículos, projetos pedagógicos, recursos didáticos, planos de ensino) quanto em nível micro (planos de aula, materiais didáticos, laboratórios).

A mediação pedagógica não se restringe às etapas de aplicação das aulas, de modo que, ao pesquisar, observar, registrar, compartilhar e avaliar o processo de produção dos novos artefatos pedagógicos, antes mesmo da aplicação das disciplinas, torna possível compreender muitas singularidades da mediação. Da mesma forma, essas especificidades são mais bem compreendidas quando se leva em consideração as potencialidades ou fragilidades dos mediadores não-humanos (materiais didáticos) utilizados.

Muitos mediadores diversificam, ampliam e reorganizam as ações no processo ensino-aprendizagem, reformulando constantemente o sentido e a potencialidade da mediação pedagógica. De acordo com a trm, muitas singularidades a respeito desses mediadores somente são perceptíveis enquanto se acompanha o seu movimento de produção e utilização. Assim acontece com os mediadores pedagógicos não-humanos. Diversas questões da mediação pedagógica podem ser compreendidas quando se está implicado no processo de elaboração dos materiais didáticos hipermidiáticos. Inevitavelmente, as ações ensinar e aprender se reconfiguram nesse cenário de produção de novos mediadores não-humanos. Competências, habilidades, poderes para decisões e disponibilidade para ação ensinar-aprender requerem diferentes matrizes conceituais e operacionais quando se admite as redes de h-nh.

No lastro epistemológico da trm, a mediação pedagógica se define por todas as ações e operações (interação e interatividade) que geram desenvolvimento cognitivo e ativação diante da resolução de problemas típicos da escolaridade. A mediação pedagógica é, ao mesmo tempo, interação e interatividade em torno de recortes temáticos específicos (redes conceituais parametrizadas curricularmente). Por isso, precisa ser potencializada pelos mediadores h-nh que constituem a rede escolar.

Portanto, a mediação pedagógica é um evento que se define pelas ações realizadas e provocadas pelos mediadores h-nh. De acordo com a trm, a ação (Faz fazer) é um princípio central nas situações de ensino-aprendizagem. No cenário da pesquisa educacional, a opção por essa matriz teórica é inovadora e pode ser considerada um salto conceitual para a investigação e a compreensão da mediação pedagógica, já que na perspectiva das redes o fundamento epistemológico reside na indissociabilidade entre ciência, tecnologia e sociedade.

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